REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202501310935
Andressa Taís Tavares Costa1
Berlison da Silva Martins2
Mileny Rodrigues da Silva3
Orientador: Prof. Me. Malena Vidal do Santos4
Resumo:
Este trabalho explora a importância da oralidade na literatura infantil e sua influência na formação de leitores. Com uma abordagem qualitativa e exploratória, investiga-se como elementos de oralidade, como rimas, ritmos e aspectos culturais, estão presentes em obras literárias infantis e contribuem para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças. Também é realizada uma análise pedagógica dessas obras, onde o estudo reflete sobre o papel estético e educativo da oralidade na construção de identidades culturais e no incentivo à leitura desde a infância. Conclui-se que a integração da oralidade às práticas pedagógicas não só promove o engajamento das crianças com a leitura, mas também fortalece suas habilidades críticas, criativas e culturais, evidenciando a literatura infantil como uma ferramenta essencial para a formação de leitores críticos no Brasil contemporâneo.
Palavras-chave: Literatura Infantil; Oralidade; Formação de Leitores.
Abstract:
This work explores the importance of orality in children’s literature and its influence on the formation of readers. With a qualitative and exploratory approach, we investigate how oral elements, such as rhymes, rhythms and cultural aspects, are present in children’s literary works and contribute to children’s cognitive, emotional and social development. A pedagogical analysis of these works is also carried out, where the study reflects on the aesthetic and educational role of orality in the construction of cultural identities and in encouraging reading from childhood. It is concluded that the integration of orality into pedagogical practices not only promotes children’s engagement with reading, but also strengthens their critical, creative and cultural skills, highlighting children’s literature as an essential tool for training critical readers in contemporary Brazil .
Keywords: Children’s Literature; Orality; Reader Training.
1. INTRODUÇÃO
A literatura infantil desempenha um papel essencial na formação de leitores, oferecendo às crianças a oportunidade de explorar o mundo das palavras, das narrativas e da imaginação. Trata-se de um gênero literário que vai além do simples entretenimento, contribuindo para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social do indivíduo. Em particular, a oralidade se destaca como um elemento central nesse processo, pois permite a interação entre o texto e o ouvinte, conectando a linguagem escrita às tradições culturais e às práticas de contação de histórias.
Embora amplamente reconhecida, a influência da oralidade na literatura infantil e na formação de leitores ainda é um campo que carece de investigações mais aprofundadas. Isso levanta a questão: como os recursos de oralidade presentes nas obras infantis contribuem para o desenvolvimento do hábito de leitura e da compreensão textual nas crianças? A partir dessa problematização, este estudo busca explorar os efeitos estéticos e pedagógicos da oralidade, investigando como ela pode ser utilizada como ferramenta para engajar as crianças com a leitura desde os primeiros anos de vida.
Dessa forma, o objetivo geral deste trabalho é investigar a contribuição da oralidade na literatura infantil para a formação de leitores no contexto brasileiro. Especificamente, pretende-se: identificar características da oralidade presentes em obras literárias infantis brasileiras; analisar como a linguagem verbal oral é trabalhada nessas narrativas; compreender a relação entre práticas de contação de histórias e o desenvolvimento do hábito de leitura; e propor reflexões sobre o papel estético e educativo da oralidade na literatura infantil.
A escolha do tema justifica-se pela relevância da literatura infantil como recurso educacional e cultural em um país onde os índices de leitura são baixos e muitas crianças têm pouco acesso a livros. A valorização da oralidade permite explorar práticas pedagógicas inovadoras que estimulam o gosto pela leitura, ao mesmo tempo em que resgatam e fortalecem as tradições culturais brasileiras. Além disso, esta pesquisa busca contribuir para os estudos literários e educacionais, enfatizando a importância da oralidade na formação de leitores críticos e criativos.
Partindo da hipótese de que a oralidade presente nas obras infantis facilita a compreensão textual, promove o engajamento com a leitura e contribui para o desenvolvimento crítico desde a infância, este trabalho se baseará em uma revisão bibliográfica e na análise qualitativa de obras literárias infantis. Assim, espera-se que os resultados evidenciam a relevância da oralidade como um elemento estético e pedagógico fundamental para a formação leitora, corroborando a ideia de que o contato precoce com a literatura infantil pode transformar a relação da criança com a leitura ao longo de sua vida.
2. METODOLOGIA
A metodologia utilizada para a elaboração deste trabalho seguiu uma abordagem qualitativa, com características exploratórias e analíticas, centrada na análise de obras literárias infantis brasileiras que incorporam elementos de oralidade. Assim, o estudo buscou compreender de que forma esses recursos impactam a formação de leitores, com base em uma revisão teórica e na análise textual de obras selecionadas.
Inicialmente, foi realizado um levantamento bibliográfico em bases de dados acadêmicas, como Scielo e Google Scholar, bem como em bibliotecas físicas e digitais, para identificar artigos, livros e estudos relacionados à oralidade na literatura infantil e à formação de leitores. O uso de softwares como Mendeley e Zotero facilitou o gerenciamento das referências.
Paralelamente, foram estabelecidos critérios para a seleção das obras literárias infantis a serem analisadas, priorizando textos que incorporam elementos de oralidade, como rimas, repetições, ritmos e diálogos. Foram escolhidos autores brasileiros reconhecidos por integrar elementos da cultura popular em suas narrativas.
As obras literárias selecionadas foram analisadas com o objetivo de identificar características formais e estilísticas que evidenciam a presença de oralidade. Este processo incluiu a leitura crítica dos textos e a identificação de elementos como:
- Estruturas rítmicas e repetitivas.
- Utilização de linguagem coloquial e dialógica.
- Integração de aspectos culturais ligados à tradição oral brasileira, como lendas, cantigas e parlendas. Simultaneamente, foram revisados artigos e estudos acadêmicos que tratam do impacto da oralidade na literatura infantil e da sua função pedagógica.
- Obras infantis utilizadas na pesquisa:
a) Menina Bonita do Laço de Fita – Ana Maria Machado
b) Bisa Bia, Bisa Bel – Ana Maria Machado
c) O Menino Maluquinho – Ziraldo
d) Sítio do Picapau Amarelo – Monteiro Lobato
e) Amoras – Emicida
f) Sinto o que Sinto – Lázaro Ramos
g) A Avó Amarela – Júlia Medeiros
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Literatura Infantil e Sua Importância para a Formação de Leitores
A educação infantil desempenha um papel essencial na formação de leitores, sendo um período crucial para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças (Meyer, 2019). A literatura infantil, nesse contexto, emerge como uma ferramenta poderosa para estimular a aquisição da linguagem, a criatividade e o pensamento crítico desde os primeiros anos de vida. Este item busca explorar como a educação infantil pode atuar na formação de leitores, articulando as práticas pedagógicas com os objetivos do presente estudo.
Historicamente, o conceito de infância foi ignorado ou subestimado em muitas sociedades. Durante séculos, as crianças eram vistas como adultos em miniatura, sendo inseridas em contextos sociais e laborais inadequados à sua fase de desenvolvimento. Segundo Didonet (2001), a singularidade da infância foi amplamente negligenciada, e somente com as transformações sociais iniciadas na Revolução Industrial é que surgiram as primeiras preocupações com a saúde, o bem-estar e a educação das crianças. Nesse período, medidas como a criação de creches e escolas infantis começaram a se consolidar, atendendo às necessidades emergentes de proteção e educação.
Com o avançar do século XIX, a visão sobre a infância passou por uma transformação significativa. Paschoal (2009) aponta que a humanização da criança trouxe novas perspectivas para a educação infantil, reconhecendo-a como uma fase de formação crítica para o desenvolvimento humano. Essa evolução proporcionou as bases para que a literatura infantil se consolidasse como uma ferramenta pedagógica indispensável.
No contexto atual, a literatura infantil não apenas instrui, mas também diverte e emociona, conforme sugerido no artigo “Leitura e oralidade na literatura infantil: práticas e reflexões”, de Meyer (2019). Ela opera em três áreas principais: afetividade, ao despertar a sensibilidade e o amor à literatura; compreensão, promovendo a leitura e a interpretação textual; e inteligência, ao estimular a aquisição de novos conceitos. Essa multifuncionalidade torna a literatura infantil uma aliada no processo de ensino-aprendizagem, incentivando o desenvolvimento de habilidades essenciais para a formação de leitores críticos e criativos.
A estimulação precoce da linguagem, por meio da interação entre crianças e adultos, é fundamental nesse processo. Pais, familiares e professores têm um papel primordial ao conversar com bebês e crianças pequenas, acompanhando suas brincadeiras, mediando suas falas e criando sentido à vida social. Como destacam Barbosa e Oliveira (2016), é na educação infantil que a transmissão da cultura oral ganha espaço privilegiado. A roda de conversa, a leitura compartilhada, as contações de histórias e brincadeiras rítmicas promovem interações ricas que contribuem diretamente para o desenvolvimento da oralidade e para a aquisição de habilidades linguísticas e sociais.
No âmbito pedagógico, as obras literárias destinadas ao público infantil precisam ser envolventes, criativas e emocionalmente significativas. Histórias com rimas, repetições e elementos da cultura popular brasileira, como as de Ana Maria Machado e Ricardo Azevedo, exemplificam como a literatura infantil pode capturar a atenção das crianças e fomentar o gosto pela leitura. Conforme apontado por Barbosa e Oliveira (2016), é essencial que os professores não infantilizem suas falas, mas estimulem as crianças a se expressarem de forma criativa e confiante.
A educação infantil também desempenha um papel crucial na inclusão de crianças em contextos letrados. Em muitas regiões do Brasil, onde o acesso aos livros ainda é limitado, a escola torna-se um espaço privilegiado para a introdução à leitura. Nesse sentido, a literatura infantil assume uma função social transformadora, ao possibilitar que as crianças entrem em contato com narrativas que refletem suas vivências e as inspiram a explorar o mundo das palavras (Almeida, 2021).
A análise de obras que integram elementos de oralidade, como rimas e ritmos, demonstra como esses recursos podem ser utilizados de forma estética e educativa. A interação entre as crianças e as narrativas orais não apenas fortalece suas habilidades linguísticas, mas também promove o resgate de tradições culturais brasileiras, alinhando-se à necessidade de valorizar nossa identidade cultural (Almeida, 2021).
Assim, a educação infantil é um alicerce fundamental na formação de leitores, atuando como ponte entre o universo oral e o letrado. Por meio de práticas pedagógicas que valorizem a oralidade e a literatura, é possível transformar a relação das crianças com a leitura, contribuindo para o desenvolvimento de uma geração de leitores mais críticos, criativos e engajados.
3.2 A Oralidade nas Perspectivas da Educação Infantil
A oralidade é uma das formas mais antigas de transmissão de conhecimento e ocupa um lugar central na educação infantil, contribuindo significativamente para o desenvolvimento linguístico, cognitivo e social das crianças. Ao longo da história, a cultura oral foi o principal meio de compartilhamento de experiências e saberes, sendo influenciada, no contexto brasileiro, pelas contribuições das culturas indígena, africana e portuguesa. A interação dessas tradições formou uma literatura infantil rica e original, que combina elementos da oralidade com narrativas escritas para educar, entreter e preservar valores culturais.
Para Almeida (2021), a oralidade se manifesta desde os primeiros momentos de vida da criança. Os bebês emitem sons que evoluem para palavras, permitindo uma comunicação inicial com os adultos. Como afirmam Barbosa e Oliveira (2016), essa linguagem simples e repetitiva é fundamental para o desenvolvimento da comunicação. A observação, o olhar atento e a imitação são processos naturais que auxiliam a criança a adquirir vocabulário e compreensão. Por isso, é crucial que pais, familiares e educadores conversem com as crianças de maneira intencional, mediando suas interações e estimulando a expressão oral desde cedo.
No âmbito educacional, a oralidade desempenha um papel essencial no planejamento pedagógico. Segundo Goulart e Mata (2016), a linguagem oral e escrita são ferramentas que aproximam as pessoas e promovem a participação cultural em sociedades letradas. Para que as crianças se apropriem desses conhecimentos, é imprescindível que as práticas escolares estimulem a oralidade de forma sistemática e planejada. A roda de conversa, a leitura compartilhada, a contação de histórias e as brincadeiras rítmicas são exemplos de atividades que potencializam a aquisição da linguagem e promovem o desenvolvimento integral das crianças.
Historicamente, o reconhecimento da importância da oralidade na educação infantil esteve associado à evolução do conceito de infância. Durante o período colonial, as crianças eram vistas como adultos em miniatura, e sua singularidade não era valorizada (DIDONET, 2001). Foi apenas com as transformações sociais e culturais ocorridas a partir do século XVIII, especialmente com o advento da Revolução Industrial, que a infância passou a ser percebida como uma etapa específica da vida, com necessidades e direitos próprios. Esse movimento culminou, no século XIX, na institucionalização da educação infantil, trazendo à tona a importância da oralidade como elemento estruturante das práticas pedagógicas (PASCHOAL, 2009).
No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/1996 consolidou a educação infantil como a primeira etapa da educação básica, destacando a importância do desenvolvimento integral das crianças de até seis anos. Além disso, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reforça que a oralidade deve ser trabalhada de maneira integrada às demais áreas do conhecimento, promovendo a interação e a exploração de diferentes linguagens. A BNCC reconhece, ainda, o papel da cultura oral na transmissão de valores e saberes, propondo que atividades como roda de conversa, contação de histórias e cantigas sejam inseridas no cotidiano escolar.
Nesse contexto, a oralidade é entendida não apenas como uma forma de comunicação, mas como um fenômeno cultural e social que conecta as crianças às suas origens e tradições. A educação infantil tem a missão de preservar essa herança, ao mesmo tempo em que prepara as crianças para os desafios das sociedades letradas. Segundo Barbosa e Oliveira (2016), é na escola que as crianças têm a oportunidade de vivenciar experiências de oralidade enriquecedoras, como ouvir e contar histórias, explorar parlendas, participar de rodas de música e brincar com rimas e jogos de palavras.
As práticas pedagógicas que valorizam a oralidade devem ser planejadas de forma a respeitar o desenvolvimento infantil e incentivar a expressão criativa. Como apontam Barbosa e Oliveira (2016), a escuta ativa é um dos elementos mais importantes nesse processo. Professores e auxiliares devem criar um ambiente acolhedor, onde as crianças se sintam encorajadas a se expressar e a compartilhar suas experiências. Além disso, a utilização de recursos como histórias da cultura popular, contos de fadas e lendas tradicionais pode enriquecer o repertório linguístico e cultural dos pequenos.
Assim, a oralidade na educação infantil vai além do desenvolvimento da linguagem. Ela promove a formação de vínculos afetivos, estimula a imaginação e fortalece a autoestima das crianças. Ao trabalhar a oralidade como eixo central das práticas pedagógicas, a educação infantil contribui para a formação de leitores críticos e criativos, alinhando-se aos objetivos do presente estudo. Dessa forma, reforça-se a importância de valorizar a cultura oral como um caminho para a inclusão e o desenvolvimento integral das crianças.
3.3 Leitura Infantil e o Papel do Professor
A leitura infantil desempenha um papel crucial no desenvolvimento integral das crianças, englobando aspectos cognitivos, emocionais e sociais. Estudos recentes destacam que a literatura infantil promove a imaginação, o raciocínio lógico e a capacidade de resolução de problemas. De acordo com Santos e Oliveira (2020), o ato de ouvir e interpretar histórias estimula áreas cerebrais relacionadas à compreensão e à criação de narrativas internas, o que reforça a capacidade criativa e analítica desde cedo.
O desenvolvimento cognitivo é fortemente impactado pela literatura infantil. Segundo Alves et al. (2019), livros que apresentam dilemas ou questões éticas ajudam a fortalecer o pensamento crítico das crianças, permitindo que elas analisem diferentes perspectivas. Ademais, narrativas literárias envolventes estimulam a organização de informações e a previsão de desfechos, contribuindo para a consolidação do raciocínio lógico e da compreensão textual.
Do ponto de vista emocional, a leitura infantil é uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento da empatia e da compreensão de valores. Conforme apontam Lima e Silva (2021), histórias que abordam temas como amizade, inclusão e superação ajudam as crianças a reconhecerem e entenderem diferentes emoções. Essa experiência literária contribui para a formação de indivíduos mais conscientes e compassivos, capazes de se relacionar de forma positiva com o mundo ao seu redor.
Nesse processo, o professor ocupa um lugar central como mediador. De acordo com Rocha e Almeida (2022), a mediação docente durante a leitura contribui para a compreensão dos textos e para a ampliação do vocabulário das crianças. Por meio de atividades como rodas de leitura e contação de histórias, o professor não apenas incentiva a interação com os textos, mas também cria um espaço para a discussão coletiva, permitindo que os alunos expressem suas ideias e questionamentos.
Ao longo da história, diversas obras da literatura infantil se destacaram na formação de leitores. Títulos clássicos como Os Três Porquinhos e João e Maria desempenharam um papel fundamental ao introduzir crianças ao mundo da narrativa. Contudo, conforme argumentam Ferreira e Costa (2023), a evolução dos valores sociais e culturais levou à substituição de muitas dessas obras por textos que refletem as demandas contemporâneas. Autores brasileiros, como Ana Maria Machado com Menina Bonita do Laço de Fita e Ziraldo com O Menino Maluquinho, passaram a ocupar um espaço de destaque, trazendo temas como diversidade, criatividade e identidade.
A substituição de obras clássicas não implica uma perda de relevância, mas demonstra a adaptação da literatura infantil às necessidades das novas gerações. Conforme Oliveira e Souza (2023), livros contemporâneos apresentam narrativas que dialogam com a realidade atual, abordando questões como diversidade cultural, sustentabilidade e inclusão. Essa evolução garante que a literatura infantil continue a desempenhar seu papel transformador na educação, promovendo o desenvolvimento integral das crianças e preparando-as para os desafios do futuro.
A literatura infantil e o papel do professor como mediador são elementos fundamentais para a formação de leitores engajados e conscientes. A combinação de textos enriquecedores com uma mediação ativa contribui para o desenvolvimento de competências essenciais, garantindo que as crianças não apenas aprendam, mas também se conectem de maneira significativa com o universo da leitura.
3.4 O livro infantil com foco na construção de sentidos e identidades
Já é de conhecimento que a literatura infantil desempenha um papel fundamental na formação de leitores, não apenas introduzindo a criança ao universo da leitura, mas também promovendo valores, habilidades críticas e sensibilidades que moldam o indivíduo ao longo da vida. A importância desse gênero literário transcende a mera aquisição de habilidades linguísticas e se estende à construção de identidades, à valorização da diversidade cultural e à compreensão de questões éticas e sociais. Em um mundo em constante transformação, as histórias para crianças continuam a ser um veículo poderoso para transmitir ideias, incentivar a criatividade e promover o engajamento crítico.
Historicamente, obras como “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carroll (1865) e “O Pequeno Príncipe” de Antoine de Saint-Exupéry (1943) destacam-se por sua capacidade de entreter e provocar reflexão simultaneamente. “Alice”, com sua narrativa surreal e simbólica, explora temas como a curiosidade, a identidade e o poder da imaginação, enquanto “O Pequeno Príncipe” cativa por meio de suas mensagens profundas sobre amizade, amor e a essência das relações humanas. Ambas as obras transcendem gerações, impactando tanto as crianças quanto os adultos que as leem.
No contexto brasileiro, o “Sítio do Picapau Amarelo”, de Monteiro Lobato (publicado inicialmente em 1920), é um exemplo icônico de como a literatura infantil pode refletir a cultura nacional. A obra mistura elementos do folclore brasileiro com temas universais, criando uma narrativa rica em personagens cativantes como Emília e Narizinho. Além de entreter, Lobato introduziu questões relevantes como a ciência e a educação, marcando profundamente a formação de leitores em diversas gerações.
Nas últimas décadas, autores contemporâneos têm dado ênfase à representatividade e à diversidade em suas obras, refletindo as demandas sociais do mundo atual. Em “Amoras”, de Emicida (2018), o orgulho racial e a autoestima são explorados com sensibilidade, promovendo reflexões sobre a importância da representatividade para o desenvolvimento infantil. Da mesma forma, “Sinto o que Sinto”, de Lázaro Ramos, aborda questões como ancestralidade e pertencimento, ampliando o repertório cultural das crianças e incentivando um olhar mais inclusivo para as diferenças.
Outro aspecto relevante da literatura infantil atual é sua capacidade de dialogar com questões emocionais e psicológicas. “Bisa Bia, Bisa Bel”, de Ana Maria Machado (1982), é um exemplo de como a literatura pode abordar temas como memória e relações familiares. Por meio de uma narrativa que mistura fantasia e realidade, a autora destaca a importância dos laços intergeracionais e do legado cultural, promovendo uma compreensão mais profunda das relações humanas.
Paralelamente, “O Menino Maluquinho 2”, de Ziraldo, continua a explorar a criatividade e a energia da infância. Ziraldo utiliza uma linguagem acessível e divertida para abordar questões do cotidiano infantil, como amizades, desafios escolares e a relação com a família. Essa abordagem lúda e envolvente torna a leitura uma experiência prazerosa, incentivando as crianças a se identificarem com os personagens e a criarem seus próprios mundos imaginários.
Obras como “A Avó Amarela”, de Júlia Medeiros, oferecem uma perspectiva nostálgica e reflexiva sobre a infância no interior do Brasil. Ao resgatar memórias de uma época mais simples, o livro destaca a importância das relações familiares e das experiências compartilhadas entre gerações. Esse tipo de narrativa reforça a conexão emocional das crianças com suas origens e tradições, contribuindo para a formação de sua identidade.
A relevância da literatura infantil também se reflete em sua capacidade de adaptar-se às transformações sociais e tecnológicas. Nos últimos anos, autores e ilustradores têm experimentado novas formas de contar histórias, integrando recursos como aplicativos interativos que permitem que as crianças participem ativamente da narrativa, realidade aumentada para criar experiências imersivas, e histórias personalizáveis onde os leitores podem escolher os rumos da trama. Essas inovações ampliam o engajamento e tornam a leitura uma experiência dinâmica e adaptada aos interesses das novas gerações, integrando elementos interativos e digitais que ampliam a experiência de leitura. Essas inovações não apenas mantêm o gênero atualizado, mas também expandem suas possibilidades, alcançando audiências que talvez não se conectarem com os formatos tradicionais.
Sendo assim, vale confirmar o papel do mediador, seja ele professor, familiar ou bibliotecário, na formação de leitores. A mediação ativa, que valoriza a discussão e a reflexão, potencializa os efeitos da literatura infantil, transformando-a em um instrumento para o desenvolvimento integral da criança. Histórias que promovem empatia, criatividade e pensamento crítico tornam-se ferramentas valiosas para preparar os pequenos para os desafios do futuro, garantindo que a literatura infantil continue a desempenhar seu papel transformador na sociedade.
Nos últimos anos, o Ministério da Educação (MEC) tem reavaliado o acervo de obras literárias destinadas ao público infantil nas escolas públicas brasileiras, o que resultou na retirada de alguns títulos considerados inadequados para determinadas faixas etárias. Em 2017, por exemplo, o MEC decidiu recolher o livro Enquanto o Sono Não Vem, de José Mauro Brant, que havia sido distribuído para alunos do 1º ao 3º ano do ensino fundamental. Essa decisão foi baseada em um parecer técnico da Secretaria de Educação Básica (SEB), que avaliou que o conteúdo de um dos contos, que aborda o tema do incesto, era impróprio para crianças em fase de alfabetização.
O parecer da SEB destacou que, por serem leitores em formação e com vivências limitadas, as crianças do ciclo de alfabetização não possuem autonomia, maturidade e senso crítico suficientes para lidar com temas de alta complexidade, como o abordado na obra mencionada. Assim, os 94 mil exemplares adquiridos pelo MEC foram redistribuídos para bibliotecas públicas, visando um público mais adequado.
Essa medida reflete a preocupação do MEC em alinhar o conteúdo literário disponível nas escolas com as necessidades e capacidades cognitivas dos alunos, garantindo que as obras selecionadas sejam apropriadas para cada etapa do desenvolvimento infantil. Além disso, o ministério tem se empenhado em atualizar e diversificar o acervo literário das instituições de ensino. Em setembro de 2023, foram apresentados os livros do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) para a Educação Infantil, com o objetivo de fornecer materiais que atendam às diretrizes educacionais contemporâneas e promovam a formação integral das crianças.
Essas ações evidenciam o compromisso do MEC em revisar e atualizar constantemente o material didático e paradidático disponível nas escolas, assegurando que as obras literárias sejam não apenas adequadas à faixa etária dos alunos, mas também relevantes para o contexto educacional atual.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A produção deste trabalho demonstrou a importância da oralidade na literatura infantil como um elemento importante para a formação de leitores. Após as leituras, observou-se que a literatura infantil não apenas desenvolve habilidades cognitivas e emocionais, mas também fortalece laços culturais e incentiva a criatividade e o pensamento crítico dentro e fora do contexto escolar. Elementos como rimas, ritmos e narrativas orais são fundamentais para despertar o interesse das crianças pela leitura e conectar as tradições culturais com as práticas pedagógicas.
Ainda durante a elaboração, ficou claro que obras clássicas e contemporâneas desempenham papeis complementares nesse processo, refletindo diferentes contextos históricos e sociais. Enquanto histórias tradicionais, como Sítio do Picapau Amarelo (Lobato, 1920), trazem riqueza cultural e imaginação, obras mais recentes, como Amoras (Emicida, 2018), ampliam a representatividade e dialogam com temas relevantes para o mundo atual; contribuindo para uma percepção mais integrada e ampla.
Assim, conclui-se que a literatura infantil, quando mediada de forma intencional por professores e familiares, torna-se uma ferramenta eficaz para o desenvolvimento integral das crianças. Por isso, é essencial que educadores e responsáveis valorizem o acesso a obras literárias diversas e de qualidade, integrando-as ao cotidiano escolar e familiar. E assim, é possível formar leitores mais críticos, criativos e engajados com a sociedade.
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1Graduanda do Curso de Licenciatura em Letras Português, da Universidade Federal do Amapá. E-mail: andressatais.cordeiro12@gmail.com
2Graduando do Curso de Licenciatura em Letras Português, da Universidade Federal do Amapá. E-mail: berlisonmartins19@gmail.com
3Graduanda do Curso de Licenciatura em Letras Português, da Universidade Federal do Amapá. E-mail: rodriguesmileny32@gmail.com