A NOVA DOGMÁTICA DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL: DESDOBRAMENTO E PERSPECTIVA

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102412291137111



CARLOS DANIEL DA SILVA MOUSINHO


RESUMO

Frente às transformações em curso na sociedade brasileira, que constantemente busca por direitos, e diante da necessidade de equilibrar o direito positivo com o direito natural, uma vez que o positivismo jurídico se mostra inadequado para abordar as questões de uma sociedade complexa, este artigo propõe uma reflexão sobre a interpretação dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente, com o objetivo de proteger o cidadão por meio de uma interpretação justa. Essa abordagem suscita a urgência de uma nova interpretação constitucional que transforme os valores e a justiça, assegurando a efetivação dos direitos fundamentais do cidadão consagrados universalmente, e, assim, permitindo que o atual Estado brasileiro seja verdadeiramente reconhecido como um Estado Democrático de Direito. Um dos elementos fundamentais desse processo de redefinição reside na expansão do elemento subjetivo, possibilitando ao intérprete constitucional não apenas participar, mas buscar uma participação mais proativa e atuante, consolidando-se como um executor genuíno do texto constitucional.

Palavras-chave: Direito Natural; Direito Positivo; Interpretação Constitucional.

ABSTRACT

In view of the ongoing transformations in Brazilian society, which is constantly searching for rights, and in view of the need to balance positive law with natural law, since legal positivism proves to be inadequate to address the issues of a complex society, this article proposes a reflection on the interpretation of constitutionally enshrined fundamental rights, with the aim of protecting citizens through a fair interpretation. This approach raises the urgency of a new constitutional interpretation that transforms values ​​and justice, ensuring the realization of the universally enshrined fundamental rights of citizens, and, thus, allowing the current Brazilian State to be truly recognized as a Democratic State of Law. One of the fundamental elements of this redefinition process lies in the expansion of the subjective element, enabling the constitutional interpreter not only to participate, but to seek a more proactive and active participation, consolidating himself as a genuine executor of the constitutional text.

Keywords: Natural Law; Positive Law; Constitutional Interpretation.

  1. INTRODUÇÃO

A “nova dogmática da interpretação constitucional” surge como uma abordagem contemporânea que reinterpreta os métodos tradicionais de interpretação para enfrentar os desafios dinâmicos das sociedades modernas. Essa perspectiva transcende a rigidez formalista, abraçando uma interpretação mais flexível e contextual das normas constitucionais.

De acordo Barroso et. al. (2003, p. 02), A Constituição de 1988 representou um ponto de reinício, uma nova perspectiva para a história. Sem as antigas utopias, sem certezas ambiciosas, mas com o caminho a ser trilhado ao andar. Contudo, trouxe consigo uma carga de esperança e uma legitimidade sem precedentes desde o início de tudo. E, como uma novidade, o povo ingressou tardiamente na trajetória política brasileira, tornando-se protagonista ao lado da velha aristocracia e da emergente burguesia. Esse foi um marco que possibilitou a participação popular no processo, algo inédito e transformador.

Ressalta-se que ocorreram mudanças significativas nos campos da interpretação jurídica, abandonando os métodos tradicionais e critérios interpretativos em prol da adoção de diretrizes axiológicas mais amplas e flexíveis do que a estrita literalidade da lei, seguindo assim uma abordagem mais dinâmica.

Seguindo essa nova abordagem dogmática, ressalta-se o reconhecimento da Constituição como um instrumento dinâmico, capaz de se adaptar às transformações sociais e ao progresso. Seu propósito é concretizar princípios fundamentais, como a dignidade humana e a igualdade, alinhando-se às necessidades da sociedade contemporânea.

Ao priorizar a máxima efetividade dos direitos fundamentais, a nova abordagem dogmática enfatiza a importância de proteger e promover tanto os direitos individuais quanto os coletivos. Além disso, incentiva um diálogo constante com a sociedade civil, promovendo uma interpretação mais participativa e inclusiva.

A partir dessa reflexão, o estudo atual apresenta considerações sobre os direitos fundamentais e a importância de uma interpretação jurídica voltada para a efetiva proteção desses direitos. Isso ocorre com base na correlação entre o significado das normas constitucionais e o objetivo de construir uma sociedade mais livre, justa e igualitária em um Estado Democrático de Direito.

  1. A EVOLUÇÃO DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

A evolução da interpretação constitucional, também denominada de mutação constitucional refere-se ao processo de mudança e desenvolvimento das constituições ao longo do tempo. A evolução constitucional pode ocorrer de várias maneiras, incluindo emendas formais, interpretação judicial, mudanças nas práticas políticas e sociais.

De acordo Ferraz (2006, p. 130 – 141), o fundamento do Direito reside na relação com o ser humano, sendo o Direito Constitucional estabelecido com a finalidade de preservar, proteger e promover os direitos fundamentais da pessoa. Nesse contexto, destaca-se a característica dinâmica, em que o Estado existe para atender à pessoa humana, e não o contrário, baseando-se na concepção pura do formalismo normativo.

A nova abordagem interpretativa constitucional fundamenta-se na antítese dessa proposição: as cláusulas constitucionais, devido ao seu conteúdo aberto e principiológico, altamente dependente da realidade subjacente, não se prestam a um significado unívoco e objetivo, como tradicionalmente proposto por certa tradição exegética.

Destaca-se que ocorreram mudanças significativas nos domínios da interpretação jurídica, com o abandono dos métodos e critérios tradicionais para a adoção de pautas axiológicas mais amplas e flexíveis do que a simples literalidade da lei. Nesse contexto hermenêutico, observa-se um aumento no número de juristas que já consideram substituir a interpretação literal da lei por uma abordagem principiológica e sistemática (COELHO, 1997, p. 31). Interpretação Literal: Nas fases iniciais, predominava uma interpretação literal das constituições, focando estritamente no texto escrito. Interpretação Histórica: Posteriormente, houve uma ênfase na interpretação histórica, buscando entender o significado das disposições constitucionais à luz do contexto em que foram redigidas. Interpretação Teleológica: Com o tempo, a interpretação teleológica ganhou destaque, concentrando-se nos objetivos e propósitos subjacentes à constituição, buscando realizar suas finalidades. Interpretação Sistemática: A abordagem sistêmica considera a constituição como um todo integrado, interpretando suas partes à luz da estrutura geral e das relações entre elas. Interpretação Evolutiva ou Dinâmica: A interpretação evolutiva reconhece que a constituição é um documento vivo que deve se adaptar às mudanças sociais, tecnológicas e culturais ao longo do tempo. Interdisciplinaridade: Atualmente, observa-se uma tendência crescente à interdisciplinaridade, incorporando insights de disciplinas como filosofia, sociologia e ciência política para enriquecer a compreensão das normas constitucionais. Interdisciplinaridade: Atualmente, uma tendência crescente à interdisciplinaridade incorpora insights de disciplinas como filosofia, sociologia e ciência política para enriquecer a compreensão das normas constitucionais. Proteção dos Direitos Fundamentais: A evolução também destaca uma ênfase crescente na proteção dos direitos fundamentais, reconhecendo a importância de equilibrar os interesses do Estado com os direitos individuais. Participação da Sociedade Civil: A interpretação constitucional moderna valoriza o envolvimento da sociedade civil, permitindo que diferentes grupos contribuam para o diálogo interpretativo.

Essa evolução reflete a natureza dinâmica do direito constitucional, adaptando-se às transformações na sociedade e nos valores ao longo do tempo. A interpretação constitucional continua a ser um campo em constante desenvolvimento, respondendo aos desafios contemporâneos e garantindo a eficácia das normas fundamentais.

  1. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA NOVA ABORDAGEM

A nova abordagem constitucional, muitas vezes associada à interpretação mais contemporânea e dinâmica das constituições, é fundamentada em princípios que refletem as demandas da sociedade moderna.

Esses princípios fornecem os alicerces para uma interpretação constitucional que seja sensível às mudanças sociais, culturalmente inclusiva e comprometida com a efetividade dos direitos e garantias fundamentais. A nova abordagem reflete a complexidade e a adaptabilidade necessárias para enfrentar os desafios contemporâneos do ordenamento jurídico.

Segundo Silva (2006, p. 95) os direitos fundamentais representam princípios que encapsulam a visão de mundo e informam a ideologia política de cada sistema jurídico. Serem considerados fundamentais indica que se trata de situações jurídicas essenciais para a realização e, em muitos casos, até mesmo para a sobrevivência da pessoa. Dessa forma, os direitos fundamentais são entendidos não apenas como formalmente reconhecidos, mas também como concretizados e efetivados materialmente, promovendo a igualdade não apenas em termos formais, mas de maneira substantiva.

De acordo com Comparato (2013, p. 71) não há garantia de que supostos direitos humanos, ou seja, certos privilégios da minoria dominante, não sejam incluídos na Constituição ou consagrados em convenções internacionais sob a designação de direitos fundamentais. Isso nos leva inevitavelmente a buscar um fundamento mais substancial do que a mera validação estatal para a efetivação desses direitos.

De acordo Carnaúba (2020, p. 28) os princípios de interpretação constitucional representam os fundamentos essenciais a serem considerados na análise das normas constitucionais. Ao adotar um método interpretativo, é crucial observar as seguintes bases, Princípio da Unidade Constitucional:As normas constitucionais devem ser interpretadas de maneira global, superando contradições. A Constituição é um sistema integrado que, ao final, deve manter sua coesão diante da atividade interpretativa. Busca-se harmonizar os pontos de tensão entre as normas, evitando suplantação de uma sobre outra, pois todas possuem igual dignidade. Isso é especialmente válido mesmo em casos de inconstitucionalidade de normas originárias. Princípio do Efeito Integrador: Corolário do princípio da unidade constitucional, o efeito integrador prevê que, ao solucionar questões que demandem interpretação da norma constitucional, a primazia deve ser dada à interpretação que fortaleça a unidade da Constituição no contexto político e social. Princípio da máxima efetividade: Este princípio, também chamado de eficiência ou interpretação da norma constitucional, busca atribuir à norma o sentido que melhor promova sua eficácia social. Inicialmente aplicado às chamadas normas programáticas, tem se estendido significativamente para abranger também as normas que definem direitos fundamentais. Princípio da justeza: Este princípio, também conhecido como “da conformidade funcional”, direciona-se ao órgão encarregado da interpretação constitucional. Sua premissa é que a interpretação não deve conduzir a resultados absurdos que subvertam ou perturbem a ordem organizacional e funcional estabelecida pela Constituição. Princípio da harmonização: Também denominado “da concordância prática”, esse princípio decorre da premissa da unidade da Constituição. Ele estabelece que, na interpretação, os bens jurídicos protegidos pelo texto constitucional devem coexistir, sem prejuízo ou predomínio abstrato de um sobre o outro. É importante ressaltar que, em situações concretas de interpretação, um bem pode prevalecer sobre o outro.

Princípio da força normativa da Constituição: Na resolução de conflitos, é imperativo que os aplicadores concedam prioridade a soluções que maximizem a efetividade da norma constitucional, garantindo-lhe a máxima aplicabilidade. Princípio da interpretação conforme a Constituição: Diante de normas polissêmicas ou plurissignificativas, exige-se que o intérprete adote aquelas que melhor se coadunem com o texto constitucional.

Princípios da proporcionalidade e razoabilidade: Este princípio, de natureza axiológica, é fundamentado em conceitos como justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação e a proibição de excessos. Sua aplicação destaca-se em situações de colisão entre valores consagrados pela Constituição.Teoria dos poderes implícitos (implied powers): desenvolvida pelo constitucionalismo norte-americano, esta teoria sugere que quando a Constituição confere uma função a um órgão específico, deve-se interpretar implicitamente que todos os meios necessários para o exercício dessa competência também lhe foram atribuídos.

De acordo Carnaúba (2022, p. 30), ambos são tipos de normas jurídicas, em relação as normas e princípios, no entanto, dentro da Constituição Federal de 1988, não há qualquer relação hierárquica entre as espécies. A diferença entre elas reside principalmente na densidade normativa.

As regras são normas jurídicas com conteúdo de baixa abstratividade, seguindo a lógica do “tudo ou nada”. Em caso de conflito entre regras, a solução é encontrada pela escolha da que se aplica ao caso concreto, por meio da subsunção do fato ao seu conteúdo. São mandamentos de definição.

Por outro lado, os princípios são normas jurídicas com alto grau de abstração, não sendo aplicados diretamente aos casos concretos pela regra da subsunção. Eles funcionam como verdadeiros “standards” do Direito, o que implica que, em situações de conflito, não são excluídos pela lógica do “tudo ou nada”. Ao invés disso, a solução é encontrada por meio da ponderação entre eles, determinando qual deve prevalecer diante do caso concreto. São mandamentos de otimização.

  1. FUNÇÃO DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Considerando os elementos específicos do Direito Constitucional, é evidente a diferenciação entre a interpretação constitucional e a interpretação jurídica. Tanto a natureza política de uma constituição quanto os seus princípios demandam essa distinção. No entanto, se a interpretação constitucional difere da interpretação jurídica, a primeira não se resume à simples verificação do sentido exato e da abrangência de uma norma constitucional.

Afirmar que a interpretação constitucional se resume a elucidar o sentido e a abrangência de uma norma constitucional parece simplista, considerando as particularidades do

Direito Constitucional. Da mesma forma, associar a função da interpretação constitucional apenas à efetivação da constituição parece seguir uma abordagem limitada.

Outra perspectiva interessante é enxergar a interpretação constitucional a partir da própria função de uma constituição. A função política clássica de uma constituição é estabelecer um conjunto normativo que garanta a normalidade, introduzindo aspectos de unicidade, integridade e integralidade. A função sociológica envolve a estabilidade e segurança sociais, assim como a harmonia entre os fatores reais de poder. Qualquer abordagem da função de uma constituição parece orbitar em torno dessas funções política e sociológica, sendo o Direito Constitucional mais um reflexo dessas funções do que uma definição por si só.

Partindo dessas funções, pode-se, de forma legítima e sem recorrer a conceitos impróprios, buscar uma função para a interpretação constitucional. Mais do que uma definição direta, é possível considerar uma abordagem interrogativa para delimitar essa função, considerando as dimensões política e sociológica.

É válido que a função da interpretação constitucional seja a de estabelecer um núcleo político-social constitucional, diferenciando-se da interpretação de textos legais. Esse núcleo abrange aspectos políticos, assegurando a normalidade através da unicidade, integridade e integralidade constitucionais (sua supremacia); aspectos sociológicos, garantindo estabilidade e segurança sociais, assim como a harmonia dos fatores reais de poder; e aspectos constitucionais, promovendo a efetividade do próprio texto constitucional.

De acordo Heller (1988, p. 295) essa definição da função da interpretação constitucional parece decorrer da crise nos conceitos de constituição, direito constitucional e Estado. Isso se deve ao fato de que não cabe apenas ao Estado determinar os interesses dos diversos segmentos sociais, nem compete ao Estado determinar a unicidade, integridade e integralidade constitucionais, já que não pode agir de forma a subverter ou restringir valores constitucionais que foram conquistados através de lutas sociais e estão expressos na constituição.

Ao redefinir o pluralismo interpretativo, percebe-se novamente o Direito Constitucional como o ponto de convergência entre normatização e normalidade político-social. Esse retorno à ideia de convergência é resultado da própria amplitude funcional da interpretação constitucional, que vai além do texto legal, dos agentes legais ou mesmo do momento histórico de criação da constituição. A convergência idealiza a amplitude político-social da constituição, o pluralismo interpretativo e a sua continuidade.

Diante desses novos aspectos da interpretação constitucional, torna-se necessário delinear a sua função para efetivar a constituição, já que uma constituição não realizada não passa de um conjunto de artigos num livro. No entanto, após definir ou delimitar o conteúdo da função da interpretação constitucional, que se mostra mais amplo do que apenas o sentido, significado e alcance do texto constitucional, é crucial examinar os limites dessa interpretação, dado que existem diferenças entre ela e a interpretação jurídica, com suas próprias particularidades.

  1. AS CORRENTES INTERPRETATIVISTA E NÃO-INTERPRETATIVISTA

Quando se estuda hermenêutica e interpretação jurídica, raramente se explora explicitamente a questão dos seus limites. É intrigante notar que a interpretação jurídica, que se apoia em métodos, técnicas e normas jurídicas, frequentemente fundamenta suas decisões em referências a elementos bíblicos, parábolas e fábulas. É o que se depreende da análise de qualquer autor que explore profundamente o assunto: a interpretação jurídica parece se restringir estritamente ao texto, tornando-se indiscutível após a coisa julgada.

Antes da emergência da ideia de interpretação constitucional como algo distinto, o texto constitucional era interpretado unicamente através dos métodos, técnicas e regras desenvolvidos pela hermenêutica jurídica. A concepção da “hermenêutica constitucional”, que introduziu e justificou uma interpretação mais ampla do que aquela estritamente jurídica, surgiu no século XIX e atraiu seguidores, formando uma corrente denominada (de maneira equivocada) de não-interpretativistas, pois se opunha à interpretação puramente jurídica defendida pela corrente interpretativista.

A argumentação central da corrente interpretativista reside na existência de um padrão de sentido, significado e alcance, baseando-se unicamente nos valores implicitamente contidos no texto constitucional, embora não se defina de forma clara o que constitui exatamente um “valor implicitamente contido”.

Essa disfunção interpretativa persiste e é relevante como um limite para a interpretação constitucional. Ao interpretar a constituição como um simples texto legal, há uma delimitação de elementos históricos que comprometem a unidade, integridade e integralidade na sua permanência, restringindo ou limitando a interpretação, inclusive no aspecto subjetivo.

Na visão clássica, a interpretação constitucional parte dos agentes jurídicos, principalmente aqueles ligados ao Estado. A corrente interpretativista não permite, ou o faz de maneira muito restrita, a ampliação da variedade de intérpretes legítimos.

Desse panorama apresentado, é possível identificar um limite real e atual à interpretação constitucional, já que, no embate social pela busca de sentido, significado e alcance, não existe uma definição prévia. Isso não se deve à casuística, mas sim à corrente que se propõe como solucionadora da questão.

  1. MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

De acordo Carnaúba (2020, p. 27) os métodos de interpretação constitucional representam o conjunto de abordagens, caminhos e meios empregados para extrair o significado das normas constitucionais. Eles desempenham um papel crucial na compreensão e aplicação dessas normas. A escolha do método a ser empregado dependerá da natureza da norma em questão e dos objetivos almejados. Em muitos casos, a combinação de diferentes métodos se torna necessária para uma interpretação abrangente e precisa.

Nessa perspectiva, a doutrina articula diversos métodos para orientar o caminho pelo qual o intérprete pode percorrer para extrair o significado do enunciado da norma constitucional. Nesse contexto, destacam-se os chamados métodos de interpretação constitucional. Métodos jurídicos:trata-se do método hermenêutico clássico, que parte da premissa de que a Constituição é equiparada a uma lei. Dessa forma, são aplicados a ela todos os métodos clássicos de interpretação jurídica. Estes métodos incluem elementos como o genético, o gramatical, o lógico, o histórico, o teleológico, o doutrinário e o jurisprudencial.

Métodos tópico-problemático, inicia-se com a análise do problema concreto (“tópico”) em direção à norma, buscando encontrar a solução jurídica mais adequada para a situação em questão. Devido à natureza aberta das normas constitucionais, a aplicação ocorre por meio da discussão do problema, visando conferir concretude ao texto.

Método hermenêutico-concretizador, nesse caso, observa-se o caminho inverso do método anterior. Parte-se da norma e de sua interpretação para encontrar a solução adequada ao caso concreto submetido a ela. Os pressupostos interpretativos incluem aspectos subjetivos, representados pelas pré-compreensões do intérprete sobre a norma, e objetivos, que envolvem o cotejo da norma pré-apreendida com o caso concreto. O intérprete atua como mediador, em um movimento de “ir e vir” entre a norma e a situação concreta, caracterizando o círculo hermenêutico.

Método científico-espiritual, na leitura da norma constitucional, não deve o intérprete ater-se ao expresso pela forma, mas aos valores subjacentes e em cotejo com a realidade social que deve cercar a sua atuação. Desta feita, a Constituição a dinâmica das relações sociais, renovando-se ao passo da sociedade.

Método normativo-estruturante, segundo esse método, não há identidade entre texto normativo e norma jurídica. Atende-se: texto normativo é o que está escrito; norma jurídica é o que se extrai da sua interpretação. Neste caso, para se chegar ao sentido da norma, deve-se cotejar o texto constitucional em sua literatura com a realidade social, pois o texto normativo é apenas a “ponta do iceberg” da norma jurídica a ser extraída.

Método comparativo, parte-se da interpretação de várias constituições, de vários ordenamentos jurídicos, acerca do mesmo tema, com a finalidade de se chegar a uma interpretação comum, por meio da atenção à evolução de institutos jurídicos, bem como identificando semelhanças e diferenças.

  1. PERSPECTIVAS FUTURAS NA INTERPRETAÇÃO

As perspectivas futuras na interpretação constitucional apontam para várias tendências que refletem as mudanças sociais, políticas e tecnológicas.

A concretização da democracia para os cidadãos ocorre em grande parte por meio do desenvolvimento interpretativo das normas constitucionais. A sociedade se torna livre e aberta à medida que o círculo de intérpretes da Constituição, em um sentido amplo, é expandido, resultando na relativização da hermenêutica constitucional jurídica (HARBELE, 2002, p. 13).

Estas são apenas algumas das perspectivas que podem moldar o futuro da interpretação constitucional. À medida que a sociedade evolui, a interpretação constitucional continuará a ser um campo dinâmico, respondendo a novos desafios e refletindo os valores emergentes.

Integração Interdisciplinar, antecipa-se uma maior integração de disciplinas como sociologia, filosofia e ciência política na interpretação constitucional. Essa abordagem interdisciplinar pode fornecer insights mais abrangentes e contextuais para a compreensão das normas constitucionais.

Avanços Tecnológicos e Direitos Digitais, com o avanço da tecnologia, questões relacionadas à proteção da privacidade, liberdade na internet e direitos digitais tornaram-se cada vez mais relevantes. A interpretação constitucional precisará adaptar- se a essas mudanças, garantindo a aplicação dos princípios fundamentais em ambientes digitais.

Sustentabilidade e Direitos Ambientais, a crescente conscientização sobre questões ambientais pode influenciar a interpretação constitucional para garantir a proteção dos direitos relacionados ao meio ambiente. A promoção da sustentabilidade pode tornar-se um princípio orientador nas decisões constitucionais.

Globalização e Direitos Humanos, em um mundo cada vez mais globalizado, a interpretação constitucional pode ser influenciada por padrões internacionais de direitos humanos. A interconexão entre sistemas legais nacionais e tratados internacionais pode desempenhar um papel crucial na interpretação de normas constitucionais. Equidade e Inclusão Social, a busca por sociedades mais equitativas e inclusivas pode impactar a interpretação constitucional, promovendo a igualdade e a proteção dos direitos das minorias. A jurisprudência pode evoluir para refletir uma compreensão mais abrangente e progressista dos direitos fundamentais.

Desenvolvimento da Jurisprudência sobre Novos Temas, questões emergentes, como inteligência artificial, biotecnologia e medicina avançada, podem exigir interpretações constitucionais inovadoras para lidar com dilemas éticos e legais associados a essas tecnologias.

Participação Cidadã na Interpretação, a interpretação constitucional pode se abrir mais à participação da sociedade civil, permitindo que as vozes dos cidadãos influenciem as decisões judiciais. Isso pode ser facilitado por meio de mecanismos como audiências públicas e consultas populares.

Adaptação a Desafios Globais, desafios globais, como pandemias e crises econômicas, podem exigir interpretações constitucionais flexíveis para equilibrar a proteção dos direitos individuais e coletivos em situações excepcionais.

  1. CONCLUSÃO

A interpretação constitucional está passando por uma redefinição significativa, segundo estudos recentes, e se apresenta como uma forma de interpretação distinta da interpretação jurídica, não apenas por suas características, mas também por sua natureza.

Essa redefinição subjetiva não implica a exclusão do Estado. Pelo contrário, resulta na aplicação ou promoção de uma efetividade maior, especialmente quando o Estado carece de força ou não tem interesse nesse processo, ou até mesmo quando seus interesses são conflitantes.

Apesar disso, a afirmação de um núcleo de interpretação não estatal tende a gerar, inicialmente, certa desarmonia, como é comum em qualquer inovação constitucional. No entanto, o resultado tende a ser mais benéfico, estimulando estudos e ferramentas por meio de uma instrumentação que permita uma expressão mais ampla da normalidade através da efetividade. A interpretação constitucional é uma arte em constante evolução, buscando equilibrar a estabilidade das leis com a necessidade de adaptá-la às demandas contemporâneas. O seu impacto é significativo, moldando a sociedade e garantindo a aplicação justa e eficaz dos princípios constitucionais.

Como resultado da estrutura do sistema jurídico e das particularidades que justificam a interpretação constitucional, a doutrina reconhece certos parâmetros que devem ser observados pelo intérprete da Constituição.

A interpretação das normas constitucionais abrange um conjunto de métodos elaborados pela doutrina e pela jurisprudência, fundamentados em critérios ou premissas (filosóficas, metodológicas, epistemológicas) diversos, porém, de modo geral, mutuamente complementares.

Uma interpretação que não considere a maneira de interpretar os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição, baseados na dignidade da pessoa humana, corre o risco de resultar em decisões que se distanciem dos valores e da realidade social. Isso pode deixar o indivíduo desprotegido, já que o contexto normativo pode não refletir o direito e representar uma ameaça para a sociedade. Portanto, é essencial adotar uma interpretação jurídica que leve em consideração a realidade social como parte da função do Direito. Uma nova abordagem constitucional não deve se limitar estritamente ao texto legal, pois a sociedade, em busca de direitos e justiça, requer uma interpretação que se ajuste a uma teoria constitucional relevante para a concretização de um Estado Democrático de Direito. Isso implica efetivar verdadeiramente os direitos fundamentais presentes na Constituição e respeitar plenamente a dignidade da pessoa humana dentro do contexto democrático mais amplo. A interpretação das normas constitucionais abrange um conjunto de métodos elaborados pela doutrina e pela jurisprudência, fundamentados em critérios ou premissas (filosóficas, metodológicas, epistemológicas) diversos, porém, de modo geral, mutuamente complementares.

  1. REFERÊNCIAS

BARROSO, Luis Roberto. O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. Revista da EMERJ, v. 6, n.23, 2003.

CARNAÚBA, Aline Soares Lucena. Resumo De Direito Constitucional. Leme, São Paulo, 2020.

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FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Aspectos da positivação dos direitos fundamentais na

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