A NOÇÃO DE PONTO DE VISTA INTERNO EM JOHN M. FINNIS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7888287


João Antonio Sampaio Camelo


RESUMO

O presente estudo tem como objeto a exposição e compreensão da reformulação do ponto de vista interno operada por Finnis, após a devida consideração da proposta de Hart e sem deixar de fazer menção a outros contributos que foram surgindo no âmbito deste debate, notadamente, os de Raz, Dickson, Perry, Murphy, entre outros.

A pesquisa tem um caráter eminentemente bibliográfico e está voltada para o estudo comparativo das ideias propostas pelos autores por meio da leitura direta de suas obras e das considerações de seus comentadores. A finalidade deste ensaio é contribuir para o estudo da teoria do direito, procurando identificar a metodologia mais adequada para o seu desenvolvimento.

ABSTRACT

The present study has as its object the exposition and understanding of the reformulation of the internal point of view operated by Finnis, after due consideration of Hart’s proposal and without forgetting to mention other contributions that emerged within the scope of this debate, notably those of Raz, Dickson, Perry, Murphy, among others.

The research has an eminently bibliographic character and is focused on the comparative study of the ideas proposed by the authors through the direct reading of their works and the considerations of their commentators. The purpose of this essay is to contribute to the study of the theory of law, seeking to identify the most appropriate methodology for its development.

1 INTRODUÇÃO

O presente ensaio insere-se no debate a respeito das opções metodológicas a serem adotadas no âmbito da teoria do direito, mais especificamente no contexto de discussão inaugurado pelo jurista inglês H. L. A. Hart. Após desenvolver críticas substantivas às ideias de Austin, Hart levanta objeções metodológicas ao uso que os positivistas anteriores a ele faziam do método das ciências naturais para explicar o direito, propondo, em seu lugar, uma espécie de metodologia hermenêutica fincada no ponto de vista interno dos participantes da prática jurídica.

No entanto, um de seus ex-alunos, John M. Finnis (professor da Universidade de Oxford), teceu, por sua vez, fortes contrapontos a esta noção, defendendo que o ponto de vista interno, a servir de paradigma para a teoria do direito, deveria ser afunilado e identificado com o ponto de vista moral, ou da razoabilidade prática (mobilizando a teoria do direito natural para identificá-lo e alçá-lo ao posto de caso central do direito).

Com efeito, o presente estudo tem como objeto a exposição e compreensão da reformulação do ponto de vista interno operada por Finnis, após a devida consideração da proposta de Hart e sem deixar de fazer menção a outros contributos que foram surgindo no âmbito deste debate, notadamente, os de Raz, Dickson, Perry, Murphy, entre outros.

A pesquisa tem um caráter eminentemente bibliográfico e está voltada para o estudo comparativo das ideias propostas pelos autores por meio da leitura direta de suas obras e das considerações de seus comentadores. A finalidade deste ensaio é contribuir para o estudo da teoria do direito, procurando identificar a metodologia mais adequada para o seu desenvolvimento.

2 ANTECEDENTES DA DISCUSSÃO SOBRE O PONTO DE VISTA INTERNO

Durante séculos, os debates jurídicos a respeito do fundamento do direito giraram em torno das teorias do direito natural. Há quem fale existir em Platão uma espécie de direito natural ideal e Aristóteles é sempre mencionado como um dos grandes representantes do jusnaturalismo. O direito romano, talvez sob a influência do estoicismo, de Cícero e de outros, também não deixou de absorver esta discussão. Na idade média, com Tomás de Aquino, muitos contributos foram colecionados e repercutem até a atualidade, após diversos filtros, dentre os quais o do jusracionalismo moderno e iluminista.[1]

No período pós-moderno ou contemporâneo, observa-se o advento das diversas correntes do positivismo jurídico. Na França pós-revolucionária, vê-se o advento do positivismo exegético, referente, evidentemente, aos partidários da Escola da Exegese, em suas três fases de desenvolvimento (muito bem descritas por Bonnecase), cujo auge de seus postulados pode ser reduzido à famosa divisa de Bugnet: “(…) Je ne connais pas le droit civil; je n’enseigne que le Code Napoléon”. No mundo germânico, por sua vez, acentua-se um positivismo peculiar, encabeçado por Savigny (em debate com Thibaut), sendo mais fincado no espírito do povo do que na vontade do legislador e mais voltado aos costumes e às outras formas de revelação do jurídico, que naturalmente emergem da realidade social, do que para o estrito e artificial direito legislado. Na Inglaterra, por sua vez, sob a influência de Jeremy Bentham, também se sobressai uma modalidade de positivismo jurídico capitaneada por John Austin.2

Segundo Austin, pode-se dizer que o direito é um conjunto de comandos proferidos por uma autoridade (o soberano) a seus governados (os súditos), tendo como fundamento a força de suas ameaças. Por um lado, a autoridade é tida como a qualidade daquele que é habitualmente obedecido por todos e não obedece a ninguém. Por outro lado, a qualidade de súdito é atribuída àquele que obedece, pelo menos, a uma pessoa.[3]

Vê-se no pensamento de Austin uma identificação do direito com a política e com a ideia de coação, de modo que, sem isso, não se poderia falar em direito propriamente dito.

Muitos outras correntes da teoria do direito surgiram e se desenvolveram a partir deste contexto, mas as ideias de Austin, que, em certa medida, representam um paradigma para as críticas de teorias análogas, serviram de pontapé inicial para as discussões do positivismo analítico atualmente em voga cujas opções teórico-metodológicas serão discutidas no presente ensaio.

3 HART E A FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DO PONTO DE VISTA

A teoria de Austin, ao lado de vários outros contributos posteriores, sempre foi muito famosa no círculo acadêmico inglês. Não obstante, Austin veio a ser duramente criticado por um dos maiores nomes da teoria do direito contemporâneo (que parece tê-lo tomado como paradigma de crítica): o britânico Herbert Hart, com a sua conhecida obra The concept of Law, de 1961.

Hart, influenciado pela filosofia da linguagem de Oxfort, considera que Austin não conseguiu captar o verdadeiro sentido do direito, reduzindo-o à pobre ideia de comandos sob ameaças.[4] Com efeito, o famoso professor de Oxford escolheu começar a sua obra criticando as teorias de Austin.

Antes de tudo, Hart não concorda com a afirmação de que todas as normas jurídicas se reduzem à noção de comandos sob ameaças, pois, por exemplo, um tal conceito de direito não englobaria normas permissivas, ou seja, que apenas permitam uma conduta. Ademais, o fundamento da autoridade não pode ser a obediência habitual, pois isso não explica a troca repentina de governantes e a imediata vinculatividade de suas leis. Ressalte-se, inclusive, que, se as leis fossem fundadas na autoridade do soberano habitual, elas deixariam de existir no momento de sua morte, o que não é verdade. Finalmente, não se pode dizer que o critério para se identificar a autoridade seja a sua não obediência a ninguém, pois, nesta linha, nenhum dos limitados estados constitucionais da atualidade teriam autoridade.[5]

Com efeito, Hart sente a necessidade de superar não só as doutrinas de Austin, mas também toda e qualquer forma de positivismo jurídico que reduza o direito à ideia de coação. Ao mesmo tempo, Hart também está interessado em reformular a própria metodologia do positivismo.

Para o professor de Oxford, muitas teorias positivistas pretéritas incorreram no erro de estudar o direito a partir dos métodos das ciências naturais, reduzindo-o a uma simples regularidade exterior e a uma simples relação de causalidade empírica. Contudo, tal metodologia, apesar de captar parte importante da realidade jurídica, é insuficiente.[6] O direito possui algo a mais. Assim, Hart tenta demonstrar a pobreza descritiva desta abordagem (que não enxerga as peculiaridades próprias do direito) a partir da indistinção que ela acarreta entre regras e hábitos.

O direito, para Hart, é uma modalidade de regras sociais e estas não podem ser confundidas com os hábitos. Neste sentido, é esclarecedor este trecho de Neil MacCormmick[7]:

The sketch of Hart’s legal theory offered in the preceding chapter shows it to be a theory of legal order as an order of rules. These rules are a particular variety of social rules. As such they derive from social sources and exist in virtue of social practices. They do not exist in some ideal order or extraterrestrial universe independent of what men and women living together socially do, say, and think. They are, on the contrary, an element in the doings, sayings, and thinkings of the men and women who live together in human social groupings”.

É verdade que ambos, tanto as regras sociais como os hábitos, possuem em comum o fato de que comportam uma convergência comportamental externa, ou seja, ambos são práticas reiteradas de um grupo de pessoas. É comum que as pessoas parem o carro diante do sinal vermelho (regra social) e é igualmente ordinário que elas frequentem o cinema nos finais de semana (hábito). Contudo, há algo a mais: as regras pressupõem uma atitude crítico- reflexiva, ou uma atitude normativa, que os hábitos não necessitam e não têm. Uma abordagem meramente empírica não dá conta de captar esta diferença. Trata-se do que Hart chama de aspecto interno das regras. Estas possuem um aspecto externo e um aspecto interno, um exterior e um interior. A metodologia positivista anterior a Hart apreende somente o aspecto externo, não absorvendo a importante atitude crítico-reflexiva que os sujeitos possuem diante das regras.8

É preciso, então, postular outra metodologia. Mas qual? Hart acredita ter comprovado a insuficiência do método das ciências naturais. Porém, que método ele propõe como alternativo?

De acordo com Hart, o único modo de captar o aspecto distintivo das regras sociais, que é justamente a atitude crítico-reflexiva, se dá pela interpretação do significado das regras para os próprios sujeitos envolvidos na prática. Trata-se da adoção do método hermenêutico, o qual, segundo Postema, justifica-se pelo fato de que o direito, enquanto prática social, é aquilo que as pessoas pensam que ele é.[9]

Com efeito, o professor inglês, adotando esta abordagem (muito influenciado pela filosofia da linguagem de Oxford), fez uma importante e marcante divisão no que tange aos tipos de posicionamentos que poderiam ser tomados diante das regras sociais. Para Hart, na leitura de Postema10: a) é possível que alguém esteja interessado pelas regras como guias práticos de sua própria conduta e da conduta dos demais membros do grupo no qual está inserida – caso em que se tem um ponto de vista interno; b) assim como é possível que alguém veja as regras com análogos interesses práticos, mas sem concordar com elas e observá-las, no máximo, por motivos prudenciais, vendo- as, na verdade, mais como obstáculos para a satisfação de seus objetivos do que como guias de conduta pessoal e grupal – hipótese em que se fala em um ponto de vista externo alienado; c) também é admissível que haja um observador externo com interesses meramente teóricos, sem estar inserido na própria prática, e que descreva as regras a partir do método das ciências naturais, ou seja, como simples factualidades ou regularidades, sem qualquer menção ou reconhecimento do ponto de vista prático interno – situação em que se pode falar em um ponto de vista externo extremo; d) porém, é possível haver um observador externo com interesses teóricos, como Hart, que, de fora, valendo- se de uma metodologia hermenêutica, referem-se às regras a partir do ponto de vista interno, reconhecendo-as como padrões de conduta acompanhados de uma atitude normativa distinta – oportunidade em que se faz menção ao ponto de vista externo moderado.

O que é esta atitude crítico-reflexiva, que também é aludida como aceitação? Existe muita divergência quanto a esta questão, pois Hart não foi claro neste ponto. Por um lado, há aqueles (Shapiro, MacCormmick, Ross, entre outros) que tendem a enxergá-la como uma atitude psicológica ou mental presente em parte dos sujeitos envolvidos na prática.[11] MacCormick, por exemplo, dirá que se trata da conjunção de dois elementos: a) a existência de um padrão de conduta e a capacidade de compreendê-lo (elemento cognitivo);

b) mas também de uma preferência, não necessariamente emocional, por seguir tal padrão (elemento volitivo) – seja qual for o motivo de tal preferência (interesses pessoais a longo prazo, convicções morais, etc.).[12]

Por outro lado, existem aqueles (como Postema) que defendem que tal atitude é interior à própria prática, ou seja, aos participantes da prática social em questão. Tal ocorre em dois aspectos inter relacionados: a) a prática pertence ao domínio da deliberação racional dos sujeitos envolvidos nela; b) tal domínio é moldado pelas atividades e competências características do grupo. Trata-se de dizer que o sujeito não toma as regras como um conjunto de circunstâncias manipuláveis ou como um obstáculo para os seus objetivos, mas como verdadeiros guias para a sua ação. Porém, as regras são informadas pelo próprio grupo em questão. Nesta linha, a aceitação refere-se à capacidade de compreender as regras e de aplicá-las, não somente para a própria satisfação, mas para a satisfação daqueles que reconhece como julgador de seu desempenho e cujas críticas considera legítimas. Por conta de seu teor normativo, tal atitude não é meramente externa. Ademais, deve ser uma atividade voluntária e é composta por competências sociais, pois refere-se às práticas do grupo social em exame. O foco distintivo desta compreensão da atitude crítico-reflexiva, segundo Postema, é mais sobre as atividades e competências dos sujeitos envolvidos na prática do que sobre atitudes psicológicas deles.13

Trata-se da distinção entre o ponto de vista interno como interior (que, como MacCormmick, reduz a atitude normativa distinta das regras a uma questão meramente psicológica) e como insider (que, como Postema, enxerga tal atitude como interior à própria prática).14

A compreensão da aceitação das regras ou da atitude crítico-reflexiva, que é típica daqueles que possuem um ponto de vista interno, é importante para identificar as regras sociais e para distingui-las dos hábitos. Porém, as regras sociais compreendem várias modalidades: existem as regras de trato social, as regras legais, as regras morais, etc. Com efeito, é preciso haver algo que distingue as regras legais das demais. De acordo com Hart, o direito e a moral se diferenciam de outras regras sociais porque ambos têm a característica de tornarem a conduta obrigatória ou não opcional. São regras de obrigação. Há três características da obrigação (que não estão em todas as regras legais e morais, mas se relacionam com elas de algum modo): a) há uma séria pressão social (normalmente, quando é apenas interna, costuma-se falar em moralidade; quando é externa, justificando punições, fala-se em direito); b) as regras são tidas como importantes para a manutenção da vida social ou de alguma característica mais alta dela; c) existência de um possível conflito entre obrigação e desejo. Trata-se de um corolário da metodologia hermenêutica de Hart, que busca o significado dos termos pelo contexto em que alguém seriamente inserido na prática se encontra e dentro do qual mobiliza-os.15

A obrigatoriedade das regras não significa, aqui, sentir-se obrigado ou ser forçado a fazer algo para evitar um mal (modalidades do que Hart chama de ser obrigado). Não se trata, simplesmente, de ser compelido, pela força, a fazer algo ou de apenas evitar um mal provável. Não se fala, aqui, de uma relação causal. Trata-se de uma obrigação normativa (o que Hart chama de ter uma obrigação – é normativa porque refere-se não a uma espécie de compulsão, mas a uma relação lógica em que alguém se encontra abrangido por uma regra geral, a qual prevê consequências para os casos nela compreendidos), proveniente do julgamento de alguém que possua um ponto de vista interno e que seja marcada por uma forte pressão social para a consecução de regras tidas como importantes para a manutenção da vida social, em possível contraste com o desejo pessoal de alguns sujeitos. Eis a especificidade das regras legais.[16]

No decorrer da obra, Hart desenvolve, inclusive, uma classificação dos diversos tipos de regras, o que só demonstra e reforça as suas premissas acima trabalhadas. Para o autor inglês, podem existir tanto regras primárias, como regras secundárias. O primeiro tipo de regras tem por objeto as condutas dos indivíduos e estipulam obrigações e proibições, sendo geralmente acompanhadas de uma sanção punitiva. Contudo, a existência unilateral destas regras é altamente problemática, pois em uma tal sociedade haveria problemas de incerteza sobre quais regras são válidas e quais regras são inválidas, sobre quais são os meios de alteração das regras e sobre quais autoridades irão aplicá- las. Com efeito, é natural que se recorra à adoção de regras secundárias para superar os problemas naturalmente trazidos pelas regras primárias.[17]

As regras secundárias são regras que tem por objeto as regras primárias, sendo desprovidas de sanções e sendo expressas por permissões e autorizações. Ressalte-se que só o direito possui regras secundárias, sendo uma prática autorregulatória. Ademais, há uma divisão interna dentro das próprias regras secundárias: a) existem as regras de reconhecimento, que estipulam critérios de validade para outras regras e que atuam como elemento unificador das mesmas, sendo a solução para o problema da incerteza ou dúvida sobre a validade das regras primárias; b) existem as regras de alteração, que especificam como o direito pode ser alterado pelo estado ou pelos indivíduos; c) existem as regras de julgamento, que fornecem o aparato judicial e coercitivo.18

4 O PONTO DE VISTA MORAL COMO O CASO CENTRAL DO PONTO DE VISTA INTERNO

O impacto das considerações trazidas por Hart para a teoria do direito são enormes e, hoje em dia, tomam conta do cenário mundial de tal forma que passou a chamar a atenção das mais díspares concepções do direito, até mesmo dos meandros do jusnaturalismo. Um de seus alunos tentou operar uma espécie de síntese entre o seu positivismo e a tradição do direito natural, tendo como eixo de ligação as suas considerações a respeito do ponto de vista interno como paradigma de descrição do direito. Este foi o contributo de John Finnis, também professor de Oxford e autor do livro Natural law and natural rights (1980). Esta seção é dedicada a este diálogo.

4.1 O problema da descrição de práticas sociais

Para Finnis, seguindo a tradição aristotélica, todas as ações humanas são guiadas por fins, razões, objetivos, metas, projetos ou compromissos. Estes são os determinantes de uma ação e são eles que constituem o critério a partir do qual é possível descrevê-las. Um homem andando na rua pode estar trabalhando ou fazendo um exercício físico, de tal modo que para descrever a sua conduta é necessário indagar qual é a sua real intenção. Quando são estabilizadas, as ações dão origem a práticas sociais, as quais, no entanto, por poderem ser concretizadas com diferentes intentos, tornam-se demasiado complexas para os cientistas sociais interessados em descrevê-las. Isso porque não é possível determinar uma única finalidade capaz de explicar a sua existência. É exatamente por este motivo que tantos erros e controvérsias são suscitados no meio acadêmico.[19]

Três erros são comuns na tentativa de descrever estas práticas. Por um lado, existem aqueles que simplesmente tentam catalogar as diversas e múltiplas formas de concretização de seu objeto de estudo no meio social, reduzindo a sua área de conhecimento a um léxico infindável de possibilidades descritivas. Por outro lado, existem aqueles que caem no erro do mínimo denominador comum, o que não raro deixa escapar casos que constituem aquela prática, mas que não são albergados pela definição escolhida. Veja-se, por exemplo, o caso da definição que Austin atribui ao direito, deixando de fora várias peculiaridades extremamente importantes para uma descrição correta e satisfatória da prática jurídica. Finalmente, existem aqueles que optam por conceitos completamente arbitrários, descrevendo o direito apenas a partir de seu próprio ponto de vista. Atente-se para a teoria kelseniana do direito, pretensamente imparcial e científica, mas que exclui diversas outras concepções possíveis sobre o tema. Por estes motivos, John Finnis rejeita todas estas três opções metodológicas de descrição das práticas sociais, em geral, e do direito, em particular.[20]

Alguns positivistas, como Shapiro[21] e Raz[22], sustentam que as suas descrições são fundamentadas por intuições compartilhadas por todos e argumentam que este deve ser o critério pelo qual uma boa descrição será identificada. Assim, nesta linha de raciocínio, se uma teoria é contraintuitiva, é preciso rejeitá-la, ao passo que, se for obediente às intuições compartilhadas, deve ser acatada. O problema desta argumentação é que, no dizer de Murphy[23] (ao criticar Raz), ela pressupõe um grande acordo com relação aos conceitos a serem levantados e, no caso do direito, está unanimidade simplesmente inexiste, havendo contradições entre os próprios positivistas seguidores de Hart.

Observe-se o que Murphy24 diz em suas próprias palavras:

My objection to Raz’s methodology is more simple: there is insufficient agreement in the intuitions that are the data for any philosophical conceptual analysis. When attempting to analyze the concept of knowledge, philosophers worked with examples that were supposed, at any rate, to elicit the same response — either it was a case of knowledge or it wasn’t — in pretty much everyone. But on the question of the boundary between law and morality, the concept of law is simply equivocal — some of us, in some moods, see that boundary as strict, others of us, in other moods, see it as very porous. The equivocation in the concept of law is what allows Aristotle to give the rhetorical advice

that he does. It is hard to see how conceptual analysis can settle a disagreement that is present in the very data that the analysis is supposed to explain. Of course, Raz attempts to do just that, with his ingenious argument concerning the connection between the concept of law and the concept of authority. Without going into its details, let me just say that I find each of the steps in his argument reasonably resistible, and that this is what we should expect, given that most people who have spent time thinking about law, authority, and the authority of law, feel the pull of both ways of thinking about the boundary between law and morality. If our aim is to explain the concept as it is, the concept that people use to understand features in their own life and in the world around them’, then at a certain point we have to accept that lack of convergence in usage is a bad sign”.

Neste sentido, resta claro que a descrição de práticas sociais complexas necessita de uma metodologia apropriada, que não incorra em nenhum dos erros acima descritos. É neste contexto que Finnis faz uma proposta, talvez, mais interessante.

4.2 A escolha de um dispositivo metodológico adequado

Para John Finnis, práticas sociais complexas só podem ser adequadamente compreendidas à luz de um dispositivo metodológico específico: a identificação de casos centrais e de casos periféricos. Tal recurso foi criado por Aristóteles, altamente desenvolvido por São Tomás de Aquino e implicitamente utilizado por Hart e Raz, possuindo paralelos com a noção de tipos ideais de Max Weber.[25]

Este dispositivo confere a vantagem de descrever objetos em geral e práticas sociais de modo satisfatório e de identificar casos análogos ou semelhantes desses objetos ou práticas, sem ter de bani-los para outros âmbitos de conhecimento. O caso central de um objeto ou de uma prática é aquele que representa todas as características típicas do mesmo (o seu significado focal), sem quaisquer reticências ou restrições, constituindo o objeto ou a prática pura e simplesmente considerada (simpliciter). Já os casos periféricos são aqueles que só representam o objeto em certo sentido ou sob certo aspecto (secundum quid), havendo algo que se assemelha ao caso central e algo que não se assemelha.26

Porém, como ressalta Timothy Endicott27, o próprio conceito de casos centrais é, em si mesmo, analógico, no sentido de que não admite respostas unívocas, mas depende do contexto em que é mobilizado e dos interesses do próprio teórico. De acordo com Finnis[28], no caso da descrição teórica (sublinhe-se: para Finnis, toda teoria está sempre em busca de um conceito) de práticas sociais complexas, como é o caso da teoria do direito, o caso central deverá ser identificado a partir do exemplar que faça, ou possa fazer, mais sentido para os sujeitos envolvidos, isto é, que seja mais razoável, pois, como acima sublinhado, as ações e práticas humanas são identificadas pelo fim, motivo ou razão que as alimentam, de modo que a alternativa mais representativa, neste caso, será, inevitavelmente, a que der mais motivo para que as pessoas mantenham ou resolvam adotar (ou criar) a instituição social em questão. Por isso, é necessário que o teórico engajado na descrição de práticas sociais complexas adote uma postura normativa, adotando um determinado conceito como paradigma não por ser mais frequente ou por seu um suposto mínimo denominador comum, mas por ser bom, por dar mais sentido ou razão para a instituição social – o que se justifica não só pela complexidade, mas, como é evidente, pelo próprio tipo de objeto de estudo. Sublinhe-se que não apenas Finnis, mas outros professores chegaram a conclusões parecidas. Stephen Perry29 é conhecido por defender, exatamente, que práticas sociais complexas só podem ser descritas de modo avaliativo, ou seja, por meio de uma argumentação em favor de determinada variante.

É a partir desse dispositivo metodológico que Finnis tenta descrever o direito, crendo ser o único meio viável para tanto.

4.3 O ponto de vista interno de Hart e Raz e o caso central do direito

Finnis[30] considera que tanto Hart como Raz já utilizaram, de certa forma, tal dispositivo metodológico em suas descrições do direito, ao identificarem que a prática social em questão pode ser descrita sob diversos pontos de vista, mas identificando que o caso central e mais representativo desta prática se referia ao ponto de vista interno (o único ponto de vista capaz de fornecer todos os elementos descritivos necessários para o entendimento da prática jurídica, em contraposição ao ponto de vista externo, marcadamente redutivo e incompleto).

De acordo com Finnis[31],

 “(…) Hart rejects the view that ‘the several instances of a general term must have the same characteristics’. Instead, he proceeds on the assumption that ‘the extension of the general terms of any serious discipline is never without its principle or rationale’”.

A propósito, há, também, uma passagem muito elucidativa de Raz[32]:

The attempt to characterize legal systems by the spheres of activity which they regulate or claim authority to regulate cannot be a very precise one. The general traits which mark a system as a legal one are several and cach of them admits, in principle, of various degrees. In typical instances of legal systems all these traits are manifested to a very high degree. But it is possible to find systems in which all or some are present only to a lesser degree or in which one or two are absent altogether. It would be arbitrary and pointless to try and fix a precise borderline between normative systems which are legal systems and those which are not. When faced with borderline cases it is best to admit their problematic credentials, to eumerate their similarities and dissimilarities to the typical cases, and leave it at that”.

Todavia, Finnis considera que o maior erro de Hart e Raz foi o de não terem continuado depois deste ponto. Tanto Hart como Raz admitiam haver uma pluralidade de pontos de vista internos e, mesmo assim, não prosseguiram com as necessárias distinções a serem feitas, como que igualando todos os casos.[33]

Segundo Hart, a adoção de um ponto de vista interno pode ter causas muito diferentes. Alguém pode adotar um ponto de vista interno com relação às regras por simples estimativa a longo prazo dos próprios interesses, sem quaisquer considerações comunitárias. É possível, segundo o autor, adotar tal ponto de vista por uma atitude herdada ou tradicional irrefletida, sem perscrutar os motivos que o levam a agir de tal forma. Também não é impossível que alguém aceite as regras como obrigatórias para si e para os outros pelo simples desejo de proceder como as pessoas ao seu redor. Da mesma forma, é igualmente aceitável admitir que o motivo pelo qual alguém possui o ponto de vista interno é o simples interesse desinteressado por outrem.[34]

Raz, por seu turno, chega ao ponto de alargar a sua concepção sobre o ponto de vista interno de tal forma a abranger a situação de uma pessoa com ideais anárquicos que se torna juiz e que obedece às leis na maioria das vezes para simplesmente poder desobedecê-las nas poucas, mas importantes hipóteses em que fazê-lo as destruiria.[35]

Segundo Finnis, isso não é razoável e nem as próprias pessoas que possuem tais pontos de vista, como o juiz anárquico, aceitariam que o seu modo de enxergar as regras servisse de paradigma para uma descrição satisfatória do direito. Todos esses casos ou hipóteses de adoção de um ponto de vista interno possuem a capacidade de sustentar ou manter uma ordem jurídica em vigor. É verdade. Porém, nenhum deles seria capaz de fazer uma ordem social pré- jurídica de costumes e tradições transitar para uma ordem jurídica, pois em nenhum desses casos encontra-se a preocupação de se resolver os problemas para os quais o direito existe. Nenhum deles fornece razão para a existência do direito e, portanto, são casos periféricos que só em certo sentido constituem um ponto de vista verdadeiramente interno, isto é, um paradigma para descrição da prática jurídica.[36]

O único caso dentro das várias possibilidades albergadas pela noção de ponto de vista interno que poderia justificar a transição de uma ordem social pré- jurídica para uma ordem jurídica e, portanto, de fornecer justificativas para a existência do direito (servindo de paradigma e constituindo o caso central de descrição do direito, a partir do qual os outros participam) é o ponto de vista moral, entendido como aquele que fornece razões para agir, sendo denominado por John Finnis como ponto de vista da razoabilidade prática (que outra coisa não é senão a própria moralidade) – e, como visto acima, o caso central ou o paradigma de uma prática social complexa deverá ser identificado a partir do exemplar que faça, ou possa fazer, mais sentido para os sujeitos envolvidos, isto é, que seja mais razoável e que forneça mais motivos para a criação e manutenção da prática.[37]

Inclusive, para Finnis, não há diferenças entre o ponto de vista moral, ou da razoabilidade prática, e o ponto de vista do sujeito desinteressado por outrem pois, o que seria isso senão um ponto de vista moral?[38]

Com efeito, segundo Finnis, apenas o ponto de vista da racionalidade prática seria capaz de servir como caso central do direito, tendo em vista que só ele poderia justificá-lo, além de mantê-lo em existência. Isso, claro, não elimina os demais pontos de vista internos. Pelo contrário, a metodologia do caso central e do significado focal é o que permite que as hipóteses menos representativas de um objeto ou prática sejam tidos como casos periféricos dele ou dela, à medida em que se assemelham ao caso central.[39]

Contudo, alerta-se para o fato de que, dentro do próprio ponto de vista moral, há várias possibilidades, ou seja, existem diferentes formas de se adotar um ponto de vista moral (o interesse desinteressado por outrem é um deles). Com efeito, não basta dizer que o caminho para a descrição do direito é o ponto de vista moral. É preciso, efetivamente, que este ponto de vista seja razoável, ou seja, apresente razões para justificar o direito e atender a todas as demandas que um ponto de vista paradigmático deveria satisfazer. Com efeito, é necessário descrever o direito a partir da visão do indivíduo que tenha razoabilidade prática.[40]

Neste sentido, o teórico descritivo terá de ser avaliativo se quiser exercer o seu papel. Porém, isso não significa que ele terá de ser parcial. Pelo contrário, ele terá de fazê-lo do modo mais imparcial possível: através da razão. A teoria do direito natural, portanto, tem como função fornecer ao teórico descritivo do direito todos os meios para que ele possa identificar o caso central do direito e compará-lo com os casos periféricos encontrados na realidade. A condição de caso periférico não retira dele a qualidade de partícipe da prática jurídica nem acarreta o seu banimento para outros âmbitos. Pelo contrário, é uma prática jurídica na medida em que se aproxime ou se distancie do caso central do direito, que é identificado a partir da teoria do direito natural.[41]

A argumentação de Finnis não passou despercebida pelo mundo acadêmico. Joseph Raz e Julie Dickson ensaiaram respostas a Finnis. Raz[42] admite que é necessário fazer uma seleção para descrever práticas sociais complexas, como o direito, e, assim, é preciso ser avaliativo, pois, em seu dizer, toda seleção envolve uma avaliação, ao menos, sobre a importância do objeto.

Porém, isso não significa que essa avaliação deve ser moral. Dickson[43], a seu turno, fez uma perspicaz distinção entre avaliações diretas e indiretas, afirmando, assim com Raz, que é necessário haver julgamentos avaliativos, mas que, no entanto, não é preciso recorrer a avaliações diretas, ou seja, a critérios morais.

Finnis, no entanto – e como visto -, não se vale de argumentações morais de modo arbitrário nem defende que a metodologia do caso central implique necessariamente o recurso à moralidade (nem que, se for preciso utilizar tal recurso, as variantes imorais deixem de ser tidas como exemplares). O que ele defende é que, diante da intenção de se postular uma teoria geral do direito, do fato de que só se pode descrever uma criação humana por sua finalidade ou razão de ser e da complexidade da realidade social em questão (ou seja, da multiplicidade de concepções de propósito a respeito do direito), é preciso fazer uma seleção do exemplar mais representativo da realidade humana em questão (o direito enquanto prática social), que será aquele que faça, ou possa fazer, mais sentido para os sujeitos envolvidos, isto é, que seja mais razoável – e ser razoável na prática é o objeto de estudo das teorias sobre a moralidade, havendo, para Finnis, uma comunicação entre as teorias sociais e a ética. Para o professor australiano, adotar a metodologia dos casos centrais é o único modo de descrever o direito sem incorrer nos erros mencionados anteriormente e sem banir casos periféricos para  outras instâncias.  Ademais,  adotar uma  teoria normativa (ou seja, que escolha o conceito de direito por critérios morais) é não igualar os casos periféricos e parasitários ao caso central (erro cometido por Hart e Raz).[44]

5 AS OBJEÇÕES E OS DESCAMINHOS DO DIREITO NATURAL CLÁSSICO

É conhecida a refutação de Hume ao direito natural. Em polêmica com Clarke[45] (que entendia que Deus possui relações de certo e errado como determinantes de sua vontade, as quais nós devemos adotar seguindo as leis extraídas da natureza; do contrário, segundo o filósofo inglês, estaríamos cometendo a petulância de tomar algo que “é” por aquilo que “não pode ser”), Hume[46] defende que não há qualquer motivo para extrair deveres ou obrigações a partir do ser, pois de fatos não se extraem normas – e é exatamente isso que as teorias do direito natural fazem, sendo, portanto, irracionais.

Não só Clarke, mas também Hugo Grócio e Suárez incorrem no ilícito de extrair o certo e o errado ou conteúdo do direito natural a partir da conformidade ou inconformidade, ou da adequação ou inadequação, da conduta humana à sua natureza, extraindo indevidamente normas a partir de fatos.[47]

Porém, segundo Finnis, tal crítica não pode ser atribuída a Tomás de Aquino. Sob a influência de Grisez[48], John Finnis[49] defende que Tomás de Aquino não autorizou a inferência da lei natural diretamente a partir da natureza.

Segundo a interpretação do jurista inglês, Santo Tomás não poderia concordar com esse tipo de inferência, pois a sua doutrina entendia que os primeiros princípios do direito natural são evidentes em si mesmos e para todo e qualquer ser humano (mesmo para os não instruídos), sendo indemonstráveis. Na sua linguagem, eles são per se nota.

É verdade que Tomás de Aquino afirma que, se a natureza do homem fosse outra, outros seriam os seus deveres. Porém, ele afirma que os primeiros princípios do direito natural são per se nota e que critério para saber se algo é contrário à natureza é a razão, movida por estes primeiros princípios. Neste sentido, a convocação da natureza parece ser posterior, fruto de uma especulação metafísica exterior.50

Finnis concorda com O’Connor quando este afirma que Tomás de Aquino nunca explicou com clareza como é possível chegar às regras morais específicas a partir dos primeiros princípios acima referidos. Mas discorda que se possa repreender o teólogo cristão por “inferência ilícita de fatos para normas”.51

6 A DESCRIÇÃO DO DIREITO À LUZ DO PONTO DE VISTA MORAL OU DA RAZOABILIDADE PRÁTICA

A teoria do direito natural de Finnis tem a pretensão de identificar o caso central do direito. Porém, assim como dá razão a muitos pontos da teoria clássica do direito natural, Finnis se distancia dela em muitos outros. Há toda uma rede de vicissitudes a considerar. Esta seção dedica-se a apontar os traços gerais e mais importantes de seu pensamento.

6.1 Da apreensão de valores ou bens humanos básicos

Assim como Tomás de Aquino, Finnis não pretende extrair normas a partir de fatos. A sua teoria da lei natural é totalmente fincada no que ele chama de bens humanos básicos, ou valores humanos básicos, os quais não são demonstráveis nem são inferidos a partir da natureza, pois são autoevidentes.[52]

Não se trata, porém, de afirmar que existem valores com os quais todos concordam nem se trata de dizer que a maioria dos homens os consideraram em toda e qualquer sociedade, por mais primitivas que sejam – embora tudo isso pudesse fornecer indícios de que tais valores existem.53

Finnis afirma que o homem possui certas tendências e inclinações, as quais, após uma reflexão sobre a sua própria experiência, levam-no a concluir que tal estado é bom e que quem está neste estado está em uma boa condição, ao mesmo tempo em que, quem não está, encontra-se em uma má situação. O primeiro exemplo que Finnis dá sobre isso é o bem do conhecimento. Todos os homens têm a inclinação para conhecer e buscar a verdade. Porém, aquele que atinge certas verdades pode ir além disso. Refletindo sobre a sua própria experiência, este homem chega, necessariamente, à conclusão de que conhecer é um bem, quem não conhece está em uma situação ruim e quem conhece está em uma boa situação. Este é o processo a partir do qual o homem se conscientiza a respeito dos bens que podem torná-lo feliz. Uma vez adquirido tal conhecimento, o homem em questão pode fazer o seguinte raciocínio prático:

a) conhecer é um bem; b) este livro que estou lendo, embora seja tedioso, me permitirá entender o direito natural; c) logo, mesmo sendo tedioso, vou me dedicar a ele.54

Como visto, Finnis apenas consegue descrever o processo pelo qual é possível conhecer estes bens. Porém, não é possível demonstrá-los, pois são autoevidentes. A evidência referida não é algo ruim ou que os diminui. Assim como o conhecimento teórico, que visa à verdade, possui os seus primeiros princípios evidentes em si mesmos, a moralidade ou razão prática, que visa à felicidade ou florescimento humano (terminologia de Finnis), possui os seus.55

Ademais, ressalte-se que estes bens são igualmente autoevidentes e entre si incomensuráveis, pois todos são conhecidos do mesmo modo e nenhum deles fornece, em si mesmo, algum motivo para prevalecer sobre os outros, a não ser no plano particular e sempre de forma indireta, como será esclarecido.56

6.2 A lista de bens humanos básicos

Os bens humanos são múltiplos e impossíveis de quantificar, pois vários são os aspectos que compõem a felicidade de uma pessoa. Porém, é possível reduzi-los a um núcleo finito de bens básicos, os quais englobam todos os outros.57

Finnis defende que existem sete bens humanos básicos. O primeiro deles é o bem do conhecimento, o único que goza de uma lógica irrefutável – pois, no momento mesmo em que alguém tenta persuadir a outrem que conhecer não é bom, esta pessoa se contradiz tentando demonstrar essa verdade e agindo em vista dela. Há também o bem humano básico da vida, que engloba outros bens, como a integridade física e a reprodução humana. Em seguida, aparece a ludicidade ou jogo, congregando todas aquelas atividades que não tem outro fim senão elas mesmas, como o desporto e atividades congêneres. Há, igualmente, a menção da experiência estética, a qual não pode ser reduzida ao jogo, pois inclui a apreciação da beleza oriunda da natureza. Além disso, a amizade (tanto em sua forma mais fraca, enquanto um mínimo de paz com os outros, como em sua forma mais forte, enquanto ter o bem do outro como um aspecto da própria felicidade) é colocada como um importantíssimo valor, sendo o fundamento de vários requisitos da moral e das noções de autoridade, de justiça, de obrigação e de direitos. Finnis também afirma que a moralidade ou a razoabilidade prática, enquanto capacidade de agir conforme à razão e de moldar o próprio caráter, é um bem humano básico. Finalmente, como último, mas não menos importante valor, está o bem da religião, entendido como a correlação entre a ordem do mundo e a ordem do próprio indivíduo.58

6.3 A razoabilidade prática

Como visto, a razoabilidade prática é um bem humano básico que tem tanto valor como qualquer outro. O seu conteúdo possui dois pólos: a) um pólo negativo, o qual implica a liberdade da pessoa para escolher as suas ações, os seus propósitos e os seus compromissos; b) um pólo positivo, o qual implica que a pessoa deve agir conforme a razão. Este último pólo da razoabilidade prática irá exigir da pessoa, no uso de sua liberdade um conjunto de requisitos. Finnis considera serem oito os requisitos da moralidade.59

O primeiro requisito a ser trabalhado é a exigência de um plano coerente de vida. Aqui, a moralidade requer direcionamento, controle de impulsos, compromissos não exagerados com projetos específicos, assim como, eventualmente, redirecionamentos, alterações circunstanciais de projetos e harmonização com os compromissos mais profundos da pessoa.60

Uma segunda exigência da moralidade é a ausência de preferências arbitrárias por valores, pois, se todo plano coerente de vida envolve a busca de alguns bens em detrimento de outros, tal concentração só será razoável se disser respeito às capacidades, circunstâncias e gostos da própria pessoa.[61]

O terceiro requisito da razoabilidade prática está fincado no fato de que o bem de uma pessoa é tão bom quanto o de outra, pois em ambos os casos bens humanos básicos estão sendo satisfeitos. Além disso, esta terceira exigência também está relacionada ao bem humano básico da amizade, que demanda, pelo menos, uma relação de paz com os outros. Este terceiro requisito é o da não preferência arbitrária entre pessoas e o seu conteúdo está intrinsecamente relacionado ao da famosa Regra de Ouro das Sagradas Escrituras Cristãs: não faças com os outros aquilo que tu não queres que te façam. Segundo Finnis, não poderia soar mais iluminista: “age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal”. Este requisito é extremamente importante para fundamentar as ideias de bem comum e de obrigações.62

O quarto requisito da razoabilidade prática requer que a pessoa não supervalorize um projeto nem abandone os compromissos assumidos, pois se a desobediência ao primeiro implica pôr a sua própria felicidade em algo que não merece, o desrespeito ao segundo será um obstáculo ao acesso da pessoa aos bens. Trata-se, portanto, da exigência de desprendimento e compromisso.63

Outro requisito da moralidade refere-se à relevância limitada das consequências das nossas ações, projetos e compromissos, ou seja, refere-se à necessidade de eficiência. Finnis não está defendendo qualquer tipo de consequencialismo, pois este mesmo requisito é limitado pelo respeito aos demais requisitos da moralidade – o que reprova moralmente uma pessoa sádica em busca de satisfazer a sua liberdade.64

Em seguida, exige-se o respeito por cada valor básico em cada ato, que outra coisa não é dizer que a pessoa não pode agir diretamente contra qualquer bem humano básico, não pode praticar um ato que em si mesmo, danifique ou atinja diretamente um bem humano básico – mesmo porque tais bens são incomensuráveis. A escolha de um plano coerente de vida solicita a preferência por certos valores em detrimento da participação de outros, mas tal seleção só atinge indiretamente o gozo desses bens e não viola o presente requisito. De outra forma, um sujeito que escolhe um meio ruim para atingir um fim aparentemente bom, viola esta exigência da moralidade, pois os fins não justificam os meios. Em Finnis, os direitos humanos ou naturais estão intimamente ligados a este preceito, pois o estado não poderá, de forma razoável, tomar medidas que atinjam diretamente as formas básicas de florescimento humano.65

O penúltimo requisito elencado pelo professor australiano são todos os requisitos do bem comum e a última exigência da moralidade é a de seguir os ditames da própria consciência, nunca agindo de forma contrária aos princípios da própria razão.66

O conjunto destes requisitos, cumulados com os demais bens humanos básicos, formam a estrutura do próprio raciocínio moral. Por exemplo: a) o respeito à vida é um aspecto do verdadeiro bem humano básico da razoabilidade prática (em razão do requisito de respeito em cada ato por cada valor básico); b) o respeito ao bem humano básico da vida, na circunstância de dirigir um automóvel, só pode ser alcançado se eu prestar atenção na estrada, c) o ato de prestar atenção na estrada deve ser realizado. A conclusão inferida das premissas acima especificadas é uma regra moral e, portanto, faz parte da própria lei natural. Com efeito, tudo o que puder ser extraído à luz deste raciocínio comporá uma regra de moralidade e uma obrigação moral, racional. Esta necessidade racional está desvinculada de qualquer autoridade e, portanto, não demanda uma referência a Deus, sendo um ato vinculativo da própria racionalidade.67

6.4 Bem comum, autoridade e lei

Após estabelecer as bases da lei natural, John Finnis pretende explicar a vida comunitária e a exigência de uma autoridade. Para ele, o homem depende dos outros para participar das formas básicas de florescimento humano, assim como os outros precisam dele pra tanto. É evidente que muitas dessas necessidades podem ser sanadas no âmbito da própria família em que o homem nasce e constrói a sua personalidade. Porém, a maioria das carências humanas não pode ser plenamente satisfeita nem pela família, nem por qualquer grupamento local e setorial. É indispensável uma comunidade completa, capaz de fornecer todas as condições para a satisfação dos bens humanos básicos. Pode-se dizer que tal comunidade seria referente aos estados nacionais, tais como os atualmente conhecidos – se bem que Finnis desconfie de uma atual autossuficiência dos estados e indague se já não seria preciso fundar uma comunidade internacional. De qualquer modo, esta comunidade completa surge para assegurar, como referido, o conjunto de condições indispensáveis para o gozo individual dos bens humanos básicos. Tal conjunto de condições, obviamente exigidas pela racionalidade prática, é o que Finnis denomina de bem comum. Cada indivíduo é (racionalmente) obrigado a dar a sua cota de contribuição para tanto, pois não é razoável usufruir das benesses da comunidade sem querer aceitar os seus encargos. Auferir vantagens dos outros sem contribuir com nada fere a exigência moral de imparcialidade entre as pessoas, que veda qualquer forma de raciocínio egoísta. A necessidade de contribuir para o bem comum é o que Finnis chama de justiça geral, a qual pode envolver problemas de distribuição ou de transação.68

Além de exigir uma comunidade completa, o bem comum requer que esta comunidade seja bem coordenada, pois diversas são as maneiras de estabelecer os encargos e de distribuir as benesses da comunidade. Tal função de coordenação é impossível sem uma autoridade que imponha, no dizer de Raz, uma razão excludente para as diversas opções em conflito. Tal autoridade é, portanto, uma exigência do bem comum (e da lei natural), voltada a resolver os problemas de coordenação da comunidade.[69]

O meio pelo qual a autoridade resolve os problemas de coordenação da comunidade é através de leis, ou seja, regras estipuladas para dirimir os problemas de coordenação da comunidade em vista do bem comum. Este é o significado focal das leis, a partir do qual se poderá identificar os seus casos centrais e periféricos.70

Toda lei e toda autoridade gozam, a princípio, de obrigatoriedade moral, pois, em si mesmos, são exigências racionais para resolver os problemas do bem comum. Porém, uma vez frustrado o bem comum por uma lei em benefício particular, por exemplo, embora ainda se possa falar em lei e em autoridade, não haverá qualquer obrigação moral de segui-las. A lei não deixa de ser lei por ser imoral, assim como a autoridade não deixa de autoridade. Porém, não são casos centrais de lei e de autoridade e não possuam obrigatoriedade e vinculatividade perante os sujeitos que gozam de razoabilidade prática.[71]

7 CONCLUSÃO

Diante do exposto no decorrer do presente trabalho, pode-se chegar às seguintes afirmações fundamentais: a) a metodologia das ciências naturais é insuficiente para explicar o direito, pois, como restou comprovado, ela se limita a considerar simples regularidades externas da conduta humana e o direito possui um caráter interno ineliminável, caracterizado pela utilização das regras como guias de conduta pessoal e coletiva; b) porém, este caráter interno, por si só, é insuficiente para explicar o direito, tendo em vista que as práticas sociais, sendo provenientes da ação humana, só podem ser explicadas a partir dos propósitos a que se destina e, quando estes são potencialmente múltiplos (gerando definições ou conceitos igualmente dispares), como é o caso do ponto de vista interno em relação ao direito, é preciso eleger um paradigma, um caso central; c) a seleção do caso central não está necessariamente ligada à moral, devendo haver um motivo que justifique a escolha; d) o caso central do direito deve ser identificado a partir do ponto de vista moral, pois, como é evidente, a conduta humana e as práticas sociais (e, assim, a prática jurídica) são determinadas pelo seu fim e, se estes são múltiplos, a escolha deverá recair sobre o melhor deles, isto é, o que mais motive a manutenção, adoção ou criação da prática, o qual só pode ser identificado pela argumentação moral; e) da teoria do direito natural, que ainda é plenamente possível, resulta a moralidade e, portanto, o critério para identificar o caso central do direito.

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[1] BOBBIO, Noberto. Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução: Márcio Pugliese; Edson Beni; Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1995. p. 15-25. 2 Ibidem. p. 45-91.

[2] KELLY, John Maurice. A Short History of Western Legal Theory. New York: Oxford University Press, 1999. p. 311-315.

[3] KELLY, John Maurice. A Short History of Western Legal Theory. cit. p. 402-409.

[4] HART, H. L. A. The Concept of Law. 3.ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2012. p. 18-79.

[5] “Earlier positivists relied exclusively on methodology and concepts drawn from the natural sciences; however, Hart declared boldly, we need not lie “prostrate before the methods of the [natural] sciences” (1983, 163), but rather, er, drawing on his humanistic training, he insisted on an alternative method: interpretation” (POSTEMA, G. J. A Treatise of Legal Philosophy and General Jurisprudence. Chapel Hill: Springer, 2011. Vol. 11. p. 286).

[6] MACCORMICK, Neil. H.L.A. Hart. 2.ª ed. Stanford: Stanford University Press, 2008. p. 42. 8 Ibidem. p. 42-61.

[7] POSTEMA, G. J. A Treatise of Legal Philosophy and General Jurisprudence. cit. p. 286-291. 10 Ibidem.

[8] Ibidem. p. 294.

[9] Veja-se esta citação de MacCormmick: “Further to elucidate this ‘nonextreme external point of view’, we must refer back to the clarification given earlier of what the ‘internal point of view’ requires. We saw that it has two elements: cognitive and volitional. Now we may notice two points. The nonextreme external point of view’ requires (a) full sharing in the cognitive element of the ‘internal point of view’- the understanding of the pattern or patterns of behaviour as such – and (b) full appreciation of, but not necessarily sharing in, the volitional element – the will or preference for conformity to the pattern as a standard” (MACCORMICK, Neil. H.L.A. Hart. cit. p. 52). 13 “The alternative line of interpretation understands Hartian social rules as social practices (i.e., as networks of interrelated activities with normative significance nificance engaged in by a social group) and understands Hart’s “distinctive normative attitude” as internal to the social practice, rather than to any person. The IPOV is the point of view (or rather the characteristic activities and competencies) of participants (insiders) in the practice. It is inside the social practice in two related

[10] “‘Having an obligation’ is a very different matter from either ‘being obliged’ or ‘feeling obliged’ to do x. One is obliged to do x in any case where doing x is a necessary condition for avoiding some threatened evil substantial in character. ‘The gunman’s threat obliged the teller to hand over the cash’, ‘the swift approach of the bus obliged me to make a leap for the pavement’–these are characteristic instances of‘being obliged’. But such statements are not Hartian ‘internal statements’, nor are they normative statements at all. They apply notions of the causation and motivation of acts, not of the normative quality of acts. That I am very likely to be punished for not doing x does not of itself mean the same as that I have an obligation to do x” (MACCORMICK, Neil. H.L.A. Hart. cit. p. 74-75). Veja-se as palavras de HART: “Rules are conceived and spoken of as imposing obligations when the general demand for conformity is insistent and the social pressure brought to bear on those who deviate or threaten to deviate is great. (…) The rules supported by this serious pressure are thought important because they are believed to be necessary to the maintenance of social life or some highly prized feature of it. (…) It is generally recognized that the conduct required by these rules may, while benefiting others, conflict with what the person who owes the duty may wish to do. Hence obligations or duties are thought of as characteristically involving sacrifice or renunciation, and the standing possibility of conflict between obligation or duty and interest” (HART, H. L. A. The Concept of Law. cit. p. 85-86).

[11] HART, H. L. A. The Concept of Law. cit. p. 90-98. 18 Ibidem.

[12] FINNIS, John M. Natural Law and Natural Rights. 2.ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2011.

p. 3-9. Brian Leiter frisa bastante que, para Finnis, o direito é um artefato produzido pelo homem para atingir os seus fins (LEITER, Brian. The Demarcation Problem in Jurisprudence: A New Case for Skepticism. University of Chicago Public Law & Legal, Theory Working Paper, n. 319, p. 4-6, 2010).

[13] Ibidem.

[14] “Conceptual analysis can easily be thought of as a kind of detective work. Imagine that someone is murdered. The detective will first look for evidence dence at the crime scene, collecting as many clues as she can. She will study those clues hoping that the evidence, coupled with her knowledge of the world and human psychology, will help eliminate many of the suspects pects and lead her to the identity of the killer. In conceptual analysis, the philosopher also collects clues and uses the process of elimination for a specific purpose, namely, to elucidate the identity tity of the entity that falls under the concept in question. The major difference ence between the philosopher and the police detective is that the evidence that the latter collects and analyzes concerns true states of affairs whereas the former is primarily interested in truistic ones. The philosophical clues, in other words, are not merely true, but self-evidently so. (…) In assembling a list of truisms about law, the legal philosopher must include truisms about basic legal institutions (“All legal systems have judges,” “Courts interpret the law,” “One of the functions of courts is to resolve disputes,” “Every legal system has institutions for changing the law”); legal norms (“Some laws are rules,” “Some laws impose obligations,” tions,” “Laws can apply to those who created them,” “Laws are always members of legal systems”); legal authority (“Legal authority is conferred by legal rules,” “Legal authorities have the power to obligate even when their judgments are wrong,” “In every legal system, some person or institution tution has supreme authority to make certain laws”); motivation (“Simply ply knowing that the law requires one to act in a certain way does not motivate one to act in that way,” “It is possible to obey the law even though one does not think that one is morally obligated to do so,” “One can be a legal official even though one is alienated from one’s job”); objectivity tivity (“There are right answers to some legal questions,” “Courts sometimes times make mistakes when interpreting the law,” “Some people know more about the law than others”) and so on” (SHAPIRO, S. J. Legality. Cambridge: Harvard University Press, 2011. p. 13-15).

[15] De acordo com Murphy (Concepts of Law. Australian Journal of Legal Philosophy, v. 30, p. 7- 8, 2005), pode-se depreender isso a partir das análises que Raz faz sobre o direito e a autoridade (ver: RAZ, Joseph. Ethics in the Public Domain: Essays in the Morality of Law and Politics. Oxford:

Oxford University Press, 1994. p. 211-237).

[16] MURPHY, L. Concepts of Law. Australian Journal of Legal Philosophy, v. 30, p. 7-8, 2005. 24 MURPHY, L. Concepts of Law. cit. p. 7-8.

[17] FINNIS, John M. Natural Law and Natural Rights. cit. p. 9-11.

[18] “The problem is that biography and history are one thing and a general social theory or a philosophy of society or power or authority or coordination or law is (or are) something purportedly quite different. There is only one italicized sentence in Chapter I, and it is right here at the top of

p. 2: ‘How, then, is there to be a general descriptive theory of these varying particulars?’ There is no problem of principle or method in describing with complete value-freedom, purity, and complete normative inertness the concerns, self-interpretation, conduct, institutions, vocabulary, and discourse of as many people as you like. But can you finish up with anything more than what I called, on the same page, ‘a conjunction of lexicography with local history, or … a juxtaposition of all lexicographies conjoined with all local histories’— a mere list or heap? My concern had much in common with Leiter’s: the concern that conceptual analysis and appeals to intuition can deliver no more than ‘ethnographically relative results’, a lexicography or ‘glorified lexicography’ or ‘pop lexicography’ the results of which are ‘strictly ethnographic and local’, a ‘banal descriptive sociology of the Galluppoll variety’. What the long march through contemporary jurisprudence (as it extended from Bentham to the late 1970s) made manifest can be summarized in two propositions: (1) any plausible theory that results from an effort to describe law, a subject-matter considered as something transcending any local history, has not been and will not be normatively inert; (2) this is in large part because, given that any general theory of law, however merely descriptive its ambition, necessarily prefers one concept of law over countless others — given (that is to say) that the theorist’s is always a more or less new concept, one that the theorist considers an improved concept, better fitted to answer the questions people have about how law relates to other things and why its various elements hang together as they do — explanations of why this concept is an improved one, to be preferred to other concepts, are designed to show that this concept, this theory, makes better sense of the complex idea that law is something there is reason to have. If there is a worthwhile general theory, or philosophy, of human cities or the human city, as Leiter imagines but I rather doubt, it will have much the same character: neither human laws nor human cities exist in any interesting way unless human persons, who could think and choose otherwise, understand the set of interlocking good reasons there are for trying to create them and maintain them. They (the laws and cities) are not part of the world of the naturally given, though the reasons for wanting to create and maintain laws, if not cities, are so important for the well-being of creatures whose life and capacities are part of the naturally given, but whose

[19] “Hart and Raz are clear that a descriptive theorist, in ‘deciding to attribute a central role’ to some particular feature or features in his description of a field of human affairs, must ‘be concerned with’, ‘refer to’, or ‘reproduce’ one particular practical point of view (or set of similar viewpoints). (…) Thus Hart gives descriptive explanatory priority to the concerns and evaluations (and consequently to the language) of people with an ‘internal point of view’, viz. those who do not ‘merely record and predict behaviour conforming to rules’, or attend to rules ‘only from the external point of view as a sign of possible punishment’, but rather ‘use the rules as standards for the appraisal of their own and others’ behaviour’. Raz, in his earlier work, adopts ‘the ordinary man’s point of view’, but in his more recent work shifts to ‘the legal point of view’, which is the point of view of people who ‘believe in the validity of the norms and follow them’ (paradigmatically, the viewpoint of the judge qua judge). Rather obviously, this position of Hart and Raz is unstable and unsatisfactory. As against Austin and Kelsen they have sharply differentiated the ‘internal’ or ‘legal’ point of view from the point of view of those who merely acquiesce in the law and who do so only because, when, and to the extent that they fear the punishments that will follow non acquiescence. But both theorists firmly refuse to differentiate further” (FINNIS, John M. Natural Law and Natural Rights. cit. p. 12-13).

[20] FINNIS, John M. Natural Law and Natural Rights. cit. p. 10.

[21] RAZ, Joseph. Practical Reason and Norms. New York: Oxford University Press, 2002. p. 150.

[22] FINNIS, John M. Natural Law and Natural Rights. cit. p. 12-13.

[23] “In fact, their allegiance to the system may be based on many different considerations: calculations of long-term interest; disinterested interest in others; an unreflecting inherited or traditional attitude; or the mere wish to do as others do. There is indeed no reason why those who accept the authority of the system should not examine their conscience and decide that, morally, they ought not to accept it, yet for a variety of reasons continue to do so” (HART, H. L. A. The Concept of Law. 3.ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2012. p. 203).

[24] “Moreover, the official may follow the rule either without having any beliefs about why he is justified in doing so, or for prudential reasons (his best way of securing a comfortable life or of avoiding social embarrassment, etc.), or even for moral reasons which are based on his moral rejection of the system. An anarchist, for example, may become a judge on the ground that if he follows the law most of the time he will be able to disobey it on the few but important occasions when to do so will tend most to undermine it. Another may become a judge because he holds that he is justified in applying the law of which he disapproves when he is bound to do so if he makes good use of the powers judges have to make new laws and change existing laws on occasion” (RAZ, Joseph. Practical Reason and Norms. New York: Oxford University Press, 2002. p. 148).

[25] FINNIS, John M. Natural Law and Natural Rights. cit. p. 11-18.

[26] Ibidem.

[27] Ibidem.

[28] Ibidem.

[29] Ibidem.

[30] Ibidem. p. 19-20.

[31] “(…) The doctrine of the nature of law yields a test for identifying law the use of which requires no resort to moral or any other evaluative argument. But it does not follow that one can defend the doctrine of the nature of law itself without using evaluative (though not necessarily moral) arguments. Its justification is tied to an evaluative judgment about the relative importance of various features of social organizations, and these reflect our moral and intellectual interests and concerns” (RAZ, Joseph. Ethics in the Public Domain: Essays in the Morality of Law and Politics. Oxford: Oxford University Press, 1994. p. 209).

[32] “Contra Finnis, Raz’s view is that a suc cessful legal theory need not contain directly evaluative propo sitions concerning features of the law. However, it would be a mistake to think that this means that Raz, and the indirectly eval uative approach to legal theory of which I have claimed he is a proponent, is less interested than Finnis in investigating ques tions concerning the aspirations and ideals which the social insti tution of law should live up to. (…) My main aim has been to illuminate the nature of an approach to legal theory, indirectly evaluative legal theory, which I believe has not been well understood to date, and to defend that approach from some of the criticisms which have been levelled at it. The book began with a question: what’s the point of jurispru dence? My basic answer to it remains unmodified from my start ing point in chapter one,

i.e. that an analytical jurisprudential theory seeks to explain the nature of law by attempting to iden tify and provide an account of its essential properties. I hope, however, that the discussions in the book have gone some way towards fleshing out my view of how we are to go about achiev ing that aim, and what will be the point in so doing. So—how are we to go about explaining the nature of law? By rejecting the moral evaluation, moral justification and beneficial moral consequences theses, and adopting the indirectly evalua tive approach to legal theory which seeks to pick out and explain the important and significant features of law, without prejudg ing the issue of whether or not they render law a good or justified phenomenon. What will be the point in so doing? To deepen our understanding of a centrally important social insti tution which has a pervasive influence on our lives, and to serve as an illuminating precursor to the enterprise of assessing whether, in what sense, and under what conditions the law may be morally worthy” (DICKSON, J. Evaluation and Legal Theory. Oxford: Hart Publishing, 2001. p. 53-144).

[33] Ver: FINNIS, John M. Natural Law and Natural Rights. cit. p. 11-18; FINNIS, John M. Describing Law Normatively. cit. p. 34-36

[34] Para Finnis, Clarke não é bem-sucedido, pois toda e qualquer obrigação moral resulta de motivos para agir e não de juízos de adequação ou inadequação à natureza (FINNIS, John M. Natural Law and Natural Rights. cit. p. 36-42).

[35] “I cannot forbear adding to these reasonings an observation, which may, perhaps, be found of some importance. In every system of morality, which I have hitherto met with, I have always remark’d, that the author proceeds for some time in the ordinary way of reasoning, and establishes the being of a God, or makes observations concerning human affairs; when of a sudden I am surpriz’d to find, that instead of the usual copulations of propositions, is, and is not, I meet with no proposition that is not connected with an ought, or an ought not. This change is imperceptible; but is, however, of the last consequence. For as this ought, or ought not, expresses some new relation or affirmation, ‘tis necessary that it shou’d be observ’d and explain’d; and at the same time that a reason should be given, for what seems altogether inconceivable, how this new relation can be a deduction from others, which are entirely different from it. But as authors do not commonly use this precaution, I shall presume to recommend it to the readers; and am persuaded, that this small attention wou’d subvert all the vulgar systems of morality, and let us see, that the distinction of vice and virtue is not founded merely on the relations of objects, nor is perceiv’d by reason” (HUME, David. A Treatise of human nature. Oxford: L. A. Selby-Bigge, 1888. p. 469-470).

[36] FINNIS, John M. Natural Law and Natural Rights. cit. p. 42-48.

[37] Grisez tenta mostrar que “(…) as interpretações modernas e contemporâneas do pensamento de Tomás de Aquino estão erradas, especialmente ao assumir que o primeiro princípio da lei natural (o bem há de ser feito e o mal há de ser evitado) é uma ordem ou um comando. (…) Tomás de Aquino inclui muitos princípios evidentes entre os preceitos da lei natural, (…) há um erro em qualquer interpretação de sua teoria que reduza todos seus preceitos, menos um, ao estatuto de conclusões” (GRISEZ, Germain. O primeiro princípio da razão prática. Revista DIREITO GV, vol. 3, n. 2, p. 179-183, jul.-dez. de 2007).

[38] FINNIS, John M. Natural Law and Natural Rights. cit. p. 33-36.

[39] FINNIS, John M. Natural Law and Natural Rights. cit. p. 59-64.

[40] Ibidem. p. 105-106. 62 106-109. 63 109-111. 64 111-118.

[41] Ibidem. p. 231-254. 70 Ibidem. p. 260-291.

[42] SGARBI, A. O direito natural revigorado de John Mitchell Finnis. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, [S. l.], v. 102, p. 679-682, 2007. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67774. Acesso em: 28 jun. 2021.