REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7830203
Guilherme Arnon Vieira Rosa¹
Ricardo Gonçalves Silva²
Vinicius Braga Santanna³
Resumo
O presente artigo tratará sobre a prisão em segunda instância, levando em consideração a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal, no que concerne ao período entre a decisão estabelecida no ano de 2016 e sua última alteração quanto a compreensão desse instituto jurídico em 2019, e como a influência e a repercussão dos movimentos sociais ocorridos nesse intervalo de tempo impactou tal mudança, tendo como parâmetro e foco de análise o voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes. Por fim, serão analisadas decisões que tiveram como fundamento o entendimento fixado em 2019.
Palavras Chaves: entendimentos; prisão em segunda instância; Supremo Tribunal Federal; movimentos sociais; Ministro Gilmar Ferreira Mendes
Abstract
This article will deal with the prison in second instance, taking into consideration the changes in the understanding of the Supreme Court, regarding the period between the decision established in 2016 and its last change in the understanding of this legal institute in 2019, and how the influence and repercussion of the social movements that occurred in this time interval impacted such change, having as parameter and focus of analysis the vote of the Minister of the Supreme Court, Gilmar Ferreira Mendes. Finally, will be anelyzed decisions based on the understanding established in 2019.
Keywords: understanding; imprisonment in second instance; Supreme Court; social movements; Minister Gilmar Ferreira Mendes
Introdução
O artigo tem por objetivo realizar uma análise em relação ao entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema da prisão em segunda instância, e a influência que houve no entendimento por conta da repercussão midiática e os amplos debates e críticas presentes no meio jurídico, observando a mudança em um curto período de tempo do entendimento da Egrégia Corte entre os anos de 2016 e 2019, ressaltando o voto e o entendimento do ministro Gilmar Mendes, que em 2016 teve um posicionamento e em 2019 teve outro posicionamento.
Ainda, no que se refere à Constituição Federal de 1988, esta resguarda o princípio constitucional, penal e processual penal da presunção de inocência, conforme disposto no artigo 5º, inciso LVII, no qual é o grande fundamento utilizado para justificar a prisão em segunda instância. Assim, para o desenvolvimento do artigo, será utilizado o método de pesquisa bibliográfica, além de pesquisas jurisprudenciais, doutrinas e outros artigos no âmbito jurídico, com o objetivo de analisar e identificar a influência que tais movimentos trouxeram para a decisão de 2019 e a constitucionalidade dos argumentos trazidos pelo Supremo Tribunal Federal.
Além do que já mencionado, este artigo descreverá o entendimento do STF de 2016, exclusivamente ao voto do Ministro Gilmar Mendes, que, como já adiantado, em um período de 3 anos modificou seu entendimento, ressaltará os movimentos sociais que ocorrerem após essa decisão, como, por exemplo, o movimento Lula Livre, as discussões na mídia nacional, os debates e as críticas feitas pelo meio jurídico, explicará a consequência das manifestações para que houvesse um novo entendimento do STF no período de 2016 a 2019, e, por fim, explicará o novo entendimento proferido pelo Ministro Gilmar Mendes em 2019, que foi contrário ao seu entendimento anteriormente.
Quando da análise do voto do Ministro Gilmar Mendes, será identificado se os movimentos sociais ocorridos no país tiveram ou não influencia a ponto de modificar seu entendimento.
Por fim, serão analisadas decisões proferidas após o julgamento do Supremo Tribunal Federal em 2019, considerando a mudança de seu entendimento em relação à prisão em segunda instância, demonstrando a modificação ocorrida na jurisprudência dos tribunais brasileiros.
1. Entendimento do Supremo Tribunal Federal de 2016 Sobre a Prisão em Segunda Instância
No ano de 2016, o Supremo Tribunal Federal, com uma decisão proferida em um Habeas Corpus, mudou o entendimento jurisprudencial até então firmado, passando a entender que poderia haver cumprimento de pena com a condenação em segunda instância, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Com isso, ficou determinado que o réu passaria a cumprir imediatamente a pena.
No caso em questão, o Supremo Tribunal Federal decidiu por meio de julgamento de um Habeas Corpus, que deveria servir apenas para aquele caso em específico, o que, no entanto, não ocorreu, visto que outros tribunais por todo o país passaram a utilizar tal decisão como orientação, criando, assim, um sistema jurisprudencial neste sentido.
A título de orientação para o desenvolvimento do artigo, importante mencionar o artigo 283 do Código de Processo Penal4, o qual prevê:
“Art. 283 – Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado.”
Quando do julgamento daquele Habeas Corpus, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, chegou ao entendimento de que o artigo supramencionado não serviria como fator impeditivo para o início da execução da pena após a condenação em segunda instância.
Nesse sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil em conjunto com o Partido Ecológico Nacional, protocolaram um pedido para que o assunto voltasse a ser debatido, visto que a decisão anterior, o julgamento do Habeas Corpus 126.292, causou diversas controvérsias no âmbito jurisprudencial, principalmente no que concerne ao artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 19885, que dispõe:
“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
Tal artigo trata sobre o princípio da presunção de inocência, segundo o qual, de acordo com José Cretella Júnior6 e Guilherme de Souza Nucci7, respectivamente:
“Somente a sentença penal condenatória, ou seja, a decisão de que não mais cabe recurso, é a razão jurídica suficiente para que alguém seja considerado culpado. (…) Não mais sujeita a recurso, a sentença penal condenatória tem força de lei e, assim, o acusado passa ao status de culpado, até que cumpra a pena, a não ser que revisão criminal nulifique o processo, fundamento da condenação.” (CRETELLA JÚNIOR, 1990, p. 537).
“O princípio da presunção de inocência não passa de um desdobramento lógico e adequado ao respeito pela dignidade da pessoa humana, não se devendo considerar culpado alguém ainda não definitivamente julgado. Tal justa medida não tem o condão de impedir coerções à liberdade, quando indispensáveis para a situação concreta, visando à escorreita apuração dos fatos. A harmonização dos princípios constitucionais é desejável e não pode sofrer de radicalismos: tornar-se réu não significa encarceramento imediato; ser presumidamente inocente não confere imunidade para fugir à aplicação justa da lei penal.” (NUCCI, 2020, p. 138)
O transtorno ocorreu quando, mesmo a decisão não tendo força vinculante, passou a ser utilizada por tribunais espalhados por todo o país, ou seja, deixaram de considerar o que dispõe o artigo 283 do Código de Processo Penal8 e o princípio da presunção de inocência assegurado pela Constituição Federal de 1988, e passaram a decidir ostensivamente.
Neste contexto, em outubro de 2016, os ministros do Supremo Tribunal Federal se reuniram novamente para analisar e julgar o tema, e, por seis votos a cinco, entenderam que o início da execução da pena após a condenação em segunda instância não infringe o quanto disposto no art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 19889, não ferindo, portanto, o princípio da presunção de inocência.
Portanto, o entendimento dado pelo Supremo Tribunal Federal em 2016 foi de que a execução de pena após a condenação em segunda instância, mesmo com a existência do princípio da presunção de inocência, artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, bem como artigo 283 do Código de Processo Penal, seria constitucional e poderia ser realizada.
2. Voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes em 2016
No ano de 2016, o Ministro Gilmar Mendes, com seu voto no Habeas Corpus 12629210, entendeu contrariamente com a ideia que tinha sobre a prisão em segunda instância, já que, no ano de 2009, entendia que a prisão em segunda instância não era correta, respeitando, assim, o princípio constitucional da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal11. Ocorre que, em seu voto no Habeas Corpus supramencionado, votou a favor da prisão do réu do processo após ser condenado em segunda instância, demonstrando, então, a divergência do seu próprio entendimento a despeito do assunto.
Frente a esse cenário, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em conjunto com o Partido Ecológico Nacional, não entendendo tal decisão, protocolou as ADCs 43º12 e 44º13 visando estabelecer um novo entendimento sólido e estruturado sobre a prisão em segunda, já que estava sendo constatado pelos Tribunais do Brasil que diversas decisões estavam sendo concedidas em pedidos de Habeas Corpus de casos isolados, valendo-se do fundamento utilizado no Habeas Corpus 126.29214 – já mencionado anteriormente –, causando, assim, desordem no ordenamento jurídico e indo em desencontro com o entendimento firmado no ano de 2009, que, como dito, era contra a prisão em segunda instância.
No julgamento do Supremo Tribunal Federal para fixar um novo entendimento sobre a prisão em segunda instância, onde o Ministro Gilmar Mendes mudou seu posicionamento de 2009, votando, portanto, a favor da execução da pena após a prolação de acórdão condenatório em segundo grau, causou uma grande polêmica no âmbito jurídico, midiático e social, já que o momento cuja a sociedade brasileira vivia era de completa instabilidade devido a polêmica operação Lava Jato, operação essa que investigava esquemas de corrupção dentro da alta cúpula governamental.
Em seu julgamento, o Ministro justificou a mudança de posicionamento que teve no ano de 2009 e explicou os motivos que o levaram ao novo entendimento, afirmando que consignou um raciocínio de “a noção de que o cometimento de abusos nas decisões condenatórias seria a exceção – e não a regra – no sistema processual penal brasileiro”. Além disso, no ano de 2019, o Ministro relembra sua principal justificativa em relação ao entendimento que teve em 201615, o qual diz
“A principal justificativa do entendimento de 2016, assim, assentava- se no diagnóstico de que a inefetividade do sistema recursal penal suscitava um grave quadro de ineficiência do sistema judiciário.
Alguns exemplos emblemáticos auxiliavam-me na compreensão do ponto, tais como o conhecido caso “Pimenta Neves”, que teve o seu trânsito em julgado mais de 11 anos após a prática do homicídio. Outro exemplo notório foi o caso do ex-senador Luiz Estevão, cuja execução da pena só veio a ocorrer dez anos depois da sua condenação, tendo o último recurso do réu sido julgado às vésperas da prescrição, quando já transcorridos mais de 23 anos da data dos fatos.
Essas situações foram – e continuam sendo – valoradas por mim como graves disfuncionalidades do sistema. Todavia, subjacente a esse diagnóstico, a minha posição firmava uma crença – hoje absolutamente desiludida – quanto à capacidade dos Tribunais de segunda instância de distinguir e corrigir situações abusivas. A propósito, assentei essa presunção ao afirmar à época que:
“O que eu estou colocando, portanto, para nossa reflexão é que é preciso que vejamos a presunção de inocência como um princípio relevantíssimo para a ordem jurídica ou constitucional, mas princípio suscetível de ser devidamente conformado, tendo em vista, inclusive, as circunstâncias de aplicação no caso do Direito Penal e Processual Penal.
(…) E a mim parece que, se porventura houver a caracterização – que sempre pode ocorrer – de abuso na decisão condenatória, certamente estarão à disposição do eventual condenado todos os remédios, além do eventual recurso extraordinário, com pedido de efeito suspensivo, cautelar, também o habeas corpus. E os tribunais disporão de meios para sustar essa execução antecipada.
Assim, em 2016, na linha desses precedentes referenciados, consignei uma racionalidade que reputaria no futuro totalmente superada: a noção de que o cometimento de abusos nas decisões condenatórias seria a exceção – e não a regra – no sistema processual penal brasileiro.”
Assim, o Ministro Gilmar Mendes, com seu voto, firmou entendimento no sentido de que o princípio da presunção de inocência é um princípio de suma importância para o ordenamento jurídico e constitucional como um todo, no entanto, deve ser entendido como um princípio suscetível de ser conformado, e, portanto, aplicável levando em consideração as circunstâncias no caso concreto do Direito Penal e Processual Penal.
Todavia, segundo Gilmar Mendes, tais circunstâncias não configuram conflito quanto à essência e o conceito do que se percebe a partir do princípio da presunção de inocência.
3. Movimentos Socais e Jurídicos
Com a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o que se entendia de execução da pena após prolação de acórdão condenatório em segundo grau, houve uma grande controvérsia no plano jurídico e social, onde, tanto para doutrinários, quanto para uma gama da sociedade, tal entendimento viola o princípio da presunção de inocência, o artigo constitucional 5º, inciso LVII, bem como o artigo 283 do Código de Processo Penal.
Nesse sentido, se posiciona Aury Lopes Jr.16 entendendo que o princípio da presunção de inocência leva em consideração o marco final do processo de acusação, o qual se dá somente com o trânsito em julgado, ou seja, para Aury, o acusado é presumidamente inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, como fica explícito abaixo:
“Muito importante sublinhar que a presunção constitucional de inocência tem um marco claramente demarcado: até o trânsito em julgado. Neste ponto nosso texto constitucional supera os diplomas internacionais de direitos humanos e muitas constituições tidas como referência. Há uma afirmação explícita e inafastável de que o acusado é presumidamente inocente até o “trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Mas também não é uma construção única, basta ler as Constituições italiana e portuguesa, que também asseguram até o trânsito em julgado.
E o conceito de trânsito em julgado tem fonte e história e não cabe que seja manejado irrefletidamente […] ou distorcido de forma autoritária e a “golpes de decisão”. Não pode o STF, como fez no HC
126.292 (autorizando a execução antecipada da pena), com a devida vênia e máximo respeito, reinventar conceitos processuais assentados em – literalmente – séculos de estudo e discussão, bem como em milhares e milhares de páginas de doutrina. O STF é o guardião da Constituição, não seu dono e tampouco o criador do Direito Processual Penal ou de suas categorias jurídicas. Há que se ter consciência disso, principalmente em tempos de decisionismo e ampliação dos espaços impróprios da discricionariedade judicial. Quando o Brasil foi descoberto, em 1500, o mundo já sabia o que era trânsito em julgado… É temerário admitir que o STF possa “criar” um novo conceito de trânsito em julgado, numa postura solipsista e aspirando ser o marco zero de interpretação. Trata-se de conceito assentado, com fonte e história.” (g.n)
Percebe-se, então, que Aury Lopes Jr. se expressa totalmente contra o posicionamento que o Supremo Tribunal Federal adotou e suas mudanças de entendimento quanto ao tema. Para Aury, tal posicionamento desconsidera a construção histórica que foi criada sobre a compreensão do trânsito em julgado, e, como consequência, da presunção de inocência, o que não pode ser feito pelo STF.
Tal controvérsia não se limitou, no entanto, somente ao campo jurídico e doutrinário, se estendeu, também, ao cenário social. Movimentos foram criados em prol da efetivação dos princípios constitucionais e, também, das leis processuais penais. Um dos maiores e mais influentes movimentos sociais que versaram sobre a prisão em segunda instância, foi o movimento Lula Livre, que teve início no dia 05 de abril de 2018, com a prisão do ex-presidente – que hoje é atual – autorizada pelo
Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), após a condenação sentenciada pelo juiz competente Sergio Moro.
A prisão do então ex-presidente – que hoje é atual – teve uma duração de um pouco mais de um ano, no qual havia como principal reivindicação a inocência do ex-presidente Lula e a realização para um julgamento justo, levando em consideração os múrmuros que rodeavam o caso sobre o possível posicionamento “parcial” do juiz Sergio Moro, especialmente pela falta de provas que justificariam a sentença condenatória proferida contra o então ex-presidente.
O movimento teve fim no dia 08 de novembro de 2019, com a soltura de Lula, após o pedido de defesa acatado pelo magistrado Jessé Torres Pereira Júnior, em função do novo entendimento definido pelo Supremo Tribunal Federal no mesmo ano, entendimento que convergia para ideia da inconstitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância, resultando na inexistência de fundamentos jurídicos para manter o ex-presidente preso e, portanto, sua liberdade, mantendo, assim, o movimento suspenso.
4. Voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes em 2019
No ano de 2019, com seu voto na ADC 4318 (Ação Declaratória de Constitucionalidade), o Ministro Gilmar Mendes diz que, ao decorrer dos anos, muda o seu entendimento e opinião sobre a decisão que proferiu em 2016 que discutia o mesmo assunto – execução da pena após prolação de acórdão condenatório em segundo grau – e, para mostrar isso, retificou a decisão que teve no julgamento do Habeas Corpus 136.720, proferido em 05 de agosto de 2017, utilizando-se das seguintes palavras “Na realidade, passamos a já não ter mais as decisões de segundo grau para justificar a execução, mas um tipo de execução antecipada, por fundamentos dos mais diversos”, relatando assim, sua mudança de posicionamento demonstrando a mudança nas relações jurídicas e fáticas em relação ao assunto da execução provisória da pena.
Além disso, o Ministro Gilmar Mendes17, para fundamentar melhor sobre a mudança do seu posicionamento, disse que o principal e fundamental fator que o levou a mudar de entendimento, foi o desvirtuamento de interpretação de forma equivocada que instâncias ordinárias de justiça passaram a ter sobre o assunto, aplicando para todos os casos o entendimento do que o STF teve em 2016 sobre o a execução da pena após prolação de acórdão condenatório em segundo grau, apresentada anteriormente no presente artigo. Em suas palavras:
“O que o STF decidiu em 2016 era que: dar-se-ia condição para se executar a decisão a partir do julgado de segundo grau. Ou seja, decidiu-se que a execução da pena após a condenação em segunda instância seria possível, mas necessariamente imperativa.
De fato, na própria ementa assentada no referido precedente, HC 126.292, consignou-se que a execução provisória da pena seria uma possibilidade, e não uma obrigatoriedade.
CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO
PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado.” (g.n)
Diante de tal cenário jurídico em que o país se encontrava a despeito desse assunto, a realidade passou a ser que de os Tribunais começaram a considerar e utilizar o fundamento do julgamento como um imperativo. No ano de 2018, houve o julgamento do Habeas Corpus 152.752/PR18, julgamento polêmico do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva – hoje atual presidente –, onde o Ministro Gilmar Mendes, novamente, se posicionou a favor do fim da prisão em segunda instância, indo, portanto, de encontro com o entendimento que adotou em 2009 e em desencontro com o entendimento adotado em 2016. Para isso, no entanto, Gilmar justificou sua
intenção, destacando que haveria três possibilidades de antecipação da execução da pena, que, em suas palavras, são:
“(I) A possibilidade de antecipação da execução da pena ocorreria com o trânsito em julgado progressivo da sentença condenatória;
(II) A possibilidade de antecipação da execução da pena, na mesma linha do trânsito em julgado progressivo, decorrente agora da precipitação em habeas corpus (denegado) do exame pelo STJ ou pelo STF de questões iguais ou mais abrangentes que aquelas perfiladas nos recursos extraordinários (especial e extraordinário) e
(III)Em crimes graves, a possibilidade de cabimento da antecipação da execução da pena para garantia da ordem pública ou aplicação da lei penal.”
Portanto, entende-se que a mudança de posicionamento do Ministro Gilmar Mendes entre os anos de 2016 e 2019, foi gradativa, e não um posicionamento meramente político, como estava sendo veiculado essa ideia a ele por intermédio de mídias sociais, no dia a dia da população e outros meios.
5. Análise das Decisões do STF, STJ e Tribunais Sobre Prisão em Segunda Instância Após o Precedente Fixado em 2019
5.1 – Habeas Corpus 175.898/RN19 – RIO GRANDE DO NORTE (STF)
Face a todo exposto nas disposições anteriores, é possível observar o impacto do afastamento da prisão em segunda instância frente ao ordenamento jurídico penal pátrio.
Entendimento esse que fica claro e evidente por meio de decisões proferidas em relação ao instituto do Habeas Corpus, sendo assim, em tela, consta o Habeas Corpus 175.898, cujo julgamento ocorreu em abril de 2020 e teve como relator o Ministro Marco Aurélio.
O Ministro retromencionado concedeu o Habeas Corpus, utilizando como fundamento em seu voto, justamente o que decidido nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) de n° 43, 44 e 54, em consonância com o artigo 283 do Código de Processo Penal e com os ditames da Constituição Federal.
Outrossim, afastou a execução provisória da pena, ordenando que os pacientes permaneçam em liberdade até que ocorra, de fato, o trânsito em julgado da condenação.
Não obstante, em sede do mesmo Habeas Corpus, o Ministro Alexandre de Moraes também faz alusão ao novo entendimento da corte, observando o efeito vinculante e erga omnes do mesmo, concedendo, assim, o Habeas.
Ainda, facultam a análise da necessidade de medidas cautelares, caso estejam presentes os pressupostos legais para tal ato, e, tendo em vista a ordem concedida, afasta-se a execução penal imediata da condenação dos autos de n° 0101814-78.2014.8.20.0116, da Vara Única da Comarca de Goianinha/RN.
5.2 – Habeas Corpus 151.966/RN20 – RIO GRANDE DO NORTE (STF)
Como no exemplo supracitado do HC 175.898, o presente Habeas Corpus também busca demonstrar a efetividade e o efeito erga omnes da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 2019 em relação a prisão em segunda instância.
Este Habeas Corpus foi concedido de ofício pelo Ministro Alexandre de Moraes, em 31 de maio de 2021, com base no julgamento das ADCs 43, 44 e 54 DO Supremo Tribunal Federal, tendo como Relator o Ministro Marco Aurélio e como Redator o Ministro Alexandre de Moraes, o qual demonstrou com clareza que, apesar da necessidade de trânsito em julgado da sentença condenatória em todas suas instâncias, o tribunal de origem possui a prerrogativa de aplicar supressão cautelar de liberdade ou medidas cautelares diversas desde que os pressupostos legais sejam observados.
Assim, o relator Ministro Marco Aurélio afastou a execução provisória do título condenatório formalizado no processo nº 0010512-70.2007.8.21.0120, da Vara Judicial da Comarca de Sananduva/RS.
Por fim, a Suprema Corte utilizou como fundamento o julgamento das ADCs 43, 44 e 54 da Corte, mas ressalvou que os requisitos presentes no art. 319 do Código de Processo Penal devem ser analisados, para que haja manutenção das medidas cautelares diversas.
5.3 – Habeas Corpus 558.520/SP 2020/0016146-021 – SÃO PAULO (STJ)
Habeas Corpus impetrado contra decisão de decretou a execução provisória da pena sem antes esgotar todas as instâncias, em decorrência do crime de tráfico de drogas, que teve como relator o Ministro Leopoldo de Arruda Raposo, onde foi conhecido e teve ordem concedida.
Para tanto, o relator utilizou como fundamento principal e pacífico, o entendimento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, nas ADCs nº 34, 44 e 54, que foram julgadas procedentes para não haver mais discussão sobre a constitucionalidade da prisão antes de esgotados todos os recursos, em consonância com o artigo 283 do Código de Processo Penal.
Fundamentou que o entendimento já é firmado em sede de controle concentrado de constitucionalidade, que possui efeito vinculante e eficácia erga omnes, conforme previsão constitucional, e que, portanto, a prisão para execução da pena somente é possível após o trânsito em julgado da ação penal, ou seja, com o esgotamento de todos os recursos cabíveis.
Ainda, o Ministro deixou claro que a exceção para isso é a de que somente pode ocorrer prisão antes do trânsito em julgado da condenação por decisão individualizada e devidamente fundamentada, desde que preenchidos os requisitos da prisão temporária ou preventiva.
Assim sendo, no caso do Habeas Corpus, como não houve imposição de prisão preventiva e foi expedido mandado de prisão para início da execução provisória da pena, tal mandado não é constitucional, concedendo a ordem de Habeas, a fim de suspender tal determinação, até que ocorra o trânsito em julgado da condenação.
Portanto, fica claro que o entendimento do STJ está de acordo com o que foi determinado pelo STF, ou seja, não sendo caso de prisão preventiva ou temporária, não poderá ocorrer prisão no curso do processo sem antes o trânsito em julgado da condenação, com o objetivo de iniciar uma execução provisória da pena.
5.4 – Habeas Corpus 0073590-05.2020.8.21.7000/RS22– Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Em acórdão proferido pela 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS), tendo como relator o desembargador José Conrado Kurtz de Souza, foi deferido pedido de liminar de Habeas Corpus impetrado para desconstituir decisão de primeira instância que determinou a expedição de mandado de prisão em favor do paciente.
A fundamentação teve como base as ADCs 43, 44 e 54 apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal em 2019, que decidiu pela constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, alterando o entendimento quanto à necessidade do trânsito em julgado da sentença penal condenatória para início do cumprimento da pena, impossibilitando a execução provisória da pena.
Portanto, não se sustentando os fundamentos que ensejaram o decreto de prisão para se dar a execução provisória da pena, considerando o entendimento fixado pela Suprema Corte, em data posterior à decisão da Juíza da Vara de Execuções Criminais de Esteio, foi deferida a liminar e determinado o recolhimento do mandado de prisão em desfavor do paciente.
Conclusão
Ao analisarmos as mudanças de entendimento do Ministro Gilmar Mendes no lapso temporal de 2016 a 2019, os movimentos ocorridos no país nesse período e os argumentos que por ele foi utilizado, levando em consideração o conhecimentos jurídicos influentes expostos no artigo pertencentes aos doutrinadores José Cretella Júnior, em matéria constitucional, e o de Aury Lopes Junior e Guilherme de Souza Nucci, em matéria penal, pudemos concluir que o entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2016 não teve o efeito esperado no âmbito do ordenamento jurídico e, inclusive, o próprio Ministro disse que os Tribunais passaram a utilizar um entendimento que previa a possibilidade da prisão em segunda instância como argumento imperativo, o que não era crível que ocorresse.
Portanto, segundo o Ministro Gilmar Mendes houve, de certo modo, irresponsabilidade por parte dos Tribunais que não proferiram as decisões da maneira correta e não levavam em consideração a possibilidade de prisão em segunda instância trazida pelo julgamento do HC 126.29223.
Além disso, foi possível identificar que o novo entendimento, e atual, perpetrado em 2019, principalmente do ponto de visto do voto do Ministro Gilmar Mendes, não foi um posicionamento tomado repentinamente, como estava sendo transmitido por canais midiáticos e por mensagens entre as pessoas em todo país, ainda mais por se tratar de um período conturbado no cenário político com escândalos de esquema de corrupção envolvendo a alta cúpula do poder executivo e outras áreas do governo.
Nesse sentido, o Ministro, durante a descrição de seu voto, explicou que vem mudando seu entendimento ao decorrer de três anos, e enfatiza, em outras decisões com assuntos convergentes, que repudiava o uso indevido do entendimento previamente fixado e que poderia haver a possibilidade da prisão em segunda instância apenas em casos específicos; ressaltou, ainda, que em 2016 percebeu-se evidente a existência de “possibilidade”, e não do constante uso com falta da devida fundamentação jurídica esclarecedora e precisa para justificar a antecipação da prisão na segunda instância.
Assim sendo, quanto à análise da prisão em segunda instância, pode-se arrematar, com as Decisões apresentadas, o atual entendimento pela inconstitucionalidade da prisão em segunda instância, que se tornou pacífico nos tribunais e cortes brasileiras, e, portanto, é o que rege as ordens judiciais tomadas após novembro de 2019 e tende a se consolidar cada vez mais até parecer contrário do STF, não sendo possível o afastamento dessa possibilidade, vista a volatilidade de cognição acerca desse tema.
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¹Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – CCT; e-mail: 31984509@mackenzisita.com.br
²Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – CCT; e-mail: ricgoncalves20@gmail.com
³Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – CCT; e-mail: vsantanana255@gmail.com
4Decreto de Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm> Acesso em: 26/03/2023
5Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 26/03/2023
6 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2ª ed. – Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990, pg. 537.
7 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal. 17. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020, pg. 138.
8 BRASIL, op. cit., nota 4.
9 BRASIL, op. cit., nota 5.
10 Id. Supremo Tribunal Federal. HC nº 126.292. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4697570 >. Acesso em: 26/03/2023
11 BRASIL, op. cit., nota 5.
12 Id. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 43. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4986065 >. Acesso em: 26/03/2023
13 Id. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 44. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4986729 >. Acesso em: 26/03/2023
14 BRASIL, op. cit., nota 10.
15 Id. Consultor Jurídico. Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 43 Distrito Federal; Resumo do Voto; Clique aqui para ler o voto do Gilmar Mendes. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019- nov-07/gilmar-mendesvota-execucao-antecipada-pena >. Acesso em 26/03/2023
16 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020, pg. 140 e 141.
17 BRASIL, op. cit., nota 15
18 Id. Supremo Tribunal Federal. Voto Habeas Corpus 152.752. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC152752ministroDT.pdf >. Acesso em: 26/03/2023
19 https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur429115/false
20 https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/1257746763/inteiro-teor-1257746799
21 https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/858191161
22 https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-rs/922902180/inteiro-teor-922902465
23 BRASIL, op. cit., nota 10