A MORTE NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7746431


Maurício José Gomes Medeiros Tavares Filho¹


INTRODUÇÃO

O presente artigo aborda o tema da morte no direito civil brasileiro e suas consequências jurídicas. Faz uma análise sobre a morte e seus efeitos frente aos herdeiros, bem como discorre sobre suas “espécies” e respectivos procedimentos de decretação.

DESENVOLVIMENTO

De início, cabe abordar a origem dos direitos da pessoa natural, que decorre de seu nascimento com vida, passando este a ser titular de direitos e deveres, nos termos do artigo art. 1º, do Código Civil (Lei nº 10.406/2002).

Com a vida, o ser humano passa a ser detentor tanto de uma personalidade jurídica como dos chamados direitos da personalidade.

Por personalidade jurídica entende-se ser a aptidão genérica para adquirir direito subjetivo, sendo esta reconhecida a todo ser humano, independentemente de consciência ou vontade, atributo inseparável do indivíduo. (https://jus.com.br/artigos/61828/a-personalidade-juridica-no-direito-civil)

Trata-se de um atributo reconhecido à pessoa humana para que esta atue no plano jurídico, titularizando diversas relações sociais, podendo reclamar ao Estado proteção jurídica aos seus direitos da personalidade.

Nesse contexto, direitos da personalidade podem ser definidos como o direito que o indivíduo tem para defender o que é seu (ex: vida, integridade, honra, privacidade, dentre outros).

Em razão de sua importância, foram-lhes conferidos características especiais e erga omnes, podendo ser oponíveis a todos, na medida em que tais direitos se destinam à proteção da própria pessoa humana em todos os seus atributos, protegendo e assegurando sua dignidade como valor fundamental. (referencia: https://jus.com.br/artigos/55019/direitos-da-personalidade)

Visto isso, com a vida surgem a personalidade jurídica e os direitos da personalidade.

No outro extremo, encontra-se a morte e seus efeitos sobre os direitos acima descritos. Com isso, resta a pergunta: a morte põe fim a personalidade jurídica e direitos da personalidade?

Apesar de haver controvérsia doutrinária quanto à resposta, grande parte dos estudiosos entende que a morte põe fim à personalidade jurídica, não sendo mais o indivíduo, a partir de sua ocorrência, detentor de direitos e deveres da vida civil.

Para tanto, utilizam como fundamento o art. 1.784, do Código Civil, que junto com o princípio da syaysine, preveem que a posse dos bens do falecido se transmite aos herdeiros imediatamente na data da morte.

Ou seja, ao prever que com a morte os direitos do falecido são transmitidos de imediato aos herdeiros legítimos e testamentários, percebe-se que o legislador buscou determinar que a partir do óbito, o morto não detém mais a titularidade de seus bens, não sendo mais titular de direito e deveres.

Já quanto aos direitos da personalidade, muito se questiona se estes também são transferidos a seus herdeiros. Todavia, eventual transmissão iria se contrapor a uma de suas características mais inerentes, de serem direitos personalíssimos. Sendo assim, a dúvida que fica é se o morto poderia continuar sendo titular de tais direitos?

Também não é matéria pacífica na doutrina, afirmando a majoritária que os direitos da personalidade são extintos com a morte, não sendo estes transmissíveis nem titularizados pelo morto.

Dessa forma, no âmbito doutrinário brasileiro, prevalece a ideia de que o morto não detém nem personalidade jurídica nem direitos da personalidade.

Todavia, há de observar que a lei consagrou a possibilidade de proteção de alguns direitos da personalidade para além da morte, e como exemplo pode-se citar o direito ao nome e a imagem do de cujus.

A legitimidade ativa para defendê-los, a depender de qual se busca assegurar, pode ser maior ou menor, conforme se observa nos artigos 12 e 20 do Código Civil, sendo sempre legítimos o cônjuge, ascendentes e descendentes do morto.

A proteção de tais direitos, que na verdade são direitos do falecido, acaba sendo transferidos aos parentes que se sentirem lesados. Em princípio, tais lesões foram dirigidas ao de cujus, mas de forma reflexa acabam por atingir seus familiares, o denominado dano por ricochete, fazendo nascer uma pretensão destes à proteção de tais direitos.

Passando-se da fase dos efeitos que a morte gera nos direitos do falecido, passa-se a análise dos tipos de morte que existem no mundo jurídico e quais destas são adotadas pelo direito brasileiro.

De início, tem-se a morte civil, que ocorre quando uma pessoa perde uma série de direitos como consequência de algum comportamento grave e fora da lei que cometera.

É a extinção da própria personalidade civil em vida, sendo aplicada pelo Estado como forma de sanção pelo comportamento inadequado do sujeito. Este passa a não poder mais titularizar e exercer direitos, sendo modalidade de pena mais comum nas antigas civilizações, citando-se como exemplo o banimento.

A morte civil não é aplicada no direito brasileiro.

Apenas a título de passagem, para alguns doutrinadores, o ordenamento jurídico pátrio prevê uma sanção que se assemelha aos efeitos da morte civil, que seria a exclusão da sucessão do herdeiro considerado indigno, previsto no art. 1.816 do Código Civil.

Tal instituto consiste na exclusão de eventual herdeiro de seus direitos sucessórios, em razão do cometimento de conduta incompatível com a finalidade da sucessão. Assim, o indigno acaba perdendo o direito de titularizar direitos que receberia, em tese, de seu sucessor, por expressa sanção estatal.

Dando continuidade aos aspectos da morte, outro instituto que se faz presente é a comoriência, prevista no art. 8º, do Código Civil.

Por comoriência pode-se entender como a presunção legal de morte simultânea de duas ou mais pessoas ligadas por vínculos sucessórios, quando não se é possível saber quem morreu primeiro. Para efeitos jurídicos, irá se presumir que a morte foi simultânea.

A lei autoriza a chegar a essa conclusão diante do cenário fático que se apresenta. Ela tem o intuito de evitar sucessão entre os mortos, eis que impossível determinar qual faleceu primeiro.

Um ponto curioso sobre o tema é a possibilidade da ocorrência de comoriência mesmo quando os indivíduos estejam em lugares distintos, como na hipótese de um terremoto ou deslizamento de terra. Não sendo possível aferir qual faleceu primeiro, mesmo que ambos se encontrassem em lugares distintos, será aplicada a comoriência.

Adentrando às duas espécies de mortes previstas expressamente no Código Civil brasileiro, encontra-se a morte real e a morte presumida.

Morte real é a aquela que possui um corpo, sobre o qual haverá um atestado de óbito, inclusive com a informação de sua causa mortis. Ou seja, não há dúvidas de sua ocorrência.

Atualmente, pode-se decretar a morte de alguém a partir de sua morte encefálica, nos termos do art. 3, da Lei 9.434/97, que dispõe sobre a doação de órgãos no Brasil.

Apesar de equívoco comum, não deve-se confundir morte encefálica com morte cerebral. Esta ocorre quando as atividades cerebrais cessam, já aquela quando o tronco encefálico responsável por enviar os sinais vitais para o corpo para de funcionar.

Assim, no Brasil, alguém é decretado morto com o encerramento de suas atividades vitais (morte encefálica).

Quanto à morte presumida, nesta não há cadáver, tampouco atestado de óbito, o que ocorre é uma presunção de morte, uma circunstância que a lei autoriza tal decretação. A morte presumida pode ocorrer com ou sem a declaração de ausência.

O art. 7º, do Código Civil, descreve as hipóteses nas quais não são necessárias a declaração de ausência: a) quando for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida, ou b) quando desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.

Nessas hipóteses, diante da situação extrema que o indivíduo se encontrava, irá se presumir que este tenha falecido, mesmo sem corpo e procedimento de declaração de ausência, restando à sentença judicial reconhecer a morte, fixando sua data provável, sendo tal competência do Juízo da Vara de Sucessões.

Não sendo uma das hipóteses de decretação de morte presumida sem declaração de ausência, será necessária a realização de um procedimento formal para declarar tal ausência, medida essencial que deve ser adotada antes do reconhecimento de eventual morte.

Por ausente, pode-se entender aquele que desaparece de seu domicílio sem deixar notícia ou sem constituir representante para cuidar de seus bens.

Caso tenha deixado um procurador, não poderá, num primeiro momento, ser o “sumido” considerado ausente, porém se tal condição perdurar por mais de 3 anos, o mandado caducará, não mais subsistindo seus efeitos, passando, a partir de então ser considerado ausente.

Dessa forma, o procedimento de declaração de ausência é uma medida preventiva, eis não se saber onde o indivíduo se encontra.

A finalidade desse formalismo é no intuito de proteger os bens do ausente, ficando os direitos dos herdeiros apenas em segundo plano. Ao ausente, apesar de ser considerado capaz, será nomeado um curador para administrar seus bens, quando não tenha deixado representante.

Cabe ressaltar que, a depender de haver ou não representante constituído pelo ausente, o procedimento de ausência poderá ser trifásica, com a realização de três fases, ou bifásica, com apenas duas.

A primeira fase começa com o desaparecimento do indivíduo. Este será declarado como ausente, com a arrecadação de seus bens e nomeação de um curador para realizar a administração patrimonial deixada pelo sumido. Em regra, esse curador será o seu cônjuge, ascendente ou descendente, podendo, a depender do caso concreto, ser nomeado um terceiro pelo juiz.

Entre o desaparecimento e a finalização da primeira fase não há prazo legal, a lei não o fixou, falando a doutrina em prazo razoável a ser fixado pelo juiz.

A segunda fase, após a decretação da ausência, é o chamamento dos herdeiros, com a abertura da sucessão provisória.

Com a sucessão provisória, os herdeiros passam a ser possuidores dos bens que porventura herdariam, ocorre sua imissão na posse destes bens, sendo-lhes exigidos que prestem garantia, mediante penhoras ou hipotecas, eis que os bens ainda pertencem ao ausente, devendo ser restituídos caso este retorne.

Vale ressaltar que a partir da sucessão provisória, os herdeiros passam a representar ativa e passivamente o ausente quanto a estes bens, de modo que contra eles correrão as ações pendentes e as que futuramente forem movidas.

Entre a primeira e a segunda fase deve ter transcorrido o período de um ano, conforme previsto no art. 26 do Código Civil.

Na hipótese do procedimento ser bifásico, quando o ausente houver constituído um representante legal, após o prazo de 3 anos, o mandato deixado caducará, restando ao juiz declarar a ausência do “sumido”, arrecadando seus bens, nomeando curador e abrindo a sucessão provisória, acontecendo a primeira e segunda fase em um único ato e momento.

Quanto à terceira fase, nela ocorre a sucessão definitiva. É com a definitiva que a morte presumido do ausente é decretada (art. 6, Código Civil).

Os herdeiros que antes eram apenas possuidores passam a ser proprietários dos bens, sendo restituídos das garantidas anteriormente prestadas.

A definitiva ocorre após o decurso de 10 (dez) anos, a contar da abertura da sucessão provisória (art. 37, do Código Civil), salvo quando se tratar de ausente idoso com mais de 80 anos, que o prazo cairá pela metade, de 10 para 5 anos, nos termos do art. 38, do Código Civil.

Na hipótese do ausente não retornar nesses dez anos e caso nenhum interessado promova a sucessão definitiva, os bens arrecadados do ausente passam ao domínio do Município ou Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União, quando situados em território federal (art. 39, parágrafo único, do Código Civil).

Já na hipótese de reaparecimento do ausente, há de observar a fase em que o procedimento se encontra, pois a depender disso, os efeitos jurídicos serão diferentes. Ressaltando-se que o intuito primário de todo o procedimento de decretação de ausência é para resguardar os bens do ausente, sendo o interesse de seus herdeiros apenas fator secundário.

Assim, reaparecendo o ausente entre a primeira e segunda fase, quando ainda não houve sua declaração de ausência e nomeação de curador, o ex-ausente receberá todos os seus bens de volta.

Caso o retorno ocorra na segunda fase, quando já aberta a sucessão provisória, o ex-ausente também receberá seus bens de volta, todavia deverá indenizar as benfeitorias e acréscimos neles realizados.

Já quando o retorno ocorrer na terceira fase, após a abertura da sucessão definitiva, caso retorne antes do transcurso de 10 anos da abertura da definitiva, o agora ex-ausente tem direito a receber seus bens no estado em que estes se encontrarem (art. 39, Código Civil), todavia, não será o herdeiro obrigado a restituir o bem, caso não mais exista.

Caso o bem transferido ainda subsista, este deve ser devolvido ao ex-ausente, visto que a transferência ocorrida na sucessão deu-se sob condição resolúvel, condicionada ao não retorno do ausente. Assim, tendo o herdeiro apenas a propriedade resolúvel do bem herdado, com o retorno do ausente, irá perder sua propriedade, sendo indenizado das benfeitorias realizadas.

Voltando o ausente depois de 10 anos de aberta a sucessão definitiva, este não terá direito a nada.

No aspecto matrimonial, com a sucessão definitiva, o cônjuge do ausente será considerado viúvo, podendo, assim, contrair novas núpcias. A divergência surge sobre qual serão os efeitos desse novo casamento caso o ausente reapareça.

Nesse fenômeno, não há doutrina majoritária, tampouco previsão legal que regule a hipótese, apresentando-se, em geral, dois entendimentos para o assunto.

A primeira corrente entende que este novo casamento seria inválido, eis que não houve a dissolução do vínculo anterior, não cumprindo o novo casamento os requisitos exigidos pela lei para um novo matrimônio, qual seja, não ser casado. Já a segunda corrente entende pela sua validade, vez que quando contraído, o cônjuge era tecnicamente viúvo, razão pela qual merece a confiança das partes ser tutela pelo Estado.

CONCLUSÃO

Assim, diante dos argumentos apresentados, percebe-se que o instituto da morte mexe com vários aspectos nas relações civis, com diferentes repercussões no mundo jurídico. A depender do tipo de morte, diversos são os procedimento que a regularão, com diferentes efeitos nos aspectos sucessórios, matrimoniais e proprietários, devendo, para sua decretação, sempre serem observados os termos da lei.