A LITERATURA DE CORDEL NUMA ESCOLA PÚBLICA DA ZONA RURAL DE PÉ DE SERRA – BAHIA: UM ELEMENTO DA CULTURA LOCAL COMO UMA IMPORTANTE FERRAMENTA DE ENSINO E APRENDIZAGEM

CORDEL LITERATURE IN A PUBLIC SCHOOL IN THE RURAL AREA OF PÉ DE SERRA – BAHIA: AN ELEMENT OF LOCAL CULTURE AS AN IMPORTANT TEACHING AND LEARNING TOOL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13101048


Elias Marcio Carneiro da Silva1


RESUMO

O presente artigo pretende mostrar a importância da Literatura de cordel no processo de ensino e aprendizagem numa escola pública localizada na zona rural do município de Pé de Serra, Bahia. Nesse sentido, o trabalho com a poesia de Cordel, uma das mais fortes manifestações da cultura popular nordestina e em especial, um elemento cultural importante para o povo pé-de-serrense, ganha uma especial atenção, visto que esse gênero poético proporciona momentos memoráveis no ambiente escolar, despertando assim, o prazer pela oralidade e escrita, devido a musicalidade das rimas, dos temas abordados e da sua linguagem simples que se aproxima da realidade dos alunos da Escola Municipal Edivaldo Machado Boaventura.

Palavraschave: Literatura de Cordel; Escola pública; Ensino e Aprendizagem.

ABSTRACT

This article aims to show the importance of Cordel Literature in the teaching and learning process in a public school located in the rural area of the municipality of Pé de Serra, Bahia. In this sense, the work with Cordel’s poetry, one of the strongest manifestations of northeastern popular culture and in particular, an important cultural element for the Pé-de-Serrense people, gains special attention, as this poetic genre provides memorable moments in the school environment, thus awakening the pleasure of speaking and writing, due to the musicality of the rhymes, the themes covered and its simple language that comes close to the reality of the students at Escola Municipal Edivaldo Machado Boaventura.

Keywords: Cordel Literature; Public school; Teaching and learning.

1 INTRODUÇÃO

A literatura de cordel sempre esteve presente em meu cotidiano. Ainda jovem e morando na zona rural de Pé de Serra, município situado no interior da Bahia e distante 220 quilômetros da capital, eu tive meu primeiro contato com a poesia popular, ouvindo no rádio as poesias de Patativa de Assaré, e isso despertou em mim uma grande conexão com a literatura de cordel. O Cordel nutriu em mim a paixão pela oralidade e escrita, devido a musicalidade dos versos e de sua linguagem simples e de fácil compreensão que se aproximava do cotidiano que eu vivia numa pequena comunidade rural. Essa minha conexão com a poesia popular e que retratava um pouco a minha realidade pode ser vista nos versos de Patativa do Assaré, Vaca Estrela e Boi Fubá, poema integra o álbum fonográfico A terra é Naturá, gravado em 1981.

Seu doutor, me dê licença
pra minha história contar
Hoje eu tô na terra estranha,
é bem triste o meu penar
Eu já fui muito feliz
vivendo no meu lugar
Eu tinha cavalo bom
e gostava de campear
Todo dia eu aboiava
na porteira do curral
Eeeeiaaaa, êeee Vaca Estrela, ôoooo Boi Fubá
Eu sou filho do Nordeste,
não nego meu naturá
Mas uma seca medonha
me tangeu de lá prá cá
Lá eu tinha o meu gadinho, não é bom nem imaginar
Minha linda Vaca Estrela
e o meu belo Boi Fubá
Aquela seca medonha
fez tudo se atrapalhar
Eeeeiaaaa, êeee Vaca Estrela, ôoooo Boi Fubá
Não nasceu capim no campo para o gado sustentar
O sertão se estorricou,
fez o açude secar
Morreu minha Vaca Estrela,
se acabou meu Boi Fubá
Perdi tudo quanto eu tinha, nunca mais pude aboiar

Os versos do poema narram de maneira singular a realidade de muitas famílias que moram nas pequenas comunidades do interior do nordeste. Este poema em questão desperta em mim muitas memórias afetivas e por conta disso, a literatura de cordel tornou-se o objeto de estudo deste artigo. 

Por ser uma literatura de fácil acesso e compreensão, o cordel se tornou uma importante ferramenta de ensino e aprendizagem. Na sala de aula, o contato com esta poesia popular traz inúmeras possibilidades aos estudantes, professores e comunidade escolar para conhecer e valorizar ainda mais a riqueza da nossa cultura. Segundo Zóboli (1998) a “poesia é um instrumento educativo que gera imagens e visões poéticas fictícias, estimula a motivação e inflama, aguça a imaginação e, quem aprende passa a adquirir novas atitudes”. Vale ressaltar também, que a literatura de cordel pode abordar qualquer conteúdo, sendo utilizado como um importante recurso pedagógico para discutir temas variados como valores humanos, problemas sociais, cidadania, preconceito, discriminação racial, homofobia, consciência ambiental, drogas, violência, esportes e dentre outros tantos que podem ser trabalhados em sala de aula.

Na Escola Municipal Edivaldo Machado Boaventura, a Literatura de Cordel tem se tornado uma importante ferramenta no processo de ensino e aprendizagem, pois, como faz parte do cotidiano de professores, alunos e da comunidade, ela consegue integrar através de sua linguagem popular e musicalidade a realidade dos alunos com o ambiente escolar, pois uma aprendizagem que seja significativa para o aluno parte da valorização de sua cultura e de suas vivencias diárias.

2 DESENVOLVIMENTO

A Literatura de Cordel, por fazer parte da cultura local e estar tão presente no cotidiano de muitas escolas e de muitas comunidades, como é caso da Escola Municipal Edivaldo Machado Boaventura, situada no povoado de Santo Agostinho, zona rural do município de Pé de Serra – Bahia, torna-se um valioso e dinâmico recurso pedagógico no processo de ensino e aprendizagem, principalmente na melhoria da oralidade e da escrita.

Conforme Araújo (2007),

O cordel se torna um recurso didático quando “Ao ser articulado à educação, o cordel, por tratar de conteúdos culturais e de aprendizagem, pode enriquecer o ato educativo, nas situações de ensino-aprendizagem, ampliando a compreensão sociocultural nordestina, por parte do educando”. Assim, o trabalho pedagógico a partir da sua utilização pode potencializar a prática interdisciplinar em virtude do gênero literário abordar temáticas acerca dos problemas sociais. (Araújo, 2007)

Fotografia: Povoado de Santo Agostinho, Pé de Serra – Bahia.
Fonte: https://www.facebook.com/p/Santo-Agostinho-P%C3%A9-de-Serra-Ba-100071248766293/

Partindo dessa perspectiva, é notório que o uso da literatura de cordel em sala de aula tem grande importância para o processo de aprendizagem, visto que o trabalho com o Cordel faz com que o aluno tenha uma imersão em um universo rico de cultura, tradição e criatividade. Ao mergulhar neste universo da literatura de cordel, alunos e professores são transportados para narrativas que combinam a realidade cotidiana com outros elementos da história, fantasia e mitologia. É pertinente destacar que os temas abordados nas poesias de cordéis são diversos, desde fatos históricos até críticas sociais, tudo isso através de versos rimados e linguagem popular.

Conforme Amorim (2008),

Pelas suas lições, a literatura de folheto apresenta larga aplicação dentro do ambiente escolar. Ela se presta a estudos em diversas disciplinas e em vários níveis. Alguns de seus empregos são óbvios; outros, nem tanto. Na área da linguagem, a lista estender-se-ia desde os mais simples conceitos da poética – como as noções de metrificação, rima, verso, estrofe, enfim, tudo ou quase que se faz geralmente com a poesia canônica – até as reflexões e críticas proporcionadas pelo próprio conteúdo de um folheto.  (Amorim, 2008)

Vale destacar que através da literatura de cordel, o professor em sala de aula pode utilizar diferentes metodologias e explorar inúmeras temáticas que podem ser trabalhadas em muitas disciplinas do currículo escolar. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997),

E necessário que, no processo de ensino e aprendizagem, sejam exploradas: a aprendizagem de metodologias capazes de priorizar a construção de estratégias de verificação e comprovação de hipóteses na construção do conhecimento, a construção de argumentação capaz de controlar os resultados desse processo, o desenvolvimento do espírito crítico capaz de favorecer a criatividade, a compreensão dos limites e alcances lógicos das explicações propostas. Além disso, é necessário ter em conta uma dinâmica de ensino que favoreça não só o descobrimento das potencialidades do trabalho individual, mas também, e sobretudo, do trabalho coletivo. Isso implica o estímulo à autonomia do sujeito, desenvolvendo o sentimento de segurança em relação às suas próprias capacidades, interagindo de modo orgânico e integrado num trabalho de equipe e, portanto, sendo capaz de atuar em níveis de interlocução mais complexos e diferenciados. (PCN, 1997. P. 27)

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aprendizagem é um processo fundamental e contínuo que ocorre ao longo da vida de um indivíduo. É o meio pelo qual adquirimos conhecimento, habilidades, valores e atitudes que moldam nossa compreensão do mundo e nossa capacidade de interagir com ele de maneira eficaz. Diante disso, levar a literatura de cordel para a sala de aula significa oferecer uma importante ferramenta no processo de ensino e da aprendizagem, motivando o aluno a conhecer mais da formação cultural do povo brasileiro, pois o Cordel faz uma representação do real por meio de uma linguagem simples e significativa. Partindo desta afirmação, como é possível observar no gráfico abaixo, 90% dos professores da Escola Municipal Edivaldo Machado Boaventura já utilizou a literatura de cordel na sala de aula.

Segundo a professora de Língua Portuguesa Raimunda, a literatura de cordel deve fazer parte do processo de aprendizagem, pois ela tem o poder de despertar nos alunos o interesse pela leitura e escrita. Em consonância com a professora de língua Portuguesa, o professor de Geografia destaca que a literatura de cordel possibilita aos alunos a valorização da cultura popular. Muitos professores e alunos da Escola Municipal Edivaldo Machado Boaventura reconhecem a literatura de cordel como uma forma de expressão cultural importante, especialmente na região nordeste e na comunidade em que a escola está inserida. Estes professores e alunos valorizam a autenticidade do cordel e a maneira como esta poesia popular reflete as tradições culturais, histórias e identidade do povo brasileiro.

É importante destacar que a literatura de cordel tem um grande potencial educacional. Muitos professores afirmam que o cordel é uma ferramenta valiosa para ensinar não apenas literatura, mas também português, redação, arte, história, geografia, e outras disciplinas, pois esta poesia popular explora uma infinidade de temas que podem ser trabalhados em sala de aula em qualquer disciplina. Além do mais, o cordel é uma das mais expressivas e importantes manifestações culturais do povo nordestino, utilizar e valorizar a literatura de cordel em sala faz com que esta tão linda e rica poesia desaparecer.

Com relação a valorização da cultura popular no ambiente escolar, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) trazem uma importante afirmação:

A escola, na perspectiva de construção de cidadania, precisa assumir a valorização da cultura de sua própria comunidade e, ao mesmo tempo, buscar ultrapassar seus limites, propiciando às crianças pertencentes aos diferentes grupos sociais o acesso ao saber, tanto no que diz respeito aos conhecimentos socialmente relevantes da cultura brasileira no âmbito nacional e regional como no que faz parte do patrimônio universal da humanidade. (PCN, 1997)

Por fim, a Literatura de Cordel, quando utilizada em sala de aula como ferramenta de ensino e aprendizagem, faz com que o aluno entre em contato diferentes e múltiplos elementos populares de grande relevância para a formação cultural e social.  Essa afirmativa é justificada pelas palavras do professor de Geografia Eudes Lima. Segundo ele, o uso da Literatura de Cordel em sala de aula não apenas enriquece o processo educativo, mas também contribui para a formação integral dos alunos, promovendo o respeito e a valorização da diversidade cultural e social.

REFERÊNCIAS

AIDAR, Laura. Patativa do Assaré: 8 poemas analisados. Disponível em: https://www.culturagenial.com/patativa-do-assare-poemas/

AMORIM, M. S. (2008). A permanência de aspectos orais no romance de folheto. 227p. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

ANTUNES, Celso. Novas maneiras de ensinar. Novas maneiras de aprender. Porto Alegre: Artmed, 2002.

ARAÚJO, P. C. A. (2007). A cultura dos cordéis: território(s) de saberes. 257p. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997.

CANDIDO, Antônio. “O direito à literatura”. In: CANDIDO, A. Vários escritos. 5. ed. reorganizada pelo autor. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2011.

PINHEIRO, Hélder; LÚCIO, Ana Cristina Marinho. Cordel na sala de aula. – São Paulo: Duas Cidades, 2001.

ZÓBOLI, G. Práticas de ensino: subsídios para a atividade docente. São Paulo: Ática, 1998.


1Mestrando em Ciências da Educação, especialista em Língua Inglesa pela Faculdade do Noroeste de Minas, especialista em Informática na Educação pela Faculdade Alfa América,  graduado em Letras Português-Inglês pela Faculdade de Tecnologia e Ciências – FTC, professor de Língua Inglesa da rede pública.
E-mail: eliasmarcios@yahoo.com.br  Instagram: @eliasmarcios