REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102410141623
Cláudio Nunes
Resumo: Esse artigo tem como escopo específico analisar a efetividade da nova lei brasileira n.º 14.611/2023 que estabelece sobre igualdade salarial diante do machismo estrutural e do fenômeno do teto de vidro. Para tanto, utilizou-se o método bibliográfico conceitual que se caracteriza pela análise da literatura e de documentos a partir da formulação de questões norteadoras de pesquisa, seguida da coleta de dados em bases de dados oficiais e científicas, que são, então, organizadas na forma de um esquema lógico, permitindo gerar, conseguintemente, as respostas desejadas, em sua quarta e última etapa. Duas questões norteadoras foram feitas para alcançar o objetivo perseguido pela pesquisa: a primeira buscou saber qual era a intenção de criar a lei, enquanto a segunda enfocou o motivo do fracasso do Brasil em termos de igualdade salarial. Os resultados da primeira questão mostram que a nova lei brasileira foi criada com a intenção de igualar os gêneros. Busca, sobretudo, a igualdade salarial e critérios de remuneração corretos entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor, no exercer de uma mesma função, promovendo o combate à disparidade salarial entre homens e mulheres, histórica e sociologicamente, observada na sociedade brasileira. Os resultados da segunda questão orientadora demonstram que o machismo estrutural impede a igualdade salarial prevista em lei porque cria um teto de vidro obstaculizador. A pesquisa também examinou os entraves criados pelo machismo estrutural dentro de uma empresa, problema esse enfrentado pelas mulheres que almejam alcançar cargos de liderança e salários comparáveis aos dos homens. O machismo estrutural, enraizado nas instituições e práticas sociais, contribui para a existência do teto de vidro, também chamado de teto transparente, que representa uma barreira invisível a qual impede que as mulheres, mesmo desempenhando as mesmas funções e com a mesma qualidade técnica que os homens, ascendam a cargos de alto escalão e recebam uma remuneração justa e equânime. A conclusão do presente estudo científico demonstra que a Lei de Igualdade Salarial do Brasil representa um importante avanço na luta pela igualdade de gênero no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que destaca a necessidade de medidas complementares e mudanças culturais mais amplas para superar o machismo estrutural e extirpá-lo, de uma vez por todas, do seio da sociedade.
Palavras-chave: Lei 14.611/2023. Igualdade salarial. Machismo estrutural. Fenômeno do teto de vidro.
Abstract: Abstract: The specific scope of this article is to analyze the effectiveness of the new Brazilian law 14.611/2023, which deals with equal pay in the face of structural machismo and the glass ceiling phenomenon. To this end, the conceptual bibliographic method was used, which is characterized by the analysis of literature and documents based on the formulation of guiding research questions, followed by the collection of data in official and scientific databases, which are then organized in the form of a logical scheme, allowing the desired answers to be generated in its fourth and final stage. Two guiding questions were asked to achieve the objective pursued by the research: the first sought to find out what was the intention behind creating the law, while the second focused on the reason for Brazil’s failure in terms of equal pay. The results of the first question show that the new Brazilian law was created with the intention of equalizing the genders. It seeks, above all, equal pay and correct remuneration criteria between women and men for work of equal value in the same job, promoting the fight against the pay gap between men and women, historically and sociologically observed in Brazilian society. The results of the second guiding question show that structural chauvinism prevents the equal pay provided for by law because it creates an obstructive glass ceiling. The research also examined the obstacles created by structural sexism within a company, a problem faced by women who aim to achieve leadership positions and salaries comparable to those of men. Structural chauvinism, rooted in social institutions and practices, contributes to the existence of the glass ceiling, also known as the transparent ceiling, which represents an invisible barrier that prevents women, even if they perform the same duties and have the same technical quality as men, from rising to senior positions and receiving fair and equal pay. The conclusion of this scientific study shows that Brazil’s Equal Pay Law represents an important step forward in the fight for gender equality in the labor market, while at the same time highlighting the need for complementary measures and broader cultural changes to overcome structural machismo and extirpate it once and for all from the heart of society.
Keywords: Law 14.611/2023. Equal pay. Structural sexism. Glass ceiling phenomenon.
Resumen: El objetivo específico de este artículo es analizar la eficacia de la nueva ley brasileña 14.611/2023, que trata de la igualdad salarial frente al machismo estructural y al fenómeno del techo de cristal. Para ello, se utilizó el método bibliográfico conceptual, que se caracteriza por el análisis de literatura y documentos a partir de la formulación de preguntas orientadoras de investigación, seguido de la recolección de datos en bases de datos oficiales y científicas, que luego se organizan en forma de esquema lógico, permitiendo generar las respuestas deseadas en su cuarta y última etapa. Para alcanzar el objetivo perseguido por la investigación se formularon dos preguntas orientadoras: la primera pretendía averiguar cuál fue la intención de crear la ley, mientras que la segunda se centró en el motivo del fracaso de Brasil en materia de igualdad salarial. Los resultados de la primera pregunta muestran que la nueva ley brasileña se creó con la intención de igualar los géneros. Sobre todo, busca la igualdad de remuneración y criterios correctos de remuneración entre mujeres y hombres por trabajo de igual valor en el mismo empleo, promoviendo la lucha contra la brecha salarial entre hombres y mujeres, observada histórica y sociológicamente en la sociedad brasileña. Los resultados de la segunda pregunta orientadora muestran que el machismo estructural impide la igualdad salarial prevista por la ley porque crea un techo de cristal obstructivo. La investigación también examinó los obstáculos creados por el machismo estructural dentro de una empresa, un problema al que se enfrentan las mujeres que aspiran a alcanzar puestos de liderazgo y salarios comparables a los de los hombres. El machismo estructural, arraigado en instituciones y prácticas sociales, contribuye a la existencia del techo de cristal, también conocido como techo transparente, que representa una barrera invisible que impide a las mujeres, aunque desempeñen las mismas funciones y tengan la misma calidad técnica que los hombres, ascender a puestos directivos y percibir una retribución justa y equitativa. La conclusión de este estudio científico demuestra que la Ley de Igualdad Salarial de Brasil representa un importante paso adelante en la lucha por la igualdad de género en el mercado laboral, al tiempo que pone de manifiesto la necesidad de medidas complementarias y cambios culturales más amplios para superar el machismo estructural y extirparlo definitivamente del seno de la sociedad.
Palabras clave: Ley 14.611/2023. Igualdad salarial. Sexismo estructural. Fenómeno del techo de cristal.
Introdução
Em consonância aos estudos científicos sociais, a igualdade de gênero no local de trabalho tem sido uma agenda central nas discussões sobre justiça social e igualdade de oportunidades (Narzullaevna, & Marjona, 2022; Nanni, 2023; Gogoi, 2020; Ergasheva, 2021). No Brasil, como em muitas outras partes do mundo, a disparidade salarial entre homens e mulheres é um reflexo claro do machismo estrutural enraizado nas empresas, em patente discriminação de gênero no ambiente de trabalho. Dentro de uma avaliação quantitativa, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019), ao fornecer informações fundamentais para analisar as condições de vida das mulheres no Brasil, por meio do estudo: “Estatísticas de Gênero”, evidenciou que mulheres entre 25 (vinte e cinco) e 49 (quarenta e nove) anos com filhos ocupavam 54,6% dos empregos em comparação com mulheres sem filhos; enquanto os homens com filhos ocupavam 89,2% dos empregos, em comparação com aqueles que não tinham filhos até os 3 (três) anos de idade. Outra informação importante apresentada pela pesquisa é a dos salários e rendimentos recebidos pelas mulheres que, em comparação com os homens, recebiam 32,3% menos do que os profissionais do sexo masculino. Os dados demonstram, desde o início, a discordância de oportunidades e salário entre os gêneros, trazendo à tona a cultura do patriarcado e do machismo enraizada na sociedade brasileira em detrimento às práticas humanizadas e respeitosas que devem ser adotadas em empresas de todos os segmentos.
Para Bourdieu (2014), indigitada cultura, que se baseia nas diferenças biológicas entre homens e mulheres, vem ganhando forma e força, servindo como justificativa vazia para as separações que ocorrem na divisão social do trabalho, nas diferenças salariais e na disparidade dos cargos ocupados por ambos os sexos. Biderman e Guimarães (2004), estribados no discurso patriarcal difundido há anos, argumentam que as mulheres, por serem delicadas, devem se limitar aos afazeres domésticos; por outro lado, os homens são os responsáveis por prover e dirigir a família, tomando as decisões de uma forma abrangente sobre todos os assuntos importantes relacionados às relações familiares ou não. Os autores defendem uma dualidade nos significados, a saber: dos homens, como seres viris; e o das mulheres, como seres dóceis. Assim, o fenômeno do teto de vidro, que representa uma barreira invisível que impede as mulheres de alcançarem cargos de liderança e salários equivalentes aos dos homens (Watanabe & Kwarteng, 2024; Sunaryo et al., 2024; Alemão et al., 2024; Gao et al., 2024), é uma consequência direta dessas desigualdades existentes entre os gêneros, enraizadas no machismo estrutural (Homan et al., 2024; Tedder-King & Sherf, 2024; Beccia et al., 2024; Homan, 2024). Nesse sentido, Antunes et al. (2018) aludem que o machismo existe e está arraigado no ambiente, servindo de base estrutural para o mercado de trabalho. Para os executivos que efetivam o machismo estrutural dentro das empresas, o caminho de construção da carreira das mulheres é diferente, pois elas têm mais obstáculos, mormente por estarem sempre comprometidas em cuidar da família e dos afazeres domésticos, o que as torna menos fiéis às empresas e organizações.
A promulgação da Lei de Igualdade Salarial (Lei nº 14.611/2023) representa um marco importante na busca por justiça e equidade de gênero no mercado de trabalho brasileiro (Brasil, 2023). Dessa feita, ao estabelecer medidas concretas para combater a disparidade salarial entre homens e mulheres, a salutar lei visa não apenas a corrigir uma injustiça histórica, mas também abordar as raízes profundas do machismo estrutural, que gravitam em torno das instituições e práticas sociais. Premente se faz, portanto, a análise da recente lei, examinando os desafios e limitações na implementação legal, bem como a necessidade de uma mudança cultural urgente, com vistas a alcançar a igualdade de gênero no local de trabalho.
Nesse diapasão, o artigo epigrafado tem como objetivo apontar os principais aspectos da legislação brasileira para combater o machismo estrutural e o fenômeno do teto de vidro, respondendo a primordial questão de pesquisa, qual seja: o Brasil já possui uma estrutura jurídica adequada para combater o machismo estrutural e o consequente fenômeno do teto de vidro? Para isso, dois objetivos específicos estruturam esse estudo. O primeiro é apresentar as principais complexidades da lei brasileira de igualdade salarial relacionadas à abordagem das duas questões em foco; o segundo é revelar o machismo estrutural e o teto de vidro sob a perspectiva da legislação brasileira. O método utilizado foi o método bibliográfico conceitual que se caracteriza pela formulação de questões norteadoras de pesquisa, seguida da coleta de dados e informações em bases de dados científicas (Scopus, Web of Science e Google Scholar), organização dos dados e informações coletadas para que as respostas buscadas sejam encontradas (Nascimento-e-Silva, 2020; 2021a; 2021b; 2021c; 2023). O artigo se apresenta estruturado da seguinte forma: a primeira parte é a introdução, seguida da resposta à primeira questão norteadora com os principais aspectos da legislação brasileira relacionados ao combate ao machismo estrutural e ao fenômeno do teto de vidro. Em seguida, são discutidas as consequências do machismo estrutural e o teto de vidro, para, finalmente, no final do artigo, expor a resposta à questão principal da pesquisa.
Lei de Igualdade Salarial do Brasil
De acordo com as análises históricas, jurídicas e sociais, a igualdade salarial entre homens e mulheres é uma aspiração há muito esperada na luta pelos direitos humanos e pela igualdade de gênero, como pode ser visto nos estudos de Rakhmonkulova (2024), Evagora-Campbell et al. (2024) e Akbar e Dilnoza. No entanto, essa conquista tem sido historicamente prejudicada por barreiras estruturais profundamente arraigadas, como o machismo e o teto de vidro que perpetuam disparidades salariais injustas e impedem o pleno desenvolvimento profissional das mulheres. De acordo com Calil (2007), dentro uma abordagem histórica, o trabalho realizado pelas mulheres sempre teve menos valor do que o praticado pelos homens, diante de diversas contingências, tais como: no início da industrialização, uma menor escala de produção; produção de bens de menor valor no mercado; trabalho em empregos que exigiam menor qualificação; menor capacidade de organização em sindicatos, uma vez que suas preocupações não foram colocadas na agenda das demandas sindicais. Por outro lado, do ponto de vista jurídico, surge naturalmente a seguinte questão norteadora da pesquisa que se busca responder nessa seção: quais são os principais aspectos da legislação brasileira relacionados ao combate ao machismo estrutural e o fenômeno do teto de vidro?
Nesse contexto, a promulgação da Lei da Igualdade Salarial, lei nº 14.611/2023 (Brasil, 2023), surge como um marco significativo na trajetória rumo à igualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro, representando um avanço legislativo crucial ao estabelecer medidas concretas de combate à disparidade salarial entre homens e mulheres, por exemplo: estabelecimento de indenizações, multas e obrigações para o empregador. Muito antes do advento da lei analisada, mais precisamente em 25 de abril de 1957, a Convenção n.º 100 da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1951) foi ratificada pelo Brasil, convertida e posteriormente introduzida no ordenamento jurídico nacional pelo Decreto nº 41.721/57 (Brasil, 1957). Conforme detalhado no artigo 1.º da Convenção n.º 100 da OIT, as expressões: “remuneração igual para a força de trabalho masculina”; “trabalho das mulheres por trabalho de igual valor” (OIT, 1951) referem-se à remuneração fixa paga em dinheiro, sem discriminação em razão do sexo. Nesse trilhar, pouco tempo depois, o Estado brasileiro ratificou a Convenção nº 111 da OIT, concernente à discriminação em matéria de emprego e profissão, com vistas a erradicar toda discriminação nesse âmbito em específico, conforme estabelecido no artigo 1.º, literalmente:
1. Para efeitos da presente Convenção, entende-se por “discriminação”: a) Qualquer distinção, exclusão ou preferência baseada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou prejudicar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou de profissão; b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou prejudicar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego e de profissão, que possa ser especificada pelo Membro interessado, após consulta às organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando existirem, e a outros órgãos apropriados. 2. As distinções, exclusões ou preferências baseadas nas qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas discriminação. 3. Para os fins desta Convenção, as palavras “emprego” e “ocupação” incluem o acesso à formação profissional, emprego e várias ocupações, bem como condições de emprego (OIT, 1958).
O direito à igualdade continua consagrado na Constituição de 1988, servindo como um dos pilares para a sustentação do Estado Democrático de Direito, nos moldes expressos no artigo 5º, inciso I, do apontado diploma legal, com o seguinte teor:
“Artigo 5º – Todas as pessoas são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer espécie, e é assegurada aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: I. homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (Brasil, 1988).
Mello (2021), ao dissertar acerca do engrandecedor princípio, assevera que analisar juridicamente a palavra igualdade significa pensar prevalentemente em justiça, na perspectiva aristotélica, assumida pela escolástica, representando uma vitória retumbante para o Estado Democrático de Direito. O estudo jurídico pertinente ao tema em destaque põe em relevo que a Constituição Federal de 1988 avançou significativamente na salvaguarda das condições de igualdade no mercado de trabalho, pois o artigo 6º estabelece que o trabalho é considerado um direito social. No rol de direitos dos trabalhadores, previsto no artigo 7º da Carta Magna, o disposto no parágrafo XX desempenha o papel protetivo fundamental, na medida em que estabelece a proteção do mercado de trabalho para as mulheres por meio de incentivos específicos, nos termos da lei. Dessa forma, merece uma atenção especial o parágrafo XXX do artigo 7º da Lei Maior, por tratar sobre a discriminação salarial entre gêneros, nesses termos:
“Artigo 7.º – São os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros destinados a melhorar sua condição social”:
“XXX – vedação de diferenças de salários, desempenho de funções e critérios de admissão em razão de sexo, idade, cor ou estado civil” (Brasil, 1988).
Pelo exposto, extrai-se que as Convenções da OIT das quais o Brasil é signatário, bem como a Constituição Federal de 1988, vieram para embasar e promover a legislação que existe atualmente no ordenamento jurídico brasileiro. Elas se tornaram importantes aliadas na luta pelos direitos sociais das mulheres, incluindo o busílis do trabalho científico vertido, a saber: o direito à igualdade salarial no mercado de trabalho. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), há muito tempo, traz em seu bojo um capítulo dedicado exclusivamente às mulheres, elencando diversos artigos, na promoção da proteção buscada para elas na seara trabalhista. Inclusivamente o artigo 461 da CLT enaltecendo a igualdade salarial entre gêneros, já anuncia que, em caso de idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade. No entanto, no Brasil, mesmo com todo o aparato legislativo, faltam mecanismos que tenham o fito único e exclusivo de garantir que a legislação trabalhista vigente seja observada e devidamente cumprida na prática, no orbe das relações de trabalho.
De acordo com o que se infere da Lei nº 14.611/2023, resta manifesto que as suas disposições garantem que homens e mulheres em funções equiparadas recebam salários correspondentes, desafiando, assim, as estruturas discriminatórias que prejudicam as mulheres no mercado de trabalho há tanto tempo (Brasil, 2023). O artigo 1.º da lei dispõe sobre a igualdade salarial e os critérios remuneratórios entre mulheres e homens, aplicáveis àqueles que realizem trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função. Dispõe, igualmente, que altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Em ato contínuo, o artigo 2º vem para fortalecer ainda mais a igualdade de gênero, em virtude de garantir e tornar obrigatória a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função.
Doravante, é imprescindível comentar artigo por artigo, com base na legislação brasileira até então vigente, pois não é possível fazer uma avaliação do impacto da Lei 14.611/2023 dado o pouco tempo de sua vigência. No entanto, a partir de uma análise conjunta realizada entre a nova lei e as demais já existentes, percebe-se, pois, sem muito esforço, que a recente Lei é mais contundente, notadamente, por redigir a forma como deve ser implementada a política salarial de homens e mulheres nas empresas. Dispõe, outrossim, que, em caso de descumprimento da previsão legislativa, as empresas sofrerão penalidades legais rigorosas.
Especificamente o artigo 3.º da lei, ao complementar o artigo 461 da CLT (inserção do § 6.º), ordena que, em caso de discriminação em razão de sexo, raça, etnia, origem ou idade, o pagamento das diferenças salariais devidas ao empregado discriminado não elimina seu direito de propor ação de indenização por danos morais, levando em consideração as especificidades do caso concreto (Brasil, 2023). Dessa forma, ao conferir grande segurança jurídica às trabalhadoras no ambiente laboral, garante o direito de as mulheres receberem, cumulativamente, além das diferenças salariais previstas em lei, a indenização pelo dano moral sofrido diante atos ilícitos e devastadores praticados pelo empregador.
Sem prejuízo do direito acima comentado, em caso de violação ao disposto no artigo 461 da CLT, o inserido § 7º prescreve a aplicação da multa presente no artigo 510 da CLT, correspondente à penalidade a ser aplicada em caso de violação das vedações impostas no título do contrato individual de trabalho (Brasil,1943). Entrementes ao invés de corresponder a 1 (um) salário-mínimo regional, a fim de dar maior efetividade à lei, a aplicação da multa corresponderá a 10 (dez) vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao trabalhador discriminado, acrescido para o dobro, em caso de reincidência, sem prejuízo de outras sanções legais. Portanto em razão do aumento concedido pela Lei, a multa reforça seu caráter punitivo nas sanções aplicadas às empresas que praticam atos contrários à examinada legislação.
Em atenção à análise jurídica realizada pelos estudiosos da área laboral, esse direito foi orientado e dividido em quatro essenciais fundamentos, nessa linha: o fortalecimento da fiscalização nas empresas, para a verificação da prática empresarial em igualdade salarial entre os gêneros; o direito à educação; a prática de promover e incluir a diversidade; e, por fim, a repressão e penalização das empresas que não cumprem as normas legais. Destarte, a legislação relativa à igualdade de remuneração prevê:
Artigo 4.º Os critérios de igualdade de remuneração e remuneração entre homens e mulheres são garantidos pelas seguintes medidas:
I – Estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e critérios de remuneração;
II – Reforço do controlo da discriminação salarial e dos critérios de remuneração entre mulheres e homens;
III – Viabilizar canais específicos para denúncias de discriminação salarial;
IV – Promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho que incluam a capacitação de gestores, lideranças e empregados sobre a questão da igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, com mensuração de resultados; e
V – Promoção da formação e capacitação das mulheres para ingressar, permanecer e subir no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens (Brasil, 2023).
O artigo 4º da Lei 14.611/23 é um dos dispositivos centrais da legislação, pois estabelece diretrizes claras sobre a transparência salarial e os critérios utilizados; a promoção de canais de fiscalização e denúncia; a garantia de transparência e equidade em questões fundamentais relacionadas à remuneração; por derradeiro, oportunidades de promoção profissional para homens e mulheres (Brasil, 2023). Além disso, o citado artigo estabelece a obrigatoriedade de as empresas adotarem políticas transparentes e objetivas para a promoção de seus trabalhadores, sem discriminação por sexo. Isso significa dizer que as oportunidades de progressão na carreira devem ser acessíveis a todos os funcionários, independentemente do gênero, e que os critérios de avaliação e seleção para promoções devem ser claros e calcados na lei (Brasil, 2023). Ademais aborda a promoção da educação e formação das mulheres para que elas entrem, permaneçam e subam no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens. Enfim, representa uma estratégia elementar para promover a igualdade de gênero e construir uma sociedade mais justa e inclusiva (Brasil, 2023).
De acordo com uma análise detalhada da lei em questão, sob o crivo do artigo 5º, é determinada a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e critérios de remuneração por pessoas jurídicas privadas com 100 (cem) ou mais funcionários, e que seja observada a proteção de dados pessoais a que se refere a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Essa última lei (LGPD) estabelece uma base sólida para a proteção de dados pessoais, exigindo transparência, consentimento informado e uma finalidade específica para coleta, processamento e armazenamento de dados (Brasil, 2018). Impende destacar, dentro do arcabouço jurídico nacional, a emenda sob o n.º 115/2022 concedeu “status” constitucional à proteção de dados pessoais, tutelando de forma autônoma e inserindo o caráter protetivo dentro do rol de direitos e garantias fundamentais, consoante o exposto no artigo 5.º, LXXIX, da CF (BRASIL, 1988).
Além do caput do artigo 5º permitir a aplicação dos critérios de transparência e remuneração, em complemento, os seus parágrafos ainda decretam:
§ 1º Os relatórios sobre transparência salarial e critérios de remuneração deverão conter dados e informações anonimizados que permitam uma comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos gerenciais, gerenciais e gerenciais ocupados por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes da raça, etnia etc. nacionalidade e idade, em conformidade com a legislação de proteção de dados pessoais e regulamentos específicos.
- § 2º Na hipótese de serem identificados critérios de desigualdade salarial ou de desigualdade salarial, independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a pessoa jurídica de direito privado deverá apresentar e implementar plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos. É garantida a participação dos representantes sindicais e dos trabalhadores no local de trabalho.
§ 3º Na hipótese de descumprimento do disposto no artigo deste artigo, será aplicada multa administrativa, cujo valor corresponderá a até 3% (três por cento) da folha de pagamento do empregador, limitada a 100 (cem) salários-mínimos, sem prejuízo das penalidades aplicáveis aos casos de discriminação salarial e critérios de remuneração entre mulheres e homens.
§ 4º O Poder Executivo Federal disponibilizará, de forma unificada, em plataforma digital de acesso público, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), além das informações previstas no § 1º deste artigo, indicadores regularmente atualizados sobre o mercado de trabalho e renda desagregados por sexo, incluindo indicadores de violência contra a mulher, vagas em creches públicas, acesso ao ensino técnico e superior e serviços de saúde, bem como outros dados públicos que impactam o acesso das mulheres ao emprego e à renda e que podem orientar o desenvolvimento de políticas públicas (Brasil, 2018).
O artigo 6º delibera que é um ato inerente ao Poder Executivo estabelecer um protocolo para monitorar a discriminação salarial e os critérios de remuneração entre mulheres e homens. Subsiste incontroverso, portanto, que a lei em referência traz mecanismos mais eficientes, como a adoção de medidas de transparência salarial, critérios remuneratórios, fiscalização, denunciação de discriminação, implementação de programas, capacitação e formação, manufaturar de relatórios, multa pelo descumprimento, plataforma de acesso público com informações, tudo isso com o propósito de garantir que a igualdade salarial deixe de ser uma mera teoria e se torne uma realidade para as mulheres no ambiente de trabalho.
Machismo estrutural e o consequente teto de vidro
Por meio das demandas dos movimentos sociais e do amparo legal que existe no Brasil, as mulheres têm conseguido ocupar, por ascensão funcional, espaços inéditos dentro das empresas. No entanto, apesar desse fato e da legislação em vigor, as mulheres continuam a ser vítimas de atitudes machistas no local de trabalho. Machado (2020) aduz que, apesar da nova imagem social adquirida por meio das lutas travadas e da legislação trabalhista vigente, muitas mulheres continuam sofrendo discriminação no mercado de trabalho brasileiro, devido à prevalência de uma cultura machista, herdada de uma sociedade patriarcal. Nessas circunstâncias, algumas ocupações ainda são vistas como tipicamente masculinas ou femininas, ou seja, diante do machismo existente na sociedade, algumas posições voltadas para os homens não podem ser ocupadas por mulheres. Em sintonia ao raciocínio exposto alhures, a Constituição Federal de 1988 garante a igualdade de direitos entre homens e mulheres, enfatizando os direitos inerentes à esfera do trabalho (BRASIL, 1988).
Conforme Lavinas (2006), foram criadas políticas públicas de combate à discriminação, evitando que o trabalho realizado pelas mulheres fosse segregado, desvalorizado e/ou deliberado e conscientemente desqualificado. No entanto, em caráter complementar, em fiel observância aos ensinamentos de Hirata e Kergoat (2007), em que pese as mulheres terem conquistado vários direitos no plano legal e regulatório, a discriminação de gênero continuou a se manifestar no ambiente de trabalho, pelo fato de elas serem, em tese, as responsáveis pelo cuidado de crianças, idosos e/ou pessoas com deficiência. Isto é, muitas mulheres são discriminadas, devido à dificuldade de conciliar a atividade profissional com a vida familiar.
Proni (2013) esclarece que, apesar das melhorias significativas no mercado de trabalho brasileiro desde 2010, derivadas do respaldo jurídico trabalhista existente e da adoção de programas voltados para a igualdade de gênero, boa parte das mulheres continuou prestando serviços em ambientes insalubres e precários. O autor ainda menciona que mesmo que a força laboral feminina realize as mesmas tarefas que a força trabalhista masculina, inclusive, com um nível de escolaridade equivalente ou superior, em geral, as mulheres ganham salários menores que os homens.
Na mesma linha, Leone e Teixeira (2013) consideram que as diferenças salariais entre homens e mulheres são significativas nos mais variados tipos de cargos, preponderantemente, em cargos de gestão e em ocupações profissionais que exigem formação superior. Diante desse panorama, a discriminação de gênero se traduz em maior desigualdade salarial entre homens e mulheres, endossando o machismo estrutural presente nas empresas. É, portanto, evidente que, embora as mulheres ocupem profissões e estatuto social altamente qualificados, a discriminação continua a gerar condições desiguais. De fato, no Brasil, ainda hoje, as mulheres enfrentam barreiras invisíveis no mercado de trabalho, os famigerados tetos de vidro, que causam grande dificuldade em elevar a posições de destaque e maior responsabilidade, apesar das conquistas históricas do movimento feminista.
Na realidade, o machismo estrutural incutiu no âmago da sociedade a falsa impressão de que as mulheres não poderiam ocupar cargos superiores nas empresas, dado o acúmulo de funções derivadas da vida profissional e familiar. Seguindo esse mesmo caminho, Steil (2017) assegura que, quando as mulheres ingressam no mundo corporativo, elas são expostas a diversos mecanismos discriminatórios. Assim diante dos obstáculos deletérios criados pelos homens, elas dificilmente alcançam os mais altos cargos hierárquicos em uma grande empresa, ou seja, enfrentarão o fenômeno do teto de vidro, visto que esses cargos geralmente são reservados aos homens.
Martínez (2015) argumenta, embora haja um consenso social sobre a questão da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, que a história da independência das mulheres ainda não se completou no cenário social, haja vista que, no mercado de trabalho, os cargos de alto escalão em empresas públicas ou privadas ainda são predominantemente ocupados por homens. Dessa maneira, os estudos sociais e jurídicos demonstram com clareza que, nada obstante a aplicação da lei e a cultura da antidiscriminação de gênero (amplamente difundidas na sociedade) tenham conseguido reduzir as formas explícitas de discriminação, outras ainda estão presentes, como a desigualdade salarial.
Conclusão
A lei da igualdade salarial (Lei nº 14.611/2023) representa um marco significativo no combate ao machismo estrutural e suas manifestações, como o fenômeno do teto de vidro. Esse artigo buscou analisar, de forma ampla, o impacto dessa legislação na promoção da igualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro, destacando a sua importância na desconstrução das barreiras que historicamente limitaram e continuam a limitar a ascensão profissional das mulheres. Trouxe à tona o fato de que o machismo estrutural, radicado em instituições e práticas sociais, contribuiu para a perpetuação do teto de vidro, impedindo o acesso das mulheres a cargos de liderança e remuneração compatíveis com suas qualificações e desempenho. A desigualdade salarial tem sido uma das expressões mais visíveis desse fenômeno, refletindo não só as disparidades econômicas, mas também a subvalorização do trabalho das mulheres e a falta de reconhecimento de suas competências profissionais.
Dessa forma, a Lei de Igualdade Salarial surge como uma medida eficaz para combater essa injustiça estrutural, ao estabelecer diretrizes claras e medidas de fiscalização para garantir a igualdade salarial entre homens e mulheres que desempenhem funções equivalentes. Deveras a legislação cria um ambiente de trabalho mais justo e inclusivo, promovendo a igualdade de oportunidades. Além disso, ao impor sanções aos que não cumprem as regras esposadas, a lei obriga, coercitivamente, as empresas a interromper práticas discriminatórias anteriormente cometidas contra mulheres.
É de suma importância notar que a eficácia da Lei da Igualdade Salarial não depende apenas de sua aplicação, mas conjuntamente de uma transformação cultural mais ampla e abrangente. Políticas discriminatórias explícitas, preconceitos implícitos e estruturas de poder que perpetuam a desigualdade de gênero precisam ser abordadas e aniquiladas. Isso requer um esforço coletivo envolvendo não apenas o governo, mas também o setor privado, a sociedade civil e os próprios indivíduos. Portanto conclui-se que a Lei de Igualdade Salarial do Brasil representa um passo importante em direção à igualdade de gênero no mercado de trabalho, embora seja apenas o primeiro de muitos que ainda precisam ser realizados. Para alcançar a verdadeira igualdade de oportunidades e remover o teto de vidro, é fundamental continuar a combater o machismo estrutural em todas as suas formas, promovendo políticas e práticas que reconheçam e valorizem o talento e o potencial de todas as pessoas independentemente do gênero.
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