A LEGALIDADE DAS COTAS PARA CONCURSO PÚBLICO COM A CONCRETIZAÇÃO DO INÍCIO DA PARIDADE

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11004870


Paulo Francisco Alves


RESUMO

Há muitas dificuldades para que os direitos do negro tenha o reconhecimento por parte do Estado Democrático de Direito do Brasil e elas estão diretamente ligadas à história, principalmente por causa do tráfico de negros provenientes de África com o fito de serem escravos em terras brasileiras. Ao escravo negava-se qualquer direito humano ficando sem acesso ao necessário a uma vida digna tanto social como no trabalho. Em virtude de alguma pressão no país e muita vinda do estrangeiro, no final do século XIX ocorreu a abolição da escravatura, mas a concedida liberdade legal foi incapaz de deixar para trás toda a herança maldita. Mesmo com alguns avanços rumo à igualdade, segue o preconceito, pois o branco tem mérito, mas o negro é considerado inferior, sendo oprimido e ficando excluso. Em virtude dessa situação, começaram a ser projetadas ações de afirmação a fim de redimir o povo negro. Pela Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 41, que foi julgada pelo STF, eliminou-se a controvérsia judicial em relação à constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014, a qual indica que deve cotas para os negros nos concursos de âmbito público, o que auxilia a evitar o racismo e a depreciação de raça presente na sociedade do Brasil, e isso é mais um passo a fim de enterrar qualquer discriminação. Este artigo traz uma análise na forma histórica e de dedução, e usa a técnica de pesquisa com observação da legislação, da bibliografia e da jurisprudência.

Palavras-chaves: Constituição. Igualdade. Ações de Afirmação. Racismo.

ABSTRACT

There are many difficulties for black people’s rights to be recognized by the Democratic State of Law in Brazil and they are directly linked to history, mainly because of the trafficking of black people from Africa with the aim of being slaves in Brazilian lands. The slave was denied any human right, leaving him without access to what was necessary for a dignified life, both socially and at work. Due to some pressure in the country and much coming from abroad, at the end of the 19th century the abolition of slavery took place, but the granted legal freedom was unable to leave behind all the cursed heritage. Even with some advances towards equality, prejudice continues, because whites have merit, but blacks are considered inferior, being oppressed and excluded. As a result of this situation, affirmation actions began to be designed in order to redeem the black people. By Declaratory Action of Constitutionality nº 41, which was judged by the STF, the judicial controversy regarding the constitutionality of Law nº 12.990/2014 was eliminated, which indicates that it owes quotas to blacks in public contests, which helps to avoid racism and the depreciation of race present in Brazilian society, and this is another step towards burying any discrimination. This article brings an analysis in the form of history and deduction, and uses the research technique with observation of legislation, bibliography and jurisprudence.

Keywords: Constitution. Equality. affirmation actions. Racism.

1. INTRODUÇÃO

Nesta análise, a intenção é entender por que há uma não igualdade em termos raciais no Brasil e como isso se reflete no direito para todos. É preciso partir do período escravagista, quando surgiram, no Brasil, os sinais mais fortes em que os negros eram trazidos e tratados como seres humanos inferiores e sem direitos. Acerca disso, analisa-se situações históricas e como os negros eram tratados durante a época antes e depois da promulgação da Lei Áurea.

Logo após, debate-se o tratamento dado àqueles liberados de seu jugo pela lei brasileira, os quais, embora declarados livres formalmente, seguiam sem o reconhecimento de seus direitos por grande parte da população. Os negros sofriam com a estigmatização, ficando não inclusos, mas presentes na marginalidade social e, pela maioria, vistos como criminosos em virtude de sua situação social, principalmente, por causa da cor da sua pele.

Com o fim de ultrapassar aquilo sofrido durante longo tempo como escravos sem usufruir de quaisquer direitos ou garantias, nascem os denominados “movimentos de afirmação”, que objetivam que tais seres consigam se inserir na comunidade brasileira como iguais aos demais, afinal, com a cor da pele escura, é mister da democracia, que cada ser humano seja visto e tratado como alguém capaz e sem diferença.

O tema foi escolhido por ser relevante, tanto no aspecto histórico, como também em que pese a condição social e mesmo humana. É preciso que se veja a pessoa de cor negra como alguém tão humano e com direitos iguais aos demais membros da sociedade, sem que sofra quaisquer discriminações. Com isso, objetiva-se a construção de uma democracia em que todo o ser humano faz parte do Estado Brasileiro. Quer-se, em benefício desse povo, ações públicas que provoquem a abolição das injustiças sofridas no passado e das ainda existentes no presente.

O presente artigo analisa os dados básicos que embasaram a criação de uma lei que reserva, para negros, 20% das vagas que são disponibilizadas em concursos públicos a fim de se prover cargos e empregos públicos tanto na administração federal direta e/ou indireta.

Pergunta-se sobre as razões de uma lei, que tem o evidente aspecto de uma igualdade, tanto material quanto racial, precisar ter a constitucionalidade garantida pelo Superior Tribunal Federal? Será que é por causa da sombra que ficou do escravagismo, ainda evidenciada ou velada, que segue mantendo a resistência em vários âmbitos sociais? Que argumentos são utilizados pela Suprema Corte para confirmar essa implementação de uma discriminação positiva em questão da realização de concursos em nível público? Para conseguir respostas, esta investigação adota um proceder histórico e, também, dedutivo, e repassará aspectos do ocorrido em tempos anteriores e examinará os elementos mais importantes que fizeram a mais alta corte judicial declarar como constitucional as cotas indicadas na Lei n° 12.990/2014.

2. DOS TEMPOS DA ESCRAVIDÃO ATÉ OS DIAS DE HOJE

No começo de colonização do país, não havia a presença de quem pudesse realizar os trabalhos de toda ordem, principalmente os manuais. Por esse motivo, tentou-se contar com o trabalho dos índios nas plantações. Todavia, esse tipo de escravizar as pessoas não deu certo, porque esses moradores do Brasil, antes da descoberta pelos portugueses, não aceitaram a ideia e sabiam como escapar de qualquer jeito de trabalho de forma coagida, porque tinha meios de se esconder nas matas, e, também, porque não estavam acostumados com qualquer tipo de trabalho envolvendo esforços com mãos e braços. Por causa disso, os portugueses se viram na situação de seguir o rumo de outros europeus daqueles tempos, quando iam à busca de negros africanos para obrigá-los a trabalhar como escravos. Assim veio um grande número de pessoas oriundas da África ao Brasil. Conforme conta a história, entre os anos de 1530 até 1850, por volta de três e meio milhões de africanos vieram trazidos à força ao Brasil a fim de se tornarem escravos (NABUCO, 2011).

O sofrimento pela subjugação dos africanos começava no deslocamento, nos fundos, os chamados porões de navios, sendo que condições horrivelmente péssimas faziam com que muitos dos negros morriam nessas condições antes de chegarem ao destino. Depois que eram desembarcados, vinham os compradores para adquiri-los, sendo esses fazendeiros, além de, também, donos de engenhos das regiões açucareiras. Eles tratavam os escravos de uma forma cruel para não dizer desumana (NABUCO, 2011).

Mesmo que tal procedimento pudesse ser considerado como algo bem normal pela maior parte da população, havia quem resistisse a tais violências, como fizeram os abolicionistas, um grupo formado por escritores, por pessoas ligadas a religiões, por certos políticos e muitas outras pessoas. No entanto, esse esquema escravocrata ficou presente no meio produtivo por cerca de trezentos anos, principalmente em virtude da situação econômica, uma vez que o trabalho escravo era a base da economia nacional (CONSETINO, 2015).

Durante o período de colonização, os negros eram subjugados, como também o foram os índios, sendo que entre tais grupos havia um tanto de sintonia. SANTOS ensina que há algo de específico na medida do conceito da ideia do império, ou seja, considera-se o outro como um ser inferior, dando a ideia de que isso não ficou em apenas considerar tal situação de ser menosprezado, mas também sua legitimação e seu aprofundamento, o que considera o fato em segundo plano, para justificar que os de sempre daqui e os de lá justificam as situações relacionadas entre o que descobriu e o que foi descoberto (SANTOS, 2002, p. 23).

O poder do estado brasileiro, em princípio, presente nas Coroas de Portugal e da Espanha, não teve no índio um alinhado fácil, nem mesmo no negro, que colocavam obstáculos aos planos da economia dos que queriam colonizar o Brasil. Acontece que, àqueles que resistiram e não queriam se submeter, tratava-se com violência. Eles eram presos, expulsos de seus locais onde viviam antes, muitos sendo mortos. Assim, tudo se resolvia em favor do invasor, baseado em sua maior força em termos de armas de que dispunha (BRUM, DORNELLES, VERONESE, p. 23 e 26).

De 1870 em diante, o Sul do Brasil começou a empregar pessoas assalariadas, já, no Nordeste, as usinas trocaram os antigos engenhos, o que facilitou o uso de menos escravos. Nessa época, começaram a ser instaladas indústrias em várias cidades, em especial, nas maiores e principais. Tal troca de viés da economia, unida a uma pressão exercida por diversos países, principalmente a Inglaterra, obrigou o Governo, para não causar prejuízos aos donos de empreendimentos, a começar com um proceder devagar, mas cada vez mais acelerado, que visava abolir a escravatura. O ato foi extinguir o tráfico de negros, no ano de 1850, depois uma Lei chamada Ventre-Livre, em 1871, que fazia que filhos de escravizados nascessem livres a partir de então (CONSETINO, 2015).

A providência seguinte foi fazer a vigência de uma lei chamada Saraiva-Cotegipe, ou seja, Lei dos Sexagenários, no ano de 1885, o que libertava os negros que tinham mais de 65 anos e, por fim, no dia 13 de maio de 1888, mediante a assinatura da Lei Áurea, foi concedida a liberdade a todos os negros escravizados, que se pode dizer que foi apenas um ato formal, pois, mesmo nos dias de hoje, ainda são sentidos os estragos sofridos (NABUCO, 2011).

Mesmo depois de abolida a escravatura, não foi fácil para os negros viverem no Brasil. O governo, que representa o Estado, não se importou em dar condições para que os antes escravizados se pudessem integrar na maneira do trabalho com recebimento de salário e na sociedade preconceituosa o que continuava a forçá-los a ficarem marginalizado. Esse comportamento preconceituoso ocorreu por se preferir a mão-de-obra vinda da Europa. Essa teve um crescimento substancial no Brasil depois que foi abolida a escravidão, sendo que a negra foi deixada de lado. A isso estava ligada a Lei de Terras, pois as terras brasileiras só podiam ser obtidas pela compra. Essa lei causou a dificuldade maior de os negros conseguirem emprego e, consequentemente, renda. Ter terra própria era impossível, o que causou a falta de possibilidades para uma vida com um mínimo dignidade (CONSENTINO, 2015).

Com o intuito de compreender os motivos causadores de pobreza e de miséria que a história associa, demonstra ter a ver com a escravatura no país, e que, até hoje, complica a vida de muitos dos descendentes de escravos negros, precisa-se analisar os seguintes dois detalhes: qual era a situação dos escravos e como é a situação em que se encontra o povo, agora, livre, mas pobre no Brasil e demais países da América Latina,.

Um dado importante a observar é como era construída a sociedade no Brasil, logo após a abolição da escravatura: apenas uma elite minoritária, constituída de brancos, os restos da economia em decadência, que dependia do trabalho escravo, muitos escravos, grande número de filhos não legítimos de donos brancos com suas escravas, muitos que descendiam de índios e de brancos também pobres, além de imigrantes, muitos também pobres, de procedência italiana e alemã, e, um tempo depois, aqueles vindos do Japão. Tais imigrantes eram obrigados a viverem no campo, tendo trabalho com os produtores de café, ou então alugando pequenos trechos de terra, onde apenas podiam produzir o necessário à sua sobrevivência em cada colheita que nem chegava a ser suficiente para tanto. A solução era a migração para as cidades, onde tinham que residir em barracas e trabalhar vendendo de forma ambulante; alguns eram artesãos, mas a maioria atuava como auxiliares no emprego doméstico, sem falar dos que eram obrigados a viver como mendigos.

Essas populações não constituíam uma reserva para o trabalho industrial, como pensado na Europa, pois não havia onde trabalhar, e eles eram vitimados pela desconstrução da ordem, que sequer existiu em terras brasileiras. Eles eram a maior parte do povo e, depois que o país desenvolveu um jeito próprio de ter dependentes de salários e uma situação de bem-estar melhor, somente uma pequena parte dessa gente conseguiu sua inserção. Essa situação segue até hoje. Disso advém a falta de emprego, ocorre a não alfabetização e a ausência de proteção social maior (SCHWARTZMAN, 2004).

Essa descrição de como as condições evoluíram no Brasil mostram uma discriminação além da conta, sem razão, com sinais claros que ainda acontecem na maneira de vida no país. Com a ideia de superar tantos desmandos, é primordial analisar a ideia de existir vida igual para todos e aplicar isso em ações positivas, dando ênfase a uma ideia com discriminação, porém, mais positiva.

 3. COTAS RACIAIS COMO AÇÕES QUE SÃO AFIRMATIVAS

O pensamento igualitário, juridicamente, de acordo com Gomes (2001, p. 130) apareceu logo depois das revoluções no término do século dezoito. Foi, no começo das ideias e experiências dos Estados Unidos e, também, da França, tidas como revolucionárias, além de pioneiras, que se consolidou a ideia igualitária frente à lei, que foi uma implantação jurídica e formal, segundo à qual, toda lei deve servir de forma igual a todos, sem diferenças. Cabe a quem a aplicar, fazer com que atenda de maneira neutra todas as petições jurídicas e decida igual em todos os casos de conflitos entre as pessoas. A ideia visa o fim especial de coibir privilégios do regime antigo e terminar com as vantagens dadas a algumas linhagens sociais. Essa ideia de igualdade jurídica, simplesmente uma formalidade, fixou-se como importante durante o constitucionalismo que prevaleceu durante o século XIX e seguiu forte por muito tempo do século XX. Para esclarecer,

[…] o princípio da igualdade perante a lei consistiria na simples criação de um espaço neutro, onde as virtudes e as capacidades dos indivíduos livremente se poderiam desenvolver. Os privilégios, em sentido inverso, representavam nesta perspectiva a criação pelo homem de espaços e de zonas delimitadas, susceptíveis de criarem desigualdades artificiais e nessa medida intoleráveis (GOMES, 2001, p. 130).

A igualdade, como conceito, foi destacada para sustentar juridicamente o Estado mais liberal, por isso, a lei precisa primar pela igualdade a todas as pessoas, sem quaisquer discriminações. Nos tempos recentes, a ideia da igualdade junto à lei foi estabelecida para garantir que seja concretizada a liberdade. Para os teóricos, a liberalidade, ou a mera adoção da igualdade na listagem dos direitos básicos, seria suficiente para que a sua efetivação no texto da constituição (GOMES, 2001, p. 130).

No entanto, segundo a cartilha dos liberais do século XIX, a igualdade em termos jurídicos, é ficção pura, tudo com vistas ao lucro e pelo acúmulo de capital (RODRIGUES, 2013, p. 53).

          Assim, é dada proteção à vida, assegura-se a liberdade, assim como a segurança e, também, a propriedade, para garantir a todos uma completude frente à constituição. Ninguém pode sofrer por causa de discriminações sem que seja protegido pelas leis brasileiras (BASTOS, 1995, p. 164).

           A igualdade meramente formal passou a ser questionada no momento em se notou que ter igualdade nos direitos não seria suficiente para dar acessibilidade aos desfavorecidos em termos sociais àquelas vantagens usufruídas pelos seres mais privilegiados. Não se dava as oportunidades, era importante falar que existiam igualdades condicionais. Não bastava a proibição de discriminar para que fosse possível existir uma igualdade juridicamente falando. Existia apenas a proibição da desigualdade, o que não é o mesmo que contar com a igualdade na área jurídica (GOMES, 2001, p. 130).

           A igualdade, de verdade, requer o tratamento igual a todas as pessoas. Não se fala de uma igualdade frente ao direito, porém de um tratamento igual e verdadeiro ante o necessário à vida. Tal situação, conforme diz Bastos (1995, p. 165), frente à carga tida como humanitária e, também, idealista que a constitui, nunca conseguiu ser implementada na sociedade. Muitas causas se tornam em obstáculos que freiam sua efetivação: a situação física da pessoa, sendo fraca ou forte; o estado psicológico do ser humano, ou de dominação, ou de submissão, sem considerar as situações políticas e sociais, que, praticamente, sempre acabam consolidando e acentuando essas distinções, em vez de torná-las mais tênues.

           Nos dias de hoje, cuida-se em dar força à ideia que destaca a igualdade em termos materiais ou especiais, que, longe do apego ao formal e ao abstrato do que se concebe como igualdade, dá-se valor ao contrário, um pensamento de dinamismo, apelando pela igualdade, em que são deveras pesadas e observadas as desigualdades que de fato existem no meio social, para que situações de não igualdade sejam consideradas de maneira diferente, com o que não se permite nem aprofundar e nem perpetuar as desigualdades ambientadas na sociedade. Por ser um produto do atual estado de direito, a igualdade, considerada como substancial e/ou material, propõe uma análise reforçada pelo legislativo com seus atores e pelos que devem aplicar o direito às situações de cada ser individual e de grupo, a fim de que seja evitado que a máxima liberal da igualdade não permita ou mesmo dificulte que os interesses dos indivíduos fragilizados e não favorecidos sejam protegidos e defendidos (GOMES, 2001, p.130).

           Nas democracias do ocidente, a igualdade material não é desconsiderada. Ela está presente nas constituições como regras de programação, capazes de aplainar desequilíbrios muito grandes nos beneficiamentos, sejam de ordem material, ou não material. Dessa forma, tem-se normas jurídicas destinadas a desfazer a diferença grande acontecida em diversos períodos da história na guerra entre capital e trabalhadores. Há diversos exemplos que poderiam ser mencionados, entre os quais o direito a uma melhor escolaridade, mais saúde, e alimentos suficientes a uma vida digna etc. (BASTOS, 1995, p 165).

           De tudo isso surge a noção do direito a oportunidades iguais, fator a justificar algumas experimentações em termos de constituição, baseados na necessidade de eliminar, ou, pelo menos diminuir, a dureza das diferenças e termos de economia bem como as sociais e, assim, promover mais justiça social (GOMES, 2001, p.131).

           O cidadão tem, pois, o direito da não diferenciação em quaisquer casos em que houver situações semelhantes na lei. Está claro que no direito civil existe o direito a se ter uma autonomia da vontade. Tudo pode ser estabelecido por diversos critérios, sem que se precise dar explicações, pois fica claro que ao prejudicado deve ser permitido acessar os tribunais a fim de pleitear e obter uma adequada reparação. Pode-se considerar o exemplo de uma pessoa que anunciaria uma venda de moraria, mas que pessoas negras ficariam impedidas de adquiri-la (BASTOS, 1995, p. 170).

           Ver a igualdade como formal oportunizou várias jurisprudências no Brasil, e o mesmo aconteceu no estabelecimento dos Direitos Humanos em termos internacionais. Por isso, mudou-se as políticas sociais para o bem da promoção de vários grupos que sofriam com sua fragilidade social. Vale ressaltar que ter a igualdade como cerne do Direito faz que se perceba e se considere esse detalhe como beneficente a todo ser humano que possua situações diferentes do considerado normal.

           Afirma Flávia Piovesan,

[…] do ente abstrato, genérico, destituído de cor, sexo, idade, classe social, dentre outros critérios, emerge o sujeito de direito concreto, historicamente situado, com especificidades e particularidades. Daí apontar-se não mais ao indivíduo genérica e abstratamente considerado, mas ao indivíduo especificado, considerando-se categorizações relativas ao gênero, idade, etnia, raça, etc. (GOMES, 2001, p. 131, apud PIOVESAN, 1998, p. 130).

O ser humano passa a integrar as políticas sociais mais atualizadas. Essas políticas são apenas tentativas de concretizar a igualdade em todos os sentidos, por isso, destacam-se como ação de afirmação ou, no âmbito do direito europeu, como ação positiva. Consagrar de forma normativa as políticas sociais significa um instante em que se rompe a melhora que deveria acontecer no Estado atual (GOMES, 2001, p. 130).

Dessa forma, o Estado deixa de lado a sua posição de neutro e de ser apenas espectador das disputas travadas na área da convivência e começa a ser ativo na busca de concretizar a igualdade que foi positivada na constituição, acontecendo, com o novo Estado, agora chamado de Social, uma igualdade nas diferenças que há em cada ser humano (BONAVIDES, 2004, p. 376).

O começo da aplicação de políticas sociais mais afirmativas foi feito nos Estados Unidos. Essas formas de política tiveram a intenção de dar solução à marginalidade a que o negro estava exposto social e economicamente na sociedade daquela nação. Depois estendeu-se essas políticas também às mulheres, aos indígenas e a pessoas que tinham deficiência física, além de minorias étnicas e de nacionalidades diversas (GOMES, 2001, p. 130).

As ações mais afirmativas podem ser definidas como sendo políticas públicas (também privadas) com a intenção de tornar concreta a constituição da igualdade no âmbito material e tornar neutros os frutos gerados pela discriminação por causa de raça, gênero diferente, idade avançada ou infantil, por nacionalidade e até diferença física. Desse modo, a igualdade não é mais um princípio jurídico a ser respeitado por cada qual, tornando-se um objetivo no âmbito constitucional que precisa ser objetivo do Estado e da sociedade (GOMES, 2001, p. 130).

Essas ações,

[…] visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fato, de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, aptas a inculcar nos atores sociais a utilidade e a necessidade da observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano. Por outro lado, constituem, por assim dizer, a mais eloquente manifestação da moderna ideia de Estado promovente, atuante, eis que de sua concepção, implantação e delimitação jurídica participam todos os órgãos estatais essenciais, aí se incluindo o Poder Judiciário, que ora se apresenta no seu tradicional papel de guardião da integridade do sistema jurídico como um todo e especialmente dos direitos fundamentais, ora como instituição formuladora de políticas tendentes a corrigir as distorções provocadas pela discriminação (GOMES, 2001, p 132).

Fazem parte, portanto,

[…] de um mecanismo sócio-jurídico destinado a viabilizar a harmonia e a paz social, que são seriamente perturbadas quando um grupo social expressivo se vê à margem do processo produtivo e dos benefícios do progresso, bem como a robustecer o próprio desenvolvimento econômico do país, na medida em que a universalização do acesso à educação e ao mercado de trabalho tem como consequência inexorável o crescimento do país como um todo. Nesse sentido, não se deve perder de vista o fato de que a história universal não registra, na era contemporânea, nenhum exemplo de nação que tenha se erguido de uma condição periférica à de potência econômica e política, digna de respeito na cena política internacional, mantendo no plano doméstico uma política de exclusão, aberta ou dissimulada, legal ou meramente informal, em relação a uma parcela expressiva de seu povo (GOMES, 2001, p. 132).

Em outras palavras, ações de afirmação devem ser definidas como forma de promoção da igualdade em dar mais oportunidades, o que leva a uma possibilidade maior a todos que, no âmbito social, sempre estavam na margem.

Assim prega Gomes:

Com efeito, a discriminação, como um componente indissociável do relacionamento entre os seres humanos, reveste-se inegavelmente de uma roupagem competitiva. Afinal, discriminar nada mais é do que uma tentativa de se reduzirem as perspectivas de uns em benefício de outros. Quanto mais intensa a discriminação e mais poderosos os mecanismos inerciais que impedem o seu combate, mais ampla se mostra a clivagem entre discriminador e discriminado. Daí resulta, inevitavelmente, que aos esforços de uns em prol da concretização da igualdade se contraponham os interesses de outros na manutenção do status quo. É curial, pois, que as ações afirmativas, mecanismo jurídico concebido com vistas a quebrar essa dinâmica perversa, sofram o influxo dessas forças contrapostas e atraiam considerável resistência, sobretudo da parte daqueles que historicamente se beneficiaram da exclusão dos grupos socialmente fragilizados (GOMES, 2001, p. 133).

Num primeiro momento, o Estado Liberal deu formas à igualdade para que suas políticas fossem de acordo com o discurso, porém, a igualdade, em seu cerne concepcional, não dava oportunidade a privilégios, nem favores, muito menos a discriminar alguém, pois a lei da igualdade dava tratamento semelhante a quem quer que fosse. Nessa direção:

“A igualdade formal era entendida, num primeiro momento, como uma igualdade perante a lei, de modo que, para todos os indivíduos com as mesmas características devem prever-se, através da lei, iguais situações ou resultados jurídicos” (JENSEN, 2010, p. 37).

Entretanto, essa neutralidade do Estado, no seguir da história, deu grandes chances a que certos grupos sociais fossem subjugados por falta de voz, de poder político, de condições para reivindicar direitos. Por isso, o Estado precisou agir de forma bem mais positiva em benefício das minorias, fossem elas de raça, de etnias, de sexo e/ou de nacionalidades (GOMES, 2001, p. 132), uma vez que a igualdade somente relacionada à lei consegue garantias de pouca valia sem o devido acompanhamento (CANOTILHO, 1998, p. 389).

Dessa forma, pode-se entender que textos e ditos jurídicos são insuficientes para melhorar uma situação social baseada na tradição de uma nação, no pensamento geral e na entendimento em geral de que a alguns se deve reservar o direito do domínio e, aos demais, o de serem dominados, devendo se subordinar simplesmente. De outra visão, reconhece-se que, para reverter uma situação assim, só é possível se o Estado renunciar à neutralidade nos problemas da sociedade e, por isso, precisa assumir um posicionamento de ação, devendo ser, até certa forma, bastante radical se for com base em princípios que orientam a sociedade liberal conhecida (GOMES, 2001, p. 132). Precisa-se, conforme Canotilho, “delinear os contornos do princípio da igualdade em sentido material” (1998, p. 389-390).

Ações mais afirmativas começaram a aparecer com o Estado usando práticas de forma ativa. Essas ações iniciaram nos Estados Unidos, sendo, na atualidade, também aplicadas em várias nações da Europa, da Ásia e da África, havendo adaptações conforme a situação de cada país. No Brasil, onde houve a história de escravatura mais estendida no continente americano e onde o patriarcado foi mais forte e tradicional, avança-se no debate acerca do tema e começa-se a aceitar, principalmente no âmbito acadêmico, debates sobre o assunto (GOMES, 2001, p. 134).

É algo fundamental que se implante o direito a todos serem considerados iguais para que haja um projeto visando a democracia, pois, analisando melhor, é a democracia que faz a igualdade possível para a garantia de todos os direitos em todos os âmbitos. A busca embasada na democracia, significa exercer em situações iguais os direitos mais elementares do ser humano PIOVESAN, 2005, p. 52).

Para que haja a igualdade, precisa-se da democracia, e isso supõe que acabe com qualquer ideia discriminatória (PIOVESAN, 2005, p. 52).

Seguindo o raciocínio:

Para a implementação do direito à igualdade, é decisivo que se intensifiquem e aprimorem ações em prol do alcance dessas duas metas que, por serem indissociáveis, hão de ser desenvolvidas de forma conjugada. Há, assim, que se combinar estratégias repressivas e promocionais que propiciem a implementação do direito à igualdade. Reitere-se que a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, ratificada hoje por mais de 167 Estados (dentre eles o Brasil), aponta para a dupla vertente: a repressiva punitiva e a promocional. Vale dizer, os Estados-partes assumem não apenas o dever de adotar medidas que proíbam a discriminação racial, mas também o dever de promover a igualdade mediante a implementação de medidas especiais e temporárias que acelerem o processo de construção da igualdade racial (PIOVESAN, 2005, p. 52).

Dessa forma, estima-se que direitos humanos não podem ser considerados um traçado, mas uma construção e é importante ressaltar que violá-los também significa isso. Quer dizer, violar, excluir, discriminar, não tolerar, ter racismo, cometer injustiças, tudo segue uma construção durante a história, que deve ser desconstruída desde logo, considerando-se uma emergência a adoção de providência com eficácia para terminar com a exclusão de quem é de etnia diferente da geral. Precisa-se evitar todas as amarrações que podem anular a possibilidade de o povo afrodescendente se tornar protagonista como cidadãos sérios e dignos (PIOVESAN, 2005, p. 53).

Ressalta-se, por isso, o dito por Abdias do Nascimento, ao indicar ser necessária a

[…] inclusão do povo afro-brasileiro, um povo que luta duramente há cinco séculos no país, desde os seus primórdios, em favor dos direitos humanos. É o povo cujos direitos humanos foram mais brutalmente agredidos ao longo da história do país: o povo que durante séculos não mereceu nem o reconhecimento de sua própria condição humana (PIOVESAN, 2005, p. 53).

Tornar o direito da igualdade racial efetivo será essencial, e terá de ser eficiente para evitar o prolongamento da discriminação que nega à grande parte do povo brasileiro o verdadeiro direito à liberdade considerado essencial (PIOVESAN, 2005, p. 53).

Ultimamente, foram estabelecidas duas políticas em termos discriminatórios positivos que devem ser mais bem refletidas. São elas as cotas sociais e raciais para ingresso nas universidades públicas (Lei nº 12.711/12) e a participação em concursos públicos (Lei nº 12.990/14). Por se tratar de ações consideradas novas e por terem um viés subjetivo na forma de as adotar, geram incertezas quanto a sua efetivação. Precisa-se ter certeza se essas ações são afirmativas e que dão a garantia de seguir a norma da igualdade em termos constitucionais.

Passa-se, neste momento, a um exame da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 41, que explica a constitucionalidade da Lei nº 12.990/2014.

4. A VERIFICAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DAS COTAS EM CONCURSOS PÚBLICOS PELO VIÉS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ser constitucional com a ação do legislador no efetivar a norma não serviu para afastar controvérsias sobre se as cotas raciais são compatíveis com a Constituição Federal. Foi necessário desafiar a Supremo Corte, que deve ser a guardiã da Constituição, para que declarasse constitucional, na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 41, sugerida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a reserva de vinte por cento das vagas disponíveis nos concursos públicos, para os negros e seus descendentes, como prevê a Lei n° 12.990/2014.

Nessa ação, a OAB destacou que há contrariedades com relação à validade da lei em várias instâncias país afora. Assim, ressaltou haver decisões contrárias à aplicação, por se tratar de uma reserva de vagas a negros nos concursos, sendo contrário ao direito pela igualdade (CF/1988, art. 5º, caput), que deve ser vedado o discriminatório (CF/1988, art. 3º, IV), que precisa ser visto o princípio da eficiência (CF/1988, art. 37, caput) e, também, o do concurso público (CF/1988, art. 37, II) além da proporcionalidade. Foi registrado que há vários concursos públicos que preveem a reserva de vagas, conforme a Lei n° 12.990/2014, que estão em andamento e que existem ações judiciais querendo assegurar que lei seja respeitada nesses concursos.

O STF julgou, unanimemente, como procedente esse pedido:

“É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa” (BRASIL, 2017).

O relator destacou que todas as ações afirmativas, bem como, reservar vagas para ingressar no serviço público, são ações com a finalidade de tornar efetivo o direito pela igualdade.

Barroso destaca:

A igualdade constitui um direito fundamental e integra o conteúdo essencial da ideia de democracia. Da dignidade humana resulta que todas as pessoas são fins em si mesmas, possuem o mesmo valor e merecem, por essa razão, igual respeito e consideração. A igualdade veda a hierarquização dos indivíduos e as desequiparações infundadas, mas impõe a neutralização das injustiças históricas, econômicas e sociais, bem como o respeito à diferença. No mundo contemporâneo, a igualdade se expressa particularmente em três dimensões: a igualdade formal, que funciona como proteção contra a existência de privilégios e tratamentos discriminatórios; a igualdade material, que corresponde às demandas por redistribuição de poder, riqueza e bem-estar social; e a igualdade como reconhecimento, significando o respeito devido às minorias, sua identidade e suas diferenças, sejam raciais, religiosas, sexuais ou quaisquer outras. A igualdade efetiva requer igualdade perante a lei, redistribuição e reconhecimento (BRASIL, 2017).

O Ministro continua seu voto falando sobre a igualdade como sendo uma forma de reconhecimento. Para ele, mais que distribuição melhor, uma ação de afirmação que se cria pela Lei n° 12.990/2014 tem o objetivo de aumentar a autoestima do povo negro e a extinção dos marcas raciais como estereótipos, e, a fim de aumentar a diversidade, fortalecer o pluralismo no serviço considerado público (BRASIL, 2017).

De fato, surgem injustiças que são causadas pelo racismo nas estruturas sociais que não condizem com a forma da economia da sociedade, que abrange também toda a questão da cultura e da simbologia. Essas injustiças advêm dos esquemas sociais representativos que, ao exigir certos códigos interpretativos, renegam os demais e geram um domínio cultural, um desrespeito ou até um grande desprezo. Diz Barroso que as bases eurocêntricas beneficiam os indivíduos de pele branca em termos de valor cultural, uma vez que deixam estigmas em todos os considerados diferentes dos brancos, ou seja, alguém que é de cor. O resultado é considerar os tidos como diferentes em termos étnicos, raciais, povos nativos, como alguém de menos valor ou em degradação, sendo impedidos de serem membros com valores completos da sociedade. Uma solução para isso seria reconhecer a todos como iguais, o que exige a mudança dos critérios de aceitação em termos sociais e uma maior valorização do diferente (BRASIL, 2017).

A desigualdade, como tal, gera uma representação negativa dos negros em situações de grande prestígio e de visibilidade social, o que passa a tornar perpétua ou a reafirmar a marca de alguém de menor valor. Em tal situação, a ação afirmativa alcançada pela Lei n° 12.990/2014, objetiva abrir mais condições para o direito a posições de destaque nos espaços normalmente fechados, com três vantagens principais. Primeiro, garantindo aos negros a ocupação de cargos com mais valorização na sociedade, dá-se um passo ruma à diminuição do preconceito bem como do que se considera como discriminatório. Em função de os negros não estarem nos espaços mais altos da sociedade gera-se um simbolismo que os desvaloriza e estabelece a ideia de que os brancos são sempre superiores. Quando em ambientes públicos, os negros não exercem chefia, mas estão somente no exercício da limpeza e/ou na portaria, todo esse simbolismo se repete. Por esse motivo, a nova política tem como resultado a interrupção de um status que é fruto desse círculo vicioso (BRASIL, 2017).

Em segundo lugar, essa tomada de posição gera um reconhecimento próprio, autoestima maior da população que descende de africanos. Percebe-se que, nos tempos recentes, as políticas que condenam o racismo e o estabelecimento de cotas para ingresso de negros em universidades já melhoraram o conceito a respeito desse grupo. O IPEA indica que o aumento gradativo de pessoas de cor não branca nos Censos do IBGE não provém da diferença da fecundidade dos povos negros e brancos, porém decorre do fato de um maior número de pessoas se declararem negros. Reservar vagas gera o crescimento de lideranças negras em várias carreiras e nos espaços do poder nas administrações governamentais, que dão voz às demandas e promovem os direitos dessa parte do povo (BRASIL, 2017).

Em terceiro, indica-se que, ao tomar essa medida, justifica-se a valorização do pluralismo e uma maior diversidade em termos de administração pública. A EDUCAFRO, que é representada pela Clínica de Direitos Fundamentais da UERJ, assim se expressou:

 “as instituições que põem em prática políticas de ação afirmativa se beneficiam com a pluralidade racial, tornando-se mais abertas e arejadas. Mais que isso, a sociedade também se beneficia das referidas iniciativas, na medida em que a atuação de tais instituições se aperfeiçoa e se torna mais legítima, por mostrar-se mais sensível aos interesses e direitos de todas as camadas da população, inclusive daquelas historicamente discriminadas.  Com a reserva de vagas, nossas repartições públicas passam a se tornar um espaço de convivência não-hierarquizado entre todos os estratos da população, possibilitando a troca de vivências e experiências entre pessoas de diferentes cores (BRASIL, 2017).

Por causa desses vários detalhes, o Ministro Relator considerou que reservar vagas aos negros nos concursos governamentais ajuda a superar os estereótipos, valorizar as diferenças e, também a pluralidade, em paralelo com os objetivos da Constituição, a fim de se chegar a todas as formas de igualdade.

Em seguida, o Ministro Relator realça, em especial, os modos e as normas para controlar possíveis fraudes. Nesse detalhe, ele examina se cabe a reserva de vagas a negros para a entrada no serviço público. Conclui que selecionar os candidatos conforme a colocação mais destacada em concursos para o serviço público seria exigir maior eficiência, porque se recrutaria as pessoas mais capazes de prestar um serviço de alto gabarito ao público.

Realizar concurso público significa adequação às finalidades constitucionais. Por primeiro, o concurso é essencial para que haja o alcance do serviço público a partir de uma forma em que se dá a livre concorrência, permitindo oportunidades iguais de acesso aos candidatos e a imparcialidade na seleção. Constitui-se, por esse ponto de vista, de um fator de isonomia, impessoalidade e moralidade da administração pública (BRASIL, 2017).

Como segundo, a seleção pública permite que, para atender o interesse público, seja possível selecionar as pessoas mais habilitadas a exercerem as funções de que se precisa, considerando as habilidades físicas e as intelectuais. Compreende-se que o concurso público deve ser uma maneira de chegar à eficiência necessária no trabalho administrativo, o que expressa o caput do art. 37 da Emenda Constitucional nº 19/1998. A ideia da eficiência deve relacionar-se com o custo/benefício, com a necessária economia na área administrativa e o alcance de sucesso do serviço público de forma a que se gere um atendimento ao que é necessário à comunidade e a seus membros, principalmente no que tange ao serviço governamental (BRASIL, 2017).

Segundo Barroso,

[…] é possível defender que a reserva de vagas para negros na administração federal seria capaz de potencializar o princípio da eficiência, medida a partir do conceito da “representatividade”. A questão da participação de minorias étnico-raciais em órgãos públicos – a chamada “burocracia representativa” – tem recebido grande atenção de teóricos nas últimas décadas56. A constituição de um serviço público “representativo” – i.e., capaz de refletir a composição da população que atende – produziria diversos benefícios para a prestação do serviço, aumentando a qualidade, a responsividade e a inclusividade das políticas e decisões produzidas. Essa concepção se funda na ideia de que os servidores públicos refletem em seu trabalho, em alguma medida, suas histórias de vida, experiências sociais, valores e background. Com isso, a partir de uma composição mais plural, as instituições estatais, em todos os níveis e Poderes, passam a ter maior capacidade de atuar na defesa dos interesses de todos os grupos e segmentos da população, tornando-se mais democráticas (BRASIL, 2017).

Assim, reservar vagas, conforme a Lei n° 12.990/2014, não se contrapõe aos princípios definidores de concurso público e à necessidade de eficiência. Reservar vagas para os negros não significa um provimento que dê ao servidor o direito de ocupar cargo público federal sem que haja aprovação em concurso público, com o objetivo de provê-lo. Assim como os demais candidatos, o beneficiado pelas cotas deve obter a nota exigida para ser considerado em condições do exercício do cargo pretendido. Afora isso, ao incorporar o detalhe raça como um critério para a seleção, em vez de prejudicar a eficiência, facilita alcançar uma amplitude maior, podendo, dessa forma, contribuir com todos os pontos de vista e quaisquer interesses comunitários possam ser levados em conta no que tange à tomada de decisões do Estado (BRASIL, 2017).

Para garantir que exista efetividade na ação afirmativa, que foi instituída pela Lei n° 12.990/2014, considera-se constitucional instituir maneiras de evitar fraudes. Eventualmente, podem existir burladas no tangente à reserva de vagas aos negros em concursos públicos, o que pode ocorrer, em tese, de duas maneiras. No primeiro caso, pode haver candidatos que, mesmo não sendo beneficiados com a medida, venham a se autodeclarar como pretos ou pardos a fim de alcançar vantagens na disputa das vagas. No segundo caso, pode haver fraude política pela Administração Pública, isso se essa política for modificada com o fim de diminuir seu alcance ou de alterar seus propósitos.

Quanto às falhas da forma de autodeclaração, a Lei nº 12.990/2014 atribui-lhe o critério especial para definir quem pode ser beneficiado pela política. No artigo 2º, especificou que “poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE”. Todavia, também se instituiu uma regra que é capaz de dificultar as fraudes e de aplicar punição àqueles que darem declarações falsas com respeito a sua cor. Para isso. o parágrafo único do artigo segundo ordenou que

na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis” (BRASIL, 2017).

Por último, é preciso deixar claro tanto o sentido bem como o alcance do art. 4º da Lei, que indica que “A nomeação dos candidatos aprovados respeitará os critérios de alternância e proporcionalidade, que consideram a relação entre o número de vagas total e o número de vagas reservadas a candidatos com deficiência e a candidatos negros” (BRASIL, 2017). Mesmo havendo a possibilidade de compreender que isso apenas poderia ser aplicado quando houvesse a nomeação dos aprovados, interpreta-se como a forma mais correta do preceito aquela que dá a garantia da aplicação da alternância e do proporcional na elaboração da lista em que se destaca a antiguidade das carreiras. Dessa forma, assegura-se que a política gere efeitos em toda a carreira do seu beneficiado, para influenciar as promoções e as remoções. É possível, também, de se impedir que os negros fiquem sempre colocados no final da lista das notas alcançadas pelos postulantes, dando vantagem apenas às normas, o que a Lei supera. (BRASIL, 2017).

A administração pública deve observar, objetivando a garantia da efetividade da política com ação afirmativa, os ditames que seguem: (i) a quantia de reservas de vagas deve ser considerada para cada fase do concurso; (ii) essa reserva precisa ter relação com todas as vagas disponíveis no concurso público (não somente as indicadas no edital de abertura); (iii) não esquecer da aglutinação, cada vez que possível, das vagas em concursos que tenham pequeno número de vagas; e (iv) a ordem de classificação alcançada de acordo com a utilização de todos os critérios que geram a alternância e a proporcionalidade quando da nomeação dos aprovados deve produzir frutos ao longo de toda a carreira de funcionário do beneficiário dessa política (BRASIL, 2017).

O Ministro Relator termina o voto com a declaração da total constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014.

5. CONCLUSÃO

Há uma resistência forte contra o reconhecimento dos direitos do povo de origem africana, ou seja, os negros. Isso acontece por o Estado Democrático de Direito no Brasil estar ligado à base histórica da sociedade no país, que inicia com o tráfico de negros a fim de trabalharem como escravos em nossa terra.

Para as senhores desse período histórico, o escravo não representava um ser humano, por isso, não lhe era concedido o direito a ter as condições necessárias a uma vida digna na sociedade e no trabalho. Depois de muita pressão política, o governo do final do século XIX sentiu-se obrigado em tornar livre a população de escravos, mas esse fato gerou a maneira de vida com todas as situações existentes até os dias de hoje. Continua a vida em sociedade cujo padrão segue com as normas de privilegiar um lado sem os mesmos recursos para o lado diverso.

Em função disso, geram-se ações de afirmação, com a intenção diminuir as desigualdades entre as pessoas de pele branca e preta, objetivando tornar concreta a norma da constituição que tem em vista mais igualdade material e a extinção da discriminação de raças.

A Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC nº 41, foi sugerida pela Ordem dos Advogados do Brasil e tinha como objeto a Lei n° 12.990/2014, a qual prevê a reserva de vinte por cento das vagas em concursos públicos aos negros em todos os âmbitos governamentais tanto da administração direta como da indireta.

Nessa ação, procurou-se eliminar a discussão sobre se a Lei n° 12.990/2014 era ou não constitucional. Os ministros do STF decidiram unanimemente o pedido como procedente, com o intuito de considerá-la totalmente constitucional. Dessa forma, contribuíram com o objetivo de se terminar com o racismo e a depreciação racial que perdurava no Brasil e ajudou a trazer um equilíbrio à diferenciação cultural bastante afirmada, com a intenção de facilitar o surgimento de lideranças que tenham capacidades de serem exemplos que mostrem a importância de todos terem direito a serem socialmente iguais.

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