REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102502171717
Eliete da Silva Ribeiro
RESUMO
Estudo sobre o crime tipificado no artigo 33, §4° da Lei 11.343/2006, Lei de Drogas, que inovou o ordenamento jurídico pátrio ao despenalizar o consumo de entorpecentes. Constitui objeto do presente estudo, analisar se tal dispositivo, que cuida da hipótese de tráfico privilegiado e da proibição de tal conversão, fere ou não o texto constitucional, à luz dos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, na medida em que, ao mesmo tempo em que prevê culpabilidade menor para o tráfico privilegiado, elege a forma mais violenta como consequente sanção. Inicialmente, apresenta-se um breve relato sobre a origem da pena, bem como sobre os princípios constitucionais destas. Em seguida se fará um estudo sobre a Justiça Criminal brasileira, perpassando pela justiça retributiva e justiça restaurativa, em seguida passa-se a analisar o crime de tráfico privilegiado e a possibilidade de aplicação de penas alternativas ao infrator. A pesquisa visa analisar e interpretar o dispositivo penal para identificar a viabilização de sua aplicação no Estado do Amazonas frente à política de segurança pública do estado, considerando que urge a necessidade de buscar alternativas para o atual quadro da segurança pública, em especial ao sistema carcerário adotado, não somente no Amazonas, mas em todo o país. Discorre, ainda, sobre as penas Alternativas e a Justiça Restaurativa. Informa e analisa números referentes ao quantitativo de ocorrências do tipo penal em estudo, bem como o quantitativo de penas alternativas aplicadas em casos de infratores por tráfico privilegiado, referentes aos períodos de 2017 e 2018 em Manaus.
Palavras-chave: Segurança Pública; Tráfico privilegiado; Penas alternativas; Sistema carcerário; Justiça Restaurativa.
ABSTRACT: Study on the crime typified in article 33, §4 of Law 11.343 / 2006, Drug Law, which innovated the legal order of the country by decriminalizing the consumption of narcotics. The purpose of this study is to analyze whether or not such a system, which takes into account the hypothesis of privileged trafficking and the prohibition of such conversion, violates the constitutional text in the light of the principles of individualization of sentence and proportionality, time in which it foresees less culpability for the privileged traffic, it chooses the more violent form as consequent sanction. Initially, a brief report is presented on the origin of the sentence, as well as on the constitutional principles of these. Then there is a study on the Brazilian Criminal Justice, going through retributive justice and restorative justice, then begins to analyze the crime of privileged trafficking and the possibility of applying alternative penalties to the offender. The aim of this research is to analyze and interpret the penal system to identify the viability of its application in the state of Amazonas, in view of the state’s public security policy, considering that it is urgent to seek alternatives to the current public security framework, especially the prison system adopted, not only in Amazonas, but throughout the country. It also discusses Alternative Feathers and Restorative Justice. Informs and analyzes numbers referring to the number of occurrences of the criminal type under study as well as the amount of alternative penalties applied in cases of offenders by privileged trafficking, referring to the periods of 2017 and 2018 in Manaus.
Keywords:Public security; Privileged traffic; Alternative penalties; Prison system; Restorative Justice.
INTRODUÇÃO
O que se tem observado no meio jurídico e até social é que o Direito Penal se tornou alvo de inúmeros questionamentos acerca de sua eficácia perante os problemas atuais de violência social. Nesse sentido, realizar-se-á análise acerca da primordial função do Direito Penal, juntamente com seu principal instrumento de coação, qual seja, a pena, demonstrando as características e as limitações do modelo criminal retributivo, que predomina no ordenamento jurídico brasileiro, para depois se analisar os ideais da Justiça Restaurativa com aplicação de penas alternativas, em especial nos casos de crime de tráfico privilegiado, conforme previsto no artigo 33, § 4°, da Lei de drogas. Neste diapasão, pretende-se abordar tópicos acerca dos contornos constitucionais e infraconstitucionais.
O presente trabalho, então, predispõe-se a discutir o instituto da Justiça Restaurativa e a possibilidade de uso deste na justiça criminal, analisando os seus contornos e características até suas repercussões para após avaliar se tal aplicação fere a Constituição de 1988.
Cogita-se enfrentar nesta pesquisa o debate se tal aplicação seria possível ao caso de crime de tráfico privilegiado, e se isso significa um direito fundamental do condenado. Pretende-se, portanto, questionar se tal aplicação representaria uma opção para a redução do encarceramento sem, no entanto, deixar de reprimir o crime.
Para tanto, este projeto será dividido em oito capítulos, os quais concatenados entre si abordarão aspectos relevantes da pesquisa e ensejarão a tomada de conclusões ao final da investigação acadêmica.
O primeiro capítulo discorrerá sobre as penas, a origem desta, sua aplicação para o caso dos crimes hediondos, seu regime e progressão. Discorrerá, ainda, sobre os princípios constitucionais da pena.
Como passo crucial, o capítulo seguinte delineará o modelo de justiça criminal adotado no Brasil, que ainda é de Justiça Retributiva, fazendo um paralelo com a Justiça Restaurativa e sua aplicação no sistema penal. Discorrer-se á sobre a Mediação penal e esta como via de acesso à justiça e uma forma de humanizar as penas bem como uma reflexão sobre a necessidade de uma política de Segurança Pública integrada. Neste capítulo, será discorrido sobre a Lei de Drogas, as inovações jurídicas concernentes ao tráfico como é o caso do privilegiado.
Parte-se da avaliação deste quadro tradicional para avançar sobre as propostas que são cogitadas como contribuições para a melhoria do sistema carcerário, uma das grandes dificuldades vivenciadas atualmente no contexto da insegurança social. Pretende-se avaliar se tais propostas contemporâneas de aplicação de penas alternativas aos crimes de tráfico privilegiado veem ao encontro com as previsões constitucionais, estudando a inconstitucionalidade da vedação à conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos, sendo o que se pretende estudar no capítulo três.
Superada esta fase, no capítulo quatro passar-se á a transcrever os dados coletados sobre como funcional atualmente as sentenças pelo crime de tráfico privilegiado nas Varas Especializadas em Crimes de Uso e Tráfico de Entorpecentes. Seguindo no capítulo cinco, com a análise dos dados quantitativos levantados na investigação de campo, buscando desvelar se o Poder Judiciário do Estado do Amazonas, em especial na cidade de Manaus, aplica as orientações da Justiça Restaurativa aos casos de crimes pelo tráfico Privilegiado, ou se ainda se preservam como mecanismos de repressão ao tipo penal apenas a aplicação de penas restritivas de liberdade.
Ademais, nos capítulos seguintes, pretende-se estabelecer análise dos dados coletados junto ao Tribunal de Justiça do Amazonas, tecendo considerações sobre eles.
Por fim, pretende-se fazer contribuições para melhorias com a aplicação da Justiça Restaurativa aos casos de crimes tipificados no artigo 33, § 4°, da Lei 11.343/2006, como forma de melhoria no Sistema Carcerário de Manaus.
Por tudo isso, ainda que não seja a panaceia para todos os males, é que se fez esta pesquisa como uma ode à defesa do uso dos princípios da Justiça Restaurativa nos casos do crime tipificado no artigo 33, § 4° da Lei 11.343/2006 – tráfico privilegiado, e à sua implementação em maior escala no sistema penal do Amazonas, pois se que os estudos relatam uma sua ainda muito reduzida aplicação, assim como ainda há um forte apego do Poder Judiário em sua prática, que não necessariamente precisaria existir em um primeiro momento, pois esta técnica de solução de conflito deveria servir justamente para evitar o encarceramento em massa, e o grande problema nos dias atuais de excesso de presos e o déficit dos presisidos no Estado.
Assim, a Justiça Restaurativa estaria contribuindo até para a celeridade processual dos demais casos que realmente necessitam de maior atenção pelo judiciário.
Para a investigação do tema central desta dissertação, utilizou-se o método analítico-descritivo, documental e bibliográfico, a qual, amparada em literatura específica do campo da doutrina e legislação pertinente, das políticas criminais, contou, também com levantamento de dados numéricos, pesquisa quantitativa, junto aos Órgãos de Justiça Criminal do Estado do Amazonas.
A relevância do tema é percebida diante do consenso existente dentro do meio jurídico quanto ao fracasso da pena privativa de liberdade. As penitenciárias demonstram graves problemas, como a criminalidade, as rebeliões, as condições subumanas em que vivem os detentos, além de muitos outros.
CAPÍTULO 1: DAS PENAS
- Conceito
O Estado, ao identificar ocorrência de ofensa a um bem jurídico tutelado, após seguir o devido processo legal, deve lançar mão de seu principal meio de atuar na esfera criminal, qual seja, a sanção penal, gênero que comporta duas espécies: penas e medidas de segurança. No entanto, neste trabalho será dado enfoque exclusivamente às penas, consequência jurídica do delito.
Assim, o Estado, por meio da aplicação de penas, busca atingir sua finalidade basilar, na esfera criminal, que é, como já exposto, proteger os bens tidos como essenciais à vida dos cidadãos, tornando o convívio entre os homens mais harmônicos.
Nesse sentido, Bitencourt (2017, p. 130), apud MIR PUIG, (Introdución a las bases, p. 61), assim define a pena:
[…]. Segundo o conceito que adotam, a pena é um mal que se impõe por causa da prática de um delito: conceitualmente a pena é um castigo. Porém, admitir isso não implica, como consequência inevitável, que a função, isto é, fim essencial da pena, seja a retribuição. (Grifo do autor).
Ensina Mirabete, que: “Tem-se definido a pena como uma sanção aflitiva imposta pelo Estado, por meio da ação penal, ao autor de uma infração, como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico.” (Código Penal Interpretado, 2003, p. 250).
Observa-se que, se trata de um poder do Estado para com o cidadão que comete infração, sendo esta imposta por meio de ação penal como forma de retribuir a atitude desadequada cometida por ele. Nas palavras de Nucci, “É a sanção imposta pelo Estado, por meio de ação penal, ao criminoso como retribuição ao delito perpetrado e prevenção a novos crimes.” (Código Penal Comentado, 2018, p. 289).
Campos, [et al.] (2016, p. 223), vai mais além ao falar sobre a pena, para o qual:
Pena é a sanção penal de caráter aflitivo, imposta ao autor culpado por um fato típico e antijurídico. Ao lado da medida de segurança, forma o conjunto das sanções penais. Pressupõe culpabilidade (ao passo que a medida de segurança pressupõe periculosidade).
Subdivide-se em: pena privativa de liberdade (reclusão, detenção ou prisão simples) e penas alternativas (penas restritivas de direitos ou multa).
Como se observa, Campos vai mais além ao conceituar a pena, inserindo ao conceito a necessidade de que esta tenha um caráter aflitivo, ou seja, esta deve causar aflição, sofrimento, um sentimento negativo ao apenado.
Para Fernando Capez (2005, p. 357), a pena é:
Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade.
Detrai-se deste conceito que, a pena objetiva-se na retribuição ao delinquente do seu ato em desacordo com a sociedade e com o que o Estado determina como legal, com isso se pretende promover a readaptação social do apenado ao mesmo tempo em que tal pena também se dirige à sociedade como forma de intimidação coletiva.
Por fim, o que se observa é que a visão da pena como sendo um mecanismo de controle do Estado sobre seus cidadãos é a que predomina no meio doutrinário analisado, bem como, sendo esta vista como a única forma do Estado impor suas regras e fazê-las compreendida como válidas direcionadas não a coletividade, mas ao indivíduo. Desta forma o Estado acredita que cumpre seu dever de manter a ordem social, conforme narra Saliva (2009, p. 43), apud (Conde, 1975, p. 33; Heller, 1998, p. 216, 217):
A visão da pena como mecanismo de controle é dominante, e Munoz Conde ressalta sua existência como condição indispensável para o funcionamento dos sistemas sociais de convivência, e essa convivência exige regramentos para a coexistência pacifica, e sua violação ou desrespeito desencadeiam um aparelho de resposta, ou seja, punição é a sanção social “efetuada de acordo com essas normas e regras”, impondo “dor, para que o ofensor pague sua ‘divida’” e, por consequência reforce a “validade das normas e regras” e restaure a justiça social. No dizer de Agnes Heller, ao discorrer sobre a justiça punitiva, o moderno conceito de punição elimina “a punição coletiva pela simples razão de que nós atribuímos o ato, única e exclusivamente, ao indivíduo”, sendo que “a noção de ‘personalidade moral’, tão fortemente desenvolvida através do Iluminismo, e por ele enfatizada, pode ser relacionada dentre os poucos indicadores do progresso ético”. (Grifo do autor).
Para se estudar o fenômeno punitivo, torna-se imprescindível examinar suas origens para que se possa perceber como surgiu essa realidade e como ela evoluiu no tempo, assim, passa-se a investigar onde e como tudo começou.
Origem das penas
A palavra pena vem do latim poena que, por sua vez, deriva do grego poene, que quer dizer: expiação, punição, sofrimento.
Iniciamos o tema citando Beccaria (2011, p. 12), que sempre esteve à frente nas preocupações com o lado humano das sanções penais, se destacando como um dos precursores na defesa dos direitos humanos (1):
Mas, qual é a origem das penas, e qual o fundamento do direito de punir? Quais serão as punições aplicáveis aos diferentes crimes? Será a pena de morte verdadeiramente útil, necessária, indispensável para a segurança e a boa ordem da sociedade? Serão justos os tormentos e as torturas? Conduzirão ao fim que as leis se propõem? Quais os melhores meios de prevenir os delitos? Serão as mesmas penas igualmente úteis em todos os tempos? Que influência exerce sobre os costumes?
Já logo no início da humanidade se tem histórico da existência da pena como castigo imposta aos que infringem normas pré-estabelecidas. Na Bíblia, no livro de Gênesis, 3:1-24, encontramos narrativas da primeira pena aplicada, marcando o início de várias outras legislações ao longo da existência do homem. Após receber ordens de que não deveria comer de determinado fruto, Eva, além de comer do fruto proibido, induziu também, Adão a comer, razão pela qual, além de serem expulsos do jardim do Éden, foram lhes aplicadas outras sanções. A partir daí, tendo passado a viver em comunidade, o homem também adotou o sistema de aplicação de penas toda vez que as regras da sociedade na qual está inserido são violadas.
Na trilha do caminho da evolução da pena, este estudo pretende explorar esta desde os primórdios das civilizações até os dias atuais como forma de abordar os pontos mais importantes que evoluíram durante os séculos, para tanto, usar-se á a classificação feita por Pedro Rates (2000, p. 22), quais sejam: (a) vingança privada, (b) vingança divina, (c) vingança pública, (d) período humanitário, (e) período científico e (f) período da nova defesa social.
- Vingança privada
Nesse período a pena era considerada a mais cruel e ampla da história, sendo usada unicamente para vingar seus algozes, não se estabelecia nenhuma relação entre a pessoa do criminoso e o crime cometido, ocasionando desequilibro entre a conduta do delinquente e a pena aplicada a ele. Garcez (1972, p. 66), esclarece como eram tratados o ofensor e seus familiares nesta fase:
Na denominada fase da vingança privada, cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção à ofensa, atingindo não só o ofensor, como também todo o seu grupo. Se o transgressor fosse membro da tribo, podia ser punido com a “expulsão da paz” (banimento) que o deixava a mercê dos outros grupos, que lhe infligiam, invariavelmente, a morte. Caso a violação fosse praticada por elemento estranho à tribo, a reação era a da vingança de sangue, considerada como obrigação religiosa e sagrada, verdadeira guerra movida pelo grupo ofendido àquele a que pertencia o ofensor, culminando, não raro, com a eliminação completa de um dos grupos.
Esse foi um período em que a pena era empregada como instinto de defesa aliado a punição e ao castigo. Era a lei do mais forte, sendo este quem decidia a forma de execução da pena e sua extensão. Desta forma, a pena ultrapassava a pessoa do transgressor atingindo muitas vezes sua família e até mesmo sua tribo. Pouco se importava a figura da culpa. (Gomes Neto, 2000, p. 23).
Ainda nesse período da vingança privada, como forma de amenizar a pena que era demasiadamente cruel, sentiu-se a necessidade de torná-la mais amena, surgindo assim a pena de Talião e depois a Composição.
Com o período taliônico, as punições passaram a ser aplicadas de forma igual ao crime cometido, como por exemplo, segundo o Código de Hammurabi, em que, se alguém tirar o olho do outro perderá o seu também de forma igual, o famoso “olho por olho dente por dente”.
Já na composição os crimes mais terríveis passaram a ser recompostos por meio de pecúnia, passando o infrator a ter que indenizar a vítima na proporção do mal causado, Júlio Fabbrini Mirabete (2009, p. 16) complementa:
Posteriormente surge a composição, sistema pelo qual o ofensor se livrava do castigo com a compra de sua liberdade (pagamento em moeda, gado, armas, etc.). Adotada, também pelo Código de Hamurabi, pelo Pentateuco e pelo Código de Manu (Índia), foi a composição largamente aceita pelo direito germânico, sendo a origem remota das formas modernas de indenização do Direito Civil e da multa do Direito Penal.
Vale observar que, deriva da época da composição a ideia de negociar a pena, inclusive temos hoje no ordenamento jurídico-penal brasileiro a Lei nº. 9.099/95, que permite a composição, ou seja, o crime praticado pelo infrator, após transacionado com membro do Ministério Público, seja reparado com pena pecuniária.
- Vingança divina
Nesse período a pena era vista como uma forma de demonstrar a ira divina e regenerar a alma do infrator, essa etapa pela qual passou a pena foi a fase em que o delinquente era punido pelos sacerdotes, quase sempre em preceitos oriundos, supostamente pelos deuses. Mirabete (2009, p. 16), leciona que a fase da vingança divina deve-se a atuação decisiva da religião na vida dos povos antigos, já que se devia reprimir o crime como uma forma de compensação aos deuses pela ofensa praticada no grupo social.
Dentro desse contexto, Mirabete (2009, p. 16), preleciona:
O castigo ou oferenda, por delegação, divina era aplicado pelos sacerdotes que infligiam penas severas, cruéis e desumanas, visando especialmente à intimidação. Legislação típica dessa fase é o Código de Manu, mas esses princípios foram adotados na Babilônia, no Egito (Cinco Livros), na China (Livros das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta) e pelo povo de Israel (Pentateuco).
Fica explicito com a citação acima que esse foi um período perverso na história da humanidade, praticaram-se monstruosidades em nome dos deuses, tendo sido considerado um período degradante, perverso, de muita maldade. Em nome dos deuses, praticaram-se monstruosidades e iniquidades, insufladas em princípios religiosos fanáticos.
- Vingança pública
Como se percebe, os dois períodos anteriores foram inflados por requintes de crueldades, isso fez com que o Estado, então mais forte assumisse a responsabilidade pelo direito de punir, ou seja, jus puniendi.
Assim, o direito de punir passando para as mãos do Estado começou a ser regulamentado, mas pouca coisa mudou, ainda se mantinha o talião, a composição e a própria vindita. No entanto, não era mais a vítima que impunha a pena, porém mantinha-se o instinto de crueldade e desproporcionalidade.
- Período humanitário
Foi a partir deste cenário de barbáries que se iniciou a luta contra a monstruosidade que era a aplicação das penas, tendo como principal e maior representatividade a obra Dei Delitti e Delle Pene (Dos delitos e das Penas), de Cesare Beccaria.
Para que melhor seja entendido o objetivo que os seguidores deste período buscavam, cita-se interessante passagem do já referido autor Pedro Rates Gomes Neto (2000, p. 34), com relação aos verdadeiros motivos que levaram a reivindicação deste movimento:
O povo, o mundo assistia calado, a uma verdadeira atrocidade. Criavam-se fórmulas as mais imagináveis e cruéis possíveis, para a execução dos transgressores. Uma vez sentenciado, o homem deixa de ser humano. Passa a ser tratado como animal. Talvez, como um animal de maior espécie, seu corpo é objeto se seviciais as mais impressionantes. E tudo é feito não só para afligir, senão também para humilhar ou como mero divertimento. Não bastava expor o homem a dor física. Era preciso que ele também se compadecesse moralmente. Mas o que mais impressiona é que o povo a tudo aplaudia.
Oportuno observar que em pleno século XXI, as mesmas questões levantadas em 1773 por Beccaria, são quase as mesmas, o que se constata total decadência da aplicação das penas e de um sistema prisional adequado.
Com a colaboração de Beccaria aos poucos as penas de morte, corporais e infamantes, foram sendo substituídas pelas penas privativas de liberdade e os presídios foram surgindo com o objetivo de ressocializar e reintegrar os presos à sociedade após o cumprimento da pena.
- Período Científico
De acordo com Gomes Neto (2000, p. 39), este período se pactuou com esta denominação puramente por questões pedagógicas. Para o autor, este período vê o delito “considerado como um fato individual e social, representando um sintoma patológico de seu autor. Por isso, a pena passa a atuar como um remédio, não mais como um castigo.”.
Com a chegada da Primeira Guerra Mundial, desaparece a União Internacional de Direito Penal, surgindo assim os regimes do fascismo, nazismo e comunismo, ameaçando os Direitos Humanos e restabelecendo penas cruéis como a pena de morte, na Itália.
Até aqui o que percebe é que a pena como meio de controle social, em todo o seu caminhar é marcada por avanços e retrocessos.
Com a Segunda Guerra Mundial, termina o então período científico e surge o período atual chamado de Nova Defesa Social.
- Período da Nova defesa social – período atual
Iniciou-se no ano de 1945 com a fundação do Centro de Estudos da Defesa Social, que visava o estudo dos diversos tipos de delinquentes, suas causas e responsabilidade penal.
O autor Evandro Lins da Silva (1991, p. 32), define o movimento representado neste período:
O Movimento de Defesa Social não tem propriamente uma unidade de pensamento, nem está filiado a qualquer escola filosófica. Ele tem uma concepção crítica do fenômeno criminal e o acompanha e estuda nas suas transformações, nas suas causas, nos seus efeitos, entendendo-o como resultado de uma diátese social, que deve ser curada racionalmente, através de uma política que respeite a dignidade da pessoa humana e resguarde os direitos do homem. Ele tem uma posição reformista quanto à atividade punitiva do Estado, que há de ser exercida de modo não dogmático, mas dentro de uma visão abrangente dos conhecimentos humanos. O movimento, como já notamos, repudia o álgido tecnicismo jurídico e, por isso, entende que a lei não é a única fonte do direito, mormente na sua aplicação.
Basicamente este período contempla a ideia de que a pena serve de proteção à sociedade, também de reeducação do delinquente através de um processo e um tratamento penal mais humano, de forma a contribuir para a ressocialização do delinquente levando em conta a proteção aos Direitos Humanos, à dignidade da pessoa humana e também a sociedade como um todo.
Nesse sentido, Marc Ancel (apud João Marcello de Araújo Junior, 1991, p. 66) considerava o movimento não como um simples programa, porém muito mais “tomada de consciência acerca de necessidades sociais e éticas novas, em face das antigas estruturas e de tradições obsoletas”.
Hodiernamente se introduziram novas conquistas no modo de punir os criminosos. Com o fim do absolutismo, a pena já não era uma reafirmação do poder do rei, mas sim uma represália em nome da sociedade. Com isso o delinquente tornou-se inimigo da sociedade.
Diante das novas conquistas liberais, em especial com a Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, os suplícios impostos pela pena foram se abrandando, exigindo que os povos encontrem uma forma, justa, de punir os infratores. Nesse contexto, a pena perde seu caráter religioso, uma vez que o predomínio da razão sobre as questões espirituais contribuiu para pôr fim ao caráter de penitência, inserido na anatomia dos suplícios.
Beccaria ressalvou que, a medida da pena deveria, então, seguir o critério da necessidade para salvaguardar a sociedade atingida pelo crime, como bem cita Franco Venturi (2003, p. 17):
[…] O nó que durante milênio se formou unido com mil fios pecado e delito, crime e culpa, foi cortado por Beccaria com um único golpe. Que a igreja, se o desejasse, se ocupasse dos pecados. Ao Estado cabia apenas a tarefa de avaliar e ressarcir o dano que a infração da lei havia acarretado ao indivíduo e à sociedade. O grau de utilidade ou não utilidade media todas as ações humanas. A pena não era uma expiação.
As teorias acerca da pena foram evoluindo. No final do século XIX, o alemão Franz Von Liszt (1951, pg. 221), afirmou que a certeza da punição exerce muito mais eficácia que uma pena rígida.
Araújo Junior, na matéria, Impunidade & Cia, para O Globo de 13 de maio de 1991, declarou:
[…] para o indivíduo que pretende cometer um crime, tanto faz que a pena cominada seja de um mês ou de dez anos de reclusão, ou mesmo a prisão perpétua, ou, ainda, a pena de morte. Ele irá delinquir, seja qual for a pena, desde que as oportunidades de impunidade lhe pareçam satisfatórias, desde que suas aquisições culturais lhe façam crer que o Sistema Penal não atuará em seu caso.
A pena deixa de ser retributiva e passa a utilizar medidas racionais de tratamento do delinquente, com o intuito de ressocializá-lo.
Observa-se que a Nova Defesa Social é um movimento com características de uma política criminal humanista, na pretensão de um Direito Penal de caráter preventivo e defensor dos direitos fundamentais do homem.
Em 1985 às ideias de Nova Defesa Social foram acrescidas propostas de estudos ligados a vitimologia, principalmente voltados para a assistência à vítima e à reparação do dano causado pelo crime, a chamada Justiça Restaurativa, adotado pela Assembleia Geral da Sociedade Internacional de Defesa Social, reunida em Milão.
A legislação brasileira encontra-se igualmente em consonância com o movimento de defesa social acima referido ao estabelecer meios eficazes para prevenir e reprimir a criminalidade organizada. Porém, a legislação atual distancia-se da corrente moderna de defesa social ao prever agravamento das sanções penais, com penas privativas de liberdade de longa duração (Lei de crimes Hediondos, 8.072, de 1990).
- Finalidades da pena
Em nossos dias pode-se afirmar que a compreensão do direito penal está diretamente relacionada com os resultados que ele deve produzir, tanto em relação ao indivíduo criminoso que é objeto da persecução estatal, como sobre a sociedade na qual atua. Além disso, é quase consonante, no mundo da ciência do Direito Penal, a fundamentação da necessidade da pena para os fins de garantir uma convivência harmônica na sociedade, desta forma acredita-se que, com a repressão e a intimidação do crime por meio da pena tal paz estará garantida. Nos dizeres de NUCCI (2007, p. 289), a pena tem por finalidade reprimir o crime por meio do tripé: castigo + intimidação e reafirmação do direito Penal + ressocialização.
A legislação brasileira estabelece que o juiz deva fixar a pena de modo a ser necessária e suficiente para a reprovação e a prevenção do crime, senão vejamos o que preconiza o artigo 59 do Código Penal:
Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.
Então, de acordo não somente com a doutrina penal, mas também com a legislação vigente, as penas são essenciais e devem ser satisfatórias para condenar e evitar o crime. Em outras palavras, o Estado, tem na pena a finalidade de demonstrar que desaprova toda conduta perversa praticada pelo homem, bem como toma precauções expressas para que os crimes não se repitam, usando a pena como forma de reafirmação do poder que o Estado possui sobre seus cidadãos, nesse sentido Bitencourt (2012, p. 273) afirma que:
[…] é quase unânime, no mundo da ciência do Direito Penal, a afirmação de que a pena justifica-se por sua necessidade. Muñoz Conde acredita que sem a pena não seria possível a convivência na sociedade de nossos dias. Coincidindo com Gimbernat Ordeig, entende que a pena constitui um recurso elementar com que conta o Estado, e ao qual recorre, quando necessário, para tornar possível a convivência entre os homens. Nesse sentido é possível deduzir que as modernas concepções do direito penal estão vinculadas às ideias de finalidade e função, o que explica sua estrita relação com as teorias da pena, meio mais característico de intervenção do Direito Penal.
No entanto, nos últimos tempos muito se tem debatido a respeito da função conferida a pena, uma vez que o índice de violência aumenta a cada dia, e que é público e notório nos debates de que esta não está alcançando sua finalidade, observado pela falência do sistema carcerário, não somente em Manaus, ou mesmo no Brasil, mas mundo afora.
Carnelutti (2001, p. 71), sobre a finalidade da pena de ressocialização, que na mesma medida em que esta deveria intimidar ela também deveria redimir o condenado, significando isto que a pena deveria curar a enfermidade deste, para tanto, o Estado deveria saber em que consiste tal enfermidade e colocar “médicos” treinados e capazes de ajustar a dose do tratamento conforme a resposta do paciente.
Para Carnelutti (2001, p. 70);
A penitenciária é, verdadeiramente, um hospital, cheio de enfermos de espirito, ao invés que do corpo, e, alguma vez, também do corpo; mas que singular hospital! No hospital, a priori, o médico, quando percebe que a diagnose está errada, corrige-a e retifica a terapia. Na penitenciária, ao contrário, é proibido assim fazer.
A pena com a finalidade de ressocialização se propõe a corrigir o desvio de conduta do cidadão dos padrões legais impostos, fazendo-o retomar ao convívio social de forma aceitável e harmônica com os padrões ali impostos, tendo-se assim, que aquele que infringe as regras, precisa de tratamento. É sabido que cada pessoa responde de forma diferenciada aos comandos, sejam psicológicos ou fisiológicos, daí que para Carnelutti (2001, p. 70, 71), os profissionais que atuam nas penitenciárias, muitas vezes até têm a boa vontade de contribuir para que a ressocialização aconteça, no entanto, estes são desprovidos do poder de decisão, pois estão ali para fazer cumprir a diagnose do juiz, o qual fez coisa julgada, logo, se este decidiu dez, vinte, trinta, não importa a prova do progresso da doença ou mesmo a piora, se o tempo foi suficiente ou insuficiente para o doente recuperar-se ou não, os profissionais ali irão se ativer apenas aos números.
Por fim resta claro que, a razão maior da pena é atingir o delito, da mesma forma que também é público e notório que o sistema penal em curso não está alcançando sua finalidade, isto é, não é uma pena extremamente dolorosa e desumana por si só que irá reeducar e regenerar um condenado.
Centro de grande parte das críticas, a ressocialização tão almejada com a pena não é presenciada no plano concreto. Com a clara intenção de recuperar o apenado, fazendo com que este indivíduo possa ser reinserido de forma satisfatória no convívio social e que não volte a delinquir, a pena vem descumprindo continuadamente seu mister, tal ineficácia acarreta prejuízos irreparáveis, como vidas inocentes ceifadas todos os dias e constantes rebeliões nos presídios superlotados Brasil a fora.
Apropriado se faz citar aqui as palavras de Luiz Carlos Valóis (2009, p. 02), quando então juiz da Vara de Execução Penal de Manaus:
Não foge à regra o Sistema Penitenciário do Amazonas, na ausência de opção e incentivo aos presos que aqui cumprem suas penas, fato que é resultado principalmente da cultura de massificação da pena privativa de liberdade que sempre está associada à falsa e enganadora obsessão pela segurança. E diante de tal quadro, outro fator tão importante quanto os demais para alcançarmos uma pena que cumpra verdadeiramente as funções previstas no art. 1°, da Lei de Execução Penal, isto é, a “harmônica integração social” do condenado, fator este que é a participação da sociedade, fica cada vez mais distante. Afastada a ideia de ressocialização do apenado, descumprido igualmente fundamento do nosso Estado Democrático de Direito que é a dignidade da pessoa humana. As normas de direitos humanos – e a legislação penitenciária é primordialmente uma delas – são sempre as menos cumpridas no Brasil. Aqui no Amazonas são cíclicas, dependo da humanidade do diretor de determinado estabelecimento penal, as preocupações com o mínimo para a sobrevivência daquele que perdeu somente a liberdade, conforme a lei e a constituição previram para a prática do crime cometido.
Percebe-se que a pena mesmo tendo sua finalidade definida, tanto na legislação como para doutrinadores, esta já não consegue alcançar o propósito para o qual se criou, pois o Estado não oferece as mínimas condições, e acaba indo além da pena privativa de liberdade e atingindo a dignidade do preso.
Entretanto, não se trata de uma chaga social a ser resolvida apenas pelo Direito Penal, vez que “a ressocialização, antes de tudo, é um problema político-social do Estado. Enquanto não houver vontade política, o problema da ressocialização será insolúvel.” (GRECO, 2010, p. 469). A corroborar tal entendimento, Paulo Queiroz (2008, p. 317) aduz que:
Castigar criminosos é necessário, mas não é o mais importante, porque problemas estruturais demandam soluções também estruturais. É preciso enfim ver o crime para além dos criminosos, pois a criminalidade é um problema sério demais para ser enfrentado apenas com direito penal. Além disso, o crime não é uma praga ou uma maldição, mas um problema humano e social, muito próximo e cuja existência inevitável devemos assumir com sensibilidade e solidariedade, em vez de ignorá-lo ou de afastá-lo de nossas reflexões com solenes declarações de guerra.
Existe um sem-número de críticas ao atual sistema de justiça penal, feitas dentro e fora do ambiente acadêmico. Este é, em verdade, um dos temas que mais interessa atualmente a sociedade brasileira, que procura alguma solução rápida para tanta violência e descrença na legislação penal vigente. Não é raro, ao se ler um jornal, que a maioria das notícias trate de crimes recentes, praticados, muitas vezes, por delinquentes em liberdade provisória, recém-saídos da penitenciária ou até mesmo ainda reclusos, o que fortalece a conclusão de que nosso sistema jurídico-penal não recupera os malfeitores.
Considerando os efeitos nocivos da prisão, já bastante difundidos no meio jurídico local e até mesmo internacional, muitos doutrinadores defendem novas soluções para os conflitos sociais. Para Bitencourt, se comparado aos europeus, o Brasil possui um dos melhores róis de penas alternativas ao encarceramento, no entanto, a falta de vontade política caba por tornar inviável sua aplicação, pois os governantes não fornecem a infraestrutura necessária mínima para seu cumprimento, acarretando um enfraquecimento do judiciário no uso de tais alternativas penais. “Criar alternativas à prisão, sem oferecer as correspondentes condições de infraestrutura para o seu cumprimento, é uma irresponsabilidade governamental que não se pode mais tolerar.” (Bitencourt, 2012, p. 106).
Corrobora Scuro Neto (2004, p. 4), ao sintetizar o modelo retributivo da seguinte forma:
Depois de um processo em que não pode participar ativamente, a vítima tende a sentir que foi agredida novamente. Os infratores, por seu turno, “pagam” pelo que fizeram sem se importar com reabilitação. Os juízes cada vez pressentem que estão sendo pressionados a “inventar condenações” na hora de prolatar sentenças. Os custos judiciais crescem à medida que os processos tornam-se mais longos e complicados. O processo retributivo de justiça [receber da sociedade tratamento equivalente ao que foi tirado ou feito], tradicionalmente centrado no infrator e no Estado, tornou-se um anacronismo, não admitindo sanções que não sejam de caráter tutelar.
Por fim, entende-se que na mesma medida em que a forma de Estado evoluiu, o Direito Penal também evoluiu. Seguindo tal evolução, a forma de aplicação das penas, conforme visto anteriormente, mudanças seguidas de um forte apelo político ideológico em todo o seu decurso, no entanto, muito ainda se pode fazer, considerando que os problemas sociais ainda continuam se agravando, refletidas nas constantes rebeliões desencadeadas nos presídios pelo país afora, causando perplexidão e levando insegurança a toda a sociedade.
- A prisão como pena
Nos tempos atuais com a realidade do capitalismo, o controle da solução de conflitos passou a ser do Estado, quando então, alguns anos após, passaram a serem construídos os institutos de reclusão, com o objetivo de que lá os condenados fossem cumprir a sua pena.
Tem-se que a pena de prisão teve sua origem nos mosteiros da Idade Média e sofreu modificações de toda espécie ao longo da história, buscando a garantia da segurança. No entanto, análise real é que com a prisão o Estado tenta realizar durante o cumprimento da pena, tudo quanto deveria ter proporcionado ao cidadão, em época conveniente e não o fez.
Para cumprirem penitência, os pecadores eram colocados em local fechado no subsolo dos templos da Igreja Católica para refletirem sobre o erro praticado e execra-lo. Daí a origem do termo penitenciária, empregado para denominar estabelecimentos penais de maior porte.
As penas de privação de liberdade, como as que se tem atualmente, foram imensamente ignoradas durante a Antiguidade. As punições fundavam-se no suplício e a pena de prisão era aplicada apenas como modo de custódia, ou seja, a guarda dos delinquentes até o momento do julgamento ou da execução da pena.
Não obstante, ainda que a restrição de liberdade se dedicasse apenas à vigilância dos malfeitores, são remotos os tempos em que se tem a prisão nos regimes processuais penais atuais.
Nessa linha de pensamento, Bitencourt (2017, p. 42) relata: “A Antiguidade desconheceu totalmente a privação de liberdade estritamente considerada como sanção penal. Embora seja inegável que o encarceramento de delinquentes existiu desde tempos imemoráveis, não tinha caráter de pena e repousava em outras razoes”.
A pena como privação da liberdade não foi conhecida nem mesmo pela civilização helênica e nem pela romana, conforme afirma Bittencourt (2011, p. 29).
Gudín Rodriguez (2014, p. 27), “La prisión aparece relativamente tarde, (…) Por tanto, se buscan otras soluciones tales como la esclavitud, el maltrato físico, La mutilación o la muerte.”
E continua,
En sus primeros momentos la prisión es un establecimiento destinado a la custodia de los reclusos. En la antigüedad salvo casos excepcionales, los delincuentes convictos no quedaban confinados en prisiones, sino que eran sometidos con penas corporales o pecuniarias. Así, las penas privativas de la libertad, son un concepto relativamente moderno.
No entanto, Garrido Guzman (1976) garante que, ainda que a prisão tivesse caráter geral de custódia, o direito romano permutava entre a pena de morte e a prisão perpétua, assim como na Grécia, que havia a prisão por dívida, como forma de quitação dos devedores.
Nesse sentido constata Bitencourt (2017, p. 45),
Grécia e Roma, pois expoentes do mundo antigo conheceram a prisão com a finalidade eminentemente de custódia, para impedir que o culpado pudesse subtrair-se ao castigo. Pode-se de dizer, com Garrido Guzman, que de modo algum podemos admitir nesse período da história sequer um germe da prisão como lugar de cumprimento de pena, já que o catálogo de sanções praticamente esgotava com a morte, penas corporais e infamantes. A finalidade da prisão restringia-se a custodia dos réus até a execução das condenações referidas.
Percebe-se que, a doutrina em geral entende que a prisão, até então, não era concebida como pena, mas apenas tinha caráter de tutela, aguardando a sentença.
Corrobora com este entendimento o autor Hans Von Hentig, citado por Bitencourt (2017, p. 14):
Por isso, a prisão era uma espécie de antessala de suplícios. Usava-se a tortura, frequentemente, para descobrir a verdade. Von hentig (La ena, p.158) acrescenta que as masmorras das casas consistoriais e as câmaras de tortura estavam umas ao lado das outras e mantinham os presos até entregá-los ao Monte das Orcas ou às Pedras dos Corvos, abandonando, amiúde, mortos que haviam sucumbido à tortura ou a febre do cárcere […].
No século XVII, a prisão sofreu mudanças quanto a sua função, mantinha o caráter de custódia, mas com o objetivo de amedrontar a sociedade, ainda não com a intenção se ressocializar o infrator, conforme retrata Foucault (2013, p. 09), ao descrever a condenação de um homem pelo crime de parricídio:
[…] a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [onde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acessa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na Praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e ás partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, pinche em fogo, cera e enxofre derretido, óleo fervente, pinche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.
Nessa mesma época surgem as prisões eclesiásticas, dirigidas aos membros do clero, os quais eram apenados com a penitência e a meditação. Em outro diapasão estavam as prisões de Estado, voltadas aos presos políticos, inimigos do poder real, os que praticavam crimes de traição.
Apesar de existir raízes da prisão moderna com a prisão eclesiástica medieval, Bitencourt (2017, p. 47), no entanto, assevera que não se deve exagerar na comparação entre o sentido e o regime da prisão canônica e a prisão moderna, já que não são equiparáveis. Trata-se de um antecedente importante da prisão moderna, mas não se devem ignorar suas fundamentais diferenças.
A pena de prisão aos poucos é inserida como forma de sanção, no entanto, somente para crimes leves, tais como vadiagem e ociosidade, como bem frisa Gudín Rodriguez (2014, p. 05):
Pronto siguieron el ejemplo de Londres otras ciudades inglesas y continentales que abrieron casas de trabajo para recluir a los acusados de delitos menores, estas no actuaron positivamente en la readaptación del sujeto, ya que el trabajo en ellas desarrollado no tendía a su función transformadora.
Observa-se que, de forma contida, a pena com caráter de ressocialização e prevenção começa a ser usada.
Nessa perspectiva, Bitencourt (2017, p. 52), esclarece:
A suposta finalidade da instituição, dirigida à mão de ferro, consistia na reforma dos delinquentes por meio de trabalho e disciplina. O sistema orientava-se pela convicção, como todas as ideias que inspiravam o penitenciarismo clássico, de que o trabalho e a férrea disciplina são meios indiscutíveis para a reforma do recluso. Ademais, a instituição tinha objetivos relacionados com a prevenção geral, já que pretendia desestimular outros para vadiagem e a ociosidade. Outra de suas finalidades era conseguir que o preso, com as suas atividades, ‘pudesse autofinanciar-se e alcançar alguma vantagem econômica’.
Ainda não se tem o fim por completo das penas corporais, considerando que os crimes mais graves mantinham suas sanções com penalidades físicas e penas capitais.
Os códigos penais, apesar de ainda acreditarem na pena corporal como forma de reabilitação, ao contrário da Idade Antiga e da Idade Média, agora já se aliava a esta penalidade o trabalho e a educação, demonstrando um avanço na aplicação das penas.
Diante de uma nova conjuntura socioeconômica capitalista, surge a concepção de prisão como a prisão pena, abandonando o antigo aspecto cautelar, nesse contexto surge os reformistas Cesare Beccaria, Jhon Howard e Jhon Bentham, levando em conta as novas concepções idealistas.
Vale aqui falar um pouco do pensamento de cada um desses reformistas humanitários, começando por Beccaria (1986, p. 10), para o qual:
Por conseguinte, só a necessidade constrange os homens a ceder uma parte de sua liberdade; daí resulta que cada um só consente em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, isto é, precisamente o que era preciso para empenhar os outros em mantê-lo na posse do resto. O conjunto de todas essas pequenas porções de liberdade é o fundamento do direito de punir. Todo exercício do poder que se afastar dessa base é abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; é uma usurpação e não mais um poder legítimo.
De início, Beccaria se sobressai abolindo o sistema criminal desumano e ineficiente, abordando o contrato social como legitimador do direito de punir pelo homem, o qual sacrificando uma parte de sua liberdade seria agraciado do resto com mais segurança.
Seguindo o pensamento de Beccaria, Foucault (2013, p. 222), declara que o: “Isolamento do condenado em relação ao mundo exterior, a tudo o que motivou a infração, às cumplicidades que a facilitaram. Isolamento dos detentos uns em relação aos outros. Não somente a pena deve ser individual, mas também individualizante”.
Defensor da pena como prevenção ao crime e não mais como vingança do Estado, Howard inseriu a importância da gestão do sistema carcerário através da fiscalização por meio dos poderes dos magistrados ou mesmo dos carcerários, a ética e o controle social nas unidades prisionais, diferente ao conceito tradicional trazido sobre o sistema carcerário – o qual acreditava na pena ligada imediatamente à dor, ao sofrimento.
Por fim, Bentham preocupou-se com as condições da prisão, destacando que eram propícias à reincidência, considerando que estruturas impróprias e o Estado ocioso do preso, eram improprias a atender seus objetivos.
Mais do que aos modelos de encarceramento punitivo, Foucault (1979, p. 20), recorre a outras questões para entender o aparecimento da prisão como uma pena uniforme na modernidade:
Seguindo os procedimentos da genealogia nietzschiana, ele atenta não para a Ursprung (origem) da prisão, mas para a sua Herkunft (proveniência): não se trata de modo algum de reencontrar em um indivíduo, em uma ideia ou um sentimento as características gerais que permitem assimilá-los a outros (…) mas de descobrir todas as marcas sutis, singulares, sub individuais que podem se entrecruzar nele e formar uma rede difícil de desembaraçar; longe de ser uma categoria da semelhança, tal origem permite ordenar, para colocá-las a parte, todas as marcas diferentes.
Uma série de mecanismos de controle dos indivíduos se formou durante o século XVIII, e foram ganhando força, estendendo-se por toda a sociedade e, finalmente, impondo-se como prática penal a pena de prisão.
Nesse sentido, mesmo que os efeitos fáticos dos presídios sejam a exclusão, estes têm como finalidade primeira fixar os indivíduos em um aparelho de normalização dos homens, estando assim a prisão estabelecida como instituição de regramento dos indivíduos, no entanto, o Estado deve impor-se limites nesse regramento, como leciona, Greco (2010, p. 461):
Contudo, em um Estado Constitucional de Direito, para usarmos a expressão de Luigi Ferrajoli, embora o Estado tenha o dever/poder de aplicar a sanção àquele que, violando o ordenamento jurídico-penal, praticou determinada infração, a pena a ser aplicada deverá observar os princípios expressos, ou mesmo implícitos, previstos em nossa Constituição Federal. Em nosso país, depois de uma longa e lenta evolução, a Constituição Federal, visando proteger os direitos de todos aqueles que, temporariamente ou não, estão em território nacional, proibiu a cominação de uma série de penas, por entender que todas elas, em sentido amplo, ofendiam a dignidade da pessoa humana, além de fugir, em algumas hipóteses, à função preventiva, como veremos mais adiante. O inciso XLVII do art. 5º da Constituição Federal, diz, portanto, que não haverá penas: a) de morte, salvo no caso de guerra declarada, nos termos do seu art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.
O que se percebe é que, no Brasil, com os limites impostos pela Constituição Federal e nas Leis infra, já se evoluiu nos controles dos regramentos das penas de prisão, no entanto, na prática pouco se percebeu de efetiva mudança, aonde já existe a expressão da preocupação com integridade física dos condenados por meio dos mecanismos de controles da atuação dos profissionais de segurança pública, ainda muito se precisa fazer para atender aos princípios constitucionais impostos, principalmente no que concerne a estrutura dos presídios.
Greco (2010, p. 464), se manifesta dizendo que:
Hoje, percebe-se haver, pelo menos nos países ocidentais, uma preocupação maior com a integridade física e mental, bem como com a vida dos seres humanos. Vários pactos são levados a efeito por entre as nações, visando à preservação da dignidade da pessoa humana, buscando afastar de todos os ordenamentos jurídicos os tratamentos degradantes e cruéis. Cite-se como exemplo a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, três anos após a própria constituição da ONU, que ocorreu em 1945, logo em seguida à Segunda Grande Guerra Mundial, em que o mundo assistiu perplexo, ao massacre de, aproximadamente, seis milhões de judeus pelos nazistas, com a prática de atrocidades tão desumanas […].
Diferentemente das teorias o que se percebe, por meio da mídia e por meio da insatisfação do judiciário e dos presos, é que na prática muito ainda se precisa fazer em políticas prisionais de forma a aproximar as diversas teorias humanitárias de ressocialização dos infratores, principalmente na aplicação de penas alternativas, tais como a retirada de bens materiais do infrator e repasse ao ofendido como forma de punição e satisfação da vítima.
- Pena nos crimes hediondos
Inicialmente faz-se necessário compreender o que se entende por crime hediondo, o qual segundo o Dicionário Jurídico (2019, p. 1), “é o crime considerado de extrema gravidade. Em razão disso, recebe um tratamento diferenciado e mais rigoroso do que as demais infrações penais. É considerado crime inafiançável e insuscetível de graça, anistia ou indulto”.
Corroborando com esse entendimento os doutrinadores (Silva Franco; Lira; Felix, 2011, p. 160) “[…] ser definido como todo delito que se pratique com violência à pessoa, provocando, pela gravidade do fato ou pela maneira de execução, intensa repulsa social e cujo reconhecimento decorra de decisão motivada de juiz competente”.
Em outras palavras, o crime hediondo é aquele considerado repugnante, bárbaro ou monstruoso, com instinto de crueldade.
Introduzido na Constituição Federal no art. 5º, inc. XLIII, prever que eles são considerados inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia. Além disso, estabelece que também responderão pelo crime os mandantes, os executores e os que, podendo evita-los se omitiram.
Percebe-se que o legislador deu tratamento mais rigoroso que aos demais crimes.
- Lei n° 8.072 de 1990 – Lei dos Crimes Hediondos
A intensa violência urbana e o sentimento de repulsa que amedrontavam a população dos grandes centros urbanos brasileiros, desencadeando o movimento da Lei e da Ordem que trazia a ideia de repressão à criminalidade de forma implacável, tendo grande influência no clamor do público para a criação de leis mais severas, culminando com o conflito na Assembleia Constituinte entre dois posicionamentos a respeito da criminalidade, muito embora, conflitantes se destinavam ao um mesmo fim repressivo. Por um lado defendia-se a criminalização, sob cláusulas duras, de manifestações de racismo, de ações contra o Estado Democrático de Direito e da tortura, por outro, entendia-se que ás mesmas cláusulas duras se sujeitassem a luta revolucionária, sob designação de terrorismo, o tráfico ilícito de entorpecentes e outros crimes considerados particularmente graves. Sendo este o ponto de partida para a criação da lei de Crimes Hediondos no ano de 1990.
No entanto, passados mais de vinte anos de sua promulgação, o que se percebe é que, não foram alcançados os resultados pretendidos, pois a violência e a criminalidade continuam crescendo e causando insegurança à sociedade.
- Rol de crimes hediondos e os tipos a eles equiparados
Conforme descrito na Lei n° 8.072 de 1990, o rol de crimes hediondos são:
Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:
I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado;
I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;
II – latrocínio;
III – extorsão qualificada pela morte;
IV – extorsão mediante sequestro e na forma qualificada;
V – estupro;
VI – estupro de vulnerável;
VII – epidemia com resultado morte;
VII-B – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais;
VIII – favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável.
Parágrafo único. Consideram-se também hediondos o crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, e o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, todos tentados ou consumados.
Os crimes hediondos, conforme descrito acima, estão previstos no Código Penal, exceto o genocídio previsto em lei penal extravagante.
A Lei n. 8.072/90 definiu, ainda, em seu art. 2º, caput, os crimes que foram equiparados a hediondos pela Constituição Federal, quais sejam a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo, que mesmo considerados graves não entraram no rol de hediondos, mas receberam o mesmo tratamento mais severo previsto para aqueles.
O art. 5º, inc. XLIII, da Constituição Federal prevê que os crimes hediondos são crimes insuscetíveis de graça ou anistia, além de serem considerados inafiançáveis.
Na redação original, no art. 2º, inc. II, da lei, além de vedar a possibilidade de fiança, considerou também que seria inadmissível a concessão de liberdade provisória aos crimes hediondos e aos a eles assemelhados, gerando grande discussão pela doutrina, com a promulgação da Lei n. 11.464/2007, foi retirada a locução “liberdade provisória” do art. 2º, inc. II da Lei n. 8.072/90, mantendo a impossibilidade de fiança, ajustando assim, a Lei dos Crimes Hediondos aos moldes do texto constitucional.
Assim, pode-se dizer que a liberdade provisória sem fiança, conforme prevista no art. 310 do Código de Processo Penal, se aplica a qualquer infração penal, incluindo as inafiançáveis, como os crimes hediondos e aqueles equiparados.
Nesse sentido:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. É entendimento predominante nesta Corte que a circunstância de o delito ser hediondo não impede, por si, eventualmente, o deferimento de liberdade provisória (Precedentes).
(STJ – REsp: 253985 MT 2000/0031588-5, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 20/06/2002, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 19.08.2002, p. 188<BR>RJADCOAS vol. 40 p. 566).
Para o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, fiança é (2015, p. 1):
A fiança paga por uma pessoa acusada criminalmente, segundo o Código de Processo Penal (CPP), é uma caução que serve para eventual pagamento de multa, de despesas processuais e de indenização no caso de sua condenação judicial transitada em julgado (definitiva). Após pagar a fiança ela passa a responder ao processo em liberdade, mas deve cumprir algumas obrigações.
O inc. XLIII, do art. 5º, da Constituição Federal, considerou como “crimes inafiançáveis (…) a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos”. Essa vedação também está presente na Lei n. 8.072/1990 em seu art. 2º, inciso II, com a redação determinada pela Lei n. 11.464/2007.
Esta proibição não impede, contudo, a concessão de liberdade provisória sem fiança, já que não há restrição constitucional e a vedação afrontaria os princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal.
Assim, a Constituição, vedou a liberdade provisória com fiança, mas permitiu a liberdade provisória sem fiança. Muitos criticam este entendimento, entendendo ser ele contrário ao espírito da legislação constitucional.
- Dos Princípios Constitucionais penais
No bojo da Constituição Federal de 1988, têm-se vários princípios, principalmente em relação ao direito penal, alguns expressos e outros implícitos no texto, por esta matéria está ligada à liberdade das pessoas.
O caráter constitucional dos princípios decorre da limitação ao poder punitivo do Estado, imposta ao se situar a pessoa humana no centro do sistema prisional. Tais princípios disciplinam matérias penais constitucionalmente relevantes e que, por isso, devem ser observados pelo legislador na elaboração da norma penal, condicionando o conteúdo da matéria penalmente disciplinada.
Em relação à pena, estão expressamente previstos no texto constitucional os princípios da legalidade, da personalidade, da individualização e da humanização. Ademais, o texto constitucional permite extrair princípios implícitos, que não serão objeto de nosso estudo.
- Princípio da legalidade
Citado no artigo 5º da CF, inciso II, significa que uma pessoa não será obrigada a fazer ou deixar de fazer algo, exceto se esta situação estiver prevista na lei. “Não por força, mas sim pela lei:” II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
E segue a CF/88, no mesmo artigo, “XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Decorrem deste princípio outros, tais como: princípio da legalidade penal, o princípio da reserva legal, o princípio da anterioridade e o princípio da taxatividade. Em suma, as características destes quatro princípios geram consequências no princípio da legalidade.
- Princípio da personalidade ou pessoalidade
Encontra-se expresso na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5°, inciso XLV. Sua origem deriva dos filósofos do iluminismo, sendo previsto em quase todas as Constituições Federais.
Em tempos antigos, as penas corporais, pecuniárias ou infamantes poderiam atingir todo o grupo social, os clãs ou, ainda, os familiares do condenado, como já estudado anteriormente.
No entanto, o que se extrai do dispositivo constitucional é que nenhuma pena poderá passar da pessoa do condenado, assim, ninguém responderá por crime que não cometeu ou, ao menos, colaborou com sua consumação.
Ressalta-se que, há exceção ao princípio da personalidade, por exemplo, na legislação ambiental, que prevê que a pessoa jurídica pode responder penalmente pelas condutas lesivas ao meio ambiente.
- Princípio da individualização da pena
A individualização da pena é, antes de tudo, um direito constitucional – 5º inc. XLVI, 1ª parte, nos exatos termos: “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:”
Por esse princípio, a pena deve ser individualizada nos planos legislativo, judiciário e executório, evitando-se a padronização a sanção penal. Para cada crime tem-se uma pena que varia de acordo com a personalidade do agente, o meio de execução etc.
Nos termos do artigo 5º da LEP, os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal.
Após a reformulação da LEP em 2003 o Artigo 6º passou a ter a seguinte redação: “A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório”.
A finalidade do princípio da individualização da pena é a de buscar uma adequação da pena ao delito, garantindo também a eficácia da sanção penal aplicada, utilizando-se de um método individualizador para que o condenado não sofra mais do que o prescrito em lei e possa exercer os direitos que não foram atingidos pela pena.
- Princípio da humanidade (dignidade da pessoa humana)
Inicialmente vale aqui tentar demonstrar o que seria dignidade. No Dicionário Aurélio encontram-se alguns significados, sendo eles: respeitabilidade, autoridade moral, honra, decência, honestidade, etc. Todavia não são apenas essas as características englobadas pelo princípio em questão, pois, o conceito de dignidade humana, dada sua grandiosidade é de imensa complexidade.
A Constituição Federal de 1988, introduz o princípio da dignidade da pessoa humana no ordenamento no art. 1º, III, nos termos do Artigo 1ºA República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana; […].
O Min. Celso de Mello, em decisão ao HC 85988-PA / STJ – 10.06.2005, defende ser a dignidade humana o princípio central de nosso ordenamento jurídico, sendo significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país, além de base para a fundamentação da ordem republicana e democrática.
Alexandre de Moraes (2005, p. 128) a conceitua da seguinte forma:
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
Por fim, entende-se que é de sumária importância o princípio em estudo, haja vista sua ingerência em qualquer área do direito. Há de se considerar, ainda a questão cultural, pois, obviamente que, sendo tal princípio de amplitude geral, incide também em normas internacionais, portanto, é necessária a observância dos costumes para sua alegação.
A declaração do valor preferencial da pessoa humana terá como consequência lógica ação afirmativa de direitos específicos de cada homem, o reconhecimento de que, na vida social, ele, homem, não se confunde com a vida do Estado, além de provocar, segundo Reale (1996, p. 04), “deslocamento do Direito do plano do Estado para o plano do indivíduo, em busca do necessário equilíbrio entre a liberdade e a autoridade”.
Ao se utilizar da terminologia empregada por Miguel Reale (1996, p. 277), constatamos, historicamente, a existência de, basicamente, três compreensões da dignidade da pessoa humana: individualismo, transpersonalismo e personalismo.
No individualismo o ponto de partida centra no indivíduo, partindo da ideia de que cada homem, cuidando dos seus interesses, protege e realiza, indiretamente, os interesses coletivos.
Tem-se o oposto com o transpersonalismo, onde se compreende que é realizando o bem coletivo, o bem do todo, que se protegem os interesses individuais; não existindo harmonia natural entre o bem do indivíduo e o bem do todo, devem prevalecer, sempre, os valores coletivos. Nega-se, portanto, a pessoa humana como valor supremo. Enfim, a dignidade da pessoa humana realiza-se no coletivo.
A terceira corrente denominada de personalismo se opõe, seja a existência da harmonia espontânea entre indivíduo e sociedade, seja a subordinação daquele aos interesses da coletividade. Nesta teoria o que se busca é a compatibilização entre os valores individuais e valores coletivos.
Em Kant (1993, p. 68), tem-se que “o homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade”, para Kant o que torna o ser humano dotado de dignidade especial é que ele nunca pode ser meio para os outros, mas fim em si mesmo.
Ora, se a Constitucional preconiza que a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, conclui-se que o Estado existe em função de todas as pessoas e não estas em função do Estado. Aliás, de forma precípua, o constituinte reforçou essa ideia e colocou o capítulo dos direitos fundamentais antes do capítulo que trata da organização do Estado.
Logo, as ações do ente estatal devem ser avaliadas, sob pena de inconstitucional por violar a dignidade da pessoa humana, esta se torna, portanto, paradigma avaliativo de cada ação do Poder Público e um dos elementos imprescindíveis de atuação do Estado brasileiro.
Daí falar-se, que são “conditio sine qua non” do Estado constitucional democrático, pois apresentam não apenas um caráter subjetivo, mas também cumprem funções estruturais,
Isto posto, é conveniente ao nosso estudo uma análise do direito penal e o princípio da dignidade da pessoa humana na atualidade, sendo o que se passará a analisar.
- O direito penal e o princípio da humanidade na atual realidade jurídico social.
O Direito Penal passou por constantes evoluções ao longo da história. De modo que, as penas, ao longo do tempo, foram perdendo o caráter de castigo e severidade extrema, passando a exercer um papel de corrigir ou “emendar” o apenado. A possibilidade de punir saiu da autotutela e concedeu ao Estado esse poder, baseado no fato de que a pessoa lesada não é capaz de aplicar a penalidade naquele que lhe ofendeu.
Vitor Roberto Prado citado por Bitencourt (2012, p. 21), lembra que o princípio da humanidade, “sustenta que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem constituição físico-psíquica dos condenados”.
O que se busca, portanto, é corrigir sem desrespeitar a dignidade do condenado, nesse sentido, pode-se entender que o princípio da humanidade repele a tortura, as penas cruéis, os maus tratos e qualquer condição que represente violação da dignidade da pessoa humana. Esse olhar humanitário compreende que o Direito é produto dos interesses humanos e seus destinatários são os próprios seres humanos.
Tem-se que a detenção penal deve ter por função essencial a transformação do comportamento do indivíduo. A pena no olhar jurídico-social exerce a função de reeducar e ressocializar o apenado. Portanto, não é permitida que a pena ultrapassasse isso, do limite necessário a manutenção da organização e da sensibilidade humana. O que se espera do Direito é que este não se torne conivente com as barbáries e cóleras desatinadas que dão ocasião a uma desproporcional pena ao ser humano que cometeu crime.
Nas palavras de Michel Foucault (1987, p. 63), tem-se uma consideração interessante, “no pior dos assassinos, uma coisa pelo menos deve ser respeitada quando punimos: sua ‘humanidade’”.
Nesse sentido, entende-se que por mais deplorável que seja o criminoso, não se pode deixar de considerar que apesar de tudo, trata-se de um ser humano, devendo então ser tratado como tal.
A constituição Federal de 1988, no artigo 5°, XLVI, alíneas a,b,c,d,e, limita o conteúdo das penas a serem adotadas, permitindo restrição de liberdade, perda de bens, multa, prestação social e suspensão ou interdição de direitos.
Ainda nesta discussão, Foucault (1987, p. 83), discorre o seguinte, “sob a humanização das penas, o que se encontram são todas essas regras que autorizam, melhor, que exigem a ‘suavidade’, como uma economia calculada do poder de punir”.
Entende-se que, o ideal de humanização da pena, não pode ser tal que represente impunidade ou mesmo injustiça, mas a persecução pela função social da pena deve ser mantida, que é de buscar ressocializar a pessoa que cometeu o delito. Isso torna necessário pensar na pena como pressuposto de cura ou “emenda” do delinquente. Logo, o ideário de penas rigorosas deve ser exterminado, pois, matar aquele que matou, a perda da mão para aquele que furtou, seria retornar a um passado bem distante, parece ser proporcional naquela antiga perspectiva de “olho por olho, dente por dente”, e, revela severidade bem maior até que a do condenado que cometeu um delito.
Então o valor maior do Princípio da Humanidade exige, na atual conjuntura, um olhar mais humanitário sobre a pena, sabendo que esta deve visar somente conduzir o apenado a uma possibilidade de redirecionamento de sua conduta, e isso justamente por entender que a pena já não é dotada de um caráter de castigo e suplício.
O potencial humanitário da Constituição Federal é notado ainda, no artigo 5º, III, “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, logo, predomina o entendimento que a tortura e o tratamento desumano consistem em total violação do respeito ao ser humano, assim, penalidades nesse nível são reprováveis, mesmo que na história passada já se tenha experimentado penas desta natureza.
Segundo a Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual, o Brasil é signatário, em seu artigo 5º, alínea 6, “as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e readaptação do delinquente”.
Percebe-se assim, que existe estreita comunicação entre o Direito Penal e o Constitucional, na perspectiva de respeitar a ordem hierárquica das normas e consolidar os valores e princípios que protegem a pessoa humana de atrocidades e desregramentos punitivos.
O princípio da humanidade indica a reinterpretação do que se pretende com ‘reeducação e reinserção social’, uma vez que, se forem aplicados coativamente implicarão atentado contra a pessoa como ser social. Temos aqui a perspectiva de função social da pena que é justamente cuidar de “curar” aqueles que possuem enfermidades comportamentais que por certas atitudes entram em conflito com os princípios sociais e o ordenamento jurídico.
CAPÍTULO 2: DO SISTEMA PENITENCIÁRIO
Faz-se necessário incialmente compreender o que se entende por sistema penitenciário, que seguindo os parâmetros legais, a Lei n° 7.210/74 em seu artigo 82 preconiza da seguinte forma: “Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança ao preso provisório e ao egresso”.
Pode se dizer que, estabelecimentos penitenciários são os locais onde os indivíduos infratores são colocados, sendo um gênero que possui várias categorias diferentes de instalações.
Mirabete alega que:
Doutrinariamente, estabelecem-se outras classificações, como a referente à situação legal do condenado (para condenados e para presos provisórios), a que leva em conta o grau de sentença (de segurança máxima, de segurança média, prisão aberta) ou que se refere à natureza jurídica da sanção (para cumprimento da pena e para cumprimento da medida de segurança) (2007, p. 251).
Percebe-se que não existe uma concepção bem definida, Mirabete, traz uma ideia do que poderia vir a ser, esclarecendo que tal sistema seria um conjunto de elementos voltados para o cárcere, formando um todo na busca pelo cumprimento da pena pelo condenado recuperando-o e devolvendo-o à sociedade. Ainda de acordo com Mirabete (2007, p. 250), “Nem sempre, pois, se teve a consciência da interligação entre o sistema penitenciário e as edificações destinadas ao cumprimento das penas privativas de liberdade”.
Ferreira e Valois (2010, p. 102), citando Pimentel, afirmam:
Trazendo um posicionamento oposto ao encampado pelas legislações citadas, Manoel Pedro Pimentel denominou Sistema Penitenciário considerando apenas seus fundamentos e regras: “Os sistemas penitenciários representam corpos de doutrinas que se realizam através de formas políticas e sociais constitutivas das prisões”. Esse ilustre professor leciona que as formas de administração das prisões e os modos pelos quais se executam as penas devem ser, na verdade, denominados “regimes penitenciários”. (Grifo do autor)
De forma exuberante, Guilherme de Souza Nucci afirma a respeito dos estabelecimentos penais que:
São os lugares apropriados para o cumprimento da pena nos regimes fechado, semiaberto e aberto, bem como para as medidas de segurança. Servem, ainda, exigindo-se a devida separação, para abrigar os presos provisórios. Mulheres e maiores de sessenta anos devem ter locais especiais (art. 82, &1°, LEP) (2015, p. 971).
Ferreira e Valois (2010, p. 103), buscam dá um conceito mais completo para Sistema Penitenciário assim afirmando:
Podemos assim conceituar Sistema penitenciário como todo aquele que se institui na intenção de estabelecer um regime apropriado ao cumprimento das penas, de modo que se possam conseguir certos efeitos de regeneração ou de correção dos condenados, e se lhes dê uma assistência mais humana, recolhendo-os e os abrigando em edifícios ou estabelecimentos, construídos especialmente, segundo os princípios e regras aconselhadas.
Percebe-se que os autores buscaram unir os conceitos, deixando de falar meramente das edificações, mas também do objetivo da pena e responsabilidade pelo correto cumprimento desta.
- A realidade do sistema penitenciário brasileiro
Muito se tem falado sobre a precariedade e até mesmo a falência do atual sistema penitenciário brasileiro, os fatos que se acompanha no dia a dia pela mídia confirmam tal ideia, pois o que se percebe é que pouco importância se dá à humanização da pena e valorização da pessoa humana. Tem-se que a reincidência é hoje um problema crônico, tornando-se uma barreira ao convívio pacífico e harmonioso entre as pessoas.
Não são poucos os indicadores que espelham a precariedade do sistema penitenciário brasileiro. Embora as condições de vida no interior das penitenciárias sejam desiguais quando consideradas sua inserção nas diferentes regiões do país, traços comuns indicam a má qualidade da vida: superlotação; condições sanitárias elementares; alimentação em mau estado; débil assistência médica, judiciária, social, educacional e profissional; violência incontida transpassando as relações entre os presos ou entre estes e os agentes penitenciários; rebeliões, fugas, ocorrentes quase diariamente na maioria das prisões, enfim, o criminoso se aperfeiçoa cada vez mais no universo do crime.
Leal (1998, p. 56), assim define as prisões atuais:
Prisões onde estão enclausuradas milhares de pessoas, desprovidas de assistência, sem nenhuma separação, em absurda ociosidade; prisões infectas, úmidas, por onde transitam livremente ratos e baratas e a falta de água e luz é rotineira; prisões onde vivem em celas coletivas, imundas e fétidas, dezenas de presos, alguns seriamente enfermos, como tuberculosos, hansenianos e aidéticos; prisões onde quadrilhas controlam o tráfico interno da maconha e da cocaína e firmam suas próprias leis; prisões onde vigora um código arbitrário de disciplina, com espancamentos frequentes; prisões onde detentos promovem uma loteria sinistra, em que o preso, “sorteado” é morto, a pretexto de chamarem a atenção para suas reivindicações; prisões onde muitos aguardam julgamento durante anos, enquanto outros são mantidos por tempo superior ao da sentença; prisões onde, por alegada inexistência de local próprio para a triagem, os recém-ingressos, que deveriam submeter-se a uma observação científica, são trancafiados em celas de castigo, ao lado de presos extremamente perigosos.
A superlotação é uma realidade presente na maior parte das prisões brasileiras, o que acaba se dando origem imediata a muitos problemas, sobretudo a promiscuidade que promove toda sorte de contaminação – patológica e criminológica. Esse quadro agrava-se devido ao expressivo contingente da população encarcerada nos presídios, nos quais se encontram indiferenciados presos primários e reincidentes, detidos para averiguações ou em flagrante e cidadãos já sentenciados pela justiça criminal. Tais condições favorecem trajetórias e carreiras no mundo do crime.
Segundo dados do Ministério da Justiça (2019), página oficial do Conselho Nacional de Justiça – CNJ informa que, o número de presos atualmente no Brasil é de 695.796 para 417.445 vagas nos presídios, apresentando um déficit de 278.351 vagas. No que tange ao Estado do Amazonas tem-se que existem 7.913 custodiados para 5.338 vagas nos presídios, apresentando um déficit de 2.974 vagas.
Vale aqui informar que, dos dados acima o crime de tráfico de drogas aparece como o segundo mais recorrente, representando 24,58% dos presos nacionais (BNMP 2.0 2018, p. 47).
Homens vivendo enjaulados e amontoados em pequenos espaços úmidos e sujos, excluídos sociais, sem acesso à escola, à saúde, etc., e politicamente, afastados da cidadania, do poder soberano, revelando que tanto as pessoas privadas de liberdade quanto os servidores e colaboradores que ocupam os espaços das prisões estão vivendo em condições insalubres.
Unidade Penitenciária Doutor Francisco D’Oliveira Conde, em Rio Branco (AC).
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Foto 2.1.1. : Luiz Silveira/Agência CNJ
As condições de vida dos presos são traduzidas, pelas condições visíveis de precariedade do ambiente físico a que são expostos, onde as instalações sanitárias são precárias; é muito comum a ausência de água corrente para banhos e para asseio pessoal. Com pouca iluminação, má ventilação, a circulação de odores fétidos, a concentração de águas insalubres originárias da mistura de poças de chuvas ou de encanamentos desgastados com lixo.
Fernando Caulyt (2018, p. 01), escreveu que:
Há pouco mais de um ano e meio, em janeiro de 2017, a guerra de facções criminosas em prisões brasileiras expôs a fragilidade do sistema prisional e chamou a atenção mais uma vez para um dos principais problemas dos presídios brasileiros: a superlotação. Naquele mês, mais de cem presidiários foram mortos durante rebeliões em Manaus (AM), Roraima (RO) e Alcaçuz (RN). (Grifo d autor).
[…]
“Mesmo a construção massiva e presídios desde os anos 1990 não foi capaz de dar conta dos enormes contingentes de pessoas presas no país no período”, diz Rodolfo Valente, pesquisador da Pastoral Carcerária e responsável pelo relatório. “O aumento da taxa de” encarceramento é tão intenso que o quadro de superlotação, na verdade, tende a se agravar, a despeito dos muitos presídios inaugurados regularmente e que, na realidade, só fazem fomentar ainda mais a banalização das prisões e de suas barbáries.
A superlotação causa, ainda, a má conservação da saúde individual e coletiva dos presos, uma vez que na maioria das celas usa-se o sistema de rodízio, a fim de que todos os reclusos possam dormir, uma vez que não há nem espaço nem camas suficientes para todos, o que obriga inclusive a que muitos se sujeitem a dormir no chão de cimento, na companhia de insetos e roedores, altamente transmissores de doenças.
Assim leciona Leal (1998, p. 56):
[…] Prisões onde estão enclausuradas milhares de pessoas, desprovidas de assistência, sem nenhuma separação, em absurda ociosidade; prisões infectas, úmidas, por onde transitam livremente ratos e baratas e a falta de água e luz é rotineira; prisões onde vivem em celas coletivas, imundas e fétidas, dezenas de presos, alguns seriamente enfermos, como tuberculosos, hansenianos e aidéticos; prisões onde quadrilhas controlam o tráfico interno da maconha e da cocaína e firmam suas próprias leis; prisões onde vigora um código arbitrário de disciplina, com espancamentos frequentes; prisões onde detentos promovem uma loteria sinistra, em que o preso “sorteado” é morto, a pretexto de chamarem a atenção para suas reivindicações; prisões onde muitos aguardam julgamento durante anos, enquanto outros são mantidos por tempo superior ao da sentença; prisões onde, por alegada inexistência de local próprio para a triagem, os recém-ingressos, que deveriam submeter-se a uma observação científica, são trancafiados em celas de castigo, ao lado de presos extremamente perigosos.
Com equipamentos fora de uso, carência de médicos e enfermeiros a assistência médica é escassa e precária, sendo normal a existência de epidemias de tuberculose, além de várias doenças sexualmente transmissíveis, tornando os detentos numa população de alto risco, vulnerável a toda sorte de doenças infectocontagiosas, fato ainda mais agravado pela AIDS.
Tais fatos são confirmados por Leal (1998, p. 41 e 42):
A promiscuidade sexual nas prisões tem provocado a expansão do “mal do século”, a AIDS ou SIDA, que, em alguns países, como o Brasil e os Estados Unidos, chega a números preocupantes, trazendo-nos à memória a “febre carcerária”, uma espécie de tifo, que assolava os estabelecimentos prisionais no século XVIII […] A superlotação (que, onipresente, tem crescido em demasia nas últimas décadas, graças à costumeira ausência de priorização a este setor nevrálgico da administração da justiça criminal), a carência de pessoal com formação especializada e a falta de tratamento individualizado, a par da obsessão pela segurança (inconciliável com programas ré educativo), agravam o quadro entristecedor dos parques prisionais de quase todo o mundo, em que se vulnera, a todo instante, a integridade física e moral do preso.
Em síntese, os detentos vivem em condições subumanas, o que acaba produzindo mais violência. Comprometendo não apenas os presos, mas também seus familiares que ali vão visitá-los. Tem-se que os agentes institucionais reagem com igual ou superior intensidade de violência. Os carcereiros, policiais, diretores, na maioria das vezes, agem com abuso e violência, chegando até a praticar extorsão.
É esse quadro que torna a vida nos presídios inconstante e insegura, convém acrescentar a difícil ou nenhuma oferta de serviços de formação educacional e profissional. E a da prestação de serviços de assistência judiciária e social como, por exemplo, o não atendimento de direitos consagrados na legislação pertinente; a ausência de regular informação sobre o andamento de processos ou explicações consistentes a propósito do indeferimento de um recurso ou pedido de benefício penal.
Além deste imenso rol de problemas sofridos pelos condenados, ainda existe um problema maior, o da discriminação sofrida pela sociedade, a qual não pergunta o motivo que levou a pessoa estar em um estabelecimento penitenciário, mas sim, já a estigmatiza pelo fato de ter estado lá.
Carnelutti (2004, p. 47), observa que:
[…] Infelizmente a justiça humana é feita assim, que nem tanto faz sofrer os homens porque são culpados quanto para saber se são culpados ou inocentes. Esta é, infelizmente, uma necessidade à qual o processo não se pode furtar, nem mesmo se o seu mecanismo fosse humanamente perfeito.
Neste cenário desesperador, em que a prisão intensifica sua face aliciadora, estimulando a criminalidade e a reincidência, tem sido objeto de crescentes debates no Brasil, com a frustração de além da não realização do ideal buscado pelo legislador, ou seja, a recuperação do criminoso e sua ressocialização ainda fazem é contribuir para aumentar a violência.
Laerte de Macedo Torrens (2000, p. 87), destaca que:
O sentimento de injustiça que um prisioneiro experimenta é uma das causas que mais podem tornar indomável seu caráter. Quando se vê assim exposto a sofrimentos que a lei não ordenou nem mesmo previa, ele entra num estado habitual de cólera contra tudo o que o cerca; só vê carrascos em todos os agentes da autoridade; não pensa mais ter sido culpado; acusa a própria justiça.
O aumento da criminalidade em nosso país é visível e notório, acentuando-se de forma grave, causando extrema preocupação em toda a coletividade.
Tem-se que os índices da violência já ultrapassaram os imites do suportável, sem que, no entanto, as causas sejam atacadas pelos poderes institucionais, seja usando os seus instrumentos de controle social, ou minimizando causas e fatores identificados como criminógenos.
Torrens (2000, p. 23) entende que:
As disparidades e contradições de uma desorganização social, produto da omissão estatal, acelera a criminalidade violenta urbana, estabelecendo o confronto entre os grupos considerados marginalizados e vitimizados, aqueles calcados pelas necessidades mais prementes de vida, e estas oprimidas e constrangidas a exercer, por si só, os seus direitos e garantias individuais em uma sociedade que se diz justa e igualitária.
O que de fato leva ao aumento da criminalidade e da violência sabe-se que é a falha na educação, fatores culturais, fome e má distribuição de renda. O que precisamos é atacar as causas da violência, e não admitir a solução simplista da vingança. Temos que lutar contra as injustiças, sejam quais forem às consequências, não importa se aceitas ou não.
Ainda citando Torrens (2000, p. 71):
A crise dos vários sistemas penitenciários, bem como as justas críticas que sofrem os métodos convencionais, conduz para a busca de outras soluções de reação social que atendem a prevenção geral e especial no interesse da defesa social. A reorientação de uma nova política criminal exige reflexões no sentido de encontrar soluções e instrumentos processuais de despenalização, permitindo-se desta forma que a distribuição da justiça torne-se mais eficiente na reprovação de crimes de maior potencial ofensivo.
Não se pode viver fazendo de conta que a penitenciária é somente um local onde o preso cumpre sua pena, quando deveria ser uma eficiente forma de reintegração social do infrator, conforme ela se propõe. Precisam-se criar mecanismos de se penalizar os infratores sem incluí-los à marginalidade perpétua, oferecendo uma oportunidade de reintegração e principalmente não lhes aplicando penas de vingança e lhes tirando os direitos fundamentais de pessoa humana, o infrator não é maldito e independente do delito que cometeu, continua resguardado na Lei e, portanto é urgente a necessidade de se criar mecanismos que lhes assegure de alguma forma isto na prática, para que possamos parar de construir eternos marginais e de transformar pequenos delinquentes em grandes criminosos. O presidiário é, as mais das vezes, um ser errante, oriundo dos descaminhos da vida pregressa e um usuário da massa falida do sistema.
- Crise da execução penal
Periodicamente ocorrem rebeliões nos presídios pelo Brasil afora, revelando a insatisfação dos presos com as condições a que são expostos dentro das celas.
Concordam entre si os doutrinadores penais que a pena privativa de liberdade não atende a sua finalidade e está fadada ao fracasso, no entanto estes divergem quanto à solução a ser dada para o problema que é público e notório, nacional e internacionalmente, que fazem sobressair a ineficiência do Poder Executivo em desempenhar mais uma de suas atribuições, o controle da execução penal.
O quadro de violência que amedronta a sociedade brasileira, os altos índices de criminalidade e a crescente preocupação com a segurança pública, levam a população, influenciada pelas imagens vendidas pela mídia, a discutir a “criminalidade”, a “impunidade”. A mídia fomenta a ideia de que as leis brasileiras são leves, favorecem os bandidos e a impunidade. E assim informada, a opinião pública manifesta-se pelo “endurecimento” das leis, pelo cumprimento da pena antes mesmo do trânsito julgado da sentença condenatória, em grave afronta ao princípio d ampla defesa. É visível que diante da vulnerabilidade da população, o sentimento de vingança tende a se por acima de qualquer elemento racional quando se analisa o sistema penal.
Vale ressaltar a urgência do direito penal em legitimar sua atuação, que legalize e humanize a questão penitenciária. Para Bitencourt (2006, p. 154), a crise da prisão deve encontrar a solução na sua própria reforma, porém a maior dificuldade apontada pelo autor é a falta da devida atenção ao problema.
- Sistema penitenciário do Amazonas
Na tarde do dia 1° de janeiro de 2017, deu-se início a uma das rebeliões que entraria para história do Sistema carcerário do Amazonas. Considerada a maior rebelião já vivida no Estado, o cenário do massacre ocorrido foi estarrecedor, ocorreram mortes cruéis, de esquartejados a decapitados eram imagens chocantes que estamparam os jornais pelo mundo a fora, assim, Manaus foi cenário do considerado segundo maior massacre da história do sistema penitenciário no Brasil.
Repercutia na mídia que integrantes da Família do Norte (FDN), grupo criminoso aliado ao Comando Vermelho (CV), atacaram membros do Primeiro Comando da Capital (PCC).
As reações da sociedade diante das notícias do massacre, fugas e violência dentro do sistema carcerário do Amazonas, demonstraram insatisfação quanto à capacidade de o Estado controlar as facções.
O que se tem na história do sistema carcerário do Amazonas, é que, este seguiu os demais Estados da federação no que concernem as mudanças e evoluções pelas quais o sistema punitivo atravessou no decorrer da história: com instinto de crueldade, com os teatros de suplício, de tortura e morte.
No ano de 1764, Barcelos era a capital da Capitania de São José do Rio Negro, a época ainda subordinada ao Grão-Pará, apesar de ser conhecida como a “Corte do Sertão”, por suas riquezas, aonde Portugal e Espanha se reuniriam para decidir a quem pertenceria a Amazônia atual, já naquela época mesmo no auge da sua riqueza nosso Estado não possuía prédio para servir de cadeia, os presos eram mantidos no subsolo do quartel.
Segundo Ferreira e Valois (2010, p. 25), as primeiras prisões da Amazônia foram os fortes, construídos pelos colonizadores para marcar território.
Construído no ano de 1669, o Forte de São José do Rio Negro, foi o primeiro forte de Manaus, na época chamada de Lugar da Barra, pequeno povoado habitado em sua maioria por indígenas primitivos. O forte era “uma casa coberta de telha, cercada por um muro de pedra e cal, descrita pelo Padre José Maria Coelho como “um quadrado quase perfeito”, com paredes bastante grossas, de altura de dois homens mais ou menos” (Ferreira e Valois, 2010, p. 25 e 26).
Ferreira e Valois (2010, p. 26), esclarecem que:
[…]. Na medida em que as cidades iam se formando em volta dessas e de muitas outras fortificações no Amazonas e no Brasil, enquanto o tamanho da população e o conjunto de edifícios não autorizavam a construção de uma casa especifica para servir de cadeia, os calabouços dos fortes eram as únicas celas existentes, tanto para os primeiros civis criminosos como para os soldados colonizadores.
Na época a maioria das prisões eram ocasionadas pela deserção de índios e soldados, segundo Ferreira e Valois (2010, p. 27):
A estrutura militar, montada para expandir e manter os domínios portugueses no Amazonas, fez com que o exercício do poder permanecesse com características militares por longo período, favorecendo o arbítrio do comandante, do governador, ou de qualquer autoridade de ocasião. As ordens verbais para punição, originadas de fatos graves ou da mesquinhez de pequenas intrigas, ultrapassavam as paredes do forte para alcançar a vila, o povoado e até os que se refugiavam no mato, tradição que ocasionou muitos conflitos quando a justiça comum começou a se estabelecer.
Como se percebe, viveu-se aqui o período em que as penas ultrapassavam a pessoa do delinquente, para atingir não somente a família, mas também toda a comunidade. Vale ressaltar aqui é que as regras gerais para os cárceres, eram impostas pela coroa Portuguesa, por meio da Ordenação e Leis do Reino de Portugal, 1850, no Livro I, Titulo XXXIII, Do Carcereiro da Corte.
Observa-se que, a pena de prisão não era a única forma de punição aplicada aos que desobedecessem às ordens impostas, existia a pena de morte, a qual era aplicada de três formas (Ferreira e Valois, 2010, p. 29):
[…]. A pena por excelência era a pena de morte, cuja execução poderia dar-se de três formas: 1- morte cruel, quando a vida era tirada por intermédio de suplícios; 2 – morte atroz, caso em que, após a morte, havia a queima do cadáver, o esquartejamento ou outra prática agravante; 3 – morte simples, aplicada através de degolação ou enforcamento.
Enquanto Manaus era mantida apenas como o Lugar da Barra, com sua prisão, o Forte de São José do Rio Negro, o mundo evoluía a luz do iluminismo no século XVII, aqui se permanecia um rigoroso controle social português com intuito de preservar a Amazônia dos interesses estrangeiros, postura que Arthur Reis (1982, p. 49), assim relata:
[…] de um lado, ao velho propósito português de preservar a Amazônia da cobiça estrangeira, evitando que se revelasse no exterior, em detalhes, o que era a região; de outro, impedindo a penetração das ideias liberais, contágio herético como então se via o pensamento iluminista que pronunciava a Grande Revolução.
Gravura 2.3.1.: Fortaleza São José do Rio Negro
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Fonte: Coleção Jorge Herràn
Para o escritor Marcio Souza (1978, p. 56), Portugal praticava uma política isolacionista na Amazônia, assim, agia com rigor a qualquer pensamento humanista que surgisse naquela época, relembra o autor:
Os portugueses, mais do que os espanhóis, souberam manipular o cristianismo como uma ideologia do mercantilismo, estreitando o corredor de observação dos relatores, eliminando sempre os pruridos iluministas que tentassem se infiltrar na visão da terra conquistada.
Em 1791, a capital foi transferida de Barcelos para o Lugar da Barra, hoje Manaus. Nesse mesmo período foram feitas diversas melhorias, entre elas a construção da primeira cadeia, na atual Praça d. Pedro II, na época Praça do Quartel.
Ferreira e Valois (2010, p. 40), explicam que:
A construção de cadeias fazia parte do projeto administrativo de colonização. Era um dos edifícios necessários para a estrutura de qualquer vila e já desde o regimento do Diretório, de 03.05.1557, aprovado pelo alvará de 17.08.1758, quando se traçavam normas para a política indigenista pombalina e se retirava o poder temporal dos jesuítas sobre as missões, havia a orientação para “que os diretores cuidassem da construção de casas de câmara e cadeia: assim como aconselhassem os índios em construir para si”. (Grifo do autor)
Problemas políticos enfrentados pelo então governo de Lobo d´Almada, em 1798, a sede administrativa voltou a ser em Barcelos, voltando em definitivo a ser o Lugar da Barra a sede da capital da Capitania de São José do Rio Negro somente em 1808, mas ainda subordinada à Capitania do Grão-Pará.
Nesse período, morava na Barra um representante da Câmara de Serpa, o qual era responsável pelos julgados e devia informar as ocorrências, além de exercer o poder de polícia. Destaca-se aqui, o dever que este tinha de informar a residência dos funcionários quando estes fossem desafetos dos vereadores. (Ferreira e Valois, 2010, p. 40).
Enquanto isso, na Filadélfia/Estados Unidos, surgia o primeiro sistema penitenciário do mundo, conhecido como Sistema Filadélfico, o qual promovia a necessidade do isolamento dos presos com o intuito de evitar aglomerações e os males causados por elas. Segundo Aguilera (1998, p. 60), esse Sistema era regido por regras tais como: isolamento total dos internos diuturnamente; total ausência de visitas externas, com raras exceções; a leitura da Bíblia era a única atividade do preso, dado o caráter de pecado conferido ao delito.
Na medida em que o Amazonas foi sendo colonizado, mudanças foram ocorrendo, cidades foram se estruturando, ainda que de forma precária, mesmo com a construção de hospitais, praças, Casas de Câmaras e Cadeia como eram chamadas as carceragens. No entanto, as carceragens se mantinham longe de possuir qualquer característica que lhes dessem atributos de Sistema Penitenciário. Vale ressaltar, porém, que, como ainda se vivia sob o comando de Portugal e este havia sofrido influencia humanista pregada por Beccaria, ao menos no campo do Direito Penal, refletido na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e na independência dos Estados Unidos (1776), ocorreu a reforma da legislação luso, a qual elaborou projetos de Direito Público e Direito Criminal fundamentados nos princípios da proporcionalidade da pena, no caráter utilitário da sanção, no fim da prevenção somado à natureza repressiva da punição, entre outros em contrapontos aos atuais ritos de penas cruéis em vigor na época.
No entanto, a efetivação das mudanças iluministas, no Amazonas, bem como no restante do país, não ocorreu facilmente no âmbito da prática penal. Observada nas características físicas e funcionais dos cárceres, conforme narrado por Saint-Hilaire (2000, p. 159) quando de sua viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais:
Existe uma prisão em cada vila ou sede de termo. O andar térreo das casas da câmara são, em todas as localidades, reservado aos presos, e são vistos às grades, solicitando a piedade dos transeuntes ou conversando com eles. É necessário, aliás, que os encarcerados estejam, tanto quanto possível, em contato com os cidadãos, pois estes últimos é que os alimentam com suas esmolas. Não podem regatear elogios à humanidade dos mineiros; é, porém, fácil esquecer aos que se não veem, e asseguram-me que presos houve que morreram de fome.
No Lugar da Barra, atual Manaus, no ano de 1821 a primeira cadeia pegou fogo, por falta de qualquer outra construção que pudesse ser usada em substituição, passou-se a usar casas alugadas como cadeias até que se construísse novo prédio.
Em episódio conflituoso, conforme narra Arthur Reis (1999, p. 58), um prédio foi construído, passando a funcionar a nova Cadeia onde hoje está o Palácio Rio Branco, conforme explica o historiador Mário Ypiranga (1994, p. 50): “[…] A primitiva cadeia desapareceu em ruinas e ficava no terreno onde foi construído depois o Palácio Rio Branco. Ficava separada do outro bloco de casas pelo célebre beco do enforcado”.
Foto 2.3.1.: Palacio Rio Branco
Fonte: Fotógrafo Gabriel Soares/2018.
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O que se tem na história é que os presos continuavam vivendo na mais absoluta confusão, sem qualquer separação e submetidos a castigos corporais.
Nesse sentido, Ferreira e Valois (2010, p. 46) comentam que:
[…] o panorama carcerário do crepúsculo da fase colonial consistia em prisões sem o mínimo de segurança, muitas funcionando em casas construídas de barro e cobertas de palha, igualmente sem qualquer preocupação com a higiene, prevalecendo o arbítrio dos castigos escolhidos discricionariamente pelo carcereiro ou quem fizesse suas vezes, mesmo, como visto, quando quartel era a única prisão da localidade, ressaltando-se que o fato de possuir o nome de quartel não significava que as condições do cárcere fossem melhores ou mais seguras à custódia, pois muitas vezes para quartel era alugada uma casa particular qualquer, não obstante as celas desses estabelecimentos militares tivessem sempre o nome de arcabouço.
Do ponto de vista do Direito Penitenciário, mudanças ocorriam no âmbito internacional, com diversos congressos que discutiam a ciência penitenciária, aonde se debatiam entre outros temas o regime disciplinar das prisões, criavam-se comissões penitenciárias, Fundações Penais, etc. com isso os direitos dos reclusos foram sendo reconhecidos aos poucos, período em que o documento das Nações Unidas exigiu a tipificação da infração mediante lei ou regulamento, a determinação da sanção e a autoridade para julga-la, vedando penas desumanas.
Conforme Ferreira e Valois (2010, p. 48), todo esse progresso do Direito Penitenciário Internacional, refletiu no Brasil, no entanto, visto nos campos legislativo e doutrinário, sendo insuficiente na prática penitenciária, mantendo as cadeias brasileiras com realidade abominável, com constantes violações aos direitos humanos básicos, causando descrédito em todo o ordenamento.
No Amazonas permanecia a desordem do período colonial (1852), com indivíduos variados presos por diferentes crimes em um mesmo compartimento insalubre. A situação era extremamente precária e urgente, e o primeiro presidente da província do Amazonas, Tenreiro Aranha, conseguiu um local para abrigar os presos: um imóvel onde havia funcionado uma fábrica de fiar e tecer algodão, na praça do quartel, tendo a intenção de alocar a Câmara Municipal e sala de audiências no mesmo local. Em 1853, a quantidade de presos na cadeia era de 17 homens, 2 mulheres e 3 escravos fugitivos. (Ferreira e Valois, 2010, p. 59-65).
Através da Lei Imperial n° 582 de 1850, foi instituída a Província do Amazonas, pelo Imperador D. Pedro II, como capital foi definida a cidade da Barra, sendo denominada depois de Manaós, tendo como primeiro presidente João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha. Detalhe sobre a população da época é que aduz que esta era formada iminentemente por índios destribalizados, somados a um pequeno número de negros e caboclos, vivendo de trabalhos domésticos e agrícolas, alguns dispersos pelos rios do Amazonas.
A administração da justiça brasileira no ano de 1824 mudou o modelo adotado de até então de Montesquieu para o Juiz de Paz, do qual passou a ser exigido que fundamentasse suas decisões.
Sobre o Código Penal de 1830, Ferreira e Valois (2010, p. 51) destacam que:
[…], depois de calorosas discussões, manteve a pena de morte e instituiu o Conselho do Júri baseado no modelo inglês, instituição que já funcionava desde 1822 para os crimes de imprensa. Aliás, toda aquela legislação, inclusive a processual, foi baseada nas legislações francesa e inglesa. Dispunha o art. 38: “a pena de morte será dada na forca”. O art. 38 mandava que as penas de prisão fossem cumpridas em prisões públicas, de preferência no lugar dos delitos, “observada a comodidade do lugar”. (Grifo do autor)
No Amazonas, as autoridades atribuíam como principal causa da criminalidade à ociosidade e ignorância dos habitantes, somada ao isolamento que ocasionava obstáculos a aquisição de materiais e meios de repressão. Aos índios era imputada a maioria dos crimes de homicídios, que pela embriaguez cometiam entre eles mesmos usando flechas. A mata e os rios serviam como abrigo dos delinquentes, aliás, até nos dias atuais ainda são assim utilizados, especialmente como hidrovia dos crimes de tráfico internacional de drogas.
A administração da justiça nos primeiros anos da República no Amazonas trouxe entre outros, dois regulamentos relacionados com a pena de prisão. Conforme as principais disposições desses regulamentos tem-se que: – o Regulamento n° 683, de 23 de novembro de 1904, “Regulamento para a Cadeia Pública da Capital”, disciplinava sobre a administração penitenciária, regendo sobre a ordem, a disciplina, a segurança, a higiene, disciplinava as visitas e obrigatoriedade de que médicos legistas comparecessem duas vezes na semana na cadeia; – já o Regulamento 684, da mesma data, se atinha a regulamentar a administração burocrática da casa, para manter uma boa gestão[1].
Para Ferreira e Valois (2010, p. 78), “A criminalidade que se via no início do período republicano já era o embrião da atual e grave situação por que passa nossa capital nos dias de hoje”.
O atraso na assimilação das ideias iluministas do século XVIII no Amazonas é atribuído à forma como se deu a colonização do Estado. O absolutismo português deixou ao povo, como herança uma subordinação ao Poder Estabelecido de tal forma que pequenos conflitos são capazes de se transformarem em graves delitos, pela omissão estatal, conforme afirmado por Neder (1996, p. 205):
[…] persistimos no Brasil, como um legado, uma herança do absolutismo português, com a fantasia absolutista do controle social (policial) absoluto, sobre os espaços urbanos (na verdade, o controle absoluto sobre a massa de ex-escravos e de trabalhadores urbanos, de um modo geral). Donde a ênfase nas campanhas de lei e ordem, ainda discutidas e implementadas pelas polícias do Brasil.
Em 1905, o então Governador do Amazonas Constantino Nery, inicia a construção do prédio da Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa, inaugurada em 1907, com o nome de Casa de Detenção de Manaus, instituída pela Lei n° 524, de 18 de outubro de 1906. Nas palavras de Constantino Nery, em Mensagem datada de 1907, dirigida para a Assembleia Legislativa, este apresenta o edifício com orgulho:
A Casa de Detenção, iniciada e concluída no meu Governo, belo e útil edifício que ocupa uma área de mais de 15.000 metros quadrados, com majestosa fachada de comprimento superior a 100 metros lineares, obedecendo ao estilo dórico-lombardo, mais adequado ao nosso clima equatorial (…). Possui ela um corpo frontal e outro interior, separados por um grande pátio destinado a entrada dos carros celulares e outros misteres (…). No corpo interior, há uma galeria tendo à direita o dormitório e o refeitório dos guardas, a secção de eletricidade para iluminação, e à esquerda a arrecadação, enfermaria, celas especiais para a reclusão de presos não sentenciados, farmácia e gabinete do médico. O extremo da galeria dá entrada para um polígono central que permite a um só guarda fazer a vigilância dos quatro raios que ali convergem, nos quais existem 38 celas isoladas com uma cubação superior a 24 metros cada uma. 4 grandes salões destinados a presos não sentenciados. Além destas dependências e divisões, que em tudo obedecem aos preceitos d higiene penitenciária, há, junto aos muros externos, três pequenos pavilhões de tal modo dispostos, que permitem a fiscalização assídua dos guardas, que observarão todo o edifício, sem contudo penetrar em qualquer dependência. É, pois, um estabelecimento que honra o Estado do Amazonas.
Foto 2.3.2.: Vista aérea da Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa
Autor: Cinthia Guimarães, 19/03/2015.
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Conforme a SEAP, Secretaria de Administração Penitenciaria (2017, p. 01):
Na última terça-feira (05/12), a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) realizou a entrega oficial do prédio onde funcionava a Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa (CPDRVP), desativada definitivamente no dia 12 de maio. […]. O prédio que possui 111 anos de história é um marco na história do Sistema Prisional do Amazonas, sendo a primeira unidade prisional do Estado.
Assim ocorreu por determinação do CNJ, Conselho Nacional de Justiça, que em inspeção desde o ano de 2010, entendeu que o prédio não tinha mais as mínimas condições de continuar funcionando como detenção de presos, determinando ao Poder Judiciário do Estado que até o ano de 2014, fechasse o estabelecimento.
Guilherme Calmon, representante do CNJ, em visita a Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa em 2013, alertou que “Em 2010, o CNJ já havia recomendado a desativação da unidade por força exatamente da ausência completa de manutenção de pessoas, ainda que presas provisoriamente. De lá pra cá, pelo que percebi na visita de hoje, a coisa piorou muito”. E completou, “O Amazonas tem hoje um dos maiores percentuais de presos provisórios em relação à média nacional brasileira. Cerca de 78% da massa carcerária são de presos provisórios, sendo que a média nacional é de 42%”. (CNJ, 2013).
Na época, o então presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), desembargador Ari Moutinho, lamentou a situação e falou que boa parte dos presos da Cadeia Pública cumpre pena provisória, muitas vezes por processos acumulados nas prateleiras dos Fóruns, (CNJ, 2013):
Há uma necessidade urgentíssima de uma dedicação maior de todos os juízes criminais para evitarem excesso de prazo, deixarem processos ‘pendurados’ nas prateleiras do fórum. Eles terão que, em uma ação conjunta, desenvolver um trabalho para tentar amenizar a situação destes presos.
Momento em que o então Presidente (CNJ, 2013), “garantiu ao ministro que haverá reforço de juízes no estado, principalmente nas Varas Especializadas em Crimes de Uso e Tráfico de Entorpecentes (Vecute), que concentram o maior número de processos a serem julgados”. (Grifo nosso).
Nesse sentido, a OAB-AM, Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Amazonas, por intermédio de seu representante, presidente da Comissão de Direitos Humanos, Epitácio Almeida, também recomendou o fechamento da cadeia (CNJ, 2013):
Nosso sistema carcerário está completamente falido. Na Vidal Pessoa, havia seis agentes para tomar conta de 1.010 presos. E esse número só cresce todo mês. Isso é incoerente. Não tem como tocar uma prisão assim. Acredito até que a Vidal Pessoa tem que ser desativada. Aquele prédio arcaico é uma ratoeira, enfatizou. “O Governo coloca todo mundo como depósito humano. Não há trabalho para os presos, não se ocupa a mente, não tem dignidade”.
Ao final do primeiro dia de atividades da comissão que realizou o terceiro mutirão carcerário no Amazonas, em 2013, formado por membros do CNJ e do Judiciário estadual, após visita à cadeia pública o presidente do TJAM declarou (TJAM, 2013):
Esse presídio precisa ser desativado, não tem a mínima condição de manter seres humanos. Isso aqui é cruel, desumano e não podemos permitir que continue. Como membros do Poder Judiciário, temos o dever da pacificação social, do cumprimento da lei e não podemos pensar em ressocialização de presos com essas condições.
Nesse mesmo momento, indo mais além, Calmon, concluiu que (TJAM, 2013):
A situação da “Vidal Pessoa” precisa, com urgência, ser modificada, sob pena de se decretar a falência do Estado e do poder público, que não tem a mínima condição de manter seus presos. É importante destacar que o Brasil já foi e ainda é, em alguns lugares, denunciado internacionalmente por violações frontais aos direitos humanos. Não tenho dúvida de que o exemplo aqui, desta cadeia pública, é de grave violação dos direitos humanos, passível de denúncia internacional.
Não se pretende esgotar aqui as conclusões a que chegaram as autoridades nas inspeções nos presídios do Amazonas, mas vale finalizar com a conclusão do juiz do CNJ Luciano Losekann, o qual afirmou que a situação mais preocupante no sistema carcerário do Amazonas seria justamente com a Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa e com o interior, onde, no primeiro, está a maioria dos presos provisórios, e no segundo, os detentos estão em celas dentro das delegacias (Blog da Floresta, 2013):
É um grande desafio revisar esses processos. Temos também que incrementar o projeto Começar de Novo e temos que reduzir o número de presos que estão encarcerados em delegacias. Temos que tentar reduzir o número de presos provisórios com medidas educacionais e com trabalho. (Grifo nosso)
O que se percebe até esse ponto do estudo, é que, o que a mídia chamou de tragédia, não foi exatamente isso, mas sim, podemos chamar de massacre pela omissão do Estado com seus cidadãos custodiados. Como se viu nas declarações anteriores das autoridades judiciárias, do Amazonas e do Brasil, que até o massacre ocorrido em primeiro de janeiro de 2017, há sete anos estas já previam o pior diante do sistema carcerário de Manaus, no entanto, providencias para evitá-lo não foram tomadas.
Logo após o massacre nos presídios em Manaus, que teve como resultado a morte de 56 detentos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) e de outros quatro presos na Unidade Prisional do Puraquequara (UPP), ambas em Manaus (AM), o Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Deputado Padre João, declarou que (PT na Câmara, 2017):
[…] Entre as iniciativas mais contundentes, desde 2013 um conjunto de entidades da sociedade civil reclamam o cumprimento de uma Agenda Nacional de Desencarceramento, como alternativa à falência de um sistema superlotado indevidamente e improdutivo do ponto de vista de seus objetivos principais, a ressocialização do preso e da presa para a prevenção e combate à criminalidade. No Amazonas, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) do Ministério da Justiça, 58% dos presos e presas são provisórios (as), o que dá a dimensão do problema. Enquanto perdurar esse sistema penal que encarcera a torto e direito, como única alternativa para a criminalização dos mais pobres, aumentar vagas simplesmente – a alternativa hoje apresentada pelo Estado do Amazonas e o governo federal – é enxugar gelo e manter um sistema falido e ineficaz.
[…]
A Agenda Nacional de Desencarceramento vai no caminho oposto, ao propor a suspensão de qualquer investimento em construção de novas unidades prisionais, a restrição máxima das prisões cautelares, redução de penas e descriminalização de condutas, em especial aquelas relacionadas à política de drogas, e a ampliação das garantias da execução penal e abertura do cárcere para a sociedade. Ela ainda se manifesta veementemente contra a privatização do sistema prisional e pelo combate à tortura e desmilitarização das polícias e da gestão pública. Trata-se, na verdade, de uma moratória no crescimento inercial de um modelo de encarceramento que, com suas mazelas, levou ao domínio das unidades por facções criminosas que prometem aos presos e presas, como privilégios do crime, os direitos legais que lhes são devidos pelo Estado infrator e incapaz.
O que se nota é que após 25 anos do Massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, em São Paulo, que ocasionou a morte de 111 (cento e onze) presos, o sistema carcerário não mudou permanecendo a grave e nítida violação aos direitos humanos do encarcerado, num ambiente de conflitos e violência, conforme citado por ONODERA, (2005, pag. 2):
O sistema carcerário brasileiro teve e continua tendo em sua história diversos focos de tensão, mas a rebelião que teve maior repercussão aconteceu no dia 02 de Outubro de 1992. Neste fatídico dia, foram mortos oficialmente 111 presos da Casa de Detenção Professor Flamínio Fávero, mais conhecida como Carandiru que se situa em um dos maiores centros urbanos brasileiros: São Paulo.
Entre acusações e transferências de responsabilidade por parte das autoridades locais e nacionais, no episódio dos presídios de Manaus ocorrido em janeiro de 2017, o então ministro da Justiça e Cidadania Alexandre de Moraes, afirmou que a empresa Umanizzare – que administra o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ), falhou na prestação de serviço ao Estado. Conforme, CARAM e AMARAL (2017), o titular da Justiça ressaltou que a empresa tinha a responsabilidade de verificar a entrada de armas e celulares: “O presídio é terceirizado. Não é uma PPP. É uma terceirização dos serviços. De cara, óbvio, houve falha da empresa. Não é possível que entre armas brancas, facões, pedaços de metal, armas de fogo inclusive escopeta”, declarou o ministro.
Rebatendo as declarações do ex-ministro da Justiça e cidadania Alexandre de Moraes, a empresa Umanizzare se manifestou com as seguintes declarações CARAM e AMARAL (2017):
Umanizzare reafirma que seu papel na cogestão das unidades prisionais nas quais atua, limita-se ao que permite a Lei de Execução Penal (Lei 7.210), a saber: “poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares desenvolvidas em estabelecimentos penais”, tais como prestar “serviços de conservação, limpeza, informática, copeiragem, portaria, recepção, reprografia, telecomunicações, lavanderia e manutenção de prédios, instalações e equipamentos internos externos”. A mesma lei, que regula inclusive o contrato da empresa com o Estado aponta, em seu artigo 47, que “o poder disciplinar, na execução da pena privativa de liberdade, será exercido pela autoridade administrativa conforme as disposições regulamentares” e esclarece o artigo 83-B que “são indelegáveis as funções de direção, chefia e coordenação no âmbito do sistema penal, bem como todas as atividades que exijam o exercício do poder de polícia”.
É dever de o Estado fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais feitas por ele. No caso concreto, a co-gestão deve estar presente entre o Estado e a empresa terceirizada. Caso contrário, ao surgirem os problemas surgirá com eles esse “empurra”, “empurra” de responsabilidades e os problemas do sistema carcerário não somente no Amazonas, mas em todo território nacional continuará a crescer.
- Instituições que trabalham com ressocialização em Manaus
Na busca de cumprir seu papel social de ressocialização dos cidadãos egressos do sistema carcerário, o governo do Estado do Amazonas, administrado pela SEAP, mantém o Programa Reintegrar, do qual fazem parte alguns projetos e parcerias entre os órgãos do Estado.
- Projeto SEAP em parceria com CETAM
A SEAP em parceria com o Centro de Educação Tecnológica do Amazonas – CETAM (2018), buscando contribuir para a ressocialização dos egressos do sistema prisional do Amazonas oferece cursos, tais como: manipulação de alimentos, para o regime semiaberto do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj Semiaberto), liberados provisórios acompanhados pela Central Integrada de Acompanhamento de Alternativas Penais no Amazonas (Ciapa) e egressos do sistema prisional. O curso acontece na escola do CETAM,Padre Estélio Dalison e faz parte do “Programa Reintegrar”. Toda seleção dos alunos é feita pelo TJ-AM.
O principal objetivo do curso é capacitar o egresso para se tornar empreendedor, abrir uma banca de frutas e verduras ou trabalhar como encarregado, supervisor e manipulador, para atuarem no setor de alimentação (padarias, bares, cantinas, lanchonetes, confeitarias, restaurantes e cozinhas industriais), dando-lhes uma oportunidade de emprego e renda. O modelo do curso permite a remição da pena dos detentos, reduzindo o tempo de condenação por meio do trabalho ou estudo, conforme a Lei de Execução Penal (LEP).
- Programa de Microcrédito.
Após concluir o curso no CETAM, o egresso passa a fazer jus a participar do Programa de microcrédito, destinado à população carcerária é lançado no AM. Cada interessado pode solicitar de R$ 500 até R$ 3 mil, com taxa de juros subsidiada. A Agência de Fomento do Estado do Amazonas S.A. (Afeam) irá disponibilizar crédito a este público.
Cada interessado pode solicitar de R$ 500 até R$ 3 mil, com taxa de juros subsidiada. Em 2018, 40 egressos já se encontravam aptos através dos cursos fornecidos para solicitarem o serviço de microcrédito.
Serão contemplados apenados dos regimes semiaberto, egressos do regime aberto e liberados provisórios das audiências de custódia, será coordenado pela Seap, com posterior repasse dos dados para análise da Afeam.
- Projeto Reeducar
Com quatro anos de existência, o Projeto Reeducar, do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM), já promoveu ações de reinserção social para mais de 4 mil egressos do sistema carcerário que estavam presos provisoriamente (TJAM, 2018).
O projeto, que tem o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O projeto de reinserção social do TJAM foi idealizado pela juíza Eulinete Tribuzy, titular da 11ª Vara Criminal de Manaus é coordenado pela 11ª Vara Criminal e consiste na realização de palestras de motivação para os egressos e em parcerias com instituições públicas e privadas, que oferecem oportunidades de capacitação profissional e trabalho.
- Política de encarceramento no combate ao tráfico de drogas
Uma das principais causas apontadas para justificar o massacre do Compaj em 2017, em Manaus, foi a briga entre as facções criminosas, demonstrando que a política de encarceramento em massa decorrente da guerra às drogas segue na contramão da violência.
Em entrevista ao ELPAIS, André Bezerra, presidente da Associação de Juízes Pela Democracia, disse que o Brasil “mergulhou de cabeça” nas políticas de encarceramento em massa e guerra às drogas. “Foram as maneiras adotadas aqui para lidar com a violência e a criminalidade”, diz. “Só que você vai construindo prisões e elas vão enchendo. E isso não acarretou uma redução da violência ou do tráfico. Pelo contrário. Favorece quem? O crime organizado. É combustível para o crime”, afirmou. (Vaz, 2017).
Dados do Ministério da Justiça, no último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen, junho/2016, apontam que a maioria dos presos do país foi detida por tráfico de drogas, mais de 28%, ante 25% por roubo, 13% por furto e 10% por homicídio, assim demonstrado na “Tabela 17. Número de crimes tentados/consumados pelos quais as pessoas privadas de liberdade foram condenadas ou aguardam julgamento”.
Quadro 2.5.1.: Demonstrativo com dados extraídos do (DEPEN, junho/2016, p. 41):
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O mesmo Relatório aponta que, “Em relação à distribuição dos crimes no sistema federal, o tráfico de drogas comporta 30% dos registros, enquanto os roubos e furtos chegam a 22% e os homicídios, 16%”. (p. 62).
Gráfico 2.5.1.: quantitativo de pessoas presas (2016) por tipo penal.
Fonte: DEPEM, 2018.
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Gráfico 2.5.2.: quantitativo de pessoas presas por tipo penal/sexo (2016).
Fonte: DEPEM, 2018.
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Analisando a “Figura 6. Distribuição por gênero dos crimes tentados/consumados entre os registros das pessoas privadas de liberdade, por tipo penal” (DEPEN, 2018, p. 43), observa-se que o tráfico aumentou absurdamente e o encarceramento feminino, representando 63% das prisões entre elas.
Apesar do Supremo Tribunal Federal já ter dado entendimento que, no caso do tráfico em pequenas quantidades, quando a pessoa é primária (sem antecedentes), sem envolvimento com facção, é possível a redução e substituição por penas alternativas. O que se tem dos julgados é que, infelizmente, o Judiciário brasileiro não está seguindo essa decisão, sendo esta citada pelos estudiosos do assunto como a principal causa do aumento de prisões, colocando esses jovens como uma presa fácil das organizações criminosas.
Segundo informações passadas por VELASC0, REIS e CUNHA (2017) ao Jornal G1,ao comparar o último levantamento, que tem dados de 2013, com os de 2017, é possível perceber que: – O percentual de presos por tráfico subiu de 23,7% para 32,6% em 4 anos; – O aumento no nº de presos pelo crime desde a Lei de Drogas passou para 480%; – Nenhum Estado tem menos de 15% de presos por tráfico.
Conforme dados divulgados pelo G1, em 2017, o índice carcerário aumentou consideravelmente com entrada em vigor da lei 11.343 a Lei de Drogas em 2006, quando o número de presos era 31.520 por tráfico nos presídios brasileiros. Em 2013, esse número passou para 138.366. Agora, são ao menos 182.779.
Infográfico 2.5.1.: elaborado em 02/02/2017
Foto: Arte/G1
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A coordenadora-geral de Promoção da Cidadania do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Mara Fregapani Barreto, explica que (VELASC0, REIS e CUNHA (2017):
A gente percebe nas entradas do sistema prisional essa representatividade [de crimes relacionados ao tráfico] muito maior, o que acaba refletindo o quantitativo geral da população prisional. Em 1990, a gente tinha cerca de 90 mil presos, desde 2016 passa de 726 mil, muito impulsionado também pelo crescimento da prisão relacionada ao tráfico de entorpecente.
Noutra frente, em decisão de 2012, proferida com repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela inconstitucionalidade da expressão “liberdade provisória” contida no art. 44, da Lei de Drogas, possibilitando que juízes e tribunais dispensem a prisão de acusados que preencham os demais requisitos para a concessão do benefício:
BRASIL. Supremo Tribunal Federal Habeas corpus. 2. Paciente preso em flagrante por infração ao art. 33, caput, c/c 40, III, da Lei 11.343/2006. 3. Liberdade provisória. Vedação expressa (Lei n. 11.343/2006, art. 44). 4. Constrição cautelar mantida somente com base na proibição legal. 5. Necessidade de análise dos requisitos do art. 312 do CPP. Fundamentação inidônea. 6. Ordem concedida, parcialmente, nos termos da liminar anteriormente deferida. (HC 104339, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-239 DIVULG 05-12-2012 PUBLIC 06-12-2012)
De acordo com dados do Depen, em junho de 2016 eram 176.691 mil pessoas presas por tráfico de drogas; 20.133 por associação para o tráfico e apenas 4.776 por tráfico internacional (VELASC0, REIS e CUNHA (2017)).
Quando a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) foi instituída no país, a expectativa era a de que iria se reduzir os índices carcerários pela repressão ao crime, ao mesmo tempo em que trazia uma inovação: a distinção entre usuário e traficante. Os crimes definidos pela lei também diferem: ao passo que a posse para uso pessoal é considerada um delito de ínfimo potencial ofensivo, enquanto que o tráfico de drogas passa a ser fortemente repreendido com penas maiores. Ao primeiro crime, restou prevista uma pena alternativa diferente da prisão, como advertência, prestação de serviços à comunidade ou obrigação de cumprir medidas educativas. Já o tráfico, pela regra, leva à prisão. Em casos desse tipo, a pena mínima passou de três para cinco anos, podendo chegar a quinze.
Os especialistas, tais como Julita Lemgruber, que tem desenvolvido estudo para quantificar os impactos financeiros em outras áreas, como saúde e educação, da política de drogas adotadas pela Lei 11.343/06, já que a lógica da guerra às drogas produz mortos, impede crianças e adolescentes de frequentar escolas, acredita que se faz necessário rever a política de drogas e considera que este modelo faliu, afirmando que: “Essa chamada guerra às drogas é um equívoco, produz muitos mais danos e prejuízos do que um ganho para a sociedade”. Alega, ainda, que houve uma da explosão da violência e o crescimento do poder de grupos criminosos (Martins, 2018, p. 1):
O que acontece é que nós estamos entupindo as nossas prisões com pessoas que praticaram crime sem violência – é o caso da maioria desses meninos que são os varejistas do tráfico – e que, sem dúvida nenhuma vão para unidades prisionais e ali vão ter contato com traficantes mais experientes, com lideranças locais e é evidente que esse vai ser o cotidiano desses jovens. Então, é natural que o resultado seja muito ruim.
Vale ressaltar que, os prejuízos trazidos pelo aprisionamento de pessoas são incontáveis, vão bem além do impacto social, perpassando pela economia, conforme destaca o Observatório de Segurança Pública (2017):
Além do impacto social de aprisionar milhares de pessoas, Souza lembra que “existe também uma questão orçamentária: a prisão custa caro aos cofres públicos”. No final de 2016 a ministra Cármen Lúcia afirmou que um preso custa 13 vezes mais do que um estudante no Brasil. “Um preso no Brasil custa 2.400 por mês e um estudante do ensino médio custa 2.200 por ano”, disse a magistrada. Ela concluiu, citando uma frase do antropólogo Darcy Ribeiro, que afirmou em 1982 que “se os governadores não construíssem escolas, em 20 anos faltaria dinheiro para construir presídios”. “O fato se cumpriu. Estamos aqui reunidos diante de uma situação urgente, de um descaso feito lá atrás”, disse a ministra.
O ministro do STF, Luís Roberto Barroso em 2017, defendeu a legalização das drogas como forma de frear o aumento da população carcerária, em informação divulgada pelo O Globo (2017):
A crise no sistema penitenciário coloca agudamente na agenda brasileira a discussão da questão das drogas. Ela deve ser pensada de uma maneira mais profunda e abrangente do que a simples descriminalização do consumo pessoal, porque isso não resolve o problema. Um dos grandes problemas que as drogas têm gerado no Brasil é a prisão de milhares de jovens, com frequência primários e de bons antecedentes, que são jogados no sistema penitenciário. Pessoas que não são perigosas quando entram, mas que se tornam perigosas quando saem. Portanto, nós temos uma política de drogas que é contraproducente. Ela faz mal ao país.
Muitas são as propostas e os debates sobre a melhor solução para o caos do sistema de segurança pública, há muito falido, e em sua maioria aos cárceres superlotados com presos por tráfico de drogas conforme já demonstrado desde 2016 quando foram divulgados os últimos dados oficiais.
CAPÍTULO 3: O MODELO DE JUSTIÇA CRIMINAL NO BRASIL
O que se tem é que a Justiça no Brasil, na maioria das vezes, é definida como sinônimo de vingança. Para explicar esse entendimento, destacam-se os dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, de acordo com levantamentos de 2016, que mostra o panorama do sistema prisional, ou seja, da superlotação carcerária no Brasil, a qual em 2016 ultrapassou o patamar de 620 mil presos, detalhe, com capacidade carcerária para apenas 394.835 presos (CNJ, 2017).
Os números, realmente, são alarmantes e colocaram o Brasil em terceiro lugar no “ranking” internacional entre os países do mundo com o maior número de presos. Nesse sentido, o jurista e diretor presidente do Instituto Avante Brasil, Luiz Flávio Gomes explica que:
[…] o crescimento da população carcerária nos últimos 23 anos (1990-2013) chegou a 507% (de 90 mil presos passamos para 574.027). A população brasileira (nos anos indicados) cresceu 36%. Apesar de tantas prisões, nenhum crime diminuiu nesse longo período no Brasil (o que constitui uma prova de que a estratégia não está surtindo o efeito esperado) (GOMES, 2015).
Diante do quadro caótico, resta claro a urgente necessidade de se repensar a Justiça Retributiva brasileira, tendo em vista a necessidade de encontrar alternativas que se mostrem mais efetivas na resolução de conflitos, a fim de diminuir a população carcerária e de fato solucionar os problemas e conflitos sociais. Adiante será tratada da Justiça Restaurativa, uma possível alternativa para reduzir os casos de privação de liberdade.
Antes, no entanto, faz-se necessário discorrer sobre o atual sistema de Justiça Retributiva, para que assim se possam comparar quais aas mudanças trazidas pela nova proposta que se apresenta.
- Justiça Retributiva
Seguindo o que já estudamos nos primeiros capítulos desta pesquisa, percebe-se que a Justiça Retributiva é um modelo bastante antigo. Esse é um modelo em que a justiça se mostra intimamente ligada com a ideia de vingança, herança da Lei do Talião, prevista em Levítico 24: 17-20 (BÍBLIA, 1999).
Em consenso está o pensamento de Howard Zehr, que explica que o processo criminal se preocupa principalmente com o estabelecimento de culpa (2014, p. 63, 67) e que:
[…] os conceitos jurídicos e populares de culpa que governam nossas reações ao crime são confusos e por vezes até contraditórios, mas eles têm uma coisa em comum: são altamente individualistas. O sistema jurídico e valores ocidentais são em geral ditados pela crença no indivíduo como agente livre. Se alguém comete um crime, esta pessoa o fez porque quis. Portanto, a punição é merecida, visto que a escolha foi livre. Os indivíduos respondem pessoal e individualmente por seus atos. A culpa é individual.
Para o processo penal, tão logo seja estabelecida a culpa, espera-se que o ofensor tenha o castigo merecido, pois, como explica Zehr (2014, p. 72), a culpa e a punição são o âmago do sistema judicial.
Ressalta-se que essa punição significa fazer o outro sentir dor como o autor afirma (Zehr, 2014, p. 73): “e o fazemos apesar do fato de que é eticamente questionável infligir dor a uma pessoa a fim de possivelmente coibir outras”.
E depois, segundo Zehr (2014, p. 74):
Os corolários da vitória da justiça e da imposição da dor são esses: os ofensores se veem presos num mundo em que reina a regra do “olho por olho”. Isto, por sua vez, tende a confirmar a perspectiva e experiência de vida de muitos ofensores. Os males devem ser pagos por males, e aqueles que cometeram ofensas merecem vingança.
A âncora do sistema penal tradicional baseia-se em impor castigo advindo da punição acreditando que assim irá inibir o cometimento de novos delitos, e, centraliza as atenções do processo no criminoso e em sua punição, sendo o crime, portanto, uma ofensa a toda sociedade e que o Estado necessita intervir e dar sua resposta em forma de castigo.
Não se vai delongar mais sobre o modelo de justiça retributiva, pois ao longo de todo o trabalho já se tem dito muito sobre este sistema e principalmente o quanto ele está falido e que se faz imprescindível e urgente a necessidade de se pensar em alternativas ao desencarceramento, sem perder de vista a necessidade de se criar uma cultura de paz no Brasil. Nesse sentido, o que vem se apresentando como proposta é a Justiça Restaurativa como modelo de intervenção estatal menos agressiva e impositiva que a justiça retributiva tradicional, sendo o que passamos a estudar.
- Justiça Restaurativa
O conceito de justiça restaurativa voltado para a área criminal, tem suas raízes na Europa e, busca, substancialmente, como meio de aplicação da política penal que é a readaptação social do ofensor, a reparação dos danos causados à vítima e a solução da origem dos conflitos que redundam na prática de determinados delitos. Essa solução se busca retirando ofensor e vítima da condição de meros espectadores do processo penal para que passem a ser protagonistas, com a oportunidade de expor as razões, motivos, angústias e sentimentos que acabam por levar às partes ao litígio.
Para a Justiça Restaurativa a prioridade não é punir o infrator, mas, além disso, definir as necessidades da vítima e também garantir que o ofensor tenha consciência do mal e/ou prejuízo que causou não só à vítima, mas também a todos aqueles que os cercam, nascendo assim à possibilidade de reparação de tais prejuízos (Duarte, outubro/dezembro 2006, p. 47).
A justiça restaurativa fundamenta-se no fato de que as partes são incitadas e estimuladas a se envolverem ativamente no processo, com a preservação de um diálogo em que se deve prezar pelo respeito mútuo com o fim de buscar o congraçamento entre as partes com debates atenuantes e com confrontação de alegações. O diálogo entre as partes deverá ser o suficiente para que seja colocado fim ao processo penal eis que por muitas vezes a vítima acaba por se satisfazer com um pedido formal de desculpas por parte do ofensor, como resultado do diálogo mediado entre as partes.
Nesse sentido, Leonel Madaíl dos Santos (2015, p. 23) preleciona que:
Na justiça tradicional, o arguido e a vítima são, muitas vezes colocados à margem do processo, ficando o discurso delegado nos seus advogados, tornando-o impessoal. Ao serem envolvidos nesta dualidade de escuta e diálogo, o discurso torna-se pessoal, levando a que estes iniciem um processo de empenhamento na resolução do mesmo.
Dessa forma, o que se busca é, não somente restaurar o “status quo” da relação harmônica entre as partes litigantes uma vez que permite e recomenda a participação de todos os cidadãos envolvidos direta ou indiretamente no litigio entre ofensor e ofendido, assim, pode se tornar uma forma de resposta para os desafios enfrentados pela justiça penal.
- A busca da paz social por meio dos princípios da Justiça Restaurativa.
A infração penal acaba por gerar dor, sofrimento, desalento, desesperança, fragilidade, medo, impotência, revolta, todos os sentimentos negativos na vítima e em seus entes.
Não se pretende com a Mediação penal deixar de aplicar uma punição ao agressor, mas, de como se vai enfrentar essa violência e responsabilizá-lo vai também depender a restauração da vítima, bem como o destino do ofensor no ambiente social. Constitui na verdade umanovamaneira de abordar a justiça penal, com enfoque na reparação dos danos causados às vítimas e relacionamentos, ao invés de tão somente punir os transgressores. Com esse novo enfoque, dá-se uma nova perspectiva, outro sentido, que é o de reparação e de tomada de consciência sobre seus atos nefastos, como explica o Barroso (2006, p. 3): “medindo o ilícito de forma diferente da outra justiça penal, na medida em que nele plasma, prima facie, a consideração pelos prejuízos daqueles decorrentes, igualmente avalia, de modo distinto, o sucesso da sua aplicação”, enfatizando que “mais importante que a extensão da sanção penal é a capacidade desta reparar os danos causados e evitar a sua repetição no futuro” (grifos do autor).
Assim, com a proposta da Justiça Restaurativa, de apostar em uma participação global na decisão penal (passando pelas considerações da vítima, pelos argumentos do delinquente, pelas necessidades dos membros da comunidade que foram afetados pelo crime) Barroso (2006, p. 3) vê: “como uma nova forma de resposta societária a alguns dos desafios penais do Séc. XXI”, quebrando a rigidez do sistema de justiça criminal formal, que vive uma crescente crise de credibilidade e principalmente de eficácia ao não dar respostas eficientes às vítimas, nem ressocializar/reintegrar os infratores, muito menos impedir a instauração de um estado de violência dentro e fora dos presídios brasileiros.
Brancher (2012, p. 1) explica que, “inspirada em modelos de justiça tribal, a Justiça Restaurativa nos desafia a ressignificar os valores fundamentais que condicionam as atuais práticas de Justiça, sobretudo no enfrentamento da violência e da criminalidade”.
Hoje o que se tem é uma responsabilização passiva, de receber a punição decorrente do processo penal, para com isso esperar-se um convencimento da atitude indesejada socialmente por parte da justiça e da sociedade, com a Justiça Restaurativa o que se pretende é algo muito maior, é uma responsabilidade que se funda na liberdade e não na submissão, não mais na mera obediência cega e sem reflexão do agente. Dando assim uma nova abordagem para a questão do crime e por consequência da violência instalada no País.
Brancher (2012, p. 1), ao discorrer sobre a proposta de justiça baseada na mediação, afirma que:
A Justiça Restaurativa define uma nova abordagem para a questão do crime e das transgressões que possibilita um referencial paradigmático na humanização e pacificação das relações sociais envolvidas num conflito. Como a questão da violência e da criminalidade está, em regra, associada a relações conflitivas que evoluem de forma descontrolada, as denominadas práticas restaurativas – soluções de composição informal de conflitos inspiradas nos princípios da Justiça Restaurativa – tem passado a representar uma poderosa ferramenta de implementação da cultura de paz em termos concretos. Questionar a forma como se exerce justiça tem repercussões não apenas no campo da Justiça formal, aquela praticada institucionalmente, através do Poder Judiciário, mas se revela de profundo impacto no âmbito cultural e das práticas sociais.
Assim, quando as práticas da justiça formal essencialmente retributiva e punitiva – passam a ser circunspectas com base numa ética de inclusão, no diálogo e na responsabilização social, Brancher (2012, P. 1) entende que o resultado será positivo, vez que “o paradigma da Justiça Restaurativa promove um conceito de democracia ativa que empodera indivíduos e comunidades para a pacificação de conflitos de forma a interromper as cadeias de reverberação da violência”.
No entendimento de Eduardo Melo (2006, p. 96) o encontro com a o sofrimento do outro (vítima-agressor-vítima) possibilita um processo de interiorização da relação conflitiva nas pessoas envolvidas capaz de leva-las a assumir uma responsabilidade efetiva, formativa e emancipadora, “num pretenso processo pedagógico de humanização”.
O sistema punitivo tradicional concentra-se fundamentalmente nos papéis da polícia, do promotor, do juiz e na figura do acusado e seu defensor, ao mesmo tempo em que remete a considerações abstratas a respeito da transgressão ou não da norma pelos fatos ocorridos tipificados, para então castigar. Como se observa, nesse contexto, deixa-se de lado a figura da vítima, e, sobretudo, em regra deixa a descoberto os danos materiais e, sobretudo psicológicos produzidos pela infração à pessoa da vítima e as pessoas da comunidade afetiva, tanto desta como do infrator os quais também sofrem com os resultados da infração. Ao desviar a atenção do dano – ou do trauma social produzido pela infração – a Justiça tradicional, denominada retributiva, tende a desincumbir emocionalmente o infrator, tendo em vista que não abrem espaços para a sinceridade, para a transparênciafraterna e para o diálogo componentes essenciais a qualquer processo de pacificação.
Daí o que se tem como resultado ao longo de anos, é o encarceramento em massa, o aumento da violência e o descontrole do Estado sobre os efeitos nefastos com a ausência da cultura de paz na sociedade. No entanto, como resultado natural, quando se restaura a justiça, a paz (individual e social) também é restaurada.
Vale ressaltar que, a proposta restaurativa não é a de substituir a retributiva, mas é coexistir pacificamente com aquela. É o que bem explica Brancher (2012, p.3):
A Justiça Restaurativa não é proposta como uma forma de justiça alternativa, mas como uma forma de solução paralela, que deve conviver com a justiça tradicional, visto ser aplicável em circunstâncias peculiares, pois depende fundamentalmente da admissão pelo transgressor quanto à verdade dos fatos, bem como da concordância de todos os interessados na solução do problema. Também não se confunde com as correntes jurídicas do abolicionismo penal, visto que não prega a impunidade. Ao contrário, combina elementos aparentemente contraditórios como assistência e controle, ou afeto e limites, de forma a assegurar maior intensidade na resposta pública à questão do crime e das transgressões. Apesar disso, os princípios éticos da Justiça Restaurativa permitem compreender que a desconstrução dos mecanismos tradicionais da justiça, ao menos na sua versão preponderantemente punitiva, passa a representar não só uma opção política viável, mas também um horizonte desejável para o futuro das instituições do Estado Democrático de Direito, dos Direitos Humanos e da Democracia.
Observa-se que a proposta restaurativa cuida do crime como um problema interrelacional no qual o infrator é convidado a assumir a responsabilidade pelas consequências do seu ato, bem como pelos prejuízos (materiais e morais) causados à vítima.
- Justiça Restaurativa no sistema penal
Se de um lado os notórios problemas sociais de encarceramento exacerbado aumentam o índice de violência levando insegurança à sociedade, por outro o Estado mantém-se incapaz de resolver as demandas das conflagrações sociais, consequentemente, tende-se a buscar alternativas para dirimir os conflitos, como a arbitragem, a conciliação, a negociação e, com especial destaque nesse estudo para a mediação.
Beccaria, (1998, p.64) citando Montesquieu o qual reconheceu que “toda pena que não deriva de absoluta necessidade é tirânica”, e continua, “Proposição que pode tornar-se mais geral da seguinte forma: todo o acto de autoridade de um homem sobre outro homem que não derive de absoluta necessidade é tirânico”. Nesse sentido é que, aliado à inconteste necessidade de busca de aplicação de medidas não privativas de liberdade para a composição de litígios e, ainda, a busca pela restauração da paz social é que a mediação penal surge como alternativa viável para a contribuição ao desencarceramento e resolução de problemas sociais, com redução da violência.
No sistema penal tradicional subsiste a ideia de que para cada crime deve existir um castigo, uma punição, e acaba por centralizar todo o processo no infrator e em sua pena deixando em segundo plano a vítima e as consequências do crime, enquanto a justiça restaurativa busca aprumar as partes envolvidas e também busca prevenir e evitar o cometimento de novos ilícitos.
Para Fernando Vázquez-Portomeñe Seijas (2010, p. 315), esta forma de resolução dos conflitos penais vem encontrando um marco favorável de implementação nos vigentes sistemas político-jurídico europeus, sendo isto impulsionado pela junção de diversas “circunstâncias políticas, sociais, culturais e econômicas – entre elas a crise do paradigma ressocializador como cobertura ideológica das penas privativas de liberdade e a adoção de uma normativa incentivadora a nível europeu –”, posicionando os programas de mediação penal de adultos na mira da atual política criminal espanhola e internacional.
Em se tratando da America Latina, a Colômbia tem se destacado como modelo de um País latino-americano com características, quanto à violência, muito semelhantes às do Brasil, que já incorporou o seu Programa de Justiça Restaurativa até na Constituição, e o fez já em 2002 (art. 250), além de está estabelecido em sua legislação ordinária, artigos 518 e ss do Código de Processo Penal Colombiano. O Chile também prevê a justiça restaurativa em seu processo penal, assim como a Bélgica (desde 1994 o seu Código de Processo Penal tem o novo artigo 216, introduzindo “a regulação do processo de mediação em matéria penal”). Diversos outros países também contemplam esta forma de resolução de litígios criminais (Argentina, Áustria, Holanda, Finlândia, Noruega, França, Inglaterra, Austrália, Alemanha, Espanha, Portugal, México, África do Sul, os pioneiros Canadá, Estados Unidos da América e Nova Zelândia etc.).
No Brasil, somente em 2010 é que o instituto da mediação foi mais bem difundido com a Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça[2], que dá diretrizes para a implantação de política nacional de tratamento de conflitos de interesses, que, aliados aos institutos jurídicos já existentes possibilitam um caminhar, mesmo que ainda inicial, da mediação no país como meio de desafogar o Poder Judiciário e contribuir para a busca da pacificação social e redução da violência, bem como o desencarceramento.
- O instituto da mediação
O Instituto da Mediação usado como um dos mecanismos de efetivação dos objetivos da Justiça Restaurativa tem conceito abrangente e assume um papel relevante principalmente nos crimes em que ocorrem danos psicológicos ou morais contra a vítima. Regularmente a vítima sente-se recompensada ao ser lhe proporcionado oportunidade de expressar-se num ambiente neutro bem como sente a diferença ao poder ouvir do infrator a assunção da culpa e o compromisso de um futuro sem conflitos.
Daí que o uso da resolução alternativa de conflitos é estimulado por vários órgãos governamentais e não governamentais, dentre eles, a ONU, que em 1985 já incentivou a aplicação de mecanismos informais destinados a resolução de conflitos conforme estabelecido no item 7 da Declaração dos Princípios Fundamentais de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder.[3]:
Os meios extrajudiciários de solução de diferendos, incluindo a mediação, a arbitragem e as práticas de direito consuetudinário ou as práticas autócnes de justiça, devem ser utilizados, quando se revelem adequados, para facilitar a conciliação e obter a reparação das vítimas.
Vale ressaltar que a mediação tem sua base nos princípios gerais do direito e também em princípios próprios. Em Portugal a Lei nº. 29/2013, de 19 de abril estabelece os princípios gerais aplicáveis à mediação enquanto no Brasil os princípios são estabelecidos na Lei 13.140, de 26 de junho de 2015 a qual em seu primeiro artigo além de informar sobre o teor da lei também define o que vem a ser Mediação no campo jurídico:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a auto composição de conflitos no âmbito da administração pública.
Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia. (Grifo nosso).
Da Lei[4], observa-se que a autonomia da vontade das partes prevalece, na medida em que deve ser preservada a liberdade das partes para se submeterem à tentativa de resolução do conflito através da mediação por um terceiro, o mediador, que deverá atuar com imparcialidade, além disso, assim como no juiz, na mediação a independência do mediador bem como sua credibilidade devem existir. Já no que se refere a confidencialidade, esta na mediação é regra enquanto que no juiz, não – já que todas as informações do litígio e das partes devem ser mantidas sob sigilo, não sendo lícito utilizar quaisquer informações em proveito próprio ou de terceiros. A Lei estabelece ainda como princípios que regem a mediação a informalidade, a oralidade, a boa-fé das partes bem como a busca pelo consenso na mediação (art. 2.º, incisos I a VII da Lei 13.140, de 26 de junho de 2015). (Grifos nosso)
Diante dos elementos aqui elencados sobre o instituto da mediação, nos conduz a análise de que esta se revela como uma justiça horizontal, saindo do verticalismo estabelecido pela justiça tradicional, uma vez que oferece condições e elementos que propiciam a restauração entre as partes, incentivando a participação efetiva dos envolvidos no litigio para a efetivação da justiça.
Constatadas as diretrizes da Mediação importa-nos analisar a aplicação de tal Instituto no âmbito penal, como verdadeira alternativa ao sistema carcerário tradicional, já há muito falido.
Ressalta-se que ainda há na Legislação brasileira uma norma própria que regulamente a Mediação Penal, assim, essa vem sendo aceita e permitida em alguns institutos, como, por exemplo, no Juizado Especial Criminal, Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995, porém, ainda de forma esquiva. Mais recentemente foi promulgada a Lei 13.140 de 26 de junho de 2015 que trata no art. 1º os objetivos e conceito da mediação, no entanto, com enfoque para relações contratuais cíveis e autocomposição de conflitos no âmbito da administração Pública, conforme já citado anteriormente.
Além das características próprias da mediação que já citamos, o processo de mediação penal obedece a outros aspectos próprios, fazendo necessário destacar-se aqui uma característica importante, que é a interdisciplinaridade uma vez que tendo em vista a complexidade dos casos em que a mediação penal pode ser aplicada, muitas vezes é fundamental uma equipe de mediação com capacidade de apregoar e agregar diferentes pontos de vistas.
Em relação à característica da informalidade na mediação penal ocorre pelo fato de as partes serem livres em agir, bem como pela amenidade das formas nas fases desse processo que se contrapõem ao rigor existente no processo penal tradicional. Muito embora a mediação penal seja menos rígida, há também fases processuais a serem respeitadas com o fim de atingir o objetivo conciliatório da mediação.
Reitera-se aqui que, embora a resolução nº 125 do CNJ vise incorporar as conciliações nos procedimentos processuais penais, essa enfatiza a importância de tratativas menos agressivas na seara criminal que a mediação proporciona ao possibilitar a composição do dano por parte do ofensor (artigos 72 e 89 da Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995).
- Mediação penal como via de acesso à justiça
A Constituição Federal de 1988, artigo 5º, XXXV, traz o Acesso à Justiça como um Princípio Constitucional Fundamental, do qual se entende que este busca assegurar, aos indivíduos, não só o direito de ação, mas o efetivo direito à justiça célere, individualizada, com respostas efetivas, e, nesse painel, se insere a resolução de conflitos por meios alternativos.
Em outro diapasão entende-se o “Acesso à Justiça”, como sendo o acesso a uma ordem jurídica justa. Vale ressaltar que o dicionário de sinônimos traz uma série de definições para “justo”, que, entre outros seria o mesmo que: “probo, respeitável, honesto, digno, honrado, correto, imparcial, justiceiro, equânime, legítimo, fundado, legal, racional, razoável, ajustado, acertado, adequado, apropriado, conveniente, oportuno, combinado, acordado, harmonioso, pactuado”.
A partir desse ponto de vista de justiça que se concebe a mediação penal como via legal por ser uma alternativa democrática, de forma a fomentar o exercício da cidadania, uma vez que legitima as partes envolvidas no conflito a se reconhecerem como autores da criação literal de uma decisão de justiça que atenda às suas pretensões, a um acordo equilibrado, construído e não imposto.
Sobre o uso da Mediação no âmbito da justiça penal, Leonardo Sica (2009, p. 315) afirma que:
Enfim, revendo as experiências de justiça restaurativa – que é moldura conceitual que viabiliza a mediação em matéria penal – no Canadá e Nova Zelândia, Oxhorn e Slakmon sugerem que esta pode oferecer um lócus concreto para democratizar a justiça e construir cidadania civil de baixo para cima (Idem, p. 205); considerando-se que a mediação pode ser tida como a atividade que melhor realiza os princípios da justiça restaurativa, abre-se chance real para que a mediação assegure a continuidade democrática e integre a cidadania brasileira, preenchendo o vácuo democrático criado pelo atual sistema de justiça.
Nesse sentido de assegurar a democracia na via penal por meio da Justiça Restaurativa é que se passa no próximo tópico a analisar a mediação como forma efetiva de manutenção democrática na justiça penal.
- A mediação como forma de efetiva manutenção do estado democrático de direito
Caldeira (2000, p. 44) correlaciona a democracia com a abertura e indefinição de fronteiras, não com enclausuramentos, fronteiras rígidas e distinções dicotomizadas. Assim, com o modo de atuar hoje da justiça penal de forma vertical, inflexível e fechado resta claro que é ineficiente e não atende aos princípios da democracia faz-se necessário buscar um novo modelo.
Por tudo já argumentado nesse estudo, resta evidenciado que a mediação se apresenta como uma forma eficaz de contribuição à reapropriação, de ativação da participação dos cidadãos na gestão dos conflitos que nascem do crime e, enfim, de aceitar as suas ponderações como um ponto de referência que pode contribuir com a administração da justiça no caso concreto e desta forma direcionar-se ao Estado democrático de direito, se voltando para a garantia da liberdade e a manutenção de concretas possibilidades de desenvolvimento dos indivíduos.
Sica (2008, P. 38) citando Melissa S. Williams (2002), esclarece que a autora:
[…] analisou a relação entre justiça penal e democracia em face do pluralismo cultural, enfocando a situação dos aborígines canadenses. Williams, igualmente, concluiu que a justiça restaurativa é um modelo capaz de abater a seletividade e a iniquidade de um sistema fechado às diversas concepções de justiça que afloram no interior de uma nação. Reconcebendo a justiça através da linguagem, às práticas restaurativas implementadas naquele país, têm conseguido criar um “espaço normativo compartilhado” mais adaptável ao conhecimento local e à compreensão de justiça daquele povo marginalizado, cuja presença na justiça penal tem sido expressiva, sem, no entanto, abalar a estrutura jurídica canadense. Aliás, muito pelo contrário, a sentença R. v.Gladue, da Suprema Corte do Canadá, revelou um processo inverso: as práticas restaurativas introduzidas no sistema por causa da população aborígine estão fornecendo uma base mais rica para aperfeiçoamento da justiça também em casos de não aborígines, impulsionando até mesmo uma mudança expressiva no Código Penal.
Zaffaroni (1991, p. 27) afirma que “é preciso reduzir o exercício de poder do sistema penal e substituí-lo por formas efetivas de solução de conflitos”.
Perceber o processo penal como exteriorização de poder é o corolário para compreender que se faz necessário mantê-lo sob controle e racionalização de seu uso, o que converge, necessariamente, para o tema da democracia, ou, num país ainda imprudente nessa seara, parece adequado associar o processo penal à necessidade de assegurar a continuidade da transição democrática.
Melissa S. Williams citada por Sica (2008, P. 2) lembra que o sistema de justiça criminal tem três funções:
[…] a definição do que é crime; a previsão do processo para determinar culpa ou inocência; a definição e imposição das respostas ao comportamento criminal, sendo que a definição do comportamento criminal pode, efetivamente, representar uma discriminação contra uma particular classe de pessoas, assim como as respostas punitivas podem ser aplicadas de forma diferenciada sobre. Essas impressões iniciais indicam que há afinidades não exploradas entre democracia e ciência penal. Afinidades, por exemplo, que afloram quando tentamos capturar o significado da punição e, mais ainda, a própria justificação dessa prática por meio do processo penal.
Ao congregar democracia, processo penal e mediação, o que se tem é uma análise da justiça penal sob o prisma político-criminal, nesse viés, a mediação penal passa a ser vista como via de acesso para uma reforma substancial e reação penal legítima com reflexos relevantes sobre os mecanismos de habilitação do exercício do poder punitivo.
Segundo Sica (2008, p. 7):
[…] as deliberações, para serem democráticas, devem ser a) inclusivas e públicas; b) livres de qualquer coerção interna ou externa; c) deve ser possível deliberar sobre todos os interesses e desejos contidos no que está sendo deliberado e d) as deliberações visam acordos racionais e motivados.
Encerra-se o tópico com a hipótese de que o uso da mediação em matéria penal pode colaborar na transição para o efetivo Estado Democrático de Direito, tão almejado e debatido desde a Constituição Federal de 1988, mas que vem sendo atenuada por vários fatores, dentre os quais, a resistência articulada por meio do discurso do crime e da violência e através da atuação do sistema judiciário penal.
- Avanços da justiça restaurativa no Brasil
Pontualmente podem-se citar algumas normas que sinalizam o uso da Justiça Restaurativa no Brasil, sendo as mais antigas que se pode citar é o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, do Estatuto do Idoso, de 2003, Lei 9.099, dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, de 1995, o próprio art. 98, I, da Constituição Federal de 1988, ao recomendarem em seus textos normativos o modelo restaurativo. Damásio de Jesus considera também que as penas restritivas de direitos previstas no Código Penal Brasileiro “representam institutos jurídicos que constituem práticas parcialmente restaurativas” (2008, p. 24).
Ressalta-se que em 2005 o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria da Reforma do Judiciário, em parceria com o PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento apoiou três projetos de aplicação experimental da Justiça Restaurativa no Brasil, sendo um deles em Porto Alegre, outro em São Caetano do Sul, ambos abrangendo atividades relacionadas à Justiça da Infância e da Juventude, e outro no Núcleo Bandeirantes/DF, abrangendo os Juizados Especiais Criminais.
Dai pra frente os princípios restaurativos foram sendo divulgados em congressos, debates foram sendo construídos, pessoas foram sendo treinadas para atuarem no âmbito da mediação, publicações científicas foram aparecendo, no entanto, acredita-se que muito ainda precisa ser feito de forma efetiva para que se possa melhor apreender as mais variadas possibilidades de aplicação de tais princípios e assim o Brasil alcançar a tão sonhada paz social e uma alternativa ao sistema carcerário falido que só causa horror na sociedade.
No entanto, o que se detrai do que se pesquisou até aqui é que ainda se necessita maior impulso na efetivação, sobretudo uma maior divulgação para a correspondente mobilização das forças da sociedade civil em torno dessas ideias, pois o que se nota é que praticamente todos os projetos que prosperaram tiveram a iniciativa do Poder Judiciário, que ainda vive apegado ao modelo de justiça criminal tradicional.
Segundo o magistrado Egberto Penido (apud MILÍCIO, 2009) – Co-Coordenador do Centro de Estudos de Justiça Restaurativa da Escola da Magistratura Paulista:
Para o modelo de Justiça Restaurativa emplacar de vez no país, é preciso uma mudança de cultura. “O brasileiro entende que Justiça é vingança, é retaliação. Quem pede Justiça, pede punição. E não é bem assim.” Penido lembra que o atual sistema criminal não ressocializa o infrator, nem satisfaz a vítima. É justamente essa falha que a Justiça Restaurativa tenta corrigir.
De concreto mesmo no Brasil até a presente pesquisa é, que pela falta de uma lei apropriada para o assunto, ainda se pega carona na Lei 9.099/95l, o que limita a aplicação da Justiça Restaurativa, em geral, aos casos de menor potencial ofensivo, mas esse limite não precisaria necessariamente existir, pois outras experiências mundiais mostram que, ao ser um complemento à justiça criminal tradicional, ela também pode ajudar sim em crimes de maior gravidade, como salientaram o juiz Egberto Penido e Maércia Correia de Mello, na Audiência Pública que a Câmara dos Deputados realizou sobre o tema, em 2007, e da qual resultou uma publicação de anais (BRASIL, 2007, p. 45 e 47).
O que se tem no Brasil de concreto e caminhando a longos passos é lege ferenda, que desde 2006 foi proposta pela Comissão de Legislação Participativa, Projeto de Lei nº 7.006/2006, tramitando na Câmara dos Deputados, que propõe:
Ementa
Propõe alterações no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, e da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para facultar o uso de procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais.
Situação: Apensado ao PL 8045/2010
[…]
PL 8045/2010
Projeto de Lei
Situação: Aguardando Constituição de Comissão Temporária pela Mesa
Última Ação Legislativa
Data | Ação |
04/07/2017 | Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 8045, de 2010, do Senado Federal, que trata do “Código de Processo Penal” (revoga o decreto-lei nº 3.689, de 1941. Altera os Decretos-lei nº 2.848, de 1940; 1.002, de 1969; as Leis nº 4.898, de 1965, 7.210, de 1984; 8.038, de 1990; 9.099, de 1995; 9.279, de 1996; 9.609, de 1998; 11.340, de 2006; 11.343, de 2006), e apensado (PL804510) Aprovado requerimento do Sr. João Campos que requer a realização de Audiência Pública com o Ministro da Justiça Torquato Jardim para debater o Projeto de Lei n.º 8.045/2010. |
31/01/2019 | Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 8045, de 2010, do Senado Federal, que trata do “Código de Processo Penal” (revoga o decreto-lei nº 3.689, de 1941. Altera os Decretos-lei nº 2.848, de 1940; 1.002, de 1969; as Leis nº 4.898, de 1965, 7.210, de 1984; 8.038, de 1990; 9.099, de 1995; 9.279, de 1996; 9.609, de 1998; 11.340, de 2006; 11.343, de 2006), e apensado ( PL804510 ) O Relator, Dep. João Campos, deixou de ser membro da Comissão. |
A Justiça Restaurativa não surte efeito apenas para infrações leves, ou de certas áreas do direito, seguindo esse pensamento Zehr (2012, p. 21) afirma que a Justiça Restaurativa “não foi concebida para ser aplicada a ofensas comparativamente menores ou ofensores primários”, nesse sentido é que a experiência internacional tem demonstrado que pode produzir maior impacto justamente nos casos de crimes mais graves.
- Possibilidades jurídicas penais de aplicação da justiça restaurativa no Brasil
Fundamental se faz iniciar este tópico citando o preâmbulo da Constituição Federal do Brasil de 1988, a qual assim se propõe como objetivos principais da Nação:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (Grifos nosso).
Ora, bem se vê do lindo preâmbulo que a Carta Magna já se propõe a busca de um Estado fraterno, fundado na harmonia social e comprometido com a solução pacífica das controvérsias, complementado pelo artigo 3º da mesma Carta que assim elenca entre seus valores fundamentais: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária.
Portanto, a partir dos valores constitucionalmente positivados, pode-se afirmar que o ideal repressivo/retributivo do direito penal e processual penal tradicional deve tender ao minguamento com o passar do tempo e, em termos ideais reduzir-se ao mínimo estritamente necessário.
Distribuídos em todo o texto constitucional pode se observar dispositivos que vem ao encontro com os princípios restaurativos de mediação penal, como por exemplo, dispositivos que expressam maior resistência à solução pacífica dos delitos considerados mais graves (art. 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV); de outro, a determinação expressa para que as infrações de menor potencial ofensivo sejam solucionadas, prioritariamente, por meio da conciliação (art. 98, I):
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;
Joffily (2011, p. 67) defende que, apesar de acolher o modelo da justiça criminal retributiva, a Constituição de 1988 elegeu o modelo de justiça criminal restaurativa, como objetivo a ser perseguido:
O sentido para o qual aponta a seta (´!) que representa graficamente o mencionado vetor axiológico – de uma menor tolerância e maior punição ruma a uma menor tolerância e maior conciliação – é dado pelos objetivos fundamentais da solidariedade (art. 3º, I) e da erradicação da marginalização (art. 3º, III), que conduzem a formas pacíficas de solução das controvérsias (preâmbulo), haja vista a progressiva construção de uma sociedade fraterna e igualitária. Tais dispositivos, ao contrário do que possa parecer, não formam um emaranhado de regras e princípios desconectados, mas verdadeiro sistema de redução permanente dos mecanismos violentos de solução de conflitos.
Em contraponto ao senso comum societário, que acredita e defende o poder punitivo como instrumento imprescindível para qualquer Estado de paz, seja ele democrático ou totalitário.
CAPITULO 4: A LEI DE DROGAS[5]
- Considerações iniciais
Pois bem, a Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas instituiu uma nova forma de olhar para o problema das drogas no País, especialmente do ponto de vista jurídico, invertendo a forma de tratar o assunto que é tão complexo.
Anteriormente disciplinado pelas Leis n°. 6.368/76 e Lei n°. 10.409/02, que tratavam do tema de forma penalista, deixando de lado a vertente sociológica, em 2006 a lei já sinalizou que o legislador percebe que o problema é muito maior e carece de tratamento além do penalismo, mas que envolvia uma série de outras ciências as quais devem atuar de forma transversal no enfrentamento do problema.
Coutinho Junior e Cardoso (2019, p. 17), falando sobre o assunto assim afirmam:
O novo diploma legal, nosso legislador expressou uma maior preocupação ao aspecto sociológico e clínico acerca do tema. Percebe-se que o problema não era apenas de direito penal, mas que envolvia assistência social, critérios criminológicos, politicas públicas e uma série de outros fatores que contribuem para a disseminação, em todo o território nacional, de substâncias entorpecentes.
De inicio percebem-se no texto da lei que fica estabelecido algumas diferenças entre os envolvidos com drogas, como por exemplo, ao tratar de maneira diferente, usuário, dependente e traficante, aonde para este ultimo ainda se inseriu uma distinção entre o traficante profissional e o pequeno e eventual.
Outro ponto abordado na lei de 2006 em relação às anteriores foi quanto à nomenclatura da lei, deixou de ser “Lei de Entorpecentes”, e passou para “Lei de Drogas” em todo o corpo textual, mudança que veio no sentido de se ajustar ao adotado pela Organização Mundial (OMS) de saúde, quando se refere a produtos capazes de causar dependência, a qual define droga como toda e qualquer substância que, introduzida no organismo seja capaz de causar alguma alteração, podendo ser de origem natural ou mesmo sintética.
Com essa mudança de expressão a lei de drogas segundo Coutinho Junior e Cardoso (2019, p. 19), “o termo “droga” utilizado pela Lei 11.343/06 está de acordo com o panorama internacional (“narcotic drugs”) e substitui o termo “entorpecente” utilizado na Lei 6.368/76”.
Para esta lei, usuário é aquele individuo que usa droga esporadicamente em locais e circunstâncias favorável, mas sem dependência, já o dependente á aquela pessoa que passou do estágio de usuário e se tornou dependente, ou seja, perde o controle sobre seus comportamentos, sendo dependente químico. Já o traficante é a pessoa que comercializa a droga, sendo este o tipo mais perigoso, pois coordena todo o esquema com o fim de atingir os consumidores e obter lucro.
Se referindo ao traficante Coutinho Junior e Cardoso (2019, p. 21) fazem a seguinte afirmação:
Encontrar um traficante é uma tarefa difícil, pois conseguem muitas vezes um sistema de proteção, com um serviço de informação, que chega a fazer inveja à própria policia, onde podemos observar a participação de menores que quando há qualquer tipo de operação policial nos pontos de drogas avisam com antecedência os traficantes a presença da força policial.
A Lei 11.343/2006 instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD e indica medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, estabelecem normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, define crimes e dá outras providências.
Tida como uma norma penal em branco, heterogênea, pois necessita de complementação por outro diploma legal para que seja possível o entendimento dos limites e das imposições nela contidos a fim de viabilizar sua aplicação, o que resta evidenciado pelas disposições contidas em seus artigos 1º e 66, que dispõem:
Art. 1°. Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. o desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS n°. 344, de 12 de maio de 1998.
Fica a cargo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, autarquia vinculada ao Ministério da Saúde e que tem por finalidade promover a proteção da saúde da população por meio do controle sanitário, é responsável por atualizar a Lista de Substâncias Entorpecentes, Psicotrópicas, Precursoras e Outras sob Controle Especial. Anexo à Portaria 344/1998, da NAVISA, esse regulamento técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial é fundamentado, sobretudo, nas Convenções sobre drogas das Nações Unidas.
- O crime de tráfico de drogas – comentários aos artigos 28 e 33
Para analisar o artigo 28 da Lei 11.343/2006, iniciar-se há citando o texto legal o qual assim estabelece:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: (grifo nosso).
§ o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
Inicialmente observa-se que o legislador identificou aqui o usuário, no entanto, após doze anos de vigência da nova lei, paira sobre os ombros do juiz a dificuldade de diferenciar o usuário do traficante.
Nesse sentido esclarece Coutinho Junior e Cardoso (2019, p. 57):
Observando, o diploma legal, a conduta daquele que adquire guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, não faz qualquer limitação de ordem quantitativa do objeto material (droga). Em uma interpretação fiel à norma, não importa a quantidade de droga que o sujeito esteja portando, se ínfima ou expressiva. Para a configuração do tipo incriminador basta que ele esteja portando droga para seu consumo.
Vale observar que não ocorreu a abolitio criminis, mas tão somente a mera despenalização, mantendo, portanto, a natureza do crime de usuário de drogas o que Coutinho Junior e Cardoso (2019, p. 55) identificam como sua “característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal”.
Por outro lado, observa-se que as medidas de prevenção e tratamento previstas neste artigo não têm sido adotadas com a seriedade que merecem pelos entes governamentais.
Importante frisar que o objeto jurídico do tipo é a saúde pública, que tal delito atinge secundariamente à vida, saúde e qualidade de vida do individuo.
O objeto principal desse estudo funda-se no artigo 33 da Lei de Drogas, para o qual pratica o crime de tráfico de drogas quem importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Observa-se que se trata de uma variedade de condutas todas relacionadas às drogas.
O objeto jurídico é a proteção da saúde, o equilíbrio sanitário da coletividade, que pode vir a ser abalado pela prática das condutas aqui previstas, é tido como de perigo abstrato o tráfico de drogas, daí que para configurar o crime basta a conduta do agente não necessitando de provas quanto ao perigo.
O crime pode ser praticado por qualquer pessoa, com exceção ao “prescrever”, que só pode ser praticado por médico ou dentista e no polo passivo encontra-se a coletividade.
Alerta-se que, para o caso da conduta de “adquirir” o entendimento do STJ e STF é de que o crime se completa quando ocorre o acordo entre comprador e vendedor, não sendo necessário a tradição da droga: “RESP 1.215-RJ, SEXTA Turma, DJ 12/3/1990. Conclui-se, pois, que a negociação com aquisição da droga e colaboração para seu transporte constitui conduta típica, encontrando-se presente a materialidade do crime de tráfico de drogas. (HC 212.528-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 1°/9/2015)”.
Ressalta-se que existe a possibilidade da modalidade no modo tentado, apesar de não ser majoritário tal entendimento conforme bem explica Coutinho Junior e Cardoso (2019, p. 77):
Apesar de que na doutrina prevaleça a opinião de que o delito de tráfico não admite a tentativa diante de sua difícil configuração entendemos que pode ocorrer mesmo que de maneira rara como, por exemplo, quando que o agente tenta importar a droga, mas ela não chegue a ingressar no território brasileiro ou quando tenta exortar a droga, mas não consegue fazer a droga sair do país.
Esse entendimento, no entanto, pode ser questionado uma vez que, conforme anteriormente citado, STJ e STF estas cortes consideram concretizado o fato no momento em que ocorre o acordo entre as partes, ou seja, se o agente negocia a importação da droga e antes que esta lhes seja entregue, já ocorreu o fato típico, não importando se o produto foi interrompido no meio do caminho.
Um considerável avanço na política de drogas no Brasil, o § 4°, art. 33, que o legislador, visando beneficiar o pequeno e eventual traficante e desestimular sua continuidade delitiva, trouxe a previsão do tráfico privilegiado, sendo o que se passa a analisar.
- Tráfico privilegiado
Outro ponto relevante trazido pela lei de drogas de 2006 no combate ao encarceramento é a expressa possibilidade de redução da pena para os crimes previstos no art. 33,§4°, de um sexto a dois terços, quando o agente for primário, tiver bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Sendo esta possibilidade o que se denomina por “tráfico privilegiado”, pois concede um benefício exclusivo àqueles agentes que preencham todos os requisitos a que faz referência, conforme traduz Coutinho Junior e Cardoso (2019, p. 99):
Em razão da redução da pena de 1/6 um sexto a 2/3 dois terços, a doutrina e a jurisprudência chamam por tráfico privilegiado o delito de contido no § 4° do artigo 33.
Pois bem para que a aplicação da referida causa de diminuição da pena ocorra é necessário que:
– seja o sujeito primário, isto é não seja reincidente, lembrando que para ser reincidente é necessário que o sujeito tenha sido condenado definitivamente, antes da data do fato apurado (vide artigos 63 e 64 do Código Penal);
– tenha o sujeito bons antecedentes, ou seja, não responda qualquer outra ação penal;
– não se dedique às atividades criminosas em que integre organização criminosa.
Importante frisar que o STJ já tem decidido (STJ EREsp 1.431.019/SP, Rel. Min. Felix Fischer, j 14/12/2016, DJe 01/02/2017), que para os casos desse dispositivo penal, o fato de existir inquéritos policiais e ou ações penais em curso denotam que o réu se dedica às atividades criminosas, afastando o direito ao privilégio concedido pelo dispositivo legal.
Aplicam-se as benesses do tráfico privilegiado tanto aos crimes do caput do artigo 33 como aos do §1°, preenchido os requisitos pré-estabelecidos no dispositivo legal a diminuição da pena passa a ser um direito subjetivo do agente, pois o legislador não estipulou o quantum seria a diminuição, apenas estabelece o mínimo e o máximo, deixando a cargo do magistrado no caso concreto decidir.
Sobre essa discricionariedade do magistrado, Nucci (2008), apud Coutinho Junior e Cardoso (2019, p. 101) frisa que:
Quantidade de droga: os requisitos para a incidência da diminuição encontram-se expressos no § 4° do artigo 33 da presente lei. Por conseguinte, o juiz não pode considerar como requisito nenhum outro requisito (primariedade, bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa) para a incidência do privilegio, como a quantidade de droga apreendida. A quantidade de droga é analisada na fixação da pena-base, conforme dispõe o artigo 42 da lei, não podendo ser utilizada como requisito para negar a aplicação do § 4°, pois caso o magistrado utilizasse deste critério para também definir o quantum de diminuição da pena ocorreria o bis in idem. (grifos do autor).
Nesse sentido a Corte Suprema já tem Julgados reafirmando esse entendimento, como é o caso do HC n° 108.513/RS; HC 112.821/RS; HC 28.138/SP, nesse último o Ministro Ricardo Lewandowski frisou, “A quantidade de drogas não constitui, isoladamente, fundamento idôneo para negar o benéfico da redução da pena”. (grifo nosso).
Desprezando tal dispositivo e até mesmo o STF, alguns membros do Judiciário brasileiro a ainda insistem em reconhecer qualquer conduta relacionada ao tráfico de drogas como crime hediondo, obstando a concessão das benesses legais a pequenos traficantes, conforme pode ser visto nos julgados a seguir:
Execução Penal – Indulto – Condenação pelo crime previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 – Delito equiparado ao crime hediondo São equiparados a hediondos, nos termos do art. 2º da Lei n. 8.072/1990 e do art. 5º, XLIII, da CF, os crimes de tortura, de terrorismo e de “tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins”. Cumpre observar que esta última expressão não se restringe, contudo, ao tipo penal previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006, devendo abranger, antes, todos os crimes previstos no Capítulo II, do Título IV, do mesmo diploma legal. Destaque-se não constar em nenhum dos tipos penais ali previstos qualquer rubrica referente ao “tráfico de entorpecentes” ou à conduta de “traficar”, cuja menção é efetuada apenas na denominação do Título IV, de mencionada Lei n. 11.343/2006, que versa a “repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas”. A melhor interpretação do texto legal deve ser no sentido de serem todas as condutas ali descritas espécies, ou modalidades, diversas de um mesmo gênero, tráfico. Todas elas se submetem, pois, às restrições referentes aos crimes hediondos ou a estes equiparados, dentre as quais a vedação à obtenção de indulto, nos termos do art. 2º, I, da Lei n. 8.072/1990. (BRASIL; TJSP; Agravo de Execução Penal 7011586-66.2017.8.26.0050; Relator (a): Grassi Neto; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Criminal; Foro Central Criminal Barra Funda – 2ª Vara das Execuções Criminais; Data do Julgamento: 14/06/2018; Data de Registro: 15/06/2018).
Acima, o Tribunal de Justiça de São Paulo, negou a existência de distinção entre os crimes previstos no art. 33, concluindo que todas as condutas ali previstas merecem censura equivalente à dada a quem pratica os crimes previstos na Lei 8.072/90. Seguindo tal decisão ainda tem-se outra decisão do mesmo Tribunal:
Agravo em execução. Indulto deferido com fulcro no Decreto 9.246/2017. Insurgência ministerial. Acolhimento. Tráfico de drogas que é insuscetível de indulto e/ou comutação. Vedação constitucional da benesse ao traficante, ainda que aplicada a redução da pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 e independentemente da discussão acerca do caráter hediondo da conduta. Recurso ministerial provido para cassar o benefício concedido e determinar a retificação do cálculo de penas. (BRASIL; TJSP; Agravo de Execução Penal 0001026-32.2018.8.26.0154; Relator (a): Sérgio Coelho; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Criminal; São José do Rio Preto/DEECRIM UR8 – Unidade Regional de Departamento Estadual de Execução Criminal DEECRIM 8ª RAJ; Data do Julgamento: 07/06/2018; Data de Registro: 15/06/2018)
Em outro sentido, no entanto, segue o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais que já adotou o precedente advindo do posicionamento do STF, consoante se observa em seus julgamentos abaixo:
EMENTA: APELAÇÃO – TRÁFICO DE DROGAS – PRELIMINAR – OFENSA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ – INOCORRÊNCIA – MÉRITO – CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO §4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06 – APLICAÇÃO – REGIME PRISIONAL – ABRANDAMENTO – SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITO – AFASTAMENTO DA HEDIONDEZ DO TRÁFICO PRIVILEGIADO – NECESSIDADE. 1- O Princípio da Identidade Física do Juiz não é absoluto, devendo sua aplicabilidade ser mitigada nos casos em que o Magistrado, apesar de ter presidido a instrução, deixa de ter competência para o julgamento do feito em virtude de promoção. 2- A incidência da Causa Especial de Diminuição de Pena prevista no §4º do art. 33 da Lei 11.343/06 postula a satisfação de todos os requisitos previstos em lei. 3- Contanto que se observem os requisitos legais (art. 33, §§ 2º e 3º, do CP), é possível ao condenado por Crime de Tráfico de Drogas o cumprimento da pena corporal em regime inicial diverso do fechado. 4- A pena privativa de liberdade poderá ser substituída por restritivas de direito quando presentes os requisitos legais (art. 44 do CP). 5- O Crime de Tráfico de Drogas, quando reconhecida a minorante do §4º do art. 33 da Lei 11.343/06, não deve ser considerado hediondo (Precedente, Habeas Corpus 118.533/MS). (BRASIL; TJMG – Apelação Criminal 1.0024.13.246324-1/001, Relator(a): Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini , 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 05/06/2018, publicação da súmula em 15/06/2018).
Tais decisões revela sensatez por parte dos magistrados do tribunal mineiro, possibilitando que réus que preenchem os requisitos do art. 33, §4º, da Lei de Drogas cumpram pena em regime inicial distinto do fechado. Vejamos uma decisão que fixou como pena o regime semiaberto:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO PRIVILEGIADO. PENA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. CRIME NÃO HEDIONDO. REGIME SEMIABERTO MAIS ADEQUADO À ESPÉCIE. SUBSTITUIÇÃO DA REPRIMENDA CORPORAL POR OUTRAS ALTERNATIVAS. INVIABILIDADE. MEDIDA NÃO RECOMENDÁVEL SOCIALMENTE. OFICIAR. 1. Conforme decisão, por maioria, do eg. Supremo Tribunal Federal, no HC 118.533, o chamado “tráfico privilegiado” não deve ser considerado crime de natureza hedionda. 2. O regime inicial de cumprimento de pena deve ser fixado segundo as regras do Código Penal, em observância, também, às disposições do artigo 42 da Lei 11.343/06. 3. Atento ainda aos critérios do art. 42 da Lei especial, deve ser fixado o regime inicial semiaberto na espécie, sendo inviável a substituição da reprimenda corporal por outras alternativas, por não ser a medida socialmente recomendável ao caso concreto. 4. Oficiar. INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. CRIME NÃO HEDIONDO. REGIME Des.(a) Marcílio Eustáquio Santos , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 30/05/2018, publicação da súmula em 08/06/2018).
Essa discrepância nas decisões tem levado a violação do Principio Constitucional da igualdade no país ao passo que réus condenados por idênticas condutas tipificadas ficam sujeitos ao alvedrio de seus julgadores e têm seus destinos traçados de forma diferente, mesmo tendo incorrido no crime de tráfico privilegiado.
As consequências de tais decisões divergentes entre os juízes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e de São Paulo, causam prejuízos desastrosos para a segurança pública do país bem como cria um estado de descrédito no judiciário e no poder do Estado na medida em que pessoas incursas no mesmo crime poderão ter suas penas privativas de liberdade substituídas por restritivas de direito (art. 44, do CP), ou serem favorecidos pelo livramento condicional após o cumprimento de 1/3 da pena quando sentenciados em Minas Gerais, enquanto que aqueles submetidos ao crivo de algumas câmaras da corte paulista serão mantidos na prisão e terão que esperar mais tempo para delas sair, o que os tornam presas fáceis de organizações criminosas que dominam as cadeias brasileiras contribuindo para o círculo vicioso da violência.
Apesar da discricionariedade dada ao juiz de decidir o quantum da diminuição da pena, presentes os requisitos do § 4°, a decisão deve ser motivada, sob pena de anulação da decisão, senão vejamos recente decisão do STJ:
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 33, CAPUT, DA LEI N.º 11.343/2006. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. UNÍSSONAS DECLARAÇÕES DAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO, RATIFICADAS PELOS DEPOIMENTOS COLHIDOS PERANTE O DOUTO JUÍZO A QUO, SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. DEPOIMENTO DE POLICIAIS MILITARES. MEIO IDÔNEO DE PROVA. PRECEDENTES DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DO ART. 28 DA LEI DE DROGAS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOSIMETRIA DE PENA. TRÁFICO PRIVILEGIADO. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/2006. PLEITO DE APLICAÇÃO DO COEFICIENTE DE DIMINUIÇÃO PELO TRÁFICO PRIVILEGIADO EM SEU MAIOR GRAU. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NA SENTENÇA NA ESCOLHA DO PATAMAR. NECESSÁRIA APLICAÇÃO NO MÁXIMO LEGAL. REFORMA DA TERCEIRA FASE DO BALIZAMENTO DOSIMÉTRICO. REDIMENSIONAMENTO DA PENA. CONSEQUENTE DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO, DA EXTINÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL, NA MODALIDADE RETROATIVA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. JUSTIÇA GRATUITA. MATÉRIA ATINENTE AO JUÍZO DE EXECUÇÃO. PRECEDENTES. APELAÇÃO CRIMINAL CONHECIDA E, PARCIALMENTE, PROVIDA. DE OFÍCIO, DECLARADA A EXTINÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL, NA MODALIDADE RETROATIVA. 1. In casu, a materialidade do delito resta presente no Auto de Exibição e Apreensão, o qual noticia que foram encontradas, em posse do Apelante, “22 (vinte e duas) trouxinhas de substância tipo pasta de coloração alaranjada embaladas em plásticos transparentes supostamente entorpecentes; a quantia de R$ 28,00 (vinte e oito reais)” , assim como, no Laudo Definitivo de Exame em Substância, o qual atesta, como sendo “cocaína”, o material apreendido, correspondente ao total de 46,88 g (quarenta e seis gramas e oitenta e oito centigramas) de substância ilícita, acondicionada em 22 (vinte e duas) embalagens confeccionados em material plástico transparente. 4. […] Relativamente à dosimetria de pena, verificou-se que o MM. Juiz sentenciante aplicou a causa especial de diminuição da pena, prevista no art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/2006, em virtude de se tratar de Réu primário, bem como, não haver indícios de que o Acusado se dedique às atividades criminosas ou integre organização voltada para o crime, minorando a pena em 1/2 (metade), sem apresentar, todavia, fundamento para a aplicação da fração. 10. É cediço que presentes os requisitos para o reconhecimento da causa de diminuição do Tráfico Privilegiado, fica a critério do juiz a escolha da fração redutora, que deverá motivar a sua decisão, sob pena de se conferir ao Réu o direito à diminuição da pena no grau máximo (2/3), conforme entendimento firmado no colendo Superior Tribunal de Justiça. 14. Apelação Criminal CONHECIDA E, PARCIALMENTE PROVIDA. DE OFÍCIO, DECLARADA A EXTINÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL, NA MODALIDADE RETROATIVA.
(TJ-AM – APL: 02463468320138040001 AM 0246346-83.2013.8.04.0001, Relator: José Hamilton Saraiva dos Santos, Data de Julgamento: 08/04/2019, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 08/04/2019)
- A hediondez do crime de tráfico de drogas
A Constituição Federal de 1988, no artigo 5°, inciso XLIII, inclui o crime de tráfico de drogas entre os crimes com pena de aplicadas aos crimes hediondos, equiparando assim tal conduta: “XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, […]”.
Tal dispositivo legal foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal, que optou por amenizar a previsão nele insculpida como equiparada a crime hediondo, em julgamento do HC 118.533/MS, o que possibilita que réus incursos nos requisitos do tráfico privilegiado possam usufruir o direito subjetivo e tenham suas penas reduzidas de um sexto a dois terços e também possam iniciar o cumprimento da pena em regime menos gravoso.
- A progressão de regime do agente condenado pelo crime de tráfico de drogas
Após uma série de debates sobre o impedimento de progressão de regime nos casos de crimes hediondos nas cortes do país bem como pela doutrina, o STF editou a Súmula Vinculante 26, e pôs fim ao debate, definindo que:
Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
Assim, tão logo o condenado atenda aos requisitos objetivos (lapso temporal) e subjetivos (mérito), conforme estabelece a Lei de Execução Penal – LEP, este poderá passar doregime mais severo para o mais brando.
Coutinho Junior e Cardoso (2019, p. 79), alertam que: “[…], uma das finalidades da pena é a reinserção social, ou seja, possibilitar ao sentenciado a sua readaptação à sociedade. Daí a necessidade de o processo de execução ser dinâmico, possibilitando incentivar o sentenciado que forneça resposta ao tratamento penitenciário”.
O que se observava do artigo 2° §1° da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), é que tal dispositivo ao determinar o cumprimento de pena em regime integralmente fechado, esta deixava de atender ao requisito da pena de incentivar o individuo a se corrigir. Nesse sentido o disposto legal em 2007 foi alterado, passando a assim dispor: “§ 1° A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007).
Nas palavras de Coutinho Junior e Cardoso (2019, p. 79):
Ocorre que em julgamento pelo STF em 23 de junho de 2006 (HC 82.989/SP Pleno Rel. Min. Marco Aurelio), foi declarada a inconstitucionalidade da redação original do artigo 2° paragrafo 1° da Lei 8.072/90, pois haveria ofensa à individualização da pena, portanto não se pode privar o sujeito, do direito de progressão, ficando a cargo do juízo da vara de execuções criminais, apreciar cada caso analisando tanto os requisitos objetivo e subjetivo elencados no artigo 112 da LEP.
Seguindo esse entendimento, o STF em julgamento do HC 111.840/ES, entendeu que a expressão “inicialmente” também é contrária ao princípio penal da individualização da pena e declarou inconstitucional. No entanto, como essa decisão se deu incidentalmente, não criou sumula vincilante. Coutinho Junior e Cardoso (2019, p. 81), explicam que” consequentemente, a jurisprudência do STF e do STJ passou a admitir a fixação do regime semiaberto ou do regime aberto aos condenados por crimes hediondos ou equiparados, inclusive o tráfico de drogas”.
Assim, o que se tem hoje é que, para crimes hediondos já não sobsiste a regra da pena se iniciar no regime mais gravoso, e a progressão poderá ocorrer após cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena se o apenado for primário e de 3/5 (três quintos), se reincidente, preenchendo os requisitos legais.
- Regime penal e pena alternativa no crime de tráfico de drogas
O Plenário do STF, no julgamento do HC 97.256, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos prevista nos arts. 33, § 4º, e 44, caput, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). A execução da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos” do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 foi suspensa pela Resolução 5/2012 do Senado Federal, nos termos do art. 52, X, da Constituição, veja HC:
Habeas corpus. Tráfico de drogas. Art. 44 da Lei 11.343/2006. (…) Ordem parcialmente concedida tão somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.
[HC 97.256, rel. min. Ayres Britto, j. 1º-9-2010, P, DJE de 16-12-2010.]
= ARE 663.261 RG, rel. min. Luiz Fux, j. 13-12-2012, P, DJE de 6-2-2013, Tema 626
Vide HC 85.894, rel. min. Gilmar Mendes, j. 19-4-2007, P, DJ de 28-9-2007
Vide HC 82.959, rel. min. Marco Aurélio, j. 23-2-2006, P, DJ de 1º-9-2006
Vide HC 84.928, rel. min. Cezar Peluso, j. 27-9-2005, 1ª T, DJ de 11-11-2005
O Ministro Gilmar Mendes em 2017, em [RE 1.038.925 RG, rel. min. Gilmar Mendes, j. 18-8-2017, P, DJE de 19-9-2017, Tema 959.] assim decidiu sobre a possibilidade de liberdade provisória nos casos de crime de tráfico de drogas, ou seja, o acusado responder em liberdade até sentença condenatória:
Tráfico de drogas. Vedação legal de liberdade provisória. Interpretação dos incisos XLIII e LXVI do art. 5º da CF. Reafirmação de jurisprudência. Proposta de fixação da seguinte tese: É inconstitucional a expressão “e liberdade provisória”, constante do caput do art. 44 da Lei 11.343/2006. (grifo nosso).
Em relação à impossibilidade jurídica de aplicação de penas alternativas para os crimes de tráfico de drogas, o HC 97.256 consolidou o entendimento de que é perfeitamente cabível tal aplicação, senão vejamos:
Tráfico ilícito de entorpecentes. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Entendimento consolidado no HC 97.256. Inconstitucionalidade da vedação. Controvérsia constitucional com repercussão geral. Reafirmação da jurisprudência do STF. [ARE 663.261 RG, rel. min.Luiz Fux, j. 13-12-2012, P, DJE de 6-2-2013, Tema 626.]. = HC 97.256, rel. min. Ayres Britto, j. 1º-9-2010, P, DJE de 16-12-2010.
Vale colacionar aqui o informativo 821 do STF, no que tange à fixação do regime bem como da não vedação constitucional de aplicação de penas alternativas aos crimes de tráfico de drogas (STF, 2016):
Primeira Turma
Tráfico de entorpecentes: fixação do regime e substituição da pena
Não se tratando de réu reincidente, ficando a pena no patamar de quatro anos e sendo as circunstâncias judiciais positivas, cumpre observar o regime aberto e apreciar a possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. Com esse entendimento, a Primeira Turma, por maioria, concedeu “habeas corpus” de ofício para garantir ao paciente, condenado à pena de um ano e oito meses de reclusão pela prática do delito de tráfico de drogas, a fixação do regime inicial aberto, bem como a substituição da reprimenda por duas penas restritivas de direito, a serem definidas pelo juízo da execução criminal. O Colegiado ressaltou não haver circunstâncias aptas a exasperar a pena. Vencidos os Ministros Rosa Weber (relatora) e Marco Aurélio. Ambos concediam a ordem de oficio, mas para efeitos distintos. A relatora, para determinar que o magistrado de 1º grau procedesse a nova avaliação quanto ao regime inicial de cumprimento da pena e à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. O Ministro Marco Aurélio, para fixar o cumprimento da pena em regime aberto e reconhecer o direito à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
HC 130411/SP, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, 12.4.2016. (HC-130411)
Seguido pela,
Segunda turma
Tráfico de entorpecentes: fixação do regime e substituição da pena
Não sendo o paciente reincidente, nem tendo contra si circunstâncias judiciais desfavoráveis (CP, art. 59), a gravidade em abstrato do crime do art. 33, “caput”, da Lei 11.343/2006, não constitui motivação idônea para justificar a fixação do regime mais gravoso. Com esse entendimento, a Segunda Turma, após superar o óbice do Enunciado 691 da Súmula do STF, concedeu “habeas corpus” de ofício para garantir ao paciente, condenado à pena de um ano e oito meses de reclusão pela prática do delito de tráfico de drogas, a substituição da reprimenda por duas penas restritivas de direitos, a serem estabelecidas pelo juízo das execuções criminais, bem assim a fixação do regime inicial aberto. O Colegiado entendeu que o paciente atende aos requisitos do art. 44 do CP, razão pela qual o juízo deve considerá-los ao estabelecer a reprimenda, de acordo com o princípio constitucional da individualização da pena.
HC 133028/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 12.4.2016. (HC-133028)
Ao analisar tais decisões percebe-se uma evolução nos tribunais superiores que passam a admitir a aplicação de penas restritivas de direito nos crimes hediondos e aqueles a eles equiparados como é o caso de tráfico de drogas.
- O Sistema Penitenciário Brasileiro no contexto da Lei nº 11.343/06
A lei de drogas é tida como a vilâ da superlotação dos presídios nacionais e local, a política de drogas brasileira não inibe a continuidade de homicídios relacionados ao tráfico de drogas, o qual, segundo o próprio governo, consiste numa das principais causas para tornar o Brasil o campeão mundial em número absoluto de homicídios. Nesse contexto, mudanças consideráveis já foram feitas na lei desde a sua edição em 2006, no entanto, os números mostram que o encarceramento continua sua escalada bem como a violência dentro e fora dos presidiso conforme já demonstrado no decorrer desse estudo.
VELASC0, et al (2019), desde 2017 acompanha dados dos presidios brasileiros e em ana´laise dos resultados da pesquisa associa, conforme será apresentado mais adiante, que a aderência brasileira ao modelo de guerra às drogas, tem levado cada vez mais indivíduos às cadeias, justificando a rigorosidade da lei que apresenta uma lista ao menos 30 condutas típicas ao crime com pena de restrição da liberdade, no entanto, não podemos esquecer que esse enfretamento inciialmente dado pela lei já tem sido alterada pelos tribunais, amenizando e até mesmo admitindo penas alternativas, oq eu falta é a efetiva prática pelos Egregios Estaduais.
A jurisprudência nacional é a seguinte:
Agravo em execução. Comutação de penas. Tráfico de drogas. Crime assemelhado a hediondo. No entender da jurisprudência brasileira, tal como consolidada pelos tribunais superiores, faz-se tecnicamente inviável a concessão dos favores de indulto e comutação aos autores de crimes assemelhados a hediondos como o tráfico de drogas quando não dito privilegiado. (BRASIL; TJSP; Agravo de Execução Penal 9000380-42.2017.8.26.0625; Relator (a): Sérgio Mazina Martins; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Taubaté – 1ª Vara das Execuções Criminais; Data do Julgamento: 21/05/2018; Data de Registro: 30/05/2018).
No caso acima o preso condenado pelo crime de tráfico de drogas teve pedido de indulto negado pelo douto julgador, em razão de tal ser equiparado a crimes hediondos, para os quais não possui esse benefício. Em outro diapasão, outro tribunal teve entendimento diferente, senão vejamos:
Agravo em execução penal. Decisão judicial que homologou o cálculo efetuado sem considerar o crime de associação para o tráfico como hediondo. Recurso do Ministério Público. O crime de associação para o tráfico (artigo 35, da Lei nº 11.343/06) não se qualifica como crime hediondo nem equiparado a tal, porquanto não se acha inserido no rol constante da Lei nº 8.072/90. Recurso desprovido. (BRASIL; TJSP; Agravo de Execução Penal 0002673-58.2018.8.26.0026; Relator (a): Laerte Marrone; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Criminal; Bauru/DEECRIM UR3 – Unidade Regional de Departamento Estadual de Execução Criminal DEECRIM 3ª RAJ; Data do Julgamento: 14/06/2018; Data de Registro: 15/06/2018).
Conforme exposto anteriormente, em virtude das previsões insculpidas pela Lei de Drogas e pela Lei de Crimes Hediondos, as penas para o tráfico de drogas possuem natureza bastante austera e obstam a concessão de diversos benefícios legais, como fiança, anistia, graça, indulto, suspensão condicional da pena, e até pouco tempo a conversão em penas restritivas de direitos e a liberdade provisória.
Desse modo, em que pese a evidente necessidade de penas mais rígidas para algumas condutas, a prolixidade do legislador em tipificar tantas condutas como ilícitas faz com que o magistrado deixe de ter opções menos ásperas para punir o pequeno traficante, o que culmina por inflar ainda mais os já superlotados presídios brasileiros, cujo déficit de vagas está próximo a 300 mil e cuja situação degradante foi apresentado em pesquisa recente apresentada por VELASC0, et al (2019), que será objeto de estudo no próximo tópico.
- Dados da violência e encarceramento no Brasil/2019
Conforme atualização recente pelo Monitor da Violência[6], VELASC0, et al (2019), conforme dados atualizados em 26 de abril de 2019 pelo Raio X do Sistema Prisional, o Brasil se mantém em terceiro lugar no ranking mundial de encarceramento com 704. 395 presos distribuídos pelos presidios do país, pelos mais variados crimes. Esse número segundo a esquisa pode passar dos 750 mil, caso considere os presos que se encontram em delegacias.
Em resumo, VELASC0, et al (2019), afirmam que:
Superlotação aumenta e número de presos provisórios volta a crescer no Brasil.
Desde a última reportagem do G1, publicada em fevereiro de 2018, foram acrescidas ao sistema 8.651 vagas, número insuficiente para acomodar o total de presos, que cresceu 2,6% em um ano, com 17.801 internos a mais.
Há hoje 704.395 presos para uma capacidade total de 415.960, um déficit de 288.435 vagas. Se forem contabilizados os presos em regime aberto e os que estão em carceragens da Polícia Civil, o número passa de 750 mil.
Os presos provisórios (sem julgamento), que chegaram a representar 34,4% da massa carcerária há um ano, agora correspondem a 35,9%.
Os dados levantados pelo G1 via assessorias de imprensa e por meio da Lei de Acesso à Informação são referentes a março/abril, os mais atualizados do país. O último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), do governo, é de junho de 2016 – uma defasagem de quase três anos. Havia, na época, 689,5 mil presos no sistema penitenciário (e outros 37 mil em delegacias). (grifos dos autores).
Gráfico 4.6.1.1.: Raio X do Sistema Prisional em 2019
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Infográfico Monitor da Violencia/superlotação/Nacional (2019/2018).
No Amazonas, a pesquisa revela que houve um pequeno decréscimo em torno de 4% entre os anos de 2018 e 2019, após o fatídico episódio de 2017 e com a abertura do presidio semiaberto com uso da tornozeleira eletrônica, fato ocorrido em 2018.
Gráfico 4.6.1.2.: Raio X do Sistema Prisional em 2019
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Fonte: Infográfico Monitor da Violencia/superlotação/Amazonas (2019/2018)
Para calcular a superlotação, não são levados em conta os presos em regime aberto que não demandam vagas; o dado, no entanto, é utilizado no total para calcular os percentuais de presos que trabalham e que estudam. VELASC0, et al (2019).
Conforme dados da pesquisa pelo segundo ano seguido o Amazonas consegue reduzir o déficit nas prisões. Após ficar na primeira posição entre os mais superlotados em 2017, ficando na terceira posição, o que não tira o sistema prisional local de uma situação crítica.
Em entrevista para o Monitor da Violencia, André Luiz Barros Gioia, secretário-executivo adjunto da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, (VELASC0, et al, 2019), assim explica tal fato:
[…] diz que medidas foram tomadas após o massacre que deixou 67 detentos mortos em três cadeias de Manaus – Compaj, Unidade Prisional do Puraquequara (UPP) e Vidal Pessoa – em janeiro de 2017.
“Como houve uma fatalidade, por uma decisão da Vara de Execução Penal, todos os casos foram analisados e presos foram retirados do encarceramento, do semiaberto, em que tinham que voltar para a unidade na parte noturna. Foram colocadas neles tornozeleiras”, afirma Gioia.
Ele acredita que o contingente de presos possa reduzir ainda mais depois da assinatura, neste mês, de um TAC (termo de ajustamento de conduta) com o Tribunal de Justiça para a adoção do sistema de audiências criminais por videoconferência. (grifo dos autores).
VELASC0, et al (2019), apud Christianne Corrêa, Promotora de Justiça, diz que:
Para quem acompanhou o que houve no massacre de 2017, em janeiro, e vê agora, já observa a evolução positiva do sistema prisional. O problema da superpopulação de presos condenados vem sendo trabalhado dia a dia com mutirões pelo Tribunal de Justiça e pelo Ministério Público. Mas a gente não pode dizer o mesmo em relação aos provisórios [que representam 45% do total]. Essa é a maior demanda hoje.
Gráfico 4.6.1.3.: O raio X das prisões no Brasil
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Fonte: Foto: Guilherme Gomes/G1
Do quadro acima se detrai que o Amazonas se encontra na terceira posição em superlotação dos presídios, mesmo como já´demonstrado anteriormente ter ocorrido uma leve redução de 2018 para 2019.
Conforme dito ao G1 por VELASC0, et al (2019, p. 2), citando “Camila Nunes Dias e Rosângela Teixeira Gonçalves, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, os dados mostram que “a política de encarceramento em massa que o Brasil vem adotando há décadas segue no trilho, firme e forte””:
As prisões jamais – e em lugar nenhum do mundo – demonstraram eficiência em reduzir o crime ou a violência. Ao contrário, especialmente no Brasil e nas últimas três décadas, elas têm demonstrado o seu papel fundamental como espaços onde o crime se articula e se organiza, dentre outras coisas, através de um eficientíssimo sistema de recrutamento de novos integrantes para compor as redes criminais, afirmam Camila Nunes Dias e Rosângela Teixeira Gonçalves, do NEV-USP.
VELASCO, et al (2109), segue analisando a pesquisa e comparando os resultados, para os quais:
Segundo Thandara Santos e David Marques, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) indica que 37% das pessoas presas provisoriamente enquanto correm seus processos na Justiça não são condenadas à pena de prisão ao final do processo. “Se extrapolarmos a estimativa do Ipea para os dados de 2019, poderíamos estimar que existem, pelo menos, 93 mil pessoas presas injustamente hoje no Brasil”.
Os dados da pesquisa acima revelam que o sistema penitenciário brasileiro bem como o do Estado do Amazonas segue descumprimento o que prescrevem as leis nacionais e internacionais no trato com seus cidadãos, seguem aprisionando e superlotando os presidios. Nesse contexto é que se insere este estudo, na busca de saídas para a redução do índice de encarceramento no Amazonas, com a aplicação justa e legal de penas alternativas para os indivíduos incursos no crime de tráfico privilegiado.
CONCLUSÕES GERAIS
O presente trabalho evidencia as bárbaries cometidas em nome do poder estatal de manter o controle social e do dever deste em garantir proteção e segurança aos seus cidadãos, além da vida de cada cidadão que, assim como a dignidade de cada um, tem máxima importância.
Restou claro que até pouco tempo o Brasil seguiu a linha de combate ao crime por meio do enfrentamento com punição de restrição da liberdade par aqueles cidadãos que seguem o caminho do crime, no entanto, nas últimas décadas tem se buscado alternativas mais adequadas para se responder aos efeitos do crime do que a punição e o encarceramento daquele que ofende a norma penal, proposta pelo sistema penal tradicional.
Nesse sentido nasce a justiça restaurativa baseada em preceitos que defendem que a prioridade nos crimes não deve ser a punição do ofensor, mas sim definir as necessidades da vítima e garantir que o ofensor tenha consciência de que causou um mal injusto e prejuízos à vítima evitando, ainda, a reiteração criminosa. Com o exercício da justiça restaurativa é possível buscar a reconstrução das relações e diálogos entre vítima e ofensor, de modo a evitar o cometimento de novos crimes e atingindo a causa que originou o conflito.
Observou-se que, uma das principais formas para se alcançar a justiça restaurativa é através da mediação penal, instituto que permite que as partes, por intermédio de um terceiro imparcial e de forma mais flexível que o processo penal tradicional permite que as partes possam alcançar e restaurar a paz social.
Muito embora no Brasil o instituto da mediação penal anda não exista no ordenamento jurídico já se observam esforços do Conselho Nacional de Justiça (através da resolução n.º 125) para implantação do instituto no país bem como a edição da Lei n.º 13.140 de 26 de junho de 2015 que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias, sem, contudo, abranger ainda a mediação penal.
Destacou-se que existem tentativas, bem-sucedidas, de juristas em busca da aplicação mais humana dos dispositivos legais já existentes com a aplicação da mediação penal à crimes, tanto os de menor potencial ofensivo como aqueles mais graves, que tem, no entanto, objetivos diferentes a serem alcançados.
A mediação penal, como instrumento de uma Justiça Restauradora, é uma alternativa ao poder punitivo do Estado que, quando bem aplicada/desenvolvida, pode ajudar a diminuir o sofrimento das pessoas envolvidas no delito, a reduzir a insegurança e o medo da sociedade.
Em especial, diante da decrépita situação do sistema penitenciário brasileiro e do inegável perfil majoritariamente humanista do pensamento jurídico atual, vê-se claramente que o humanismo enquanto desafio perpassa os textos normativos e ainda persiste na prática, porquanto o que se quer com a Justiça Restaurativa é justamente contribuir para evitar que mais pessoas adentrem nesse sistema, pois que a violência física e psicológica vivda nos presidios, abandono, descaso, enfim, desrespeito a muitos direitos humanos fundamentais, deixa profundas marcas, revoltas, estigmas, reincidência, mais violência nos que adentram a um presidio, donde se verifica ser a resposta penal tradicional extremamente violenta em vários aspectos.
Assim se poderia, com o modelo restaurador enquanto proposta humanizadora de busca da paz social com dignidade, tratar dos cidadãos que adentram o caminho do crime, em prol do resguardo dos valores que compõe o próprio valor maior, qual seja, a dignidade humana.
O que se nota é que a mediação penal é instrumento eficaz não somente do ponto de vista jurídico, já que contribui para desafogar o judiciário, mas também, e principalmente, do ponto de vista social já que visa a reintegração e solução da origem dos problemas como meio alternativo ao processo tradicional.
A bem da verdade é que o acordo visado na mediação penal não é o seu fim, mas sim todas as oportunidades e benefícios alcançados pelas partes através da utilização do instituto da mediação.
Os valores impressos em formas horizontais de construção de justiça (entre elas, a Justiça Restaurativa) conduzem a práticas que destoam completamente dos elementos constitutivos da forma jurídica.
Nesse sentido, os caminhos apontados são apenas rabiscos de propostas, indicativos de medidas para, de um lado, reduzir os danos causados pelo sistema penal e, de outro lado, permitir a construção de espaços de afloramento de contradições e de conscientização política a partir da práxis.
Essencial é que a árdua tarefa de repensar as nossas práticas de resolução de conflitos seja parte do cotidiano das lutas populares, de tal modo que, desde baixo, desde as camadas mais pobres da sociedade, nos libertemos gradualmente dos processos de criminalização e da ideologia punitivista.
CAPÍTULO 5: RECOMENDAÇÕES
A hipótese que orientou a tese de mestrado pautou-se na demonstração que o instituto da Mediação Penal amplia os propósitos do ordenamento jurídico na medida em que instrumentaliza os direitos humanos possibilitando uma forma de acesso a uma Justiça Criminal Humanizada, bem como democratiza o Poder Judiciário. Para tanto, propomos que os delitos tidos como de tráfico privilegiado, previstos na Lei nº 11.343/2006, artigo 33, § 4°, venham a ser tratados a partir do Instituto da Mediação Penal.
Examinou-se a eficácia e a pertinência da aplicação da Mediação na resolução de tais conflitos como um legítimo instrumento do princípio da dignidade humana e de uma alternativa ao grave problema vivido no Estado do Amazonas com o alto índice de encarceramento. Importante ressaltar que todas as pesquisas, bem como a aplicação da mediação no âmbito da justiça criminal respeitam a legislação brasileira.
Outro ponto que nos leva a propor que os delitos previstos na Lei nº 11.343/2006, artigo 33, § 4°, tráfico privilegiado, os princípios da Mediação Penal é que as medidas protetivas visam reprimir tão somente o ato delituoso previsto na referida lei, não tratando, assim, o conflito. O que faz com que aumente a angustia, insegurança e a violência, não ressocializando o infrator, mas tão somente os colocando em presidios aonde irão conviver com traficantes profissionais e de lá voltarem ao convívio social muito mais propensos a engajarem nas organizações criminosas.
NOTA:
[1] Não obstante as censuras sofridas, o marquês de Beccaria deixou bem claro seu verdadeiro e estimável intuito: “Mas, se, ao sustentar os direitos do gênero humano e da verdade invencível, contribuí para salvar da morte atroz algumas das trêmulas vítimas da tirania ou da ignorância igualmente funesta, as bênçãos e as lágrimas de um único inocente reconduzido aos sentimentos da alegria e da felicidade consolar-me-iam do desprezo do resto dos homens.” (BECCARIA, 2011, p. 13)
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[1] Cf. as principais disposições dos Regulamentos das cadeias de Manaus no Anexo.
[2]Cf. Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça no Anexo.
[3]Cf. Resolução das Nações Unidas nº 40/34 de 29 de novembro de 1985, no Anexo.
[4]Cf. Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, no Anexo.
[5] Cf. Lei n° 11.343/2006 – Lei de Drogas no anexo.
[6] O Monitor da Violência, criado em 2017, é resultado de uma parceria do G1com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública