INVISIBILITY AND OSTENSIVE FEMALE SILENCE IN THE “MARANHENSE” LEGISLATIVE: CASE STUDY OF POLITICAL DISCRIMINATION BY COUNCILOR KATYANE RIVONE
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202505291429
Júlia Maia de Meneses Rocha de Sousa1
Martonio Mont’Alverne Barreto Lima2
Rômulo Guilherme Leitão3
RESUMO
O ensaio ora em comento faz-se necessário, pois busca ilustrar como o direito à igualdade pode ir se esvaindo do ordenamento jurídico com a prática do silenciamento ostensivo de mulheres na política brasileira. Duas grandes ferramentas da Teoria da Comunicação que podem ser utilizadas para potencializar este feito são a Teoria Persuasiva e Culturológica, por isso, elas merecem ser retratadas no escrito como instrumentos de fomento à prática discriminatória. Em seguida, pretende-se perquirir, transdisciplinarmente, como marcos referenciais se transformam em sinais de alerta para a efetivação da igualdade de direitos políticos entre homens e mulheres. Por fim, far-se-á um estudo do Caso Katyane Rivone, ocorrido no Município de Pedreiras no Maranhão, para ilustrar a temática sob a perspectiva do art. 326-B do Código Eleitoral Brasileiro e da Lei nº 14.192/2021. A metodologia utilizada no estudo em epígrafe trouxe à baila uma condição explicativa, bibliográfica, documental, qualitativa, teórica e empírica, para que seja possível sanar o problema de pesquisa do artigo, qual seja, se há possibilidade de um grupo em situação de vulnerabilidade, como as mulheres, ter igualdade e voz ativa em sua capacidade eleitoral plena.
Palavras-chave: igualdade política; silenciamento ostensivo de mulheres; Teoria da Persuasão; Teoria Culturológica; caso Katyane Rivone.
ABSTRACT
The essay under discussion is necessary, as it seeks to illustrate how the right to equality can disappear from the legal system with the practice of overt silencing of women in Brazilian politics. Two major Communication Theory tools that can be used to enhance this feat are the Persuasive and Culturological Theory, therefore, they deserve to be portrayed in the writing as instruments to encourage discriminatory practices. Next, we intend to investigate, transdisciplinary, become warning signs for the implementation of equal political rights between men and women. Finally, a study will be made of the Katyane Rivone Case, which occurred in the Municipality of Pedreiras in Maranhão, to illustrate the theme from the perspective of art. 326-B of the Brazilian Electoral Code and Law 14.192/2021. The methodology used in the study in question brought to the fore an explanatory, bibliographic, documentary, qualitative, theoretical and empirical condition, so that it is possible to resolve the research problem of the article, that is, if there is a possibility of a group in a situation of vulnerability, like women, have equality and an active voice in their full electoral capacity.
Keywords: political equality; overt silencing of women; Persuasion Theory; Culturological Theory; Katyane Rivone case.
INTRODUÇÃO
A necessidade e oportunidade deste tema para a academia jurídica possuem nascedouro no princípio da igualdade, que resguarda uma série de outros dispositivos constitucionais, mas que se encontra de maneira mais aguerrida no preâmbulo e no caput do art. 5º da Constituição Federal de 19884.
Com efeito, o objetivo geral do escrito sob relação é evidenciar a prática de silenciamento ostensivo político de mulheres, que são consideradas um grupo em situação de vulnerabilidade no cenário jurídico, para que tal prática seja combatida. No tocante aos objetivos específicos, procurou-se, divulgar como as Teorias da Comunicação Persuasiva e Culturológica são instrumentos de fomento dessa prática; levantar teóricos transdisciplinares que auxiliam na compreensão do problema de pesquisa e denotam uma saída científica para tal, e; verificar se o artigo 326-B do Código Eleitoral (CE) Brasileiro e a Lei n° 14.192/2021 se comportam ou não como aspectos normativos adequados ao Estudo de Caso da vereadora maranhense do Município de Pedreiras, Katyane Rivone.
Como critério metodológico, este estudo perfaz uma pesquisa quanto aos fins dos objetivos, explicativa, haja vista a necessidade de justificar os motivos pelos quais o fenômeno do silenciamento ostensivo acontece; quanto às fontes, serão bibliográficas (livros e periódicos) e documental (análise da sentença do Processo nº 0801154-39.2022.8.10.0149 do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão); quanto à abordagem é qualitativa e, quanto à natureza é teórica e empírica, pois retrata a comprovação da teoria por meio do compilado de marcos referenciais como Beauvoir, Bourdieu, Fraser, Taylor, Thomé e outros, com vistas a provocar possíveis revisões, bem como necessita da comprovação prática do Estudo de Caso, para sistematizar todo o contexto teórico, possibilitando responder a problemática do artigo, qual seja, como as mulheres podem ter igualdade e voz ativa ao exercer a sua capacidade eleitoral plena.
Por fim, o escrito percorre um caminho composto por quatro etapas. A primeira delas, trabalha o direito à igualdade e como o desvirtuamento dele possibilita o surgimento do silenciamento ostensivo de mulheres na política. A segunda, inaugurou a possibilidade das Teorias da Comunicação Persuasiva e Culturológica impactarem na prática da violência de gênero na política. A terceira, trouxe uma perspectiva de transdisciplinaridade de marcos referenciais da Sociologia, da Ciência Política e dos Direitos Humanos para salvaguardar a consciência científica do tema e lançar luzes no sentido de prescrever que a solução do problema deve partir de diversas áreas. A quarta etapa, examina a sentença do caso Rivone x Alselmo, avaliando a adequação do resultado em relação às diretrizes trazidas pelo artigo 326B do Código Eleitoral (CE) Brasileiro e pela Lei n° 14.192/2021.
2. DO DIREITO À IGUALDADE AO SILENCIAMENTO OSTENSIVO
Ainda na Filosofia antiga, Aristóteles (1992, p. 69) observou que “se as pessoas não forem iguais elas não terão uma participação igual das coisas”, e, apesar de ser notória a relação próxima entre igualdade e justiça, não se pode confundir uma com a outra, já que a justiça carrega consigo o critério da intersubjetividade, haja vista que ela se determina a partir das relações entre as pessoas, e, a igualdade, deve ser considerada com um critério essencial do constitucionalismo moderno e um valor central de todas as relações.
Tal perspectiva foi capaz de nortear inúmeras declarações de direitos ao redor do mundo, como a Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que em seu art. 1º afirmou “os homens nascem livres e iguais em direito”, e, essa premissa permitiu um amadurecimento da questão constitucional, pois também albergou no art. 6º, “a lei é expressão da vontade geral” (França, 1789), permitindo a compreensão de que ela cabe a todos sem qualquer distinção independente da esfera de punição ou proteção, ou seja, o grande intuito do dispositivo é evitar qualquer tipo de privilégio, portanto, é possível mensurar que a igualdade política deve estar presente nesse espectro de igualdade, com vistas a garantir a efetividade do próprio princípio do pluralismo político.
Ao longo dos tempos, desde antigos cenários constitucionais até os dias atuais, houve a transmissibilidade – ainda que em modulações diferenciadas – do princípio da igualdade nas Constituições brasileiras, pois este instrumento se resvala ao longo de muitas demandas, como é o caso da igualdade entre homens e mulheres, que é o ponto central do caso em destaque, em virtude de a CF/88, em seu art. 5º, I, mencionar:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; […] (Brasil, 1988).
Não apenas nesse dispositivo anteriormente colacionado, mas em muitos outros da CF/88, é notório o anúncio da igualdade ao lado da justiça como um valor social para que injustiças e preconceitos sejam evitados. Nessa linha de orientação, a igualdade se apresenta como um princípio do Estado Democrático de Direito e como condição normativa das inúmeras tarefas do Estado, e, conforme a lição de Lopes (2001), os princípios são capazes de traduzir a dignidade humana e legitimar o sistema jurídico do Estado.
O dispositivo constitucional não apenas fomenta direitos e obrigações, como permite que as pessoas possam resistir ao tratamento desigual, quando estiverem diante de ações sociais, estatais ou legais que se comportem de maneira discriminatória injustificada.
Acresce-se que a CF/88 proíbe não a discriminação em si, mas quando ela acontece de maneira desproporcional, ou seja, a igualdade pode sofrer limitações, desde que o tratamento diferenciado possua um viés proporcional, justificado e convincente.
Percebe-se que a igualdade era compreendida como igualdade de todas as pessoas perante a lei. Ademais, ela foi entendida como proibição discriminatória de qualquer natureza, e, por fim, assimilada como igualdade na lei, assim, embora haja mutação conceitual, conforme preleciona Garcia (2005), o que deve permanecer é o respeito, a consideração e o igual tratamento, advindos de demandas sociopolíticas elaboradas na esfera jurídica. Ainda que ocorra essa mutação, se faz necessária a permanência da compreensão segundo a qual a igualdade importa em duas condições, a formal, onde todos que estão na mesma situação precisam ser tratados da mesma maneira, e a material que trouxe a diferenciação de critérios de igualdade e desigualdade, para que tal princípio seja eficaz e social.
É com essa condição dual, que é possível prescrever a noção de Dworkin (2006, p. 26), para quem o princípio da igualdade deve ladear o princípio democrático, já que a democracia “[…] consiste na igualdade de tratamento e consideração dos cidadãos na sociedade política”. E isto permite a notória garantia de direitos e obrigações políticas advindas da liberdade, que na atmosfera desse artigo é parte da tríade igualdade, democracia e liberdade, ou seja, essa autora ousa superar a dicotomia dworkiana nesse sentido, pois parte do ensinamento embrionário de Bobbio (1997), para quem a igualdade e a liberdade se encontram em critério de interdependência, e, já que é condição latente, a democracia se torna o topo da pirâmide da tríade, enquanto que o equilíbrio entre igualdade e liberdade aparecem na base da mesma.
Essa noção guarda uma perfeita harmonia quando encontra o pensamento de GoyardFabre (2003a), para quem a igualdade está diretamente relacionada com a democracia, pois considera as vontades manifestadamente contraditórias. Ou seja, a igualdade impossibilita o retrocesso da democracia.
Desse cenário, importa prescrever que os operadores do direito necessitam permanecer em constante vigilância para que a liberdade e todos os direitos decorrentes dela, como o direito à diferença, não caminhe para o sentido da desigualdade, pois, assim, estaria ocasionando o conflito entre igualdade social e liberdade social.
Ao adentrar-se na igualdade política para averiguação do Caso Katyane Rivone, a mesma não pode trazer consigo apenas a igualdade formal, mas também a igualdade de participação no processo democrático, já que a capacidade eleitoral plena de participação importa em expor, defender e contextualizar as suas ideias, assim, a sentença do Caso Katyane Rivone é injusta e ilegítima já que não vislumbra a evolução do direito político de acordo com os problemas criados pela movimentação histórica do progresso social, como aduz Goyard-Fabre (2003b), haja vista que tal medida não feriu apenas a igualdade, como também o princípio democrático, ampliando as ondas do machismo ao silenciar ostensivamente uma mulher na atribuição de suas funções políticas.
3. TEORIA CULTUROLÓGICA E PERSUASIVA COMO AGENTES DE FOMENTO NA PRÁTICA DISCRIMINATÓRIA
A Teoria Persuasiva ou Empírico-experimental, se desenvolve nos anos 40 e tem como principais autores Carl Hovland e Harold Lasswell, de acordo com Wolf (2009), a mesma é baseada em quesitos psicológicos, onde a mensagem enviada é melhor compreendida a partir da confiança no mensageiro, na identificação com o conteúdo da mensagem e no despertar da necessidade de consumo da mensagem. É possível compreender, portanto, que a mensagem deve se adequar sempre ao público que se quer persuadir. O ponto central aqui é a eficiência da credibilidade do comunicador da mensagem.
Observa-se que a mensagem passa a ser assimilada pelas pessoas ao passarem por filtros psicológicos individuais, ou seja, o efeito não é manipulativo e sim persuasivo, a partir de critérios de aceitação das próprias pessoas.
A Teoria Persuasiva se apoia na dicotomia behaviorista de causa e efeito, pois para Hovland (1953) e Lasswell (1971), são os processos psicológicos que se comportam como variáveis determinantes no sucesso da comunicação e da audiência, – que pode distorcer as mensagens recebidas para adequá-las à sua compreensão. Assim, é possível prescrever que uma comunicação de sucesso deve contar com características e traços da personalidade do(s) destinatário(s) da mensagem. Portanto, a confiança no mensageiro é o diferencial para que a pessoa entenda que precisa daquela informação.
Já a Teoria Culturológica, criada na década de 1960, pela escola sociológica europeia, trazida à baila pelo autor Edgar Morin (1997), enfatiza que a padronização cultural advém da sistematização que já existe na sociedade, a partir das características humanas, religiosas e/ou nacionais.
A principal característica da mesma é a abordagem dada aos produtos culturais, já que a cultura de massa não é autônoma, pois depende sempre de critérios nacionais, religiosos e humanísticos, como já se abordou anteriormente. Tal precedente leva ao entendimento segundo o qual, a padronização da comunicação parte do imaginário popular e a relação entre a forma de comunicação de diversas perspectivas culturais é por vezes conflituosa, já que culturas originárias passaram a ser desvirtuadas pela industrialização cultural, assim, a Teoria Culturológica percorre sempre a dicotomia entre o binômio padronização e individualização, uma espécie de eterno sincretismo comunicacional entre o real e o imaginário, e, neste tino, sempre é possível resgatar símbolos históricos que nem sempre são ideais para a evolução social, a exemplo do machismo.
Por fim, é por meio da Teoria Culturológica que o mensageiro oferece o que a massa deseja, e isto, coloca as mulheres em situação de desvantagem, já que o machismo, o patriarcalismo e o silenciamento, em grande medida, fazem parte do imaginário de muitas pessoas na sociedade atual, ainda que a luta esteja sendo travada no sentido contrário.
A partir dos estudos dessas duas teorias comunicacionais, é possível auferir que a Katyane Rivone foi vítima uso desvirtuado da Teoria Persuasiva, quando o seu oponente na câmara se utiliza de quesitos psicológicos para diminuir e silenciar a sua fala política, e, também da Teoria Culturológica, quando ele se utiliza de um produto cultural já existente como o machismo no intuito de padronizar o silenciamento e transformá-lo em algo cultural, pois ele se encontra legitimado pela imunidade.
4. FORMAÇÃO DE UMA VISÃO TRANSDISCIPLINAR DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA POLÍTICA
O objetivo central desta fase do artigo, é demonstrar que estudiosos de diversas áreas já se debruçaram sobre o tema de exclusão da participação feminina em processos sociais ao longo dos tempos, e, ainda assim, com uma série de pesquisas científicas apontando para a necessidade da igualdade entre homens e mulheres, as mulheres ainda permanecem como um grupo em situação de vulnerabilidade no tocante aos critérios econômicos, sociais e políticos.
Inicia-se a discussão, trazendo à baila que, desde à época remotas, perpassando pela evolução da história da humanidade, a desvalorização do gênero feminino foi albergada por critérios morais, consuetudinários, jurídicos, econômicos e políticos. A “incapacidade” das mulheres ao longo dos tempos foi reafirmada por instrumentos de controle social, a exemplo da família tradicional e da religião.
Variadas foram as lutas femininas dentro do contexto histórico, que podem ser visualizadas nas chamadas ondas que buscaram de um modo geral por voto, direitos sociais, direitos privados e outros. É também a partir deste cenário de erupção da busca de direitos que surgem alguns instrumentos normativos para elucidar tais conquistas: a) a ONU declarou o ano e a década internacional da mulher (1975/1976-1986), b) a aprovação da CEDAW em 1979- Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação sobre a Mulher; c) a Conferência de avaliação dos avanços da década internacional da mulher – 1985/ Nairobi); d) a Conferência de Direitos Humanos que firmou os direitos das mulheres como direitos humanos – 1993/Viena; e) a realização pela ONU da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres para discutir sexo, gênero, direitos sexuais e reprodutivos – 1995/ Pequim (Montebello, 2000).
Dentre tais objetos, se faz necessário dar destaque ao artigo 1º da CEDAW (ONU, 1979), que entrou em vigor no território brasileiro a partir de 1984, evidenciando que a discriminação contra a mulher deve ser compreendida como “distinção, exclusão ou restrição” que advenha do sexo no intuito de fomentar prejuízos de “gozo, reconhecimento ou exercício”, independente do seu estado civil; de modo que a igualdade, as liberdades fundamentais em todas as esferas sejam respeitadas, portanto, o ataque sofrido por Katyane, que será contemplado no próximo tópico deste escrito, fere a igualdade de direito e o respeito a dignidade da vereadora, dificultando o desenvolvimento de suas funções políticas, e, ainda que a convenção seja um grande passo para evitar este tipo de ocorrido, ainda existem homens que insistem em violentar mulheres em todas as esferas da sociedade.
A Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, conhecida como Belém (ONU, 1994), é também um importante documento na reafirmação dos direitos das mulheres e enfrenta a definição de violência em seu artigo 1º quando preleciona que parte de qualquer ato que cause “morte, dano ou sofrimento”, ocorrido tanto na esfera pública quanto na privada, ou seja, ela pode caminhar por diversos espaços e ser praticada por qualquer pessoa, não necessitando que o vereador Emanuel Anselmo do caso estudado, estabelecesse uma relação pessoal com a vítima Katyane Rivone, e, tal prática de violência não pode ser tolerada pelo Estado e seus agentes, o que significa que o silêncio do presidente da câmara no período é leviano e contraproducente na luta pelos direitos das mulheres, provando que o Brasil ainda continua sendo um país dotado de desigualdade de gênero.
Tal fato demonstra uma perspectiva de desigualdade estrutural oriunda do patriarcado, pois as mulheres como Katyane, que fazem parte das esferas públicas de poder, ainda são estereotipadas por meio de visões preconceituosas que legitimam a violência de gênero em múltiplos espaços de atuação, e, é nesse sentido, que se encoraja os magistrados a considerarem a desigualdade estrutural, para que elas não sejam silenciadas ostensivamente e desistam de ocupar determinados espaços, haja vista o impacto desproporcional de sentenças que afastam a possibilidade de atuação política feminina.
A partir de então, questiona-se como as mulheres, que são a minoria participativa tanto no Executivo quanto no Legislativo, possuem os seus direitos políticos (ou até outros), respeitados e apreciados de maneira adequada? Krook e Sanín (2016), conceituam a violência de gênero na política e afirmam que a mesma engloba a esfera simbólica, física, econômica e psicológica, ou seja, podem estar presentes em episódios de ameaça, agressão, assédio, exposição, estigmatização, restrição da atuação e da voz.
É importante compreender tais espécies de violência e o grau de problemas que isso ocasiona na vida de uma mulher. A violência física compete aos ataques físicos sofridos tanto pela mulher quanto por seus familiares e ela engloba a violência sexual. A violência psicológica afeta a mente e as emoções, portanto, uma violência física também pode implicar numa violência psicológica em seguida. A violência econômica parte dos atos de controle que restringe o acesso aos recursos econômicos, a exemplo de homens receberem um maior repasse de verbas de gabinete do que mulheres que fazem parte de um mesmo núcleo de poder e/ou partido, este fato torna o trabalho político feminino mais difícil de ser executado, e muitas mulheres acabam desistindo e afetando suas carreiras.
Por conseguinte, a violência simbólica ancora-se na teoria de Bourdieu (2007), já que o hábito do machismo enraizado na sociedade permite e concebe uma certa hierarquia social entre homens e mulheres que é capaz de percorrer todo o cenário social, chegando até a perspectiva política, quando estereótipos de gênero deslegitimam a competência política de mulheres e desrespeitam a sua dignidade humana, produzindo imagens pejorativas que dificultam a presença das mesmas em espaços políticos. Neste tino, para que se possa percorrer o tema, se faz necessário que o ambívio fundamentalista seja superado. É por este motivo que há a necessidade de trazer à baila a percepção de Beauvoir (1980), para quem a mulher precisa ir além do seu corpo para superar o embaraço da participação nos espaços públicos de poder, definindo o que é aceitável ou não para que a subordinação dela ao homem seja evitada; haja vista que o gênero, nos moldes de Scott (1986), faz parte de uma diferença sexual e não uma hierarquização sexual; já que a segunda acaba por comprometer a participação igualitária das mulheres numa sociedade e permite a normalização dessa cultura nefasta no cotidiano.5
Em grande medida, é possível averiguar que ao sofrerem violência política, normalmente, grande parte das figuras femininas são atacadas sob o viés simbólico dos estereótipos que visam ferir o seu grau de competência em executar suas funções. Importa acrescentar, que os ataques nascem não apenas de oponentes políticos, como colegas, camadas religiosas e pela mídia. Os impactos desse formato de violência perpassam as agressões e chegam a diminuir a atuação dessas mulheres, implicando na desistência de outras competirem na esfera pública.
Observa-se pela a maneira como alguns grupos de poder tentam controlar a política, que tanto Madison (1993), quanto Tocqueville (2004), alertam para o perigo desse controle, pois ele enseja diversos prejuízos aos governos populares, já que ameaça os direitos daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade, como uma mulher a exemplo de Katyane Rivone; também prejudica a liberdade de expressão e o pluralismo, que são características essenciais do cenário político democrático.
É notório que a discricionariedade da Presidência da Câmara de Pedreiras/MA, ainda que composta por um homem (Gard Furtado – presidente) e uma mulher (Iaciara Rios – vice presidente), sobreleva inúmeros prejuízos para o mandato de mulheres, pois além da procura por garantir alguns interesses de uma determinada bancada, ela também auxilia na prática de silenciamento ostensivo de uma mulher no exercício de sua capacidade laboral na política. Tal fato é que Young (2006), preceitua que grande parte do universo político costuma negligenciar as denúncias, gerando dificuldade em lograr êxito em tais demandas, ou seja, a prática acaba por esvaziar até o conteúdo e o impacto das denúncias.
Taylor (1992), aponta que o reconhecimento não aconteceu da mesma forma para todos que participam das dinâmicas de uma sociedade, haja vista que sempre existiram cidadãos de segunda classe, que foram usurpados de sua cidadania, ensejando a necessidade de uma política de reconhecimento, principalmente, no tocante a mulher e os diversos símbolos de limitação que são identificados as mesmas, limitando a sua participação e atuação na esfera pública.
Grazziotin (2017) avalia que a violência política de gênero alcança o espectro feminino não apenas na política, como em todas as esferas e espaços onde ela venha a se movimentar para lutar por seus direitos, portanto, os ataques sofridos por Katyane Rivone gravitam à órbita de uma agressividade que não se observa quando um homem se dirige a outro na esfera pública.
Nesse sentido, a violência política de gênero passa a assumir um caráter de dominação e controle no sentido de buscar a subordinação de mulheres enquanto um grupo em situação de vulnerabilidade (Donat; D’Emílio, 1992). Assim sendo, Fraser (2006), corrobora que subordinação acontece por conta do valor cultural que se dá às mulheres como seres inferiores, excluídos e/ou invisíveis, e isso, implica na relação institucionalizada de violação da própria justiça, haja vista que a mulher passa a não poder participar de maneira equânime da sociedade, e, a violência política de gênero, quando aliada ao próprio histórico de exclusão feminino na esfera pública, gera limitação na forma de atuação das mesmas.
Para se desvencilhar dessa armadilha, Melo e Thomé (2018) indica que “A participação popular é fundamental para empurrar as agendas que permitam fazer as mudanças efetivas nas regras”, já que a não participação e o silenciamento ostensivo de mulheres deveria ser pauta da preocupação de todos aqueles que lutam pela manutenção da democracia.
É importante acrescer que a problemática possui o viés antropológico do machismo, mas, também, a conotação sociológica da formação partidária que se encontra impregnada de controle masculino, que resvala na organização e também nas estruturas de manutenção da máquina de poder. Portanto, o Brasil pode até ser um país com inúmeras pautas em torno do feminismo, mas se faz necessário diversos outros avanços como direitos reprodutivos, acessibilidade em creches de tempo integral e estrutura social como um todo, pois como é possível a mulher exercer um papel econômico e/ou político sem contar com uma rede de apoio de demandas sociais? A situação é complicada e deveras excludente, haja vista que ainda que a mulher busque estudar, não ter filhos, ampliar a sua perspectiva salarial e diversas outras questões, ela ainda encontrará uma máquina pública repleta de homens aptos a diminuí-la, pois não encontram punibilidade adequada quando praticam violência de gênero.
5. ESTUDO DO CASO VEREADORA KATYANE RIVONE COM ESPEQUE NO ART. 326-B DO CÓDIGO ELEITORAL BRASILEIRO E NA LEI Nº 14.192/2021
O caso a ser estudado nesta fase do artigo, diz respeito ao ocorrido no Município de Pedreiras/Maranhão, que deu ensejo ao Processo nº. 0801154-39.2022.8.10.01.49, no Juizado Especial Cível e Criminal desta comarca, configurando como autora a vereadora Katyane Rivone de Albuquerque Leite (PTB) e como réu o vereador Emanuel Anselmo Nascimento (PL). O processo foi instaurado por conta de violência de gênero na política e o pedido foi de uma indenização de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) em face do réu.
Em 07 de outubro de 2021, a vereadora teve o seu microfone arrancado durante o pronunciamento na tribuna da câmara de vereadores, conforme vídeo veiculado tanto pelas plataformas virtuais institucionais oficiais quanto pelo YouTube6, e o réu dirigiu palavras injuriosas (mentirosa, leviana), à autora, em virtude de voto contrário a um projeto de concessão de um terreno para a criação do Parque João do Vale de Pedreiras. A vereadora teve a sua manifestação impedida – não pela primeira vez – por Emanuel, que tentou intimidar Katyane, gerando ofensa à sua honra e danos à sua imagem perante a sociedade pedreirense. Para uma compreensão mais didática do Caso em análise, apresenta-se abaixo, um organograma ilustrativo das fases de apreciação da sentença:
ORGANOGRAMA 1: Mapa mental do percurso da sentença.
FONTE: subjetividade dos autores do artigo em paralelo com a análise da sentença do Caso Katyane Rivone.
A observação do organograma possibilita percorrer o seguinte raciocínio segundo o qual na etapa de preliminares, a primeira delas que tratava acerca da impugnação do pedido de gratuidade da justiça da parte autora, o magistrado julgou improcedente, partindo do fundamento do art. 99 do CPC (Código de Processo Civil) e tal medida apresenta coerência. A segunda etapa preliminar ficou a cargo da litispendência alegada pelo réu no sentido de dizer que já haviam outros processos em tramitação, como o penal de crime de injúria e violência de gênero política, mas o juiz considerou afastada esta preliminar, pois este processo versa sobre responsabilidade civil por danos morais. Ademais, a terceira preliminar sob análise trouxe o tema da prescrição em razão dos dois anos, e, o magistrado em relação a esta demanda considerou afastada, já que a prescrição civil é de três anos, de acordo com o art. 206, §3º, V, do Código Civil.
Superadas as questões preliminares, a sentença parte para a avaliação do mérito, e na oportunidade o julgador destaca o reconhecimento da imunidade parlamentar ao mencionar o art. 29, VIII, da CF/88 c/c a repercussão geral de tema 479/STF cujo efeito é vinculante, mas ele deixa claro que não coaduna com as palavras injuriosas proferidas à autora que foi desrespeitada como parlamentar e mulher, porém a imunidade reconhecida, afasta a obrigação de indenizar decorrente da responsabilidade civil.
Ademais, o magistrado parte para a decisão final e julga improcedente o pedido da autora de danos morais e ainda solicitou a extinção do processo com resolução do mérito, com base no art. 487, I, CPC.
Desta sorte, é possível verificar que muito embora a sentença possuía um aporte argumentativo pautado na imunidade parlamentar, a mesma se apresenta em desconexão quando se reflete acerca da violência de gênero na política, pois dois atributos legais específicos sequer foram mencionados nela.
O primeiro deles, é a Lei 14.192/21 (Lei da Violência Política contra a Mulher), que trouxe nos artigos 1º, 2º e 3º uma perspectiva legal tanto preventiva quanto repressiva no intuito de combater este tipo de violência que acontece em espaços comuns de atividade, no exercício dos direitos políticos e no desempenho de funções públicas (debates, assembleias e disseminação de conteúdo inverídico). Além disso, a lei busca garantir a participação feminina na política e vedar tanto a discriminação quanto a desigualdade de tratamento durante o exercício de suas funções. O grande destaque da legislação se encontra no parágrafo único, do art. 2º, pois salienta que “As autoridades competentes priorizarão o imediato exercício do direito violado, conferindo especial importância às declarações da vítima e aos elementos indiciados”. Por conseguinte, o texto normativo define a violência de gênero como toda conduta de ação ou omissão com a finalidade de impedir, obstacularizar ou restringir os direitos políticos femininos, ou seja, é o ato de ferir o reconhecimento dos direitos e das liberdades políticas fundamentais da mulher.
A grafia em destaque de algumas expressões do parágrafo anterior ocorreram de maneira proposital para ilustrar que Katyane Rivone sofreu discriminação quando tentou se pronunciar e foi impedida com a retirada do microfone por parte de Emanuel Anselmo, que não satisfeito ainda proferiu contra a mesma palavras de baixo calão, o que demonstra a desigualdade de tratamento na sessão, já que os demais parlamentares conseguiram se pronunciar de maneira adequada. A conduta de ação do réu tanto impediu o pronunciamento da autora, quando restringiu os seus direitos e liberdades políticas, ou seja, Katyane sofreu violência política de gênero e isso sequer foi mencionado na sentença, não havendo justificativa para o silenciamento ostensivo, já que a lei entrou em vigor em 4 de agosto de 2021 e a sentença foi proferida em 19 de janeiro de 2023.
O segundo atributo legal é o Código Eleitoral em seu artigo 326-B, texto normativo incluído pela Lei 14.192/21 (Lei da Violência Política contra a Mulher), que assevera que:
Art. 326-B. Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único – Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço), se o crime é cometido contra mulher:
I- gestante;
II- maior de 60 (sessenta) anos;
Durante a leitura do dispositivo anterior, é possível auferir que o réu das nove condutas estipuladas pelo artigo, o réu cometeu oito delas, estando excluída apenas a ameaça, mas, o conectivo “ou” indica que a prática deste crime ocorre quando o agressor pratica de uma a nove condutas, o que faz com que caia por terra displicência sentencial a qual Katyane foi submetida.
Outrossim, se faz oportuno o acréscimo do artigo 327/CE, dispositivo também acrescido pela Lei nº 14.191/2021:
Art. 327. As penas cominadas nos arts. 324, 325 e 326 aumentam-se de 1/3 (um terço) até metade, se qualquer dos crimes é cometido:
I – Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;
II- contra funcionário público, em razão de suas funções;
III- na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa.
IV – com menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia;
V – por meio da internet ou de rede social ou com transmissão em tempo real.
Do dispositivo anterior, três incisos merecem o devido destaque, o primeiro deles é o de número III, pois a discriminação contra Katyane cometida por duas vezes em sessão da Câmara de Vereadores de Pedreira, foi realizada na presença de várias pessoas que continham aparelhos de smartphones para gravar e divulgar o episódio. Em seguida, o inciso IV menciona a respeito do menosprezo à condição de mulher, e, tal atitude é verificada em expressões prolatadas pelo réu (burra, mentirosa, leviana). Por derradeiro, o inciso V demonstra a preocupação com a propagação da ofensa pela internet, rede social ou transmissão em tempo real, que também aconteceu tanto pelos presentes na sessão, quanto por plataformas como o Instagram e o YouTube.
Por fim, a sentença do Caso Rivone x Anselmo apresenta precariedades argumentativas quando esquece de contemplar os artigos 1º ao 3º da Lei nº 14.192/2021 que versa especificamente sobre a violência contra a mulher na política, além de não mencionar os artigos 326-B e 327 do Código Eleitoral Brasileiro que foram introduzidos pela legislação anteriormente mencionada, assim, a parlamentar passou por nuances de ameaça de ordem política e psicológica no exercício da sua função pública e o juiz optou, desmedidamente, por resolver o mérito da questão dando azo a imunidade parlamentar, que se comportou aqui como justa causa da prática de violência política de gênero que nasce do silenciamento ostensivo, fere a igualdade de gênero, diminui a pluralidade e a participação feminina nas esferas de poder.
CONCLUSÃO
A falta do exercício de ponderação entre a imunidade parlamentar e a igualdade de gênero acabou por evidenciar que há um esvaziamento das denúncias de violência de gênero na política, pois a imunidade legitima a prática da violência, atrelada ao contexto antropológico do machismo estrutural, que coloca a mulher diante de um universo de menor participação política, por conta de sentenças como esta que distanciam ainda mais a atmosfera feminina dos espaços de poder político.
Com isso, a decisão não se comportou de maneira sociologicamente proporcional. Portanto, é faz necessário se precaver acerca da liberdade de expressão como fato gerador do conflito atrelado ao caso analisado, e, tal precedente, pode ferir a dignidade da pessoa humana que é parte da igualdade e da consequente vedação à discriminação; momento em que o Estado precisa agir para sanar essa desigualdade e evitar a prevalência da violência de gênero na política.
Ainda que haja o nascimento de legislações como a Lei Maria da Penha e do Feminicídio no Brasil, ao longo dos anos ainda se pode notar um crescimento7 das agressões, dos assédios e crimes sexuais no Brasil contra mulheres. Os impactos dessa realidade também podem ser visualizados na participação política, quando o Inter-Parliamentary Union (IPU, 2018), afirma que no parlamento brasileiro conta com apenas 10,7% de mulheres na Câmara dos Deputados e 14,8% no Senado, ocupando assim o 152º lugar no mundo. Este fato não acontece apenas diante das perspectivas apontadas anteriormente, haja vista que os ministérios e a cadeira de Presidente da República também são pouco ocupados por mulheres. No município de Pedreiras/MA não é diferente, pois de acordo com dados do sítio eletrônico8 da câmara de vereadores do mesmo, para esta legislatura, o espaço de poder conta com oito vereadores e cinco vereadoras, número ainda muito distante de um cenário igualitário (Pedreiras, 2024).
Ao observar os dados anteriores, é possível perquirir que a ausência feminina em espaços de poder ilustra que a política ainda não é um espaço dedicado a participação fluída de mulheres, pois a violência política sofrida por elas em diversas searas, acaba por diminuir a sua atuação neste meio em que poucas delas conseguem construir uma carreira política duradoura.
Também sobre os dados mencionados, é possível perquirir que ainda que existam legislações específicas, como as já citadas, e o amparo dos artigos 326-B e 327 do Código Eleitoral, além dos artigos 1º ao 3º da nova Lei de Violência de Gênero na Política (nº 14.192/2021), figuras do cenário político como Katyane Rivone, apesar de sofrerem ameaças de ordem psicológica e política, ao exercerem as suas funções, ainda encontram em seus caminhos juízes que buscam resolver o mérito optando pelo argumento imunidade parlamentar, situação que amplia o silenciamento ostensivo, fere a igualdade, a pluralidade e a participação de mulheres em ambientes públicos.
Ademais, a mídia e suas esferas de representação baseadas nas Teorias Persuasiva e Culturológica, acaba por disseminar conteúdos que permitem a prática da misoginia, do sexismo e da violência, com vistas a demonstrar que as mulheres são desqualificadas para ocupar certos cargos, a exemplo do exercício político. Isto já ocorreu com a ex-presidenta Dilma, com a deputada Maria do Rosário e com a vereadora Aava Santiago, ou seja, em todas as esferas políticas, e o caso da Katyane Rivone foi o primeiro do país a ser levado para a justiça e ainda assim não obteve êxito na sentença. Ou seja, os homens, a mídia, e a utilização deturpada das teorias da comunicação são fato geradores de impunidade e falta de apuração das denúncias que chegam até o judiciário e grande parte daqueles que praticam violência de gênero política, em suas contestações afirmam que o que foi dito teve caráter figurado e lançam luzes para que a conduta das mulheres esteja dotada de destempero9; o que não pode ser concedido, pois tanto a ameaça quanto a prática dela em caráter físico, sexual, psicológico, econômico e político deve ser coibida.
Este artigo trouxe o conceito de violência de gênero a partir de condutas praticadas contra mulheres que atuam no cenário político, que buscam fazer com que as mesmas deixem a política ou seja deslegitimadoras na esfera pública.
Constatada a exclusão e silenciamento das denúncias, é possível auferir que a visão de mundo, pautada no machismo e na exclusão de mulheres da política ainda é muito latente nas deliberações políticas da atual sociedade. O que afirma a necessidade de introdução e continuidade de uma educação sociológica mais inclusiva, pois percebe-se que no Brasil há um código para quase todas as demandas jurídicas, mas não há um código de cidadania política que impacte positivamente no agir humanitário, empático, não violento e capaz e ampliar pluralismo, a consciência cidadã e política da sociedade com uma arma de combate à não proliferação da misoginia.
A educação cidadã inclusiva é capaz de responder questionamentos como: a) Os direitos e lugares de fala das mulheres são respeitados na Câmara de Vereadores de Pedreiras/MA?; Quando tais direitos são feridos, os que praticam crimes são devidamente punidos? Veja-se que a educação é o grande instrumento de promoção da igualdade em ambientes plurais e quando ela se torna algo que de fato é disseminado, o potencial de prática criminológica passa a ser diminuído pela consciência social dos atos daqueles que se encontram na iminência da prática criminosa.
Outro ponto que deve ser destacado é a condição de paridade na participação do jogo político, momento em que se sugere que as vagas deveriam ser ocupadas por 50% de mulheres e 50% de homens, pois acredita-se que esse equilíbrio geraria uma resposta antropológica de igualdade e evitaria determinados motins masculinos de deslegitimação das mulheres dentro dos espaços de poder.
Tal desproporcionalidade de ocupação dos espaços políticos advém de uma desigualdade estrutural estabelecida pelas amarras do patriarcado, que transformam mulheres, como Katyane, em meros estereótipos repletos de preconceito com a finalidade de fomentar a violência de gênero em todos os cenários, portanto, este artigo busca instigar os magistrados a sentenciarem com espeque nas diretrizes internacionais, no artigo 326-B/CE e nos fundamentos da lei nº 14.192/2021, para que haja impacto proporcional na decisão e evite o silenciamento ostensivo, que encontra na imunidade parlamentar uma justa causa da prática deste tipo de violência.
4Durante todo o percurso do escrito a Constituição Federal de 1988 será denominada pela sigla CF/88. As demais formas legislativas também serão tratadas por siglas, a exemplo do Código Eleitoral (CE).
5A título de curiosidade, a Bolívia em 2012, foi o primeiro país a aprovar a legislação que tipificou o assédio e a violência política (física, sexual e psicológica) contra mulheres, de acordo com Krook e Sanín (2016).
6O vídeo pode ser visualizado no link: https://revistamarieclaire.globo.com/video/vereadora-katyane-leite-temmicrofone-arrancado-durante-sessao-da-camara-em-pedreiras-9926705.ghtml.
7Ainda que o Brasil conte com essas duas legislações para albergar a segurança das mulheres, o Fórum Econômico Mundial (2017), ao analisar a igualdade entre homens e mulheres de 144 países no globo, aponta que o Brasil caiu da posição 67 para 90 ao mencionar o período de 2006-2017, o que indica um retrocesso. Ademais, o relatório ainda menciona que a renda média auferida por uma mulher corresponde a 58% da recebida por um homem durante um mês de exercício laboral. Já no que diz respeito ao índice de empoderamento político, se tornou um aspecto vulnerável para a igualdade de gênero no Brasil, pois o mesmo passou da posição 86 para 110.
8Tais informações encontram-se disponíveis em: https://cmpedreiras.ma.gov.br/vereadores.
9Destempero tem como sinônimo desatino, ou seja, uma forma velada de se chamar uma mulher de louca.
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1Pós-doutoranda vinculada ao PPGD da Unifor, Doutora e Mestra em Direito Constitucional Público e Teoria Política pela Unifor. Autora de obras na área da ciberdemocracia. Professora de disciplinas propedêuticas, de Direito Digital e Eleitoral. Coordenadora Geral da Nuvem Editora e Eventos. Orientadora da linha de pesquisa do Diálogo ACI “A Influência da Filosofia e da Sociologia nos movimentos em rede”, devidamente cadastrada no CNPq. Empresária, Publicitária. E-mail: juliamaiameneses@gmail.com
2Professor Titular da UNIFOR; Procurador do Mun. de Fortaleza. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0052290. E-mail: barreto@unifor.br
3Professor Titular da UNIFOR; Procurador do Mun. de Fortaleza. E-mail: romuloleitao@unifor.br