A INFLUÊNCIA DO GLÚTEN NA MICROBIOTA INTESTINAL: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

THE INFLUENCE OF GLUTEN ON INTESTINAL MICROBIOTA: A SYSTEMATIC REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8415891


Joni Itamar Tamiozo Villegas¹; Samuel Vinicius Alcântara Franco²
Leonardo Machado Pirani³ ; Gabriel Pedro Ambrosio
José Pereira Da Silva Filho; Tadeu Wasick Neto
Valter Oliveira de Souza; Bárbara Bredow
Gean lucca Giacomini Piovesani ; Joaquim Lucas Silva Cardoso
Aline Rosa Marosti ; Isabela Peixoto Martins⁴


RESUMO

A microbiota intestinal é definida como a variedade de microrganismos que compõem a comunidade microbiana do intestino. Essa microbiota quando alterada, pode levar a uma desregulação de efeitos imunes normais na mucosa do intestino, que pode ser associada a um número de doenças inflamatórias e imuno-mediada, podendo induzir ao surgimento de patologias pelo não funcionamento desses microrganismos. Nesse contexto, o glúten por causar a alteração da microbiota intestinal, pode estar relacionado ao maior risco ou não do surgimento de doenças. Com base na importância da microbiota intestinal para o organismo e sua alteração pelo glúten, foi realizada uma revisão sistemática utilizando o método SPICE. As bases de dados utilizadas foram: SciELO, LILACS, Medline, Pubmed, Google Acadêmico e Science Direct. Foram selecionados 16 artigos na filtragem final, os quais evidenciam as contrariedades causadas tanto pelo excesso de glúten, quanto pela sua falta, com enfoque na alteração de diversas populações bacterianas e pouco sobre microbiota viral. Apesar da isenção de glúten ter demonstrado diminuição do risco de algumas doenças, a exposição a ele também diminuiu o risco, assim como em alguns casos sua presença ou ausência não teve influência.

Palavras-chave: Colonização bacteriana; Dieta; Disbiose.

ABSTRACT

The intestinal microbiota is defined as the variety of microorganisms that make up the intestinal microbial community. This microbiota, when altered, can lead to a deregulation of normal immune effects in the intestinal mucosa, which can be associated with a number of inflammatory and immune-mediated diseases, which can induce the emergence of pathologies due to the non-functioning of these microorganisms. In this context, gluten, by causing alterations in the intestinal microbiota, may be related to the greater risk or not of the emergence of diseases. Based on the importance of the intestinal microbiota for the body and its alteration by gluten, a systematic review was carried out using the SPICE method. The databases used were: SciELO, LILACS, Medline, Pubmed, Google Scholar, Science Direct. 16 articles were selected in the final filtering,which highlight the setbacks caused by both excess gluten and its lack, focusing on the alteration of different bacterial populations and little on the viral microbiota. Although the absence of gluten has demonstrated a reduction in the risk of some diseases, exposure to it also reduced the risk, and in some cases its presence or absence had no influence.

Keywords: Bacterial colonization; Diet; Dysbiosis.

1  INTRODUÇÃO

A microbiota intestinal é definida como a variedade de microrganismos que compõem a comunidade microbiana do intestino, estima-se que a quantidade de micróbios existentes nesse ambiente seja de 10¹³ à 10¹⁴. Dentre os integrantes dessa microbiota, pode-se citar bactérias, archaeas, fungos, protozoários e vírus, que podem ser comensais, simbióticos e patogênicos. (CANI, 2018; EUROPEAN COMMISSION, 2018).

Na microbiota intestinal humana saudável são encontrados 157 representantes, 155 seres bacterianos e 2 archaea. O filo Firmicutes representa 40% do conjunto de espécies, 32 membros pertencem à Actinobacteria representando 20%, 31 integrantes do filo Bacteroidetes representando 19,7%. Esses microrganismos formam a maioria das espécies bacterianas e compõem o microbioma de linha base, o qual pode ser usado como referência para estudos referentes à disbiose (KING et al., 2019).

Em um estudo envolvendo 85 participantes brasileiros, encontrou-se, em relação ao domínio bacteriano, 11 Filos, 21 Classes, 32 Ordens, 56 Famílias, 128 Gêneros    e    357   espécies.    O    filo    encontrado    em   maior    abundância   foi    o Bacteroidetes, representado especialmente pelos gêneros Bacteroides e Prevotella, seguido do filo Firmicutes, representado especialmente pelos gêneros Faecalibacterium e Roseburia (TEÓFILO, 2021).

À medida que acontece uma desarmonia da microbiota intestinal por meio da diminuição ou do aumento da comunidade de determinados conjuntos bacterianos, maléficos ou não, o equilíbrio da microbiota é interrompida, provocando disbiose. Dessa forma, quando a microbiota está alterada, pode causar desregulação de efeitos imunes normais na mucosa do intestino, que pode ser associada a várias doenças inflamatórias e imuno-mediadas (TEÓFILO, 2021; MARTINEZ, 2020).

Sendo assim, a disbiose, ocasiona a quebra dos peptídeos e reabsorção de toxinas do lúmen intestinal ocorrem de maneira inadequada, induzindo o surgimento de patologias pelo não funcionamento desses microrganismos (PAIXÃO; CASTRO, 2016).

Estudos mostram que há uma relação entre alterações na profusão relativa de táxons microbianos específicos ou quantidade ou heterogeneidade bacteriana intestinal com fenótipos de doença cardiovascular. Sendo assim, mudanças nessa microbiota foram encontradas em indivíduos que possuem fatores de risco para essas patologias como hipertensão, dislipidemia, resistência à insulina e outros fenótipos metabólicos (WITKOWSKI et al., 2020).

Além disso, espécies de bactérias do gênero Lactobacillus estão relacionadas a uma pressão arterial média menor e redução da ingestão dietética de sódio, relacionando-se negativamente às doenças cardiovasculares. Ademais, a espécie Akkermansia muciniphila está relacionada à proteção da aterosclerose em camundongos (VIJAY E VALDES, 2021).

Alterações na microbiota intestinal podem ter relação com a Diabetes mellitus tipo 2. Gêneros bacterianos como Bifidobacterium, Bacteroides, Faecalibacterium, Akkermansia, Roseburia e espécies como Lactobacillus spp e Collinsell spp estão relacionados negativamente à doença. Em contraste, Ruminococcus, Fusobacterium e Blautia estão relacionados positivamente. Porém, mais estudos são necessários para elucidar se tais mudanças na comunidade microbiana intestinal são uma causa ou resultado da patologia referida (VIJAY E VALDES, 2021).

A microbiota intestinal age nas funções neurológicas caracterizando o chamado “eixo intestino-cérebro”. Alterações desses micróbios podem se relacionar a distúrbios neurológicos, como a esquizofrenia, por exemplo, onde há uma superabundância de Lactobacillus sp e no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, onde há aumento de Bifidobacterium sp. Além disso, indivíduos com depressão, possuem abundância nos grupos Eggerthella, Holdemania, Turicibacter e Paraprevotella e redução nos Prevotella e Dialister. Ademais, pacientes com demência possuem aumentos dos grupos Escherichia, Blautia, Bifidobacterium, Streptococcus, Lactobacillus e da espécie Dorea spp e redução dos Actinobacteria e Bacteroides (VIJAY E VALDES, 2021).

A disbiose intestinal pode ser causada por vários fatores. Atualmente, estudos mostram que o glúten pode estar relacionado à gênese da disbiose. Tal componente é a principal proteína de armazenamento dos grãos de trigo e é composto por diversas proteínas distintas, mas relacionadas, sendo a gliadina e glutenina as duas principais. Diferentes proteínas encontradas em diversos alimentos são chamadas de “glúten”, como a hordeína na cevada e aveninas na aveia. Essa proteína é utilizada como aditivo em alimentos processados para melhorar a textura e reter umidade e sabor. Isso acontece pois o glúten é estável ao calor e tem capacidade de atuar como agente de ligação e extensão. Exemplo dessa função são as gliadinas hidratadas e purificadas que contribuem para uma maior viscosidade e extensibilidade da massa (BIESIEKIERSKI, 2017).

Baseado na importância da microbiota intestinal para o organismo, e na grande prevalência de uso do glúten na alimentação, o presente trabalho tem por objetivo identificar as alterações que uma dieta rica em glúten podem ocasionar nessas populações de microrganismos.

2  METODOLOGIA

Este artigo trata-se de uma revisão de literatura sistemática utilizando a estratégia SPICE pois é uma ferramenta recomendada no desenvolvimento de revisões sistemáticas qualitativas, assim já se associa um sistema de pesquisa já definido e bem aceito, produzindo um protocolo de investigação e efetuando o seu registro (DANTAS et al., 2021). Para a etapa inicial, Setting e Perspective, foram adotados artigos com a utilização de estudos cujo os alvos da pesquisa foram pessoas e animais saudáveis. Para a terceira etapa, Intervention, foi escolhido como fenômeno de interesse a influência ocasionada pela ingestão de glúten na microbiota intestinal de ambos os seres.

Em paralelo a fase Intervention, foi realizada a fase Comparison, selecionando os tipos de estudo que foram passíveis de inclusão: ensaios randomizados controlados, estudos experimentais sem randomização, estudos de coorte e casos-controle, estudos observacionais sem grupos de controle, como os transversais e séries de casos. Os resumos de anais de congressos, revisão simples ou sistemáticas foram excluídos.

Devido à escassez de conteúdo acerca do tema abordado utilizou-se as bases de dados: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrievel System Online (Medline), Science Direct, o serviço de busca Google Acadêmico e a plataforma de busca PubMed. A priori o limite cronológico usado foi de 2009 a 2022, devido a carência de trabalhos sobre o tema, utilizando sempre os descritores em inglês retirados dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS/MeSH): (intestinal microbiota, gluten free diet).

Para compor a presente análise encontrou-se: na plataforma PubMed, 197 resultados, após devida filtragem foram selecionados 11 artigos. No serviço de busca Google Acadêmico optou-se por atingir os 200 estudos, sendo que na filtragem final foram selecionados 2 artigos. Na base de dados MedLine encontraram-se 216 resultados, após a filtragem 8 artigos foram selecionados e 4 eliminados devido não se enquadrarem na temática. Além disso, foram encontrados 150 estudos na base de dados Science Direct, usando-se descritores e limite de tempo relatados, além do mais, 226 artigos foram achados usando limite cronológico, 2 artigos foram selecionados, os quais foram eliminados posteriormente por incompatibilidade temática. Na base de dados LILACS usando descritores e limite de tempo relatados, 4 trabalhos foram selecionados, os quais foram eliminados posteriormente por incompatibilidade temática. Na base de dados SciELO não foram encontrados estudos. Dessa forma, localizaram-se 989 trabalhos.

Portanto aplicados os critérios de elegibilidade SPICE, analisou-se, primeiramente, os títulos. Quando possuíam o termo doença celíaca ou temática incompatível foram excluídos. Em seguida, examinou-se a metodologia. À medida que não incluía o tema proposto foram eliminados. Logo após, verificou-se os restantes. Conforme não faziam parte dos objetivos desta revisão, foram excluídos, selecionando-se, ao final, 16 artigos (Quadro 1).

Quadro 1 – Artigos selecionados

TÍTULOAUTORANOLOCAL ENCONTRADO
Effects of a gluten-free diet on gut microbiota and immune function in healthy adult human subjectsPalma et al.2009PubMed
The influence of a short-term gluten-free diet on the human gut microbiomeBonder et al.2016Pubmed
NLRX1 Deficiency Alters the Gut Microbiome and Is Further Exacerbated by Adherence to a Gluten-Free DietMorrison et al.2022Pubmed
Stability of the human gut virome and effect of gluten-free dietGarmaeva et al.2021Pubmed
Wheat Gluten Regulates Cholesterol Metabolism by Modulating Gut Microbiota in Hamsters with HyperlipidemiaLiang et al.2019Pubmed
Gluten intake and risk of type 2 diabetes in three large prospective cohort studies of US men and womenZong et al.2018Pubmed
Obesity, Metabolic Syndrome, and Cardiovascular Risk in Gluten-Free Followers Without Celiac Disease in the United States: results from the national health and nutrition examination survey 2009-2014Kim et al.2017Pubmed
Effect of gluten-free diet and antibiotics on murine gut microbiota and immune response to tetanus vaccinationKihl et al.2022Pubmed
A low-gluten diet induces changes in the intestinal microbiome of healthy Danish adultsHansen et al.2018Pubmed
Modulation of the diet and gastrointestinal microbiota normalizes systemic inflammation and β-cell chemokine expression associated with autoimmune diabetes susceptibilityHenschel et al.2018Pubmed
Gluten-Free Diet Only during Pregnancy Efficiently Prevents Diabetes in NOD Mouse OffspringAntvorskov et al.2016Pubmed
Gluten-free diet reduces autoimmune diabetes mellitus in mice across multiple generations in a microbiota-independent mannerHansen et al.2022Google acadêmico
Chinese gut microbiota and its associations with staple food type, ethnicity, and urbanizationLu et al.2021Google acadêmico
A maternal gluten-free diet reduces inflammation and diabetes incidence in the offspring of NOD miceHansen et al.2014MedLine
Low incidence of spontaneous type 1 diabetes in non-obese diabetic mice raised on gluten-free diets is associated with changes in the intestinal microbiomeMarieta et al.2013MedLine
Modulating the Gut Microbiota Improves Glucose Tolerance, Lipoprotein Profile and Atherosclerotic Plaque Development in ApoE-Deficient MiceIda et al.2016MedLine
3  RESULTADOS

3.1  Dieta sem glúten

3.1.1  Bactéria com aumento populacional

A principal avaliação dos estudos é a observação do aumento de certo grupo na microbiota intestinal. De acordo com Hansen et al., (2014) e Marietta et al., (2013) a prole de camundongos alimentados com dieta livre de glúten mostrou que a Akkermansia, no íleo, está aumentada em comparação com os alimentados com glúten. Em outros casos, o grupo avaliado com dieta isenta de glúten tiveram um aumento das famílias Victivallaceae (BONDER et al., 2016).

Em relação ao filo Bacteroidetes, Henschel et al., (2018) denota um incremento populacional em dietas livres de glúten, através de experimentos em ratos. Em mesmo estudo, foi constatado maior proporção de integrantes da família Lactobacillaceae (MORRISON et al., 2022).

Há casos como observado por Hansel et al., (2018) onde uma espécie de origem taxonômica desconhecida, uma espécie não classificada das famílias Clostridiales e uma espécie não classificada de Lachnospiraceae aumentaram nos grupos que tiveram uma dieta pobre em glúten. Bem como, se utilizado de dietas Altromin, dieta pobre em glúten, grupos de bactérias como Lachnospiraceae, já caracterizados da microbiota intestinal, Parasuterella spp e Bifidobacterium spp. podem proliferar (KIHL et al., 2022).

Essa dieta também foi associada ao aumento de Butyricimonas, por meio de um estudo com ratos. Essa bactéria pertence a um gênero de produtor de butirato, composto relacionado ao aumento da integridade da barreira intestinal. Além disso, em comparação com ratos tratados com glúten, também houve incremento na população de Firmicutes (HENSCHEL et al., 2018).

Hansen et al., (2014) e Kihl et al., (2022) evidenciaram aumento expressivo de TM7 em camundongos e ratos alimentados com dieta sem glúten quando comparados aos alimentados com glúten. Também constatou que uma dieta Altromin modificada sem glúten também ocasionou aumento nas populações de Bifidobacterium spp (KIHL et al., 2022) . Já no estudo de Hansen et al., (2014) também foi observado aumento nos filos bacterianos Verrucomicrobia e Proteobacteria.

Em relação a microrganismos patogênicos, Palma et al., (2009), em um estudo que envolveram dez humanos saudáveis que foram submetidos a um dieta isenta de glúten, denota que houve um crescimento em microrganismos patogênicos oportunistas, dentre eles Escherichia coli e Enterobacteriaceae.

Além desses, Hansen et. al., (2022) observou um aumento de quatro vezes na abundância relativa de Bacteroides spp. Também foi constatado aumento de diversos outros microrganismos em um estudo envolvendo camundongos selvagens com sinalização NLR normal, o qual, por ser um regulador negativo, controla a sinalização inflamatória prevenindo disbiose. No entanto, notou-se o aumento de bactérias que pertencem à família Lactobacillales que é relacionada ao bem estar da saúde humana. Além disso, percebeu-se que sua microbiota foi caracterizada por Streptococaceae, Erysipelotrichaceae e Atopobiace. Ademais, houve acréscimo na abundância relativa de Actionobactérias.

3.1.2  Bactérias com redução populacional

Conforme Kihl et al., (2022) a microbiota intestinal de ratos que fizeram uso da dieta Altromin modificada sem glúten, a qual apresenta 8,4% de hidrolisado de carne, 6,5% de proteína de soja, 1% de proteína de leite, 3,2% de amido de milho, 2,5% de proteínas de trigo e 1% de proteínas de aveia. Os itens contendo glúten foram substituídos por proteínas da carne. Assim, foi caracterizada pelo decréscimo relativo de Ruminococcus spp e Prevotellaceae. Já Morrison et al., (2022), em um estudo envolvendo camundongos selvagens com sinalização NLR normal, percebeu-se que Bacteroidetes reduziram. Enquanto isso, Hansen et al., (2018) constatou que ocorre redução de Bifidobacterium spp em uma dieta isenta de glúten.

Bonder et al., (2016), em um estudo envolvendo 21 humanos saudáveis que adotaram uma dieta isenta de glúten por 4 semanas, apontou que houve redução na família bacteriana Veillonellaceae, Ruminococcus bromii, Roseburia faecis, Clostridiaceae, Coriobacteriaceae, ordem ML615j-28, gênero Slackia. A Veillonellaceae é uma família de bactérias pró-inflamatórios que estão relacionadas a diversos distúrbios intestinais.

Palma et al., (2009), em um estudo que envolveu dez humanos saudáveis que foram submetidos a um dieta isenta de glúten, denota que houve uma redução no grupo Lactobacillus, microrganismos vistos como benignos para o bem estar humano. Assim como Henschel et al., (2018), onde os pesquisadores realizaram o estudo com um grupo de ratos que possuíam uma dieta isenta de glúten, e na família Lactobacilaceae, Lactobacillus reuteri foi uma particularidade diferencial dos ratos alimentados com dieta sem glúten. Henschel et al., (2018) também fizeram um estudo com grupo de ratos que possuíam uma dieta isenta de glúten, e foi possível observar uma redução da família Helicobacteracea. Palma et al., (2009), denota que houve uma redução na quantidade de Prevotella, Eubacterium rectale, C. lituseburense e F. prausnitzii, C. coccoides e C.histolyticum foram diminuídos devido dieta isenta de glúten.

3.2  Dieta com glúten
3.2.1  Bactérias com aumento populacional

Já em casos de uma dieta a base de glúten houve predominância do filo Bacteroidetes, nos camundongos diabéticos não obesos (NOD) e com seus descendentes em relação aos alimentados com dieta isenta de glúten (HANSEN et al., 2014; Henschel et al., 2018). Entretanto, conforme Liang et al., (2019) observou que as famílias Ruminococcaceae e Desulfovibrio, bactérias que têm relação com doenças intestinais, tiveram um grande aumento. Além disso, houve um maior índice de Proteobactérias e do grupo Bacteroidales S24-7. Outrossim Bacteroides, tiveram sua população aumentada em até quatro vezes (HANSEN et al., 2022).

A dieta com glúten ocasiona um aumento de bacteroides como descrito nos estudos de Liang et al., (2019) e Hansen et al., (2014), onde foi observado, respectivamente, que nos estudos com Hamsters e camundongos que receberam dietas contendo glúten teve um aumento da quantidade de bacteroides. Além disso, constataram que a presença de Cetenibacterium estava aumentada nas populações rurais devido a uma alimentação baseada em trigo. (LU et al., 2021).

Nos estudos de Lu et al., (2021) e Marietta et al., (2013), apresentam um aumento na população de Bifidobacterium nos grupos de indivíduos que tiveram incluído em sua dieta o glúten e estudos observados em ratos com dieta contendo glúten, que apresentaram uma predominância na flora bacteriana da Bifidobacterium. Marietta et al., (2013) observaram ainda que os microbiomas de ratos que fizeram uma dieta contendo glúten, formaram agrupamentos no qual possuía uma variedade de gêneros diferentes, predominando, dentre eles, Tannerella e Barnesiella.

3.2.2  Bactérias com redução populacional

Liang et al., (2019) em seu estudo constataram que hamsters que foram alimentados com glúten comparados com um grupo controle alimentados sem glúten, apresentaram menor índice do filo Firmicutes e do grupo Lactobacillus. Tal mudança, no filo Firmicutes, está associada a doenças metabólicas, como a obesidade. Além disso, ocorreu redução relativa de Erysipelotrichaceae e do grupo Allobaculum o qual está associado a uma redução do risco de aterosclerose.

3.2.3  Vírus com aumento populacional

Houveram poucos estudos focados na observação da microbiota intestinal viral, porém Garmaeva et al., (2021) analisou o viroma intestinal humano, após dieta isenta de glúten, e relata que ocorreu uma relativa abundância de Virgaviridae, que são bacteriófagos da família Podoviridae, e, aumento na família viral crAss-like.

4  DISCUSSÃO

Apesar das evidências apresentadas nas pesquisas, há uma divergência de observações e conclusões acerca do tema, os trabalhos evidenciam as contrariedades causadas tanto pelo excesso de glúten, quanto pela sua falta a

depender do período da vida em que ocorria a exposição, em relação a prevenção do diabetes tipo 1, assim como mostrou relação inversa entre a quantidade ingerida e associação com diabetes tipo 2 (ANTVORSKOV et al., 2016; ZONG et al., 2018). Em outros estudos, a presença ou ausência de glúten na dieta não demonstrou alterar o desenvolvimento de placas ateroscleróticas, ou diminuir o risco cardiovascular e síndrome metabólica, mesmo com a redução do peso corpóreo observada na dieta isenta de glúten (RUNE et al., 2016; KIM et al., 2017).

Entretanto, devido ao fato do glúten estar associado tanto ao ocasionamento de doenças quanto à regulação da microbiota intestinal, as discussões sobre o tema tendem a partir do estudo de um grupo de bactérias específico, o que leva a resultados distintos (MARIETTA et al., 2013).

A elevada prevalência de vários distúrbios gastrointestinais e extraintestinais mediados pelo glúten entre a população significa que a dieta sem glúten é vista como um meio para alcançar um estilo de vida mais saudável (QUEVEDO; HERNANDEZ; TORCHE, 2017). Porém, a dieta sem glúten envolve uma série de restrições na rotação de produtos ricos em carboidratos, já que a maioria dos utilizados em nosso meio são à base de trigo (DEHGHANI et al., 2014).

Neste pensamento, os alimentos sem glúten derivados de cereais são ricos em carboidratos e gorduras, mas deficientes em alguns macronutrientes e micronutrientes (WRIGHT; MARTINEZ; KAROL, 2020). Como resultado, uma dieta isenta de glúten a longo prazo pode levar a deficiências em alguns nutrientes se a dieta não for corretamente fortificada (ARANDA; ARAYA, 2016).

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, a dieta sem glúten pode ser prejudicial para pessoas que não a necessitam devido ao risco de deficiências de nutrientes essenciais. A substituição do glúten como ingrediente principal em uma dieta não é simples. Diferentes dietas foram investigadas até o momento. No entanto, a qualidade de uma dieta sem glúten muitas vezes não é comparável à que contêm glúten.

Mais esforços devem ser dedicados a uma abordagem racional que utilize um produto que contém glúten como padrão a ser utilizado. Contudo, até hoje, nenhum efeito benéfico cientificamente comprovado, de uma dieta sem glúten, foi demonstrado em indivíduos saudáveis, bem como, que uma dieta rica em glúten ocasiona a manifestação de doenças. Vale ressaltar ainda que, os indivíduos que optam por seguir uma dieta sem glúten devem tomar cuidado com as inadequações de macronutrientes e micronutrientes da dieta, escolhendo-a principalmente pelo efeito de redução do peso sem comprovação científica.

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1Discente do Curso Superior de Medicina do Instituto UniCesumar. Campus Maringá.
e-mail:medcesu2020@gmail.com

2Discente do Curso Superior de Medicina do Instituto UniCesumar. Campus Maringá.
e-mail: Samuel.sf18@hotmail.com

3Discente do Curso de Pós-Graduação de Mestrado do Instituto UniCesumar. Campus Maringá.
e-mail: leonardomp.com@gmail.com

4Docente do Curso Superior de Medicina do Instituto UniCesumar Campus Maringá. Doutora em Ciências Biológicas (PBC/ LBCS). e-mail: isabela.martins@docentes.unicesumar.edu.br