A INFLUÊNCIA DO ESTRESSE NO SISTEMA IMUNOLÓGICO

THE INFLUENCE OF STRESS ON THE IMMUNE SYSTEM

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411300737


Cauã Mendes Nunes 1
Maria Eduarda de Sousa Rocha 1
Renata Ruoco Loureiro 2


RESUMO

O estresse possui papel determinante nas alterações biológicas que ocorrem no organismo, causando danos ao processo natural de funcionamento do corpo humano e oferecendo riscos à homeostase. O presente estudo teve o objetivo de realizar uma revisão bibliográfica avaliando os impactos do estresse ao sistema imunológico, aprofundando-se nos fatores da imunidade em âmbito geral e seus mecanismos de ação. O método utilizado nessa pesquisa se estabelece por meio de um levantamento bibliográfico realizado com base em artigos científicos. Pode-se observar que muitas das alterações fisiológicas estão relacionadas a doenças neurológicas, sendo que durante períodos de estresse, é notória a ligação entre os sistemas endócrino, imunológico e nervoso. É possível concluir que a função protetora do sistema imune pode ser afetada por agentes estressores, portanto é importante entender sobre possíveis estratégias que devem ser colocadas em prática como forma de tratamento em situações de estresse.

PALAVRAS-CHAVE: Estresse, sistema imunológico, organismo, homeostase

ABSTRACT

Stress plays a decisive role in the biological changes that occurred in the organism, causing damage to the natural functioning process of the human body and offering risks to homeostasis. The present study aimed to carry out a literature review evaluating the impacts of stress on the immune system, in which the factors of immunity in general and their mechanisms of action will be analyzed. The method used in this research is established through a bibliographic study based on scientific articles. It can be observed that many of the physiological changes are related to neurological diseases, and during periods of stress, the connection between the endocrine, immune and nervous systems is notorious. It is possible to conclude that the protective function of the immune system can be affected by stressors, so it is important to understand possible strategies that should be put into practice as a form of treatment in stressful situations.

KEYWORDS: Stress, immune system, organism, homeostasis

INTRODUÇÃO

O estresse é um fator que se encontra diretamente ligado ao bem-estar das pessoas1. Com base nas pesquisas, é notório que por meio de diversas respostas fisiológicas, o estresse exerce um papel significativo no sistema imunológico1. Estudos sobre esse tópico vêm ganhando ênfase com o passar dos anos, fazendo com que cientistas da área da saúde demonstrem interesse sobre essa interação1

O estresse pode surgir na vida de qualquer pessoa, seja por sua faixa etária, sexo ou situação social em que está nivelado, sendo muito influenciado pelo estilo de vida, normalmente tem sua aparição em rotinas excedentes, onde não existe um equilíbrio constante entre os afazeres e o devido período de descanso1.

O sistema imunológico possui funções essenciais na defesa do organismo contra patógenos invasores, como bactérias, vírus e parasitas, oferecendo suporte para a detecção e eliminação de células anormais que podem acabar no organismo ou ainda quando se tornam células cancerígenas2.

Porém, a eficiência completa do sistema imunológico pode ser comprometida na presença de estresse crônico ou agudo2. Pesquisas ressaltam que o estresse pode influenciar a atividade do sistema imunológico por algumas questões, incluindo o aumento da vulnerabilidade à doenças infecciosas e autoimunes, alteração da produção e atividade de células imunológicas e limitação da função imune3.

Os intitulados “estressores” surgem após o desencadeamento de eventos emocionais, como, traumas, riscos, intimidações e crises4. A divisão dos estressores consiste basicamente entre dependentes e independentes4. Os estressores dependentes estão relacionados às escolhas baseadas do indivíduo em questão, levando em conta sua forma de agir e o tipo de relação com o próximo4. Os estressores independentes estão relacionados a situações extremas em que o indivíduo se encontra sem poder de decisão, onde não possuem escolha, como, abandono familiar ou a perda de um ente querido4.

Pesquisas sugerem que o cortisol, um dos principais reguladores da resposta ao estresse, pode desfavorecer a atividade de células do sistema imunológico, como por exemplo, os linfócitos T e as células NK (natural killer)2. Além disso, o estresse também pode ter influência na produção de citocinas, moléculas que são essenciais na comunicação entre as células do sistema imunológico, danificando a precisão na resposta imune e na estabilidade da resposta inflamatória3.

A aparição de algumas doenças por questões de alterações hormonais pode estar interligada com os variados tipos de estresse4. Por isso, é de extrema importância entender sobre os mecanismos da influência do estresse ao sistema imunológico, não só pela detecção fisiopatológica de doenças com relação ao estresse, mas também sobre a possibilidade do surgimento de doenças por meio das disfunções hormonais estabelecidas por esse fator4.

Sendo assim, o presente estudo de revisão bibliográfica tem como objetivo compreender como o estresse, tão presente no cotidiano, afeta o sistema imunológico.

JUSTIFICATIVA

O estresse é uma emoção presente na vida de todos os seres humanos que em níveis elevados tem uma grande influência sob o sistema imunológico, afetando a qualidade de vida como um todo, dependendo de cada situação de estresse, físico ou traumático o nosso corpo vai produzir uma resposta diferente, aumento da frequência cardíaca, respiração ofegante, entre outros. 

O sistema endócrino e sistema nervoso sináptico são responsáveis por tais reações, onde o sistema endócrino libera hormônios corticosteroides, que, quando estão em excesso no nosso corpo, podem aumentar as placas ateroscleróticas em nossos vasos sanguíneos causando o aumento da pressão, acidentes cardiovasculares e vasculares cerebrais. O aumento de cortisol e adrenalina no nosso organismo diminuem a atividade das células T e B contra os antígenos, deixando o indivíduo vulnerável a infecções e doenças. 

A compreensão sobre o estresse, tão presente no cotidiano, afeta o sistema imunológico mostra-se de suma importância para o estudo da fisiopatologia de diversas doenças, bem como o desenvolvimento de possíveis tratamentos e prognóstico dos pacientes.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada nesse estudo consiste em uma revisão bibliográfica com análise de dados já publicados na Scientific library Online (SCIELO), google acadêmico, Science direct, sociedade brasileira de oncologia clínica, entre outros. 

DESENVOLVIMENTO

ESTRESSE E HOMEOSTASE

O sistema imunológico está automaticamente ligado a outros sistemas, como por exemplo, o sistema endócrino e o sistema nervoso8. A partir de um estímulo, o organismo responde de alguma forma para conseguir manter o controle homeostático8.

O conceito de homeostase foi introduzido por Claude Bernard, que pesquisando sobre o sistema digestório, notou como o meio externo afetava o meio interno, e em um dos seus artigos publicados em 1878 chamadoLeçons sur les phénomènes de la vie communs aux animaux et aux végétaux”  onde  idealizou o conceito le milieu interieur” (o meio interno); na segunda lição desse artigo, o autor define a vida em 3 formas, e uma da formas chamou de la vie oscillante”, onde basicamente Bernard explicou como o ambiente externo e cada acontecimento da vida tem uma influência no organismo5.

Anos depois, Walter Cannon, um fisiologista americano, fez parte de uma pesquisa com os soldados durante a Primeira Guerra, sobre o choque-traumático6. Partindo desse estudo, Cannon começou a se interessar cada vez mais por aquilo que Claude Bernard já havia mencionado, sobre como o organismo (meio interno) mantém o equilíbrio dentro das adversidades que acontecem a sua volta e até mesmo diante das reações e hormônios liberados por ele6

Na década de 1920, Cannon publica um artigo intitulado como ‘‘Physiological regulation of normal states: some tentative postulates concerning biological homeostatics” (Regulação fisiológica de estados normais: alguns postulados provisórios relativos à homeostática biológica), onde oficializa o termo homeostase e da créditos a Claude Bernard por ter idealizado o termo de meio interno6.

Antes mesmo de introduzir o termo de homeostase, Cannon já se interessava pelos efeitos das emoções sobre o organismo humano, tanto que em sua monografia “Bodily Changes in Pain, Hunger, Fear and Rage: An Account of Recent Researches into the Function of Emotional Excitement”, ele adota a frase “ fight or flight response”, que é a resposta de luta ou fuga, explicando como o organismo reage nas situações de medo, fome, tensões, estresse e como a homeostase e reação corporal reagem a essas emoções e estão conectados um ao outro7.

A homeostase visa manter em equilíbrio o organismo quando exposto a situações cotidianas, após as refeições, durante o sono etc, gerando reposta produtiva, porém quando exposto a situações externas de perigo ou estresse, esse meio precisa exigir um auxílio maior de outros sistemas8. O sistema endócrino libera hormônios esteroides em um quadro de estresse, entre eles o cortisol, e estes hormônios em maior quantidade no organismo possibilitam o aumento da pressão, devido ao aumento das placas ateroscleróticas nos vasos sanguíneos podendo causar acidentes cardiovasculares.8 O aumento do cortisol afeta não só os vasos sanguíneos, mas também o sistema imunológico, diminuindo a atividade dos linfócitos T e B, tornando o indivíduo extremamente vulnerável as infecções bacterianas e doenças8.

Estudos apontam que o estresse psicológico faz alterações neuroendócrinas importantes que afetam o sistema imunológico, devido a uma comunicação bidirecional entre os sistemas endócrino, nervoso e imunológico, neurotransmissores e hormônios regulando o sistema imune e as glicoproteínas modulando o sistema nervoso central, e essa comunicação entre os três sistemas é extremamente fundamental para o controle da homeostase do organismo9

Durante a regulação neuroendócrina há ativação do eixo hipotálamo-hipófise adrenal, aumentando os níveis de cortisol que é o principal hormônio liberado em situações de estresse causando diminuição da atividade das células NK e linfócitos T, deixando o indivíduo imunossuprimido e consequentemente mais suscetível a formação de células cancerígenas9.

FISIOPATOLOGIA DO ESTRESSE

Os conceitos de estresse foram caracterizados pelo endocrinologista canadense Hans Selye em 192510. Hans deu início ao experimento com a exposição de animais a diversos tipos de situações pesadas, chegando a conclusão de que organismos diferentes acabavam culminando para uma mesma resposta fisiológica, observando-se dilatação do córtex da glândula suprarrenal, atrofia timo linfática e úlceras intestinais10. Para a continuação de seu experimento, Hans reuniu outro grupo de animais e expôs a novas condições climáticas e físicas, sendo assim, mais uma vez ele percebeu o mesmo resultado do experimento anterior10. Por fim, estabeleceu três fases que são geradas pelo estresse: alarme, resistência e exaustão10.

Na fase de alarme, o estressor é reconhecido pelo organismo, gerando uma resposta orgânica com precisão, sendo ativado no sistema nervoso central o hipotálamo e a hipófise liberando ACTH (hormônio adrenocorticotrófico)11. O ACTH estimula a secreção de corticoides e adrenalina pelas glândulas suprarrenais11. Portanto, as glândulas começam a efetuação e liberação de hormônios do estresse, tendo como algumas consequências, aceleração do batimento cardíaco e o aumento dos níveis de açúcar no sangue11. O objetivo dessa resposta fisiológica é agilizar o organismo para a ação, visto que as opções são “luta” e “fuga”11.

Na fase de resistência, a ampliação da capacidade de resistência no organismo é o principal, onde a permanência do estressor não é precisa e pode ser gerada a sensação de desgaste idiopático11. No decorrer desta etapa, o organismo vem se adaptando novamente, com os batimentos cardíacos, respiração e circulação voltando para o estágio anterior11. Infelizmente, caso o estressor seja muito intenso ou duradouro, a resistência vai se esvaindo, ocorrendo o desgaste no organismo e desencadeando a terceira fase11.

Na fase de exaustão, o organismo não consegue se adaptar com a presença do estressor, fazendo com que os sintomas da fase de alarme voltem com maior incidência, o organismo fica mais sensível e vulnerável a doenças, podendo chegar até a situação de morte em casos mais extremos11.

Além das fases do estresse, sua formação pode ser dividida em dois tipos: estresse agudo e estresse crônico, onde ambos estão relacionados à situação em que o corpo se encontra e a duração do estresse neste organismo12

O estresse agudo é emitido após um sinal de ameaça e gera resposta instantânea, levando em consideração que, na maioria dos casos, possui duração reduzida e surge em momentos específicos, com elevação rápida da situação, como por exemplo uma discussão extrema 12. Já o estresse crônico, é notável a partir do momento em que o indivíduo está em exposição a diversas situações de estresse por um longo período, as quais podem influenciar diversos problemas pessoais e de saúde do indivíduo12.

Algumas formas de cuidado ao estresse são baseadas em técnicas estratégicas que ressaltem momentos de autofoco e relaxamento, como, a meditação13. Também se faz como forma de tratamento o uso de medicamentos, adição de atividade física na rotina e terapia comportamental13. Porém, é importante a busca de um profissional para que haja uma forma coesa de prevenção ao agravamento do estresse13.  

A Associação Internacional para o Controle do Estresse (ISMA) realizou uma pesquisa evidenciando que o Brasil está na segunda posição no gráfico de países com maior índice de estresse13. Portanto, por ser um desencadeador de muitos malefícios à saúde, como insônia e irritabilidade, é de suma importância que o tratamento do estresse seja aplicado de forma consciente13.

A fisiopatologia do estresse tem como definição o método de reação do corpo ao estresse, gerando ao organismo uma resposta direta que é formada por alterações nas ações pessoais de determinado indivíduo por consequência do estresse13

O desenvolvimento do estresse pode trazer diversos malefícios à saúde, como ansiedade, depressão, problemas cardiovasculares, problemas gastrointestinais e problemas imunológicos13. No entanto, o estresse crônico pode ampliar a probabilidade de desenvolver doenças degenerativas como esclerose múltipla, Alzheimer, câncer etc 13

Após a aparição do estresse, o corpo entra em busca de uma resposta que visa a expulsão do estresse13. Enquanto a resposta está em andamento, são liberados cortisol e adrenalina, fazendo com que os níveis de energia, a respiração e a pressão arterial entrem em um constante crescimento, ajudando o organismo no tratamento da situação de estresse13. Entretanto, mudanças fisiológicas no sistema imune podem ser acarretadas por meio do estresse crônico13.

O ESTRESSE E O DESENVOLVIMENTO DE CÉLULAS CANCERÍGENAS

O câncer é baseado no crescimento desordenado de células, que invadem tecidos e órgãos, essas células têm predisposição a se espalharem rapidamente pelo organismo14.

O processo começa com uma mutação no DNA por motivos externos ou internos, fazendo com que a célula não realize corretamente suas funções de reparo ou morte celular15. Essas mutações podem ocorrem em proto-oncogenes ou em genes supressores tumorais, culminando no processo de carcinogênese15. Estudos apontam que a formação do câncer possui três estágios: o estágio de iniciação, promoção e progressão15.

No estágio de iniciação, ocorre a mutação no DNA e ainda não é possível detectar um tumor com exames clínicos, mas as células já se encontram modificadas15.

No estágio de promoção, as células já não são mais saudáveis, sofrem a ação dos oncopromotores, agentes cancerígenos que transformam as células iniciadas em malignas15. É comum que, em alguns casos as células iniciadas não se tornem malignas, pois para isso necessitam de contato contínuo e lento com os oncopromotores, mas há casos em que a alimentação e exposição repetida a alguns hormônios contribuam gradualmente para tornar uma célula iniciada em maligna15, 16.

No estágio de progressão, ocorre o crescimento e multiplicação desenfreada das células mutadas, onde é possível observar os primeiros sinais da doença15. Os oncoaceleradores ou agentes carcinógenos contribuem para o aumento das células cancerígenas, fazendo com que elas se espalhem rapidamente desenvolvendo tumores malignos15.

O câncer se desenvolve a partir de mutações no DNA por influência externa e interna, e hormônios produzidos durante uma situação de estresse impactam na eficácia das células de defesa, fazendo com que o indivíduo fique exposto a infecções e afetando o metabolismo celular para a produção de enzimas que destroem carcinógenos e façam reparo de danos no DNA, contribuindo para com a proliferação células alteradas, que mais tarde podem se tornar tumores malignos17. Estudos apontam que pessoas estressadas tendem a ser mais suscetíveis ao desenvolvimento do câncer17.

SÍNDROME DE BURNOUT

Em 1974, o psicólogo Herbert Freudenberger se torna a primeira pessoa a realizar um estudo clínico sobre a síndrome de Burnout, também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional18. Freudenberger notou que havia vestígios de exaustão física e mental devido a âmbitos profissionais e, tomou como base o aumento de frequência de problemas emocionais, desvios de personalidade e a falta de envolvimento e entrega referente ao trabalho desenvolvido12, 18

Com o passar dos anos, o interesse e estudos sobre o tema vêm crescendo e, levando em consideração o alerta sobre seu impacto na saúde dos trabalhadores, foi incluído na lista de doenças relacionadas ao trabalho19.

A Síndrome de Burnout é uma doença psíquica causada pelo excesso de trabalho proposto para determinada pessoa, e pode ser influenciada por situações de trabalho desgastante, autocobrança no ambiente de trabalho, competitividade ou responsabilidades extremas20. O termo “burnout”, simboliza algo que possui pendências enérgicas e que não se encontra mais em funcionamento, fez-se então uma interligação sob o termo com o ambiente de trabalho20.

A Síndrome de Burnout é geralmente relacionada a profissionais que possuem contato direto e responsabilidades que envolvem questões emocionais por meio de seu trabalho, também está relacionada a cargos em que são desenvolvidas altas taxas de estresse, ansiedade e cobrança21. As profissões mais afetadas pelo distúrbio são as designadas por tratamento, prestação de serviço e educação, como, médicos, educadores, policiais e recursos humanos21. Algo em comum entre essas profissões são as interações duradouras necessárias para que o serviço seja prestado e, desgastes nessas interações podem resultar a esgotamentos físicos e mentais21.

A caracterização desse distúrbio é composta por três fatores: exaustão emocional, despersonalização ou cinismo e baixa realização pessoal22. A exaustão emocional abrange o acúmulo de estresse e a sobrecarga de fatores emocionais no trabalho, que acabam resultando no esgotamento físico e mental, fazendo com que esse baixo estímulo ultrapasse o ambiente de trabalho e se torne um fator na vida social e pessoal do indivíduo22. A despersonalização é caracterizada pela falta de motivação na entrega de trabalho, levando o profissional a ter atitudes dissimuladas e negativas com seus colegas de trabalho e com as pessoas a quem prestam serviços22. Já a baixa realização pessoal, surge pela sensação de baixa autoestima e falta de reconhecimento no ambiente profissional, levando o trabalhador a desmotivação e insatisfação em realizar suas obrigações22.

Representando um tópico da saúde pública, a Síndrome de Burnout pode ser um fator de relevância tanto clínica, quanto socioeconômica, pois possui papel negativo na performance dos trabalhadores em suas devidas ocupações12. Os colaboradores que se encontram em estado de desmotivação no trabalho, acabam não apresentando o potencial ideal para a realização de tarefas, muitas vezes entregando somente o básico sem muito esforço e preocupação com o que vem sendo exercido12. A intensificação dos sintomas acontece por meio da realidade oposta criada pelo indivíduo sob as idealizações profissionais12.

Durante a pandemia de COVID-19, após o agravamento do contágio, estudos afirmam que houve um aumento de casos de Burnout por meio de situações como: isolamento social, receio da infecção, duração da quarentena, medo de perder o emprego, crise financeira e as múltiplas informações que eram recebidas sem veracidade23. Segundo pesquisadores italianos, os principais afetados pelo Burnout foram os profissionais da saúde que atuaram na linha de frente durante a pandemia, visto que foram o grupo de trabalhadores com o maior índice de intenção a buscar ajuda psicológica durante o ocorrido23.

Para o entendimento sobre a relação de resposta obtida entre estresse e Burnout, é válido notar a necessidade de interação entre o sistema imunológico, sistema nervoso central e sistema nervoso autônomo24. Ressaltando sobre os malefícios do Burnout à saúde, sabe-se que a relação do sistema imunológico com o sistema nervoso central sob controle das citocinas inflamatórias possui influência nessa participação 24. É importante ter ciência que o cortisol, visando impacto na saúde cardiovascular, também possui influência na regulação de ambos24.

A ATUAÇÃO DA ATIVIDADE FÍSICA NO SISTEMA IMUNE

Existem dois estágios de resposta imune, a resposta inata e adaptativa25. A resposta inata engloba barreiras físicas (como a pele), químicas (sistema complemento) e participação de macrófagos, neutrófilos, células dendríticas, células natural killers (NK) e moléculas microbicidas (como o ânion superóxido) 25. A resposta  adaptativa envolve a ação dos linfócitos T (TCD4 e TCD8) e B, bem como citocinas e anticorpos 25. A resposta adaptativa pode ser separada em reposta imune humoral, mediada por anticorpos; e imune celular, guiada por linfócitos T e macrófagos25

As linhagens TCD4 (auxiliares) podem ser subdivididas em várias subpopulações, sendo as principais Th1, que se relaciona com a resposta do sistema imunológico em nível celular e o manejo de infecções causadas por microrganismos intracelulares, e Th2, que está relacionada à resposta do sistema imune humoral e ao manejo de infecções extracelulares 25. Muitos fatores, como as citocinas dominantes no microambiente de ativação, o tipo de antígeno e os eventos precoces durante a resposta imune envolvendo células dendríticas e células NK, podem influenciar o tipo de resposta predominante, determinando o controle ou não controle de uma infecção25

Os neutrófilos, que sempre estão envolvidos em diversos processos inflamatórios, , desempenham um papel importante na resposta imune inata 25. Aderência, quimiotaxia, fagocitose, burst oxidativo, degranulação e eliminação do microrganismo são os eventos que ocorrem na resposta neutrofilica25.

Durante atividades físicas, ocorre a ativação da fibra muscular, resultando em uma maior liberação de cálcio e a síntese de citocinas pró-inflamatórias, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), que regula a expressão de selectinas pelas células endoteliais e atrai neutrófilos para a região25

Vários estímulos causam o aumento de citocinas no organismo, como por exemplo o estresse oxidativo, estresse hormonal e estresse extenuante, etc25. Alguns autores vem relatando em seus artigos que a prática de atividades físicas induz um aumento na concentração plasmática de citocinas no organismo, entretanto isso depende da intensidade da atividade física realizadas e os músculos trabalhados durante o exercício, por exemplo: em um maratonista a concentração de IL-6,citocina que participa do processo inflamatório, conhecida como interleucina responsiva a inflamação, é muito maior do que no organismo de uma pessoa que pratica atividades físicas que envolvem apenas os músculos superiores, pois a quantidade dessa citocina esta ligada a intensidade da atividade física praticada 25

A citocina atinge seu pico nos níveis sanguíneos ao término do exercício ou num breve intervalo após ele, seguido por uma rápida queda, retornando aos níveis pré-treino25. Assim, a interação entre a modalidade, a intensidade e o tempo de exercício determinam a extensão do aumento da concentração de IL-6 no plasma causado pelo exercício 25. Esta miocina, além de ter um efeito imunomodulador, também exibe efeitos metabólicos significativos, como o aumento da absorção de glicose e da oxidação de ácidos graxos pelo músculo esquelético, a aceleração da gliconeogênese hepática e a lipólise no tecido adiposo 25 .

Estudos acerca da relação do exercício físico e as infecções mostram que os indivíduos que realizam atividades físicas moderadamente estão menos vulneráveis a infecções, já que a atividade física aumenta a concentração de citocinas participantes no processo inflamatório26. No entanto, os indivíduos que praticam atividades severas estão vulneráveis a processos infecciosos pelas vias aéreas 26. Tanto o “stress” psicológico, quanto o gerado pelo exercício físico, resultam em um aumento na liberação de catecolaminas (adrenalina e noradrenalina). Essas substâncias têm um impacto em diversos processos fisiológicos, atuando como um elemento adicional na regulação da imunidade, a reação ao “stress” resulta em alterações bioquímicas, endocrinológicas, hematológicas, fisiológicas e assim por diante, com o objetivo de conduzir o corpo à sua condição homeostática ideal 26.

As modificações na função imunológica podem estar associadas a mudanças gerais e tissulares locais que culminam em doença inflamatória 26. Vários estudos conduzidos sobre o impacto do exercício físico intenso no sistema imunológico evidenciaram um crescimento no número de leucócitos circulantes (leucocitose) 26. O nível de leucocitose parece estar ligado a variáveis e constatou-se que a leucocitose está relacionada à concentração de catecolaminas no plasma, que se eleva conforme a intensidade e a duração da atividade física 26

As catecolaminas desempenham um papel na modulação imunológica induzida pelo exercício, pois estimulam a produção de leucócitos e linfócitos, influenciando também a distribuição e a função de suas respectivas populações celulares26.Normalmente, a liberação de catecolaminas, em resposta ao componente de “estresse” provocado por exercícios físicos intensos, atua como um fator imunossupressor 26. Ademais, como todo o eixo simpaticoadrenal foi estimulado, ocorre uma liberação de corticosteroides, que também atuam como imunossupressores 25,26.

Os corticosteroides causam uma diminuição na multiplicação de linfócitos, uma diminuição na produção de interleucina-2 (IL-2) e uma diminuição nos receptores para IL-2 26. Esses efeitos são influenciados pela intensidade e duração da atividade física, uma vez que a liberação de corticosteroides e seus níveis no sangue estão associados à sua duração e intensidade 26

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estresse é uma reação que o ser humano produz perante a diversos acontecimentos, sendo dividido em dois, agudo e crônico. O agudo pode ser passageiro e está relacionado a situações traumáticas, como por exemplo na perda de um ente querido. Já o estresse crônico é mais constante na rotina das pessoas, e geralmente é causado por rotina tensa de trabalho, discussões familiares frequentes ou dificuldades financeiras a longo prazo.

Com o passar dos anos notou-se que as pessoas desenvolvem dores de cabeça frequentes, problemas de concentração, queda de cabelo, desanimo, insônia, entre outros sintomas. Com base nestes achados foram realizados diversos estudos que comparam a imunidade de pessoas estressadas com a de pessoas não estressadas. O estresse libera cortisol pelo eixo hipotálamo-hipófise adrenal, e esse hormônio em excesso no organismo afeta a atividade dos linfócitos T e B e das células NK, podendo desenvolver sintomas físicos ou até mesmo Síndrome de Burnout.

Além de diminuir a atividade dos linfócitos, o estresse também pode diminuir a atividade de determinadas enzimas de dentro das células, fazendo com que as células não consigam reparar os danos em seu DNA, podendo aumentar a probabilidade do surgimento de células cancerígenas, por isso, segundo alguns estudos, pessoas que se estressam frequentemente e não tem uma rotina de cuidado apresentam possibilidade de desenvolver câncer com mais facilidade.

Por fim, é possível observar que o estresse afetando o sistema nervoso central, endócrino e imunológico corrompe a homeostase do organismo.

REFERÊNCIAS

1. Segerstrom SC, Miller GE. Psychological Stress and the Human Immune System: A Meta-Analytic Study of 30 Years of Inquiry. Psychological Bulletin [Internet]. 2004 Jul;130(4):601–30. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1361287/.

2. Glaser R, Kiecolt-Glaser JK. Stress-induced immune dysfunction: implications for health. Nature Reviews Immunology. 2005 Mar;5(3):243–51. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15738954/.

3. Dhabhar FS. Effects of stress on immune function: the good, the bad, and the beautiful. Immunologic research. 2014 May 6;58(2-3):193–210. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24798553/.

4. Neca CSM, Araújo JK, Pinto MMM, Gonçalves TR. A influência do estresse sobre o sistema imunológico: Uma revisão da literatura. Research, Society and Development. 2022 Jun 28;11(8):e539118291. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/18291.

5. Cooper SJ. From Claude Bernard to Walter Cannon. Emergence of the concept of homeostasis. Appetite. 2008 Nov;51(3):419–27. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0195666308005114.

6. Brito I, Haddad H. A formulação do conceito de homeostase por Walter Cannon. 2017;(1):99–113. Disponível em: https://www.abfhib.org/FHB/FHB-12-1/FHB-12-01-06-Ivana-Brito_Hamilton-Haddad.pdf.

7. Sousa MBC de, Silva HPA, Galvão-Coelho NL. Resposta ao estresse: I. Homeostase e teoria da alostase. Estudos de Psicologia [Internet]. 2015;20(1):1–10. Available from: https://www.scielo.br/pdf/epsic/v20n1/1413-294X-epsic-20-01-0002.pdf.

8.  Laura A, Emili Costa Rodrigues, Luan, Da R, Queiroz C, Narana Guimarães Silva, et al. A INFLUÊNCIA DO ESTRESSE NO SISTEMA IMUNOLÓGICO. Revista Contemporânea. 2023 Dec 13;3(12):28223–39. Disponível em: https://ojs.revistacontemporanea.com/ojs/index.php/home/article/view/2663/1903

9.  Capriste MLP, Moraes ND de, Sailer GC, Cardoso L, Preto VA. Reflexões sobre a influência do estresse crônico na transformação de células saudáveis em células cancerígenas. Rev enferm UFPE on line [Internet]. 2017;2473–9. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/bde-32177

10. Regina A, Furegato F. Editorial Reconhecendo o estresse [Internet]. 2012 Oct. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rlae/a/hbzC9GH8gjNpHn8LDZfH4yy/?format=pdf&lang=pt.

11. Andreoli C. Mecanismo do Estresse | FEF [Internet]. Faculdade de Educação Física – Unicamp. Disponível em: https://www.fef.unicamp.br/fef/qvaf/mecanismo-do-estresse.

12. Costa BIF, Lima LP, Matsushima GMN, Gaitano LM, Simioni PU. RELAÇÃO ENTRE ESTRESSE E O DESEQUILÍBRIO IMUNOLÓGICO: UMA ATUALIZAÇÃO. Cadernos Acadêmicos [Internet]. 2023 Jul 6;9(1). Disponível em: https://portaldeperiodicos.animaeducacao.com.br/index.php/CA/article/view/19978.

13. Bentes C, Rodrigues F, Junior O. OS IMPACTOS DO ESTRESSE SOBRE O SISTEMA IMUNOLÓGICO – ISSN 1678-0817 Qualis B2. Revista ft [Internet]. 2023 Nov 15 [cited 2024 May 23];27. Disponível em: https://revistaft.com.br/os-impactos-do-estresse-sobre-o-sistema-imunologico/#:~:text=O%20estresse%20cr%C3%B4nico%20pode%20afetar.-.

14. INCA. O que é câncer? [Internet]. Instituto Nacional de Câncer – INCA. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/o-que-e-cancer.

15. Como surge o câncer? [Internet]. Instituto Nacional de Câncer – INCA. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/como-surge-o-cancer#:~:text=O%20cpt.

16. Como se comportam as células cancerosas? [Internet]. Instituto Nacional de Câncer – INCA. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/como-surge-o-cancer/como-se-comportam-as-celulas-cancerosas.

1‌7. Rev, Bras. Como os fatores psicológicos influenciam o surgimento e progressão do câncer? How do the psychologic factors have influence on the arise and cancer progression? Oncologia Clínica [Internet]. 2004;1(1):3. Disponível em: https://www.sboc.org.br/sboc-site/revista-sboc/pdfs/1/artigo3.pdf.

18. Dalcom PHSSSR. Síndrome de Burnout em Trabalhadores na Atenção Básica de Saúde. Caderno de ANAIS HOME [Internet]. 2024 Jan 5 [cited 2024 Jun 3]; Disponível em: https://homepublishing.com.br/index.php/cadernodeanais/article/view/1235.

19. Vieira I. Ensaio Conceito(s) de burnout: questões atuais da pesquisa e a contribuição da clínica* Concept(s) on burnout -current themes in research and the contribution of clinical practice. Rev bras Saúde ocup [Internet]. 2010;35(122):269–76. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbso/a/KTtx79ktPdtVSxwrVrkkNyD/?format=pdf&lang=pt.

20. Ministério da Saúde. Síndrome de Burnout [Internet]. Ministério da Saúde. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/sindrome-de-burnout.

21. Carlotto MS. A síndrome de Burnout e o trabalho docente. Psicologia em Estudo [Internet]. 2002 Jun;7(1). Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pe/v7n1/v7n1a03.pdf.

22. Ferrari R, França FM de, Magalhães J. Avaliação da Síndrome de Burnout em profissionais de saúde. Revista Gestão & Saúde [Internet]. 2012;3(3):868–83. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/145.

23. Barba ML de, Campos MMP, Neves GCA, Junqueira AB de C, Pereira LS, Estellita RRM, et al. Síndrome de Burnout na Covid-19: Os Impactos na Saúde dos Trabalhadores da Saúde. Seven Editora [Internet]. 2023 Mar 24 [cited 2024 Jun 3]; Disponível em: http://sevenpublicacoes.com.br/index.php/editora/article/view/561.

24. Gabriel, Yasmin Karen Corrêa, Manoella Pereira Neves, Letícia A, Cicilia M, Chresley Gonçalves Santos, et al. Impactos no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal em pacientes com Síndrome de Burnout, uma revisão de literatura. Brazilian Journal of Health Review [Internet]. 2024 Aug 21;7(4):e72078–8. Available from: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BJHR/article/view/72078

25. Terra, R., Da Silva, S. a. G., Pinto, V. S., & Dutra, P. M. L. (2012). Efeito do exercício no sistema imune: resposta, adaptação e sinalização celular. Revista Brasileira De Medicina Do Esporte, 18(3), 208–214. https://doi.org/10.1590/s1517-86922012000300015 

26. Martínez, A. C., & Alvarez-Mon, M. (1999). O sistema imunológico (I): conceitos gerais, adaptação ao exercício físico e implicações clínicas. Revista Brasileira De Medicina Do Esporte, 5(3), 120–125. https://doi.org/10.1590/s1517-86921999000300010.


1 Graduando(a) de Biomedicina do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU, Brasil
2 Biomédica, Docente do Curso de Biomedicina do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU, Brasil.