REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102412021824
Ellen Alice Da Silva Pereira
Ellen Cristina Da Silva Pinto
coordenador: Me. Mikael Victor Silva da Câmara
Orientador: Me. Douglas da Silva Araújo
RESUMO
Este estudo analisa a influência do companheiro no crescente envolvimento de mulheres no crime de tráfico de drogas, discutindo fatores como coação, dependência emocional e questões socioeconômicas, que contribuem para a prática criminosa. Os resultados apontam para uma forte correlação entre a participação no tráfico e a influência do companheiro, indicando que, em muitos casos, o contexto afetivo e social dessas mulheres desempenha um papel decisivo em sua trajetória criminal. Conclui-se que políticas públicas mais direcionadas ao encarceramento feminino são necessárias para abordar essas dinâmicas e auxiliar na reintegração dessas mulheres à sociedade.
Palavras–chaves: Criminalidade. Mulher. Companheiro. Influência. Fatores. Machismo, Internas. Cárcere. Tráfico de Drogas.
ABSTRACT
This study analyzes the influence of the partner on the increasing involvement of women in the crime of drug trafficking, discussing factors such as coercion, emotional dependence and socioeconomic issues, which contribute to criminal practice. The results point to a strong correlation between participation in trafficking and the influence of a partner, indicating that, in many cases, the emotional and social context of these women plays a decisive role in their criminal trajectory. It is concluded that public policies more targeted at female incarceration are necessary to address these dynamics and assist in the reintegration of these women into society.
Keyword: Crime. Woman. Partner. Influence. Factors. Machismo, Internal. Prison. Drug Trafficking.
INTRODUÇÃO
O tráfico de drogas é um dos crimes com maior impacto no sistema penitenciário brasileiro, causando efeitos profundos na sociedade. Embora tradicionalmente associado aos homens, o envolvimento feminino aumentou significativamente nas últimas décadas.
A participação das mulheres no tráfico não ocorre isoladamente. Em muitos casos, elas são influenciadas por parceiros, seja por coação, dependência emocional ou divisão de responsabilidades em atividades ilícitas. Essa dinâmica reflete uma estrutura de poder e submissão enraizada em questões de gênero e na figura patriarcal.
Diante do cenário do tráfico de drogas, surge uma questão central: como a influência do companheiro contribui para o envolvimento feminino no crime e quais são os impactos nas trajetórias de ressocialização? A literatura apresenta lacunas significativas sobre as motivações e fatores sociais que levam mulheres ao crime sob influência de parceiros. Compreender essas dinâmicas é essencial para desenvolver intervenções sociais e políticas públicas eficazes, abordando a criminalidade feminina de forma específica e assertiva.
Este estudo tem como objetivo investigar a influência dos parceiros afetivos no envolvimento de mulheres no tráfico de drogas. Para isso, foi realizada uma abordagem quantitativa, utilizando como fontes primárias o Relatório das Informações Penais (RELIPEN) da Secretaria Nacional de Políticas Públicas Penais (SENNAPEN), referente ao primeiro semestre de 2024, e o Levantamento de Informações Penitenciárias (INFOPEN-MULHERES) de 2014.
Os dados do RELIPEN foram selecionados exclusivamente para o universo feminino, excluindo informações das unidades federais. Já o INFOPEN-MULHERES forneceu informações sobre a população feminina prisional em 2014, permitindo uma análise comparativa com os dados atuais. Essa combinação de fontes permite uma visão abrangente das condições das mulheres no sistema penitenciário brasileiro e dos desafios enfrentados por elas.
Adotamos a metodologia narrativa para investigar o papel dos parceiros afetivos no tráfico de drogas e criminalidade feminina. Selecionamos artigos científicos (2006-2021) nas bases de dados SCIELO, além de dissertações e uma obra literária relevante.
Nossa abordagem interdisciplinar, envolvendo Direito, Psicologia e Sociologia, visa compreender como o companheiro influencia as escolhas das mulheres, seu envolvimento emocional, inserção social e percepção pública após o encarceramento.
Essa pesquisa oferece uma análise crítica das dinâmicas de poder e dependência emocional, fornecendo uma visão detalhada das experiências das encarceradas e contribuindo para políticas públicas mais eficazes.
Embora o tema tenha sido abordado tangencialmente em estudos sobre violência doméstica, machismo e criminalidade feminina, há uma carência de pesquisas específicas sobre o impacto da influência do companheiro no envolvimento feminino no tráfico de drogas. Este estudo visa preencher essa lacuna, oferecendo uma análise crítica das dinâmicas afetivas que moldam a trajetória criminosa dessas mulheres.
Espera-se que os resultados obtidos forneçam subsídios para políticas públicas direcionadas às mulheres no sistema prisional, abordando questões de criminalidade e dinâmicas afetivas. Isso inclui medidas de ressocialização, apoio psicológico, capacitação profissional, prevenção à reclusão, atenção à saúde e apoio familiar e social, visando promover reintegração social, autonomia e empoderamento.
Revisão de Literatura
A criminalidade feminina
Ao longo dos séculos, devido ao aumento expressivo da criminalidade, a mesma foi palco de diversos estudos, que buscavam “a explicação causal do delito como obra de uma pessoa determinada” (ESTEFAM apud GONÇALVES, 2016, p. 53).
Similarmente, pesquisas científicas foram promovidas para analisar o comportamento feminino e entender sua inserção na vida criminosa. Debates ideológicos emergiram, abordando desde a essência da mulher e seus sentimentos até fatores socioculturais que influenciavam sua conduta.
Inicialmente, a relação entre homem e delito era explicada pela tese do “criminoso nato”, proposta por Cesare Lombroso, que defendia o determinismo orgânico e psíquico como motivação para cometer atos reprováveis.
Consequentemente, considerava-se que a delinquência feminina era um fenômeno raro, moralmente reprovável e restrito a crimes passionais, devido à visão de que o sexo feminino era frágil e emotivo.
À medida que as mulheres passaram a ter participação relevante em crimes como homicídio e tráfico de drogas, anteriormente associados à figura masculina, surgiram novas teorias sobre a temática. A partir dos anos sessenta, com as discussões feministas, teorias como Empowerment e Interseccionalidade ganharam relevância, abordando a complexidade das relações de gênero, raça, classe e poder.
Em suma, a teoria Empowerment, defendida por Kathleen Daly, retrata o determinismo e a singularidade do indivíduo em cometer o ato desejado. Concentra-se em conceitos que envolvem autoconfiança, autonomia e participação ativa do sujeito na dinâmica do crime, com o intuito de promover sua restauração e reintegração social.
Ao que reluz a teoria, as moças cometeriam delitos como resultado de sua própria escolha. No entanto, quando paramos para analisar como se comporta essa ‘escolha’ ao cometer o crime, percebemos que ela está condicionada muitas vezes ao desejo de seu consorte. A mulher possui autonomia em optar por cometer o delito; no entanto, na maioria dos casos, ela está fadada à coação, manipulação e interferência de seu companheiro afetivo.
É uma esposa/companheira que entra na unidade prisional com entorpecentes escondidos em suas genitálias para sanar a dívida ou abstinência de seu marido. A mesma que transporta a ‘droga’ em vez do seu parceiro, pois acredita que, em posse dela, vai ser mais fácil passar pelas barreiras de segurança. Ou até mesmo aquela que é ‘do lar’ e tem que aceitar as condutas ilícitas do seu cônjuge, pois é ele quem provê a residência, mas, presente no local errado e hora errada, acaba sendo presa por uma conduta que nem sequer praticou, mas era cúmplice ao aceitar a situação dentro de sua casa, local onde seu marido viera a ser preso junto a ela.
Em casos como os citados anteriormente, onde a mulher delinque por medo de represálias de seu companheiro, não se pode falar em empoderamento (Empowerment), mas sim em sua ausência. É necessário ter amor-próprio para escapar de uma vida de opressão, não bastando apenas força e vontade de mudança.
No tráfico de drogas, desobedecer às regras estabelecidas pode ser fatal. É uma realidade cruel que não permite hesitações. Diante dessa encruzilhada, algumas mulheres optam por sobreviver.
Por outro lado, algumas delinquentes cometem atos reprováveis como expressão de autonomia, buscando no tráfico poder, voz e liberdade. Nesses casos, é evidente sua autonomia em cometer o delito, autoconfiança em suas capacidades e escolha consciente de sua participação.
A Teoria da Interseccionalidade defende que as problemáticas sociais devem ser analisadas de forma multifacetada, considerando fatores como gênero, classe social, raça, escolaridade, idade e estado civil. Essa abordagem reconhece que diferentes formas de opressão, desigualdade e discriminação se cruzam e interagem, desafiando a ideia de que elas ocorrem isoladamente. Exemplos dessa intersecção incluem: ser mulher e negra, enfrentando simultaneamente sexismo e racismo; ser negra e residente da periferia, sofrendo com falta de acesso a recursos e discriminação racial; e ser analfabeta e mulher, enfrentando limitações educacionais e desigualdades de gênero.
Essas intersecções influenciam significativamente o comportamento individual, moldado pelo contexto social e cultural. Como afirma Ramos (2012, p. 38): “Devemos enxergar as mulheres a partir de suas diversidades, construções e estigmas”, reconhecendo experiências únicas e variadas.
Levando essa tese em consideração, podemos entender como a interseccionalidade influencia a vida criminosa. Pesquisas apontam perfis predominantes entre mulheres reclusas no Brasil (ver Capítulo 3, Gráfico 3), evidenciando desigualdade de oportunidades e discriminação contra certas classes sociais, alvo principal da atuação da segurança pública.
O Papel do Companheiro no Envolvimento no Crime
A participação da mulher no tráfico de drogas está profundamente ligada à dinâmica de gênero e ao machismo estrutural que permeia as relações conjugais. Em muitos casos, essa submissão ao parceiro manifesta-se de diversas formas, levando-a a assumir um papel coadjuvante no crime.
Esse envolvimento ocorre, principalmente, devido à reincidência do cônjuge em práticas ilícitas, dependência emocional e, em algumas situações, medo de represálias. Segundo Valença e Castro (2018, apud Ribeiro, et al., 2021, p. 640), é comum que o parceiro designe a companheira como “mula” ou “guardadora de drogas”, explorando sua vulnerabilidade nos canais de fiscalização de segurança pública e privada, o que facilita sua passagem ileso e sua participação em operações ilícitas.
Outro aspecto relevante é o fator socioeconômico, especialmente em lares monoparentais. Na ausência de uma figura masculina, a mulher assume o papel de provedora, buscando garantir a sobrevivência da família.
Nessas circunstâncias, muitas mulheres acabam colaborando com atividades ilícitas, como preparo de refeições para traficantes, transporte de entorpecentes e armamentos, e embalagem de substâncias para comercialização. Esses papéis demonstram como a colaboração feminina, embora ativa, permanece subalterna. Essa dinâmica evidencia a subordinação das mulheres à influência masculina no contexto criminoso, onde o poder permanece concentrado nas mãos dos homens.
A violência de gênero é um fator determinante na participação feminina no tráfico de drogas. Muitas mulheres são vítimas de agressões físicas e psicológicas, tornando-se reféns de seus parceiros.
Segundo Assis e Constantino (2001, apud Barcinski & Cúnico, 2016, p. 61), o abuso emocional, abandono e agressão física são características recorrentes nas trajetórias de vida dessas mulheres. Vivendo sob constante repressão, elas buscam poder em um mundo onde sua ascensão é marcada pela submissão.
Nesse contexto, o desejo de poder se torna uma forma de resistência, mas expressa de maneira distorcida e subordinada. Para garantir seu espaço, elas precisam se sujeitar a figuras masculinas dentro do tráfico, perpetuando um ciclo de violência e subordinação.
Um exemplo prático da submissão feminina no tráfico de drogas é a história de Denise, descrita por Barcinski & Cúnico (2016, p. 64). Denise, 30 anos, casada com um traficante preso, liderava uma “boca de fumo” sob ameaças e pressão do cônjuge. Inicialmente, Denise buscou poder e ascensão no mercado ilícito, tornando-se temida e respeitada como “a mulher das missões”. No entanto, sua trajetória dependia de obediência aos líderes masculinos. Sua subordinação se manifestava em tarefas como: negociações no mercado, envolvimento sexual e preparo de refeições para traficantes. Essa dinâmica evidencia que, apesar do aparente empoderamento, Denise permanecia subordinada às figuras masculinas do tráfico.
A história de Denise reflete as contradições enfrentadas pelas mulheres envolvidas no comércio ilícito. Embora busquem poder e respeito, elas permanecem subjugadas por estruturas masculinas de dominação. Essa dinâmica demonstra que, apesar de algum controle no comércio de drogas, a posição das mulheres é transitória e subordinada.
Os dados sobre participação feminina no tráfico e encarceramento são alarmantes. Órgãos de segurança pública registram crescimento expressivo da população feminina encarcerada. Esses números evidenciam a necessidade de políticas públicas eficazes que considerem as dinâmicas de poder, violência e submissão nas trajetórias dessas mulheres, além de abordar a criminalidade.
Análise de Dados Secundários
Estatísticas do Encarceramento Feminino no Brasil
Para compreendermos objetivamente o estudo apresentado, abaixo encontramos o Gráfico 1, que ilustra a evolução do encarceramento feminino.
Gráfico 1 – Evolução das mulheres privadas de liberdade entre 2000 a 2017
Fonte: Ministério da Justiça e Segurança Pública. A partir de 2005, dados do INFOPEN.
Nota: população em milhar
De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), atualmente as mulheres representam cerca de 4,34% da população prisional brasileira, totalizando 28.770 reclusas. Estudos indicam que o encarceramento feminino intensificou-se principalmente por tráfico de drogas após a promulgação da Lei de Drogas (2006).
Entre 2000 e 2016, houve um aumento de 631,6% no número de mulheres presas. Essa estatística impressiona, considerando que muitos casos não chegaram a ser registrados ou investigados.
A Lei de Drogas e as políticas de “guerra contra o crime” contribuíram significativamente para esse aumento. Para demonstrar eficácia no combate à criminalidade, agentes de segurança pública intensificaram patrulhamentos em áreas periféricas, prendendo mulheres envolvidas no tráfico, seja como consumidoras ou como “mulas” ou “aviões”.
De acordo com o Gráfico 1 e como ressaltado no início deste capítulo, a Lei nº 11.343 (2006), conhecida como Lei de Drogas, causou um alarmante crescimento na incidência de crimes relacionados ao tráfico. Isso resultou em mais prisões, pois a legislação não estabeleceu parâmetros claros para distinguir usuários de traficantes.
Consequentemente, muitas mulheres foram presas por porte de entorpecentes, uma vez que foram empurradas para a linha de frente do tráfico devido à facilidade de passar pelas barreiras de segurança.
Passados dezoito anos, apenas em 2024 foi estabelecido um padrão para diferenciar tráfico e uso, mas somente para a maconha, por meio da decisão do Tema 506 do STF. Os demais entorpecentes permanecem sem parâmetros legais definidos.
Como abordado anteriormente, o tráfico de drogas é uma das principais causas do encarceramento feminino, conforme será detalhado a seguir por meio de dados estatísticos.
Gráfico 2 – Ǫuantitativo de encarceradas por tipificação no primeiro semestre de 2024
Fonte: produzido a partir dos dados do DEPEN (2024.1)
Com base no Gráfico 2, observa-se que os crimes previstos na Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) são responsáveis por cerca de 50,39% do encarceramento feminino no Brasil. Especificamente: Tráfico de Drogas; Associação para o tráfico; Tráfico Internacional de Drogas.
Essa estatística reflete a ressignificação da mulher no contexto criminoso, marcada por participação mais ativa e relevante. Fatores como: feminização da pobreza, falta de oportunidades, desigualdade de gênero e inferioridade econômica e social contribuem para essa tendência. Buscando superar essas condições, muitas mulheres recorrem ao crime como meio de escapar da opressão.
Para reverter esse quadro, são necessárias soluções eficazes, como: reforma da Lei nº 11.343/2006 para preencher lacunas legislativas, políticas de inclusão social e econômica e apoio psicológico e educacional. Essas medidas podem contribuir para reduzir o encarceramento feminino e promover igualdade de gênero.
Tendências e Perfil Demográfico
De acordo com o tópico anterior, múltiplos fatores contribuem para a inserção da mulher no crime, refletindo uma realidade marcada por vulnerabilidade. O perfil socioeconômico das encarceradas é particularmente desfavorecido.
Dados do DEPEN (2024.1) ilustram esse cenário, conforme demonstrado no Gráfico 3 que veremos abaixo.
Gráfico 3 – Perfil demográfico do encarceramento feminino no Brasil
Fonte: produzidos a partir dos dados do DEPEN (2024.1)
A maioria da população carcerária feminina brasileira enfrenta precariedade social. Conforme dados, 63% das mulheres encarceradas têm entre 25-45 anos, refletindo dificuldades em encontrar emprego e garantir autossobrevivência. Além disso, 63,18% são pretas ou pardas, evidenciando descriminalização e seletividade penal.
Outros dados reforçam essa realidade. O Gráfico 3 mostra que 38,5% das detentas possuem apenas ensino fundamental incompleto, indicando baixa escolaridade. Ademais, 52% residiam em regiões interioranas antes da prisão, refletindo falta de oportunidades.
Esses fatores são influenciados pela sociedade patriarcal, que impõe papéis limitantes à figura feminina. A tomada de decisão das mulheres não se baseia apenas no ganho econômico, mas também na forma como a sociedade lida com elas e nos aspectos sociais e culturais em que estão inseridas, conforme a teoria da Interseccionalidade.
Impactos Legais e Consequências Sociais
O crescimento da população feminina no sistema penitenciário brasileiro, especialmente devido à tipificação penal do tráfico de drogas, tem acarretado desdobramentos jurídicos e sociais significativos. Essas implicações transcendem o sistema penal, afetando profundamente suas vidas pessoais e familiares.
Uma crítica frequente é a individualização das penas, que não considera aspectos fundamentais como quantidade de entorpecentes, primariedade ou reincidência (artigos 61-69 do Código Penal Brasileiro). Esses fatores poderiam atuar como atenuantes ou agravantes, mas nem sempre são aplicados corretamente. A uniformização das penas ignora motivações e contextos sociais, como coerção de parceiros ou sobrevivência econômica.
De acordo com o Relatório DEPEN 2024.1, o tráfico de drogas é o crime mais comum entre mulheres no sistema prisional brasileiro, com 11.296 condenações (Gráfico 2). Esse padrão processual geralmente começa com prisão em flagrante pela Polícia Militar, seguida de inquérito policial e encaminhamento à Justiça Criminal.
No entanto, Jesus (2016, apud Ribeiro & Lopes, 2019, p. 405) destaca que as instruções criminais frequentemente se baseiam apenas nos depoimentos dos policiais militares, consolidando uma “verdade absoluta” que aumenta as condenações por tráfico. Isso fragiliza a defesa da ré e reforça padrões de condenação em massa sem análise crítica.
Pesquisadores como Sena (2017, apud Ribeiro & Lopes, 2019, p. 405) questionam o tratamento dispensado pelo Poder Judiciário às mulheres no sistema carcerário. Desde 2000, houve um crescimento alarmante das mulheres encarceradas, superando proporcionalmente o aumento da população masculina (Gráfico 1). Essa disparidade evidencia falhas no combate ao tráfico de drogas e ausência de análise das realidades sociais e afetivas das mulheres encarceradas.
A participação feminina no varejo de drogas, frequentemente motivada pelo envolvimento com parceiros reincidentes, gera impactos profundos na esfera social e emocional dessas mulheres. Além da estigmatização social, elas enfrentam rupturas familiares severas, especialmente em relação aos filhos, e abandono dos parceiros, responsáveis por conduzi-las ao crime. A perda de apoio emocional durante a reclusão agrava ainda mais seu isolamento.
O livro Prisioneiras (2017, p. 40) narra a história de uma jovem mulher que exemplifica a realidade de muitas mulheres encarceradas. Filha única de comerciantes, ela se casou aos 19 anos após engravidar de um motoboy. Inicialmente, os pais dela ficaram frustrados com suas escolhas, mas acabaram aceitando o genro ao perceberem seu esforço em sustentar a família. No entanto, após a prisão do marido por tráfico de drogas, a jovem foi coagida a se envolver na criminalidade. Durante uma visita ao marido, sob pressão e desespero para ajudá-lo, ela concordou em transportar 100g de cocaína e dois chips de celular escondidos em seu corpo. A tentativa falhou, resultando em sua prisão, perda de liberdade, afastamento familiar e do próprio companheiro.
Esse exemplo ilustra como a coação e dependência emocional podem levar mulheres a atividades ilícitas, confirmando a análise de Almeida (2001, apud Barcinski & Cúnico, 2016, p. 60). A inserção das mulheres no crime geralmente decorre da influência masculina, refletindo uma co-dependência emocional e financeira.
A vulnerabilidade, somada às pressões sociais, coloca as mulheres em posição de subordinação, compelidas a preservar relações afetivas, mesmo que implique participação no crime. No sistema penitenciário, enfrentam solidão afetiva e invisibilidade social.
Segundo dados do DEPEN (2024.1), das 28.770 mulheres encarceradas no Brasil, apenas 23.581 têm visitantes cadastrados. O número de visitas regulares é ainda menor. Isso evidencia o isolamento enfrentado por muitas detentas, que encontram conforto e apoio em outras internas, formando “famílias” dentro das unidades prisionais.
A execução das penas reforça estereótipos de gênero, pois políticas de ressocialização frequentemente se concentram em funções domésticas, ignorando necessidades reais das mulheres. Isso perpetua papéis tradicionais, em vez de capacitá-las para o mercado de trabalho.
Segundo Assis e Constantino (2001, apud Souza, 2009, p. 652), a socialização feminina é vista como fator de proteção contra práticas infracionais. No entanto, ao romper esse papel, as mulheres enfrentam desvalorização social, dificultando sua reintegração.
As condições emocionais na reclusão, como depressão, ansiedade e crises de pânico, exacerbam o sofrimento das mulheres encarceradas. Conforme Varella (2017, p. 11), problemas de saúde como cefaleia, obesidade e hipertensão são comuns nas prisões femininas, estando diretamente relacionados ao estado psicológico. Para mães, a separação dos filhos intensifica sentimentos de impotência e desamparo, dificultando ainda mais a recuperação emocional.
O isolamento familiar e a falta de políticas públicas específicas perpetuam ciclos de exclusão e marginalização entre mulheres encarceradas. A ausência de suporte adequado durante e após a pena obstaculiza a ressocialização. É imperativo repensar as políticas públicas, implementando estratégias de reintegração que atendam às necessidades específicas das mulheres reclusas, rompam ciclos de exclusão e promovam igualdade e justiça social.
Considerações finais
Este estudo teve como objetivo compreender a etiologia do encarceramento feminino por tráfico de drogas, visando subsidiar políticas públicas eficazes para reduzir esse fenômeno.
A figura masculina frequentemente desempenha um papel central no envolvimento das mulheres no tráfico. No entanto, é importante reconhecer também a autonomia feminina na tomada de decisões e sua busca por poder econômico.
Em uma perspectiva crítica, a sociedade patriarcal frequentemente percebe a mulher como uma figura submissa, condicionada a seguir a vontade masculina. Essa visão obscurece a autonomia feminina e mascara as reais motivações por trás de seus atos, incluindo o envolvimento no tráfico de drogas.
Noutro ponto, o perfil demográfico das mulheres encarceradas no Brasil revela uma grande vulnerabilidade social. Muitas delas enfrentam dificuldades financeiras e buscam no tráfico de drogas uma forma de garantir a subsistência e sustentar suas famílias.
Nossa análise revelou que, no contexto jurídico brasileiro, a influência do parceiro é o fator predominante nas decisões de mulheres envolvidas no tráfico de drogas. Embora indireta, essa influência masculina tem impacto significativo nas escolhas dessas mulheres, frequentemente mascarada por vulnerabilidade social e busca por estabilidade econômica.
Embora este estudo tenha avançado no entendimento das múltiplas facetas da problemática do encarceramento feminino, ainda existem lacunas que demandam investigação adicional. Uma pesquisa de campo, com experiências diretas e coleta de dados junto às mulheres encarceradas, seria essencial para uma compreensão mais profunda. As descobertas desta pesquisa fornecem um importante ponto de partida para futuras investigações.
Para reduzir os índices de criminalidade feminina, devem ser implantadas políticas públicas direcionadas à prevenção, ressocialização e igualdade de gênero. Isso inclui acesso gratuito à educação básica e cursos profissionalizantes em áreas vulneráveis, sistema prisional adaptado às necessidades femininas com programas de controle emocional, social e capacitação profissional, além de programas de prevenção e combate à violência de gênero. Tudo isso visa conscientização e promover qualidade de vida e liberdade de escolha a tantas mulheres que são ou já foram caladas pela opressão patriarcal.
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