A INEFICÁCIA DA LEI SECA NO ÂMBITO PENAL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202504221448


Emanuele Benvindo Xavier Favari1
Fábio Vieira de Oliveira Miranda2
Orientador: Prof. Raviny Lopes do Nascimento3


RESUMO 

A criação da Lei n. 11.705 de 19 de junho de 2008 chamada Lei Seca, que tipificou o crime de embriaguez ao volante, buscou a diminuição dos acidentes ocasionados por condutores de veículos sob influência de álcool ou outra substância psicoativa.  Ao longo do período, desde a criação da legislação demonstra-se a sua ineficácia na penalização dos condutores, conforme dados estatísticos que demonstram que não houve a redução esperada dos acidentes automobilísticos, ocasionados por condutores alcoolizados. 

Deste modo, este artigo teve por objetivo, a análise e levantamento das estatísticas que demonstraram a ineficácia na aplicação dentro da esfera penal da Lei Seca. 

Palavras-chaves: Lei Seca; embriaguez ao volante; aplicação penal; ineficácia.  

ABSTRACT 

The creation of Law No. 11,705 of June 19, 2008, known as the Lei Seca, which defined the crime of drunk driving, sought to reduce accidents caused by drivers under the influence of alcohol or other psychoactive substances. Over the period since the creation of the legislation, its ineffectiveness in penalizing drivers has been demonstrated, according to statistical data that demonstrate that there has not been the expected reduction in car accidents caused by drunk drivers. 

Therefore, this article aimed to analyze and survey statistics that demonstrated the ineffectiveness of the Lei Seca in the criminal sphere. 

Keywords: Lei Seca”; Drunk driving; Criminal enforcement; Ineffectiveness. 

1. INTRODUÇÃO 

As sanções aplicadas nos delitos de trânsitos, fundamentavam-se no Código Penal (CP) e na Lei de Contravenções Penais. Porém, verificou-se que havia a necessidade do estabelecimento de uma legislação específica para regulamentar o trânsito brasileiro normatizando o registro dos veículos, a correta utilização das vias públicas, e principalmente a regulamentação das infrações de trânsito estabelecendo as sanções administrativas e penais. 

Com intuito de regular as normas de trafegabilidade dos veículos automotores nas vias públicas, estabelecendo sanções penais e administrativas, buscou-se também a diminuição dos acidentes ocasionados pelos condutores que consumiam, antes de dirigir, bebidas alcoólicas. As sanções administrativas mostraram-se mais eficazes do que em relação às sanções penais, principalmente com o estabelecimento da perda de pontos na carteira de habilitação que suspende o direito do condutor de dirigir veículos automotores. 

O artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), foi modificado para proibir a condução sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa, um crime conhecido como embriaguez ao volante. Esta foi a terceira modificação legal deste crime desde a entrada em vigor do Código de Trânsito. 

As legislações de trânsito abordaram a responsabilidade do delito causado pelo agente sobre o efeito de bebida alcoólica na direção bem como sua conduta. No início, ele era composto por “Conduzir veículo automotor, na via de exposição pública a danos causados por álcool ou substâncias similares potencialmente ameaçar a segurança de outras pessoas. A punição prevista era a prisão de 06 (seis) meses a 03 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de obter autorização ou permissão para conduzir um carro. 

Como resultado do grande número de acidentes de trânsito, muitos dos quais resultam em mortes e motivados pelo consumo de álcool pelos motoristas, o legislador modificou a Lei n. 11.705 de 19 de junho de 2008 também conhecida como “Lei Seca”, tendo como objetivo aumentar as ações tomadas pelo governo nessa área e diminuir essas infrações cometidas pelos condutores de veículos. 

As legislações de trânsito abordaram a responsabilidade do delito causado pelo agente sobre o efeito de bebida alcoólica na direção bem como sua conduta, no entanto, as sanções penais após a promulgação da Lei Seca e suas alterações demonstra-se ineficaz. 

O número de acidentes ocasionados por pessoas sobre o efeito do álcool, aumenta à medida que o trânsito cresce e juntamente com este, a irresponsabilidade dos condutores ao consumir bebidas alcoólicas ao dirigir. 

Este artigo buscou suscitar o entendimento e a aplicabilidade da penalidade na esfera penal, ao condutor na direção veicular sob influência de álcool, demonstrando a ineficácia da Lei Seca, após tantos anos de sua promulgação, tendo em vista, o aumento dos índices de crime de embriaguez ao volante. 

Para tanto, a metodologia aplicada foi a dialética, que consistiu em fornecer as bases para uma interpretação dinâmica da realidade, estabelecendo-se que os fatos sociais não podem ser entendidos quando considerados isoladamente e em sua execução foi utilizado a pesquisa bibliográfica, constituindo no ato de leituras e pesquisas jurisprudenciais, citações, artigos científicos, pesquisas na internet e leituras de periódicos para verificação da aplicabilidade da Lei n. 11.705/08, selecionando, fichando e organizando tópicos de interesse relevante para a tema abordado neste artigo, apresentando referenciais teóricos e a análise das diferentes teorias, quanto à questão da ineficácia da aplicação na esfera penal do crime de embriaguez ao volante. 

Assim, a escolha de uma abordagem qualitativa para esta pesquisa, permitiu uma compreensão profunda da eficácia da aplicação da Lei Seca na esfera penal, bem como as questões legais e constitucionais subjacentes com a inclusão de artigos acadêmicos diretamente relacionados ao tema apresentando grande relevância e qualidade acadêmica. 

O presente artigo está estruturado em três seções, além da introdução e das considerações finais. A primeira seção debruça-se sobre a legislação n. 11.705 de 19 de junho de 2008 a chamada Lei Seca criada para estabelecer regras e punições aos condutores de veículos sobre efeito de bebida alcoólica ou substância psicoativa, alterando o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro criado em 1997 através da Lei n. 9.503, buscando assegurar um sistema de trânsito com medidas adequadas a realidade do trânsito em virtude do aumento dos casos de acidentes ocasionados por motoristas embriagados. A segunda seção é explanado sobre o denominado perfil do delinquente, ou seja, do condutor veicular sob efeito de álcool, as suas e por último é tratada a ineficácia da Lei Seca na esfera penal de punibilidade no âmbito penal dos condutores que cometem a infração prevista na legislação. 

2. A promulgação da Lei Seca 

O Código de Trânsito Brasileiro, promulgado por meio da Lei n. 9.503 de 23 de setembro de 1997, foi criado com o intuito de estabelecer um trânsito com condições seguras, estabelecendo como “um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito”. 

Assim, foi estabelecido no âmbito do território brasileiro, as regras para utilização das vias públicas pelos condutores de veículos de forma segura, prevendo sanções para infrações aos que descumprirem as condutas estabelecidas no Código de Trânsito Brasileiro na sua trafegabilidade. 

As promulgações das legislações, tratam da materialização da tipificação de uma conduta considerada reprovável pela sociedade, tipificando esta como uma infração, um delito que merece ser sancionado pelo estado, buscando estabelecer uma convivência harmoniosa entre os membros desta comunidade. 

Como previsto na Constituição Federal, em seu artigo 5º Inciso XXXIX “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Deste modo o Código de Trânsito Brasileiro estabeleceu várias tipificações de infrações cometidas no trânsito e suas penalidades. 

Com o crescente aumento dos casos de acidentes de veículo com motoristas ocasionados pelo consumo de bebida alcoólica, houve a necessidade de ser estabelecida uma legislação específica para tratar dos delitos cometidos no trânsito com aplicação de normas que estabeleceram os critérios para uma boa trafegabilidade sem pôr em risco a vida, assim os legisladores alteraram o código de trânsito brasileiro, através da Lei n. 11.705 de 19 de junho de 2008, criando a chamada Lei Seca, alterando deste modo o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro. 

Em princípio, com a tipificação delituosa do chamado crime de embriaguez ao volante, trouxe uma resposta a sociedade buscando a diminuição deste tipo de infração, estabelecendo as penalidades no âmbito administrativo e penal, sendo este último o objeto deste artigo. 

Na esfera administrativa, a legislação demonstrou-se bastante eficaz estabelecendo sanções aplicadas como multas e até mesmo suspensão do direito de dirigir. 

Apesar das constantes mudanças nas legislações, ainda há dificuldades encontradas para aplicação das punições, fazendo com que os delitos cometidos no trânsito pelos condutores de veículos sob influência de álcool, tornem os infratores praticamente impunes penalmente. 

2.1 Crime de embriaguez no trânsito 

Com as mudanças devido à aplicação de novas leis inseridas no processo penal brasileiro, principalmente com as alterações trazidas pela Lei n. 11.719/08, os delitos de trânsito passaram a ser aplicados aos ritos sumaríssimos para infrações   de menor potencial, sumário para os delitos provenientes da embriaguez ao volante e ordinário para o delito de homicídio culposo no trânsito. 

Os acidentes de trânsito com morte ou lesão corporal, ocasionados em sua maioria pela imprudência do condutor ao dirigir sob o efeito do álcool, causam prejuízos humanos e patrimoniais, segundo Nogueira (2010, p. 23): 

Em todo mundo, cerca de 30% dos casos de lesões corporais registrados estão associados ao abuso no consumo de bebidas alcoólicas. Essa proporção é ainda maior quando os traumas são causados por acidentes com veículos, advertiu a consultora da Organização Mundial de Saúde (OMS) e diretora do Centro Nacional de Pesquisa sobre Álcool dos Estados Unidos, Cheryl Cherpitel. 

Ao assumir a direção do veículo, a pessoa alcoolizada, além de colocar a sua vida em risco, pode causar um acidente envolvendo terceiros, ocasionando várias tragédias, que são noticiadas diariamente pela mídia nacional e internacional, o que levou os legisladores a criarem leis com sanções mais rigorosas, para tratar de um assunto de relevância que atinge toda a sociedade brasileira. 

Leis mais rigorosas não surtem tanto efeito quanto o desejado, em virtudes de conterem falhas em suas medidas, ocasionando mais prejuízos do que benefícios, embora os legisladores busquem trazer uma resposta para a sociedade em relação aos acidentes com vítimas fatais, envolvendo pessoas que não tenham participação direta no consumo de álcool na direção, mas que por consequência da imprudência do condutor embriagado, são envolvidas nos acidentes causando tragédias familiares ao perderam entes em uma fatalidade no trânsito. 

O direito penal no trânsito é tido como normas penais que tipificam os delitos praticados pelos condutores de veículos automotores, estabelecendo precisamente as penas tendo por objetivo a proteção ao bem jurídico maior qual seja a vida, por se tratar de um bem indisponível, entre outros, diminuindo os prejuízos econômicos, onde Nogueira (2010, p. 120) assim enfatiza: 

O direito penal do Trânsito há de ser concebido como o conjunto de normas penais que prevêem os crimes praticados na direção de veículos automotores, os que têm relação direta ou indireta com o trânsito e as respectivas penas, com o objetivo de proteger a incolumidade pública, privada, a vida, a integridade corporal das pessoas e a segurança no trânsito em seu sentido mais amplo. 

As discussões acerca da tipificação penal do crime de embriaguez no trânsito acentuaram-se após a criação da Lei Seca, que alterou a Lei n. 9.503/97. Apesar de haver criado sanções mais rigorosas, a Lei Seca trouxe vários questionamentos quanto a sua correta aplicabilidade, ao estabelecer critérios contrários à jurisdição brasileira, quanto aos requisitos necessários para que o condutor respondesse penalmente pela infração cometida. 

O primeiro entrave na esfera penal, deu-se se o delito cometido contra a integridade física da pessoa deveria ser considerado como uma conduta dolosa (com intenção) ou culposa (sem intenção), onde está é considerada de difícil definição necessitando de um juízo de valor, sendo que ambas constituem elementos do fato típico. Através da análise do ponto de vista de Capez (2008. p. 200-07), verificamos que: 

Conceito de dolo: (grifo do autor) é a vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal. Mais amplamente, é a vontade manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta. 
Culpa: (grifo do autor) […] Com efeito, os tipos que definem os crimes culposos, são abertos […] portanto, neles não se descreve em que consiste o comportamento culposo. 

A importância da tipificação penal, tem sua grande importância para que não haja uma aplicação errônea das penalidades previstas na legislação, uma vez que se busca a comprovação se o condutor embriagado tinha ou não consciência de que poderia ocasionar um grave acidente. 

2.2 A ineficácia da Lei Seca no âmbito Penal 

Um aspecto relevante é a categorização do crime de embriaguez ao volante como sendo de perigo concreto ou abstrato. É importante lembrar que, nesse contexto, as infrações penais se dividem em crimes de dano, que se consumam apenas com a efetiva lesão ao bem jurídico, e crimes de perigo, que são a mera possibilidade de dano ou a exposição do bem jurídico a risco. O perigo, por sua vez, pode ser considerado abstrato ou presumido pela legislação em função de uma determinada ação ou omissão, o que elimina a necessidade de prova da sua existência. Em outras circunstâncias, o perigo é concreto, significando que cabe ao acusador, no processo penal, demonstrar que o bem jurídico foi colocado em risco. 

Com base nessas premissas, nota-se que na redação original do artigo 306 estava escrito: “Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem” (enfatizado); assim, configurava-se um crime de perigo concreto, exigindo a comprovação, durante a persecução penal, da prática de uma ação perigosa pelo motorista, como excesso de velocidade, direção em “ziguezague”, transitar sobre calçadas e acostamentos, ou qualquer outra manobra anormal ou arriscada. 

No entanto, com a edição da Lei n. 11.705, em 2008, o legislador deixou de lado a fórmula anterior, definindo o crime como “Conduzir veículo automotor na via pública com concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que cause dependência”. Além disso, a redação atual do art. 306 não menciona nenhum dano potencial, bastando que a condução do veículo seja feita com a capacidade psicomotora alterada. Assim, é claro que o crime descrito no art. 306 do Código de Trânsito é considerado de perigo abstrato; isto é, a lei presume que dirigir nessas condições é uma ação perigosa, o que implica que o condutor, ao simplesmente dirigir nesse estado, está sujeito à norma penal, mesmo que sua condução aparente estar normal e, no caso específico, não representam perigo potencial. O risco é, portanto, presumido pela legislação.  

A favor dos crimes de perigo abstrato, argumenta-se que existem certas ações específicas, que, por natureza, representam um alto nível de perigo para a comunidade, como é o caso do porte de armas. 

O comércio ilegal de armas de fogo, devido ao seu alto risco inerente, deve ser reprimido. Preventivamente, incentivando as pessoas a se absterem delas, previne a ocorrência de acidentes. Caso não se abstenha, o indivíduo está sujeito a penalidade criminal pela ação isolada, sem causar prejuízo ou ameaça real de prejuízo. Como é óbvio, a natureza é a força motriz. 

Considera-se como perigo concreto, quando o condutor estiver na iminência de causar danos ou lesão a um ou mais bens jurídicos, devendo deste modo ser punido penalmente, conforme os conceitos apontados por Nogueira (2010, p. 73): 

Há o perigo abstrato, que é aquele que independe de aferição, de verificação e comprovação. Ele é, pode se dizer, presumido em lei.
Há também o perigo concreto, que é aquele que precisa ser aferido, verificado e provado, exigindo-se, para que ele se perfaça, a iminência de dano ou lesão a um ou mais bens jurídicos que possam ser individualizados (perigo concreto determinado) ou não (perigo concreto indeterminado). 

Desta maneira, verifica-se que não basta somente que o condutor esteja embriagado. Há também, a necessidade de que seja provado que o mesmo ocasione ou esteja dando causa para que haja comprovação do dano ou lesão aos bens jurídicos, sendo considerado como crime de perigo concreto, sendo o fato punível nas esferas administrativa e penal. 

Nesse contexto, é pertinente mencionar que essa definição legal do crime em questão já foi alvo de debate sobre sua constitucionalidade. Argumenta-se, de fato, que os crimes de perigo abstrato impõe uma responsabilidade penal objetiva, prática há muito rejeitada pelo Direito Penal, e que também violam os princípios da lesividade que estabelece que só há crime quando há efetiva lesão ou quando há um perigo concreto ao bem jurídico protegido, da culpabilidade e do estado de inocência. 

Por decisão legislativa, não é necessária a comprovação de risco potencial de dano. Em virtude da conformidade jurídico-constitucional do artigo 306 em análise, recai sobre o acusador o ônus de provar que o condutor ou acusado estava dirigindo um veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada em razão do consumo de álcool ou substância psicotrópica. Uma vez comprovados esses fatos, estará caracterizado o tipo penal, e tal conclusão não será afastada mesmo que se alegue que a condução do veículo foi normal e não representou perigo a terceiros. À defesa, por sua vez, caberá direcionar seus esforços para refutar a prova da alteração na capacidade psicomotora, uma vez que, como já mencionado, a ausência de dano ou de perigo de dano não exclui a aplicabilidade da norma penal em questão. 

No contexto da prova da infração penal em questão, surgem duas situações distintas. Por um lado, a alteração da capacidade psicomotora será presumida e considerada provada para fins penais caso um exame detecte uma concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligramas por litro de ar alveolar.  

Nessa circunstância, não importa se o condutor apresenta sinais de condução anormal ou aparência de embriaguez, pois o crime está configurado pela quantidade de álcool presente no organismo, independente de outros fatores comportamentais. Por outro lado, se o condutor se recusar a realizar qualquer teste de alcoolemia, a comprovação da alteração da capacidade psicomotora poderá ser feita por meio de gravações em vídeo, exames clínicos, depoimentos de testemunhas ou qualquer outro meio de prova lícito. Caso essa alteração seja demonstrada, o crime será igualmente configurado. Por se tratar de um crime de perigo abstrato, não será necessária, nesse cenário, a comprovação de condução anormal do veículo. 

No campo das provas relacionadas à infração penal, destaca-se a regra geral do artigo 158 do Código de Processo Penal, que estabelece: “Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. 

O termo vestígio, derivado do latim “vestigium”, refere-se a qualquer sinal, marca, objeto, situação ou entidade concreta sensível que esteja, de alguma forma, vinculada a uma pessoa ou a um evento de relevância penal, ou ainda presente no local onde ocorreu o crime. No caso em questão, consideram-se como vestígios o álcool ou a substância psicotrópica no organismo do condutor, sendo estes a causa da alteração na sua capacidade psicomotora.  

Conforme a regra processual mencionada, torna-se evidente que, ao buscar provar uma infração penal com base na quantidade de álcool no sangue ou no ar pulmonar do condutor, a realização de perícia é essencial. Além disso, devido à objetividade e à força probatória que oferece, essa medição configura o meio ideal para estabelecer a infração penal em análise. No entanto, caso o condutor se recuse a se submeter ao exame direito assegurado pelos parâmetros fixados na jurisprudência atual surge uma alternativa probatória: a constatação dos sinais de alteração na capacidade psicomotora. Nesse cenário, tal verificação não constitui, obrigatoriamente, uma prova pericial. 

Dessa forma, não seria possível aplicar a norma prevista no artigo 158 do Código de Processo Penal (CPP) para invalidar a prova obtida, uma vez que essa regra é complementada por outra, também presente na codificação processual penal, especificamente no artigo 167, que estabelece: “Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”. Assim, a descrição das alterações em registro próprio e os depoimentos pertinentes constituem elementos probatórios suficientes para atestar a embriaguez. Portanto, os dois meios de prova mencionados e reconhecidos pelo Código de Trânsito Brasileiro, utilizados para comprovar a alteração da capacidade psicomotora do condutor de veículo automotor, encontram respaldo nas disposições gerais sobre provas no âmbito do Processo Penal. 

Porém, recentes decisões destacam a necessidade da comprovação do perigo concreto para condenação do condutor, não havendo este será absolvido. Conforme julgado em sede de APR: 1509545-67.2018.8.26.0526 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: 

Apelação. Embriaguez ao volante. Recurso defensivo. Absolvição por insuficiência probatória. Admissibilidade. Inexistência de elementos probatórios seguros para a condenação. Aplicação do princípio do in dubio pro reo. Apelo defensivo provido para absolver o acusado, nos termos do artigo 386, inciso VII, do CPP. Restituição do valor recolhido a título de fiança. Inteligência do artigo 337 do CPP. 
(TJ-SP – APR: 15095456720188260526 SP 1509545-67.2018 .8.26.0526, Relator.: Leme Garcia, Data de Julgamento: 11/03/2022, 16ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 11/03/2022) 

Ainda, corroborando com a necessidade da comprovação da conduta do acusado, houve a absolvição do réu no julgado na APR 1.0024.16.141312-5/001 do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: 

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE – ABSOLVIÇÃO – NECESSIDADE – SITUAÇÃO DE RISCO NÃO VERIFICADA – RECURSO PROVIDO. A configuração do crime de embriaguez ao volante não exige apenas prova de que o motorista dirigia alcoolizado, mas, também, da situação de risco contra o bem juridicamente protegido; assim, não verificada tal circunstância, a absolvição do acusado é medida que se impõe. VV. EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE – ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS – CRIME DE PERIGO ABSTRATO – CONDENAÇÃO MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. I – Restando satisfatoriamente provada nos autos a materialidade e a autoria do crime de embriaguez ao volante, não há que se falar em absolvição. II – O crime tipificado no art. 306 do CTB é de perigo abstrato, de forma que se perfaz pela mera conduta de dirigir veículo automotor na via pública com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, não sendo necessária a demonstração concreta de risco ao bem juridicamente protegido em lei. 
(TJ-MG – APR: 10024161413125001 MG, Relator.: Eduardo Machado, Data de Julgamento: 24/04/2018, Data de Publicação: 02/05/2018) 

Outro ponto de vista da ineficácia da punição penal, condiz com a prescrição da pena diante do recebimento da denúncia e, posteriormente, do lançamento da sentença penal condenatória com trânsito em julgado para a acusação, que regula-se com base na pena aplicada em concreto. 

Em decisão proferida pelo Juízo da Vara Especializada de Crimes de Trânsito, o réu Ednaldo Gurgel dos Santos foi condenado em primeira instância nos autos da Ação Penal nº 0207085-14.2013.8.04.0001 pela prática de dirigir veículo automotor sob efeito de bebida alcoólica. 

No entanto, ao apresentar recurso por meio da Defensoria Pública do Estado do Amazonas, foi reconhecida a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa, conforme disposto nos artigos 110, parágrafo 1º, combinado com o artigo 109, inciso VI, ambos do Código Penal Brasileiro. A relatora do caso, foi a desembargadora Vânia Maria Marques Marinho: 

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. MODALIDADE RETROATIVA. ART. 110, § 1.º, C/C ART. 109, INCISO VI, AMBOS DA LEI SUBSTANTIVA PENAL. OCORRÊNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NOS TERMOS DO ART. 107, INCISO IV DO CP. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1 . Nos termos do art. 110, § 1.º, do Código Penal, a prescrição, após a sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de desprovido seu recurso, deve ser regulada pela pena aplicada em concreto, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. 2 . Uma vez constatado o trânsito em julgado para a acusação, ante a ausência de interposição de recurso, e verificado que, entre o recebimento da exordial acusatória e a publicação da sentença condenatória recorrível, transcorreu lapso temporal superior àquele de que o Estado dispõe para exercer o jus puniendi, fixado no art. 109, inciso VI, da Lei Substantiva Penal, impõe-se o reconhecimento da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, em sua modalidade retroativa. 3. Sendo a pena de suspensão da habilitação para dirigir espécie de pena restritiva de direitos, aplica-se o mesmo prazo de prescrição previsto para a pena privativa de liberdade aplicada ao caso concreto, nos termos do parágrafo único do art . 109 do CP. 4. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. DECLARADA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO APELANTE, EM VIRTUDE DA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL.  
(TJ-AM – Apelação Criminal: 0207085-14.2013.8.04.0001 Manaus, Relator: Vânia Maria Marques Marinho, Data de Julgamento: 18/12/2021, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 18/12/2021) 

De acordo com o Código Penal, os crimes cuja pena máxima prevista seja inferior a 1 ano prescrevem em 3 anos. Essa condição se aplicou à situação do recorrente, considerando que a pena concretamente imposta na sentença não excedeu o limite de 1 ano. Diante disso, a prescrição foi devidamente reconhecida. Esse fator possibilitou, em segunda instância, a declaração da extinção da punibilidade. 

No caso em questão, também foi tornada sem efeito a pena acessória de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor. Considerou-se que a suspensão da habilitação, por se tratar de uma espécie de pena restritiva de direitos, está sujeita ao mesmo prazo prescricional atribuído à pena privativa de liberdade aplicada no caso concreto, conforme disposto no parágrafo único do artigo 109 do Código Penal, conforme destacou o julgamento. 

A insegurança jurídica no tocante a aplicação das penalidades aos condutores de veículo sob influência de álcool proferida por cada tribunal, demonstra a fragilidade da punição na esfera penal, ocasionando a desproporcionalidade das sentenças aplicadas aos réus. De acordo com a Acórdão nº 1245467 da 2º Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, as sanções devem guardar proporcionalidade com a conduta praticada: 

Embriaguez ao volante. Suspensão condicional do processo. Condenação anterior. Período depurador. Fração de aumento da pena-base. Suspensão ou proibição de se obter habilitação. Prazo. 1 – Consoante entendimento do e. STJ, o prazo de 5 anos para a concessão de nova transação penal (art. 76, § 2º, II, da L. 9.099/95) aplica-se, por analogia, à suspensão condicional do processo. 2 – Aquele que comete crime antes de decorridos cinco anos da suspensão condicional do processo que o beneficiou não pode receber nova suspensão. 3 – Decorridos cinco anos da data da extinção da punibilidade ou cumprimento da pena – após os quais se extinguem os efeitos da reincidência – a condenação não pode ser utilizada como maus antecedentes. 4 – O aumento da pena-base acima da fração de 1/6 da pena mínima em abstrato, por circunstância judicial desfavorável, exige fundamentação concreta, sem a qual deve ser reduzida a pena-base. 5 – A suspensão ou proibição de se obter permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade. 6 – Apelação provida em parte. 
(TJ-DF 00124852720188070003 DF 0012485-27.2018.8.07.0003, Relator: JAIR SOARES, Data de Julgamento: 23/04/2020, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no PJe : 11/05/2020.) 

Neste caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, a pena de suspensão da habilitação por 12 meses foi considerada desproporcional à gravidade do crime, uma vez que o motorista não havia causado nenhum acidente ou danos a terceiros. 

Para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, a pena de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor deve ser proporcional à pena corporal. 

A Lei Seca estabelece penas severas para o crime de embriaguez ao volante, incluindo a suspensão ou cassação da habilitação, multa e até mesmo prisão. No entanto, em alguns casos, essas penas podem ser consideradas desproporcionais à gravidade do crime. 

As jurisprudências sobre sanções com desproporcionalidade das penalidades aplicadas no crime de embriaguez ao volante são complexas e dependem de cada caso específico. É importante que os magistrados considerem a gravidade do crime e as circunstâncias específicas de cada caso ao aplicar as sanções, devendo ser considerado fatores subjetivos na gravidade do crime, como o impacto na vida do condenado e as alternativas às penalidades tradicionais. 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As penalidades previstas em diplomas legalmente promulgados, devem ter por objetivo claro a eficiência e sua aplicabilidade evitando injustiças, porém buscando dar uma solução para os delitos cometidos no trânsito diminuindo o índice de prejuízos aos bens jurídicos protegidos pela legislação, devendo ser observado os critérios estabelecidos em seu âmbito penal. 

As penalidades devem ter por características não somente sancionar o delinquente, mas deve possuir caráter educativo para que este não incorra novamente na infração cometida e que fora devidamente penalizado. A busca pela penalidade através da famigerada materialidade da prova, deve ser realizada à luz dos princípios que regem o CP, resguardando os direitos fundamentais previstos na CF. 

A subjetividade do delito cometido pelo agente, deve ser vista na esfera penal, pela prova concreta de que este queria produzir o resultado, ou seja o dolo, mas no caso de dirigir embriagado, há o chamado dolo eventual, onde embora o agente assume o risco, porém, não deseja o seu resultado. 

Legislações mais rigorosas não surtem tanto efeito quanto o desejado, pois contém falhas em suas medidas, que podem ocasionar mais prejuízos do que benefícios, embora os legisladores busquem trazer uma resposta para a sociedade em relação aos acidentes com vítimas fatais, envolvendo pessoas que não tenham participação direta no consumo de álcool na direção, mas que por consequência da imprudência do condutor embriagado, são envolvidas nos acidentes causando tragédias aos familiares que perderam seus entes em uma fatalidade no trânsito. 

As normas de trânsito abordaram a responsabilidade do delito causado por agente sob influência de álcool na direção bem como sua conduta, no entanto, as sanções penais após a promulgação da lei seca e suas alterações com a desproporcionalidade de sua aplicação, ainda repercutem no meio jurídico ao longo dos anos, trazendo questionamentos sobre a eficácia da Lei Seca na esfera penal. 

REFERÊNCIAS 

BRASIL. Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997. Estabelece o Código de Trânsito Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 set. 1997. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1997/lei-9503-23-setembro-1997-372348publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: Acesso em: 28 mar 2025. 

BRASIL. Lei n. 11.705, de 19 de junho de 2008. Altera a Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2008/lei/l11705.htm. Acesso em: 28 mar 2025. 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm. Acesso em: 28 mar 2025. 

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del2848compilado.htm. Acesso em: 28 mar 2025. 

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Acórdão nº 1245467, de 11.05.2020. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca ?q=1245467&tribunal=tjdf&jurisType=acordao. Acesso em: 28 mar 2025. 

BRASIL. Tribunal de Justiça do Amazonas. “Ementa do Acórdão n.º 239340419.8.00.0000”. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tjam/2393404198. Acesso em: 28 mar 2025. 

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Acórdão nº 914765010. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-mg/914765010. Acesso em: 28 mar 2025. 

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. V.1. Parte Geral. 12. ed. São Paulo. Editora Saraiva. 2008. p. 200-07.

NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito. Crimes do Código de Trânsito. São Paulo. 2 ed. J.H. Mizuno. 2010.


1Acadêmica de Direito. E-mail: favariemanuele@gmail.com. Artigo apresentado a União das Instituições Superior Sapiens SA, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO.
2Acadêmico de Direito. E-mail: fabiobmpvh@gmail.com. Artigo apresentado a União das Instituições Superior Sapiens SA, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO.
3Professor Orientador. Professora do curso de Direito. E-mail: raviny.nascimento@gruposapiens.com.br