A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO NO ORDENAMENTO JURÍDICO VIGENTE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10042403


Geovanna Yasmim Soares da Luz
Gabriel Carlos Mendes
Lorrane Emanuele Moreira do Nascimento
Bruno Henrique Pereira Alves
Lucas Ricardo Oliveira Pinto
Halysson Gabriel Nascimento Magalhães
Maria Paula Mota Sperandio
Júlia de Oliveira Azevedo
Ramon Cardoso Passos
Carlos Eduardo Almeida Ferreira


RESUMO

O presente estudo busca observar e analisar a (in) constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado no ordenamento jurídico vigente. Isso porque de acordo com debates doutrinários o instituto viola o princípio da dignidade humana, bem como outros princípios constitucionais. O presente trabalho conta com recentes julgados dos Tribunais de Justiça dos Estados de Minas Gerais e de São Paulo e posicionamentos de autores clássicos e contemporâneos acerca do tema. O estudo será desenvolvido essencialmente por pesquisas bibliográficas, sendo utilizados os métodos dedutivos e exploratórios na coleta dos dados informativos. Verificou-se que a existência do Regime Disciplinar Diferenciado é pautada sobre discussões doutrinárias no que tange à sua constitucionalidade, de forma que para os autores clássicos, o instituto é constitucional. Isso porque, pelo princípio da proporcionalidade, não poderia o apenado que não se adequa às regras prisionais, ou que se enquadra nas situações do art. 52 da Lei de Execução Penal ter o mesmo tratamento que o apenado normal. Não obstante, a jurisprudência atual, bem como os clássicos doutrinadores penalistas chegam ao consenso de que a existência do Regime Disciplinar Diferenciado é constitucional. Isso pois, não são violados os princípios constitucionais básicos garantidos a todo ser humano através da Constituição Federal. Com efeito, levando-se em consideração o atual índice de criminalidade brasileira, e o respeito ao princípio da dignidade humana, a submissão do apenado definitivo e o provisório a essa sanção pode violar algumas garantias fundamentais instituída pela Constituição Federal, uma vez que pode influenciar de maneira negativa na ressocialização do indivíduo, considerando-se que a ressocialização é também um dos objetivos da aplicação da pena.

Palavras-chave: regime disciplinar diferenciado; constitucionalidade; dignidade da pessoa humana; princípios constitucionais; ressocialização.

1. INTRODUÇÃO

O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) consiste em um procedimento que pode ser aplicado em sede de execução penal ao preso provisório ou definitivo, uma vez que preenchidos determinados requisitos.

O RDD não se confunde com a nova criação de um regime prisional, isso porque os regimes prisionais são o fechado, aberto e semiaberto. Dessa forma, o RDD é um instituto que visa garantir a prevenção de novos crimes, onde o apenado é recolhido em cela individual por determinado tempo.

O presente artigo tem como objetivo abordar os debates e divergências sobre sua constitucionalidade ou não, visto que, para alguns autores, o presente instituto fere de morte princípios trazidos pela CRFB, já para outros, está totalmente dentro dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

O trabalho foi dividido em 3 seções, nas quais se aborda a evolução histórica da pena, os tipos de pena existentes na legislação penal brasileira, as teorias da finalidade da pena, os princípios atinentes ao Direito Penal, a origem e a aplicabilidade do Regime Disciplinar Diferenciado e por fim, a sua (in) constitucionalidade.

Dessa forma, na última seção se abordará a discussão doutrinária acerca da (in) constitucionalidade do instituto, através de dados bibliográficos.

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA

Inicialmente cumpre destacar que deve-se abordar o conceito de pena para que se compreenda o direito penal e, principalmente, a consequência prática de uma conduta delitiva.

2.1. A PENA NA ANTIGUIDADE

A pena desde os primórdios é utilizada pela sociedade como um meio de de se preservar e de se promover a paz social.

Para Marcão e Marcon (s.d), a pena na antiguidade pode ser entendida como nascida do sentimento de vingança, que acontecia de forma privada e só posteriormente foi inserida na esfera do Direito.

Sendo assim, a pena era aplicada de forma cruel e desumana, com mutilações, açoites, suplício e pena de morte, prevalecendo a Lex Talionis (Alves e Pinheiro, s.d).

Não obstante, Foucault (1999), em sua obra “vigiar e punir” aponta as penas cruéis aplicadas no século XVIII, onde desde a época os apenados tinham sua dignidade desrespeitada.

2.2. A PENA NA IDADE MÉDIA

No período da Idade Média, a pena é eivada de caráter retributivo, o Direito Canônico tinha forte presença na época. Tal fato influenciou para que a Igreja Católica possuísse legitimidade para a punição do indivíduo que transgredisse alguma norma que para aquele período era entendida como correta. (Felipe Machado, 2009)

A partir de então, como o número de infratores era grande, foram criados lugares para que custodiassem os acusados de alguma prática delitiva até que fosse realizado seu julgamento. (Valença e Pinheiro, s.d)

Dessa forma vê-se o nascimento da prisão, que segundo Capez (2009, p.251):

Prisão é o local onde o poder de punir é exercido pelo Estado, poder esse destinado a coletividade como um todo, tratando-se, portanto de um poder abstrato de punir qualquer um que venha a praticar fato definido como infração penal.

Sendo assim, observa-se que sempre que um indivíduo cometer um ilícito, este deve se submeter ao poder punitivo estatal.

Não obstante, Foucault (1999), em sua obra “vigiar e punir” aponta as penas cruéis aplicadas no século XVIII, onde desde a época onde os apenados tinham sua dignidade desrespeitada.

2.3. A PENA NA IDADE MODERNA

Carvalho (2009), diz que na idade moderna, as modalidades de penas, permitia o exercício de uma prática punitiva amplamente assentada no emprego de suplícios e penas de morte.

Assim, o indivíduo que esperava uma decisão punitiva estatal, ficava alocado em locais insalubres, uma vez que, a comodidade do preso não era uma prioridade do Estado.

Portanto, observa-se que se comparado com os períodos anteriores, não houve uma evolução significativa do tratamento ao apenado, o que só ocorre na idade contemporânea.

2.4. A PENA NA IDADE CONTEMPORÂNEA

A Idade contemporânea teve início após a Revolução Francesa (1789), conforme o autor Daniel Neves Silva (2019).

Dessa forma, muitas coisas que se entendiam corretamente na aplicação da pena antes disso, já não serviam mais para a sociedade até então.

Nota-se que principalmente depois das Grandes Guerras Mundiais, surgiu o período humanitário, que abandona o caráter cruel e irracional da pena. Sendo assim, surge o princípio da proporcionalidade entre a pena imposta a um indivíduo e a conduta delitiva por ele praticada. (Felipe Machado, 2009)

Nesse raciocínio, percebe-se que desde os primórdios, um indivíduo que de certa forma rompe os limites impostos pela sociedade, sofrerá punições, que dependerá da sociedade em que este está inserido.

3. DOS TIPOS DE PENAS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA

O Direito Penal brasileiro, assim como as demais esferas, é limitado pelas garantias fundamentais previstas na Constituição Federal de 1988. Nesse ínterim, é conveniente analisar a finalidade da imposição de penas, bem como as modalidades previstas existentes na legislação penal, para que posteriormente se compreenda a existência, influência e consequências no instituto do Regime Disciplinar Diferenciado.

Para Masson (2020, p.459), a pena é a reação que uma comunidade politicamente organizada se opõe a um fato que viola uma das normas fundamentais da sua estrutura e, assim, é definido na lei como crime.

Nucci, por sua vez, define a pena como uma “sanção imposta pelo Estado, através da ação penal, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes”. (2020, p.512)

Nesse raciocínio, duas conclusões são possíveis extrair dos conceitos destacados pelos autores retro. Primeiro, que a pena é a retribuição estatal a um fato praticado por um indivíduo que viola determinada regra entendida como correta em uma sociedade. Em outro viés, observa-se que a sanção penal também é dotada de caráter preventivo e educativo ao infrator.

Dessa forma, observa-se o caráter retributivo do Direito Penal, explícito no art. 32, do Código Penal. O dispositivo retro elenca três tipos de pena existentes no Direito Penal brasileiro, quais sejam: Pena Restritiva de Direitos, Pena de Multa e Pena Privativa de Liberdade.

3.1. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

Positivada no art. 32, inciso I, do Código Penal, a pena privativa de liberdade pode ser compreendida como a privação do direito de ir e vir do indivíduo que infringe uma norma pré determinada na legislação penal.

Segundo Greco (2022, p.1148) “a pena privativa de liberdade, normalmente, vem prevista no preceito secundário de cada tipo penal incriminador, servindo à sua individualização, que permitirá aferição da proporcionalidade entre a sanção que é cominada em comparação com o bem jurídico por ele protegido.”

Nota-se também uma subdivisão da pena privativa de liberdade de natureza de reclusão ou detenção, conforme o art. 33, do Código Penal.

Nos termos da primeira parte do caput, do art. 33, do Código Penal, a pena privativa de liberdade que for de reclusão, poderá ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto.

A segunda parte do mesmo dispositivo, aduz que a pena de reclusão deve ser cumprida em regime semiaberto ou aberto.

Verifica-se que, de acordo com o parágrafo 1°, alínea “a”, do art 33, do Código Penal, a execução da pena de regime fechado se dará em estabelecimento de segurança máxima ou média.

Todavia, conforme disposição da alínea “b”, do mesmo dispositivo, assevera que a execução da pena em regime semiaberto deverá ser em colônia agrícola, industrial, ou estabelecimento similar.

Conforme alínea “c”, do parágrafo 1°, do Código Penal, as penas em regime aberto devem ser executadas em casa de albergado

Adiante, o artigo 33, do Código Penal ainda a individualiza, indicando o regime a ser cumprido de acordo com a quantidade de pena fixada na terceira fase da dosimetria, de forma que:

§ 2º – As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

a) o condenado à pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

Portanto, conforme acima exposto, observa-se que o direito penal brasileiro tenta individualizar a pena ao máximo, respeitando o direito fundamental previsto no art. 5°, inciso XLVI, da CRFB, que diz que a lei regulará a individualização da pena.

Superados os apontamentos feitos anteriormente, é de salutar importância ressaltar o princípio da proporcionalidade/razoabilidade, reiterado por Beccaria na aplicação e imposição da pena, visto que deve haver equilíbrio entre a conduta praticada por um indivíduo e a pena imposta a este.

Beccaria, em sua obra “Dos Delitos e Das Penas”, assevera a relevância que o legislador tem ao elaborar a lei, isso porque, conforme aduzido pelo autor, este deve ser sábio e inteligente, tendo em vista que, há nele o poder de moldar uma sociedade e manipular o controle da massa. Senão, vejamos:

Bastará, contudo, que o legislador sábio estabeleça divisões principais na distribuição das penas proporcionadas aos delitos e que, sobretudo, não aplique os menores castigos aos maiores crimes. (1999, p.122)

Portanto, é evidente a influência do pensamento do autor no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista as individualizações feitas nos art. 33, do Código Penal brasileiro.

3.2. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS

O art. 59, do Código Penal, em seu inciso IV, aduz que o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, bem como as circunstâncias e consequências do crime por ele praticado, poderá realizar a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena se cabível.

Nessa senda, de acordo com Salo de Carvalho (2013, p.472), as penas restritivas de direito, elencadas no art. 43, do Código Penal, podem ser:

Art. 43. As penas restritivas de direitos são:

I – prestação pecuniária; II – perda de bens e valores; III – limitação de fim de semana; IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V – interdição temporária de direitos; VI – limitação de fim de semana.

Assim, para este doutrinador, a prestação pecuniária possui caráter indenizatório, e consiste em um pagamento que o autor do fato deve fazer à vítima, aos seus dependentes ou à entidades públicas ou privadas que possuem destinação social.

Para o autor retro, a indenização não se confunde com a pena de multa, eis que possui caráter civil, já a pena de multa, diferentemente é destinada ao Estado.

Nucci (2014, s.n), por sua vez, conceitua a decretação de perda de bens e valores do condenado:

Trata-se de uma sanção penal, de caráter confiscatório, levando à apreensão definitiva por parte do Estado de bens ou valores de origem lícita do indivíduo. Afirma a Exposição de Motivos da Lei 9.714/98 não ter tal pena a conotação de confisco, porque o crime é motivo mais do que justo para essa perda, embora não se esteja discutindo a justiça ou injustiça da medida, mas apenas o ato do Estado de se apoderar de bens ou valores do condenado, ainda que por razão justificada. Aliás, a perda dos instrumentos e produtos do crime em favor do Estado (art. 91, CP) também é chamada de confisco e há justa causa para tanto. A Constituição Federal expressamente previu tal modalidade de pena (art. 5.º, XLVI, b), de modo que se trata de um “confisco legal”.

Sendo assim, tem-se tal pena como substitutiva da pena privativa de liberdade, na qual o Estado detém legitimidade de confiscar os bens adquiridos de forma lícita do infrator para que se retribua a sua conduta delitiva.

Ademais, também está prevista constitucionalmente, legalizando tal confisco no art. 45, parágrafo 3°da Constituição Federal.

Ainda nessa senda, conforme observa-se no art. 44 do Código Penal, as penas possuem caráter autônomo e quando preenchidos os requisitos discipulados nesse dispositivo, o agente fará jus a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, que possui natureza mais branda.

3.3. PENA DE MULTA

Para Mergulhão (2005, p.77) a pena de multa pode ser compreendida como “a condenação, em determinada soma em dinheiro, pela transgressão a um tipo penal”. Trata-se de preceito secundário do tipo penal, isto é, trata-se de pena cominada a determinados tipos penais de gravidade menos expressiva no contexto social.”

O autor Rene (2022, p.342), por sua vez, define a pena de multa como “o pagamento de uma quantia de valor fixada na sentença penal condenatória em favor do Fundo Penitenciário Nacional”.

Nessa senda, é importante trazer à baila a lição do art. 49 do Código Penal que corrobora para com o pensamento do doutrinador retro:

Art. 49 – A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

§ 1º – O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.

§ 2º – O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária.

Sendo assim, notório é que a pena de multa possui um limite máximo e mínimo de aplicação, além de disposição de que deve ser atualizado monetariamente até a época de execução.

Aqui, observa-se a natureza de repressão estatal, ainda que seja uma medida menos gravosa de punição. Isso, tendo em vista que a pena de multa pode ser acessória, conforme o art. 50, parágrafo 1°, alínea “a”, bem como pode ser cumulada com pena de espécie diversa, consoante art. 55, parágrafo 1°, alínea “b”, ambos do Código Penal.

4. TEORIAS DA FINALIDADE DA PENA

De modo geral, três são as teorias que explicam a aplicação das penas no Direito Penal brasileiro: a teoria absoluta, relativa e a unificadora das penas, nas quais se explicam a importância e a finalidade da repressão estatal sobre o indivíduo que viola uma norma positivada.

4.1. TEORIA ABSOLUTA DA PENA

Para a teoria absoluta, o objetivo maior da aplicação da pena será a retribuição por uma conduta infringente de um contrato social. Pouco importa aqui a ressocialização do condenado, trata-se de uma punição estatal objetiva, na qual externaliza-se pela vontade da sociedade que suporta a conduta criminosa (Valença e Pinheiro, s.d).

Assim, o Estado, detentor do “jus puniendi”, exerce sua vingança privada, conduta não compatível com o ordenamento jurídico vigente.

Rogério Greco (2020), define a teoria absoluta por sua vez como uma teoria com os olhos voltados para o passado, ou seja, esta possui caráter meramente retributivo, onde o agente, simplesmente por ter praticado um ilícito, deve suportar toda a repressão estatal.

4.2. TEORIA RELATIVA

A presente teoria tem como fundamento de que a pena representa não somente a punição estatal, mas também a prevenção da prática de novos crimes pelo condenado.

Rogério Greco, em sua obra aduz que:

A pena deverá ainda ter um fim utilitário, isto é, deverá servir para impedir que o delinquente venha a praticar novos crimes, seja na forma de prevenção especial negativa (segregação momentânea do convívio em sociedade), seja como prevenção social positiva (ressocialização), bem como, ainda, como espécie de prevenção geral (também positiva e negativa), dissuadindo os demais membros da sociedade a praticar infrações penais. (2022, p. 90)

Sendo assim, constata-se que a teoria relativa pode ser dividida em duas partes: positiva e negativa. Na positiva o Estado, enquanto detentor legítimo da punição, segrega o infrator, impedindo que o mesmo conviva em sociedade e pratique um novo delito; Na negativa, verifica-se a função de ressocialização da pena. (Valença e Pinheiro, s.d)

Nucci faz suas considerações sobre o tema:

Conforme o atual sistema normativo brasileiro, a pena não deixa de possuir todas as características expostas: é castigo e intimidação ou reafirmação do Direito Penal e recolhimento do agente infrator e ressocialização. O art. 59 do Código Penal menciona que o juiz deve aplicar a pena de modo a ser necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime (NUCCI, 2009, p. 370).

Dessa forma, verifica-se que a teoria relativa na aplicação da pena possui caráter híbrido, como um binômio, consistente na ressocialização do agente infrator e na prevenção da prática de novos crimes.

4.3. TEORIA UNIFICADORA DAS PENAS

Adotada no Direito Penal Brasileiro, a Teoria Mista consiste na união das duas teorias retro. Para Mirabete apud Dourado (2015), a pena tem natureza retributiva, mas também possui caráter de ressocialização, educação e correção, do contrário, é tida como um meio de vingança privada.

Nesse ínterim, encontra-se vestígios da teoria em questão no art. 59 do Código Penal, tendo em vista que no presente artigo está explícito que ao fixar a pena base, o juiz deve analisar a culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima.

Sendo assim, em atendimento ao conclui-se por um direito penal mais garantista que não possui apenas essência retributiva, mas também tem o viés de ressocializar o indivíduo, dando tratamento digno e fazendo jus aos princípios da proporcionalidade, e individualização da pena.

Diante de todo exposto, verifica-se no art. 59 do Código Penal, na parte final, que o juiz deve aplicar a pena de forma a prevenir a nova prática de ilícitos, fazendo jus, assim, à teoria mista ou unificadora da pena como adotada pelo direito penal.

5. O PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Segundo Nucci (s.d), os princípios significam uma ordenação, que irradia e imanta os sistemas de normas, servindo de base para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo.

Insta salientar que o artigo 5° da Constituição Federal prevê significantes princípios que servem como indicativos no Direito Penal, apresentando-se como base para a aplicação da norma.

O primeiro princípio a ser relacionado com a aplicação do regime disciplinar diferenciado é o da dignidade da pessoa humana. Também previsto no artigo 1°, inc. III, da Constituição Federal, a diretriz pode ser conceituada como:

Valor constitucional constitui supremo e, enquanto tal, deve servir, não apenas como razão para decisões no caso concreto, mas principalmente como diretriz para a elaboração, interpretação e aplicação das normas que compõem a ordem jurídica em geral, e o sistema de direitos fundamentais, em particular. (NOVELINO, 2022, p. 299).

Nessa órbita, é possível verificar que o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser analisado não apenas no momento da criação da norma penal, mas também na hora de aplicá-la, bem como em sede executória.

Nesse raciocínio, também é possível visualizar seu desdobramento no inciso XLIX, da CRFB que diz que “aos presos é assegurado o respeito à integridade física e moral”.

É portanto, um importante paralelo a ser feito na aplicação no Regime Disciplinar Diferenciado, isso porque, gera-se discussão acerca de sua constitucionalidade.

Observa-se também a presença do princípio da individualização da pena, prevista no art. 5°, inc. XLVI, Constituição Federal.

Guilherme Nucci (s.d), assevera que o princípio da individualização da pena permite que o delinquente tenha sua pena individualizada, seguindo parâmetros legais e estabelecendo a cada um o que lhe é devido.

Portanto, é possível perceber que todo ser humano que suportar o jus puniendi estatal deve ter o direito a aplicação de uma pena segundo os ditames constitucionais da individualização da pena, bem como ter o direito ao respeito de sua dignidade.

6. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO: ORIGEM E APLICABILIDADE

Criado em meados dos anos 2000, o regime disciplinar diferenciado surgiu como um meio de combater o crime organizado dentro das prisões, após uma rebelião ocorrida em um estabelecimento prisional do Estado de São Paulo. Também veio como uma forma de responder à sociedade da época que era assolada pela alta criminalidade (Pereira e Pinheiro, s.d).

Dessa forma, com a grande repercussão em outras unidades da federação, teve-se a implantação federal através da Lei 10.792/2003 (Araújo da Silva, 2021).

O Regime Disciplinar Diferenciado consiste em sanção disciplinar prevista no artigo 52 da Lei de Execução Penal que pode recair tanto ao brasileiro quanto ao estrangeiro que subverta a ordem na unidade prisional. Este será colocado em cela individual e será regido por normas disciplinares diferentes e mais graves que os demais apenados (Araújo da Silva, 2021).

Guilherme Souza Nucci em sua análise à Lei de Execução Penal (2020, p.553), define que o RDD se caracteriza como: a) duração máxima de 360 dias, podendo ser aplicado mais de uma vez se o apenado vier a reincidir na prática da falta grave; b) recolhimento em cela individual; c) visitação semanal de duas pessoas, sem contar as crianças, não podendo exceder à 2 horas; d) direito à saída da cela por duas horas diárias, para banho de sol.

Não obstante, o artigo 52 da Lei N° 7.210/84 aduz:

A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:

I- duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;

II- recolhimento em cela individual;

III- visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;

IV- o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.

§ 1o O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.

§ 2o Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

Art. 53. Constituem sanções disciplinares:V – inclusão no regime disciplinar diferenciado.

Nessa senda, conclui-se que o Regime Disciplinado é uma “sanção dentro da sanção”, e não se confunde com o regime de cumprimento de pena. Ele será aplicado ao preso que cometer falta grave em sede de execução penal.

A falta grave está prevista no art. 50 da Lei de Execução Penal, que assevera:

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:

I – incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;

II- fugir;

III- possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem;

IV- provocar acidente de trabalho;

V- descumprir, no regime aberto, as condições impostas;

VI- inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.

VII– tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.

VIII- recusar submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético.

Dessa forma o apenado que incidir em uma dessas condutas está sujeito à sua inserção no RDD.

Em relação ao juízo competente à aplicação do RDD, Marcão, apud Sobreira (2012, “p.08”) preleciona:

A decisão sobre a inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado é jurisdicional, inserindo-se na alçada do juiz da execução penal. Não pode o magistrado decretar a inclusão ex officio, e o Ministério Público não tem legitimidade para postular a inclusão no RDD.

A legitimidade para postular a inclusão do preso no RDD é do diretor do estabelecimento penal, em que se encontre o preso provisório ou condenado-alvo, ou de outra autoridade administrativa (…). O requerimento deverá ser sempre circunstanciado, entenda-se, fundamentado (art. 54, § 1º, da LEP). Apresentado o pedido de inclusão, sobre ele deverão manifestar-se o Ministério Público e a Defesa. Em seguida, caberá ao juiz da execução prolatar sua decisão no prazo de 15 dias (art. 54, § 2º, da LEP).

Sendo assim, em detida análise dos excertos colacionados, verifica-se a limitação acerca da inclusão do apenado no RDD. Isso tendo em vista que em outras infrações pode o diretor do estabelecimento prisional autonomamente “punir” o condenado sem prévia autorização do juízo.

Entretanto, conforme estabelece o art. 54 da Lei N° 7.210/84, a sanção do inciso V, exige prévia autorização do juízo da execução penal, que passará sob o crivo do contraditório (parágrafo 2°, da Lei de Execução Penal).

6.1. DEVERES DOS APENADOS

Certo é que em toda a ordem jurídica o ser humano é tido como centro, ou seja, a sua proteção o torna sujeito de deveres e obrigações. Nesse ínterim, na esfera penal não seria diferente, principalmente no tangente à execução da pena.

O artigo 38, da Lei N° 7.210/84 diz que todos os condenados devem sujeitar-se às normas de execução penal.

O art. 39 da LEP, por sua vez aprofunda-se :

Constituem deveres do condenado:

I- comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença;

II- obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se;

III- urbanidade e respeito no trato com os demais condenados;

IV- conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina;

V- execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;

VI – submissão à sanção disciplinar imposta;

VII – indenização à vitima ou aos seus sucessores;

VIII- indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho;

IX- higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento;

X – conservação dos objetos de uso pessoal.

Sendo assim, constata-se que ao impingir que o condenado cumpra as obrigações retro, também é um meio de ressocializá-lo, reeducando-o para que futuramente ele seja reinserido na sociedade.

6.2. DIREITOS DO APENADO

Observa-se que em respeito ao princípio da dignidade humana, aos presos serão garantidos direitos decorrentes desse norteador.

Dessa forma, o Estado em seu “jus puniendi” estabelece quais serão as garantias do apenado no art. 41 da Lei de Execução Penal:

Art. 41 – Constituem direitos do preso:

I – alimentação suficiente e vestuário;

II – atribuição de trabalho e sua remuneração;

III – Previdência Social;

IV – constituição de pecúlio;

V – proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

VI – exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

VII – assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

VIII – proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

XI – chamamento nominal;

XII – igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

XIII – audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV – representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;

XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.

Ademais, ante aos artigos 56 e 57, da lei 7.210/84, pode-se perceber que os condenados à pena privativa de liberdade, também possuem direito a recompensas quando cumprem o estabelecido pela lei de execução penal. Assim, tais recompensas podem ser: elogio e concessão de regalias.

Diante disso, percebe-se o respeito à teoria mista da finalidade da pena, onde além de punir o agente que comete uma conduta delitiva, também avista-se a presença da intenção de reeducar e ressocializar o indivíduo.

7. A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO NO ORDENAMENTO JURÍDICO VIGENTE

A discussão sobre a (in) constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado tem gerado afloradas discussões no mundo jurídico.

Isso porque, em que pese o respeito ao princípio da legalidade, o RDD é, para alguns autores, considerado inconstitucional pela violação do princípio da dignidade da pessoa humana como vê-se a seguir.

Para Assis Moura (2007), a existência do Regime Disciplinar Diferenciado fere o princípio da presunção de inocência, uma vez que, até mesmo os presos provisórios podem ser inseridos na sanção penal disciplinar:

Não há dúvida de que submeter aquele que não foi definitivamente condenado a condições que ferem a dignidade humano, pelo prazo de 1/6 da pena que sequer foi aplicada, constitui insuportável ilegalidade, além de afrontar a garantia constitucional da não-consideração prévia de culpabilidade, inserto no art. 5°, LVII, da Constituição da República.

Bittencourt, apud Friedriszick e Formiga (2019) aduz que o RDD é inconstitucional, argumentando que:

Com efeito, à luz do novo diploma legal, percebe-se que às instâncias de controle não importa o que se faz (direito penal do fato), mas sim quem faz (direito penal do autor). Em outros termos, não se pune pela prática de fato, mas sim pela qualidade, personalidade ou caráter de quem faz, num autêntico Direito Penal do autor. Nesse sentido, merece ser destacada a percuciente lição de Paulo César Busato, in verbis: “… o fato de que apareça uma alteração da Lei de Execuções Penais com características pouco garantistas tem raízes que vão muito além da intenção de controlar a disciplina dentro do cárcere e representam, isto sim, a obediência a um modelo política-criminal violador não só dos direitos fundamentais do homem (em especial do homem que cumpre pena), mas também capaz de prescindir da própria consideração do criminoso como ser humano e inclusive capaz de substituir um modelo de Direito penal do fato por um modelo de Direito penal do autor.

Observa-se então que o autor se posiciona também contra a Teoria do Direito Penal do Inimigo, na qual o agente que pratica um ilícito deve se submeter à repressão estatal com toda sua força.

Nunes Dias (2009, s.n), por sua vez, aduz que:

O RDD é um modo expressivo de lidar com os problemas de segurança, por meio do qual o Estado procura esconder suas fragilidades e sua inépcia. A resposta punitiva tem o atrativo de transmitir a ilusão de que está se fazendo algo, independentemente disso funcionar ou não.

Dessa forma, verifica-se que na visão da autora, os efeitos práticos do Regime Disciplinar Diferenciado é uma forma de o Estado dizer que está tomando as providências sociais para reprimir a conduta criminosa quando na verdade está inerte.

Portanto, extrai-se a sua inconstitucionalidade, visto que o Estado deve agir de forma positiva para reinserir o indivíduo novamente na sociedade.

José Wilson da Silva (2021, s.n) diz que :

O que se percebe é a inversão da ótica pós-positivista, deixando-se de irradiar a força da norma constitucional sobre o ordenamento jurídico e as escolhas políticas para, contrariamente ao que se desejaria num estado ideal de coisas, punir de maneira completamente abusiva aquele que deveria, por outro lado, ter a chance de ser socialmente reintegrado.

Távora e Alencar (2010), também adotam o pensamento de que o RDD é inconstitucional, visto que, para ele, o legislador feriu o princípio da presunção de inocência ao impor que o preso provisório também pode ser inserido em tal sanção.

Russomanno (2006, s.n) em que pesa a desproporcionalidade do Regime disciplinar diferenciado dispõe:

Escudado pelo alarmante caos que vige o sistema penitenciário, o regime disciplinar diferenciado oculta sua natureza de pena cruel que rememora, tragicamente, os suplícios medievais. As denominações de disciplina e segurança resguardam da discussão acerca da nova modalidade de punição sua dimensão mais significativa, que consiste em impor a uma determinada categoria de indivíduos uma carga de sofrimento desmedido, por meio do isolamento individual de 360 dias, passível de reedição, podendo alcançar até o limite de um sexto da pena aplicada. (…). Assim, não parece precipitado afirmar que aposta na aniquilação dos sujeitos como seres humanos equivalem à edição da pena de morte social, que de forma deliberada investe na produção de alienados mentais.

No mesmo sentido dispõe Farth (2018, s.n):

Ao instituir um isolamento em “cela surda” pelo período de trezentos e sessenta dias, o RDD agride a dignidade da pessoa humana na medida em que, além de impor ao preso castigo físico e mental que destrói por completo a sua personalidade, o seu caráter e sua vida, o regime, por ser um instrumento que sacrifica mentalmente e fisicamente o encarcerado, produz efeitos psicológicos e psiquiátricos prejudiciais e irreversíveis, e que em nada contribuirão para a recuperação dos condenados.

Assim, nota-se os vários debates sobre o sistema prisional, se há de fato proporcionalidade, ou se é algo que vai desumanizar o apenado ao ponto de que ele não consiga mais se ressocializar, o que é também uma preocupação estatal.

Lado outro, o excelso Tribunal de Justiça de MInas Gerais, já se posicionou sobre o assunto como demonstra-se a seguir:

EMENTA: AGRAVO EM EXECUÇÃO – INCLUSÃO EM REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD) – RECURSO DEFENSIVO: INCONSTITUCIONALIDADE – AFASTAMENTO – PRECEDENTES STJ- PRINCÍPIO DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES – PREVALÊNCIA DA SEGURANÇA COLETIVA – AUSÊNCIA DE PROVAS – DESNECESSIDADE – PERICULOSIDADE DO ACUSADO – RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Em determinadas situações, os direitos fundamentais individuais podem ser relativizados quando confrontados com direitos afetos à coletividade, em observância ao princípio da ponderação de interesses, razão pela qual não há que se falar em inconstitucionalidade do art. 52 da Lei no 7.210 /1984, que dispõe sobre o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), cuja constitucionalidade, inclusive, já restou reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça. 2.Constatando-se que o agravante, já condenado por crime grave, ao ser autuado em flagrante pela prática de novo crime, reage, de forma irascível, desacatando a autoridade policial, proferindo ameaças e, ainda, bradando ser integrante de organização criminosa (PCC), a imposição de regime disciplinar diferenciado, embora de caráter extremo, é medida imperativa. (TJMG – Agravo em Execução Penal 1.0267.14.003487-2/001, Relator(a): Des.(a) Kárin Emmerich , 1a CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 15/09/2015, publicação da súmula em 25/09/2015).

Nessa senda, é possível notar que os Tribunais relativizam os direitos e garantias expressas na constituição, uma vez que, pela ponderação de interesses, o dever coletivo/social de dar uma resposta à sociedade, bem como combater o crime organizado, pode pesar mais para o Estado.

Não obstante, Nucci, apud Bruna Rocha Madureira (2020, s.n) argumenta que:

A segurança da sociedade e de outros presos deve alcançar a coletividade, porque se o preso é de alta periculosidade não deve ter o mesmo tratamento que um encarcerado comum, e sim, ter um tratamento diferenciado e disciplinar. Inclusive afirma que existe uma contradição, pois os presos já vivem em condições precárias nos presídios, porque falta assistência médica, odontológica, são misturados presos provisórios com os condenados, as celas estão superlotadas, entre outros problemas que afetam esse setor.

Assim, nas palavras do autor, o Regime Disciplinar Diferenciado é um mal necessário, uma vez que, dada a gravidade de sua conduta, o condenado ou preso provisório não pode ser mantido nas penitenciárias com os presos comuns.

Analisa-se também que o autor afirma que de qualquer forma os direitos constitucionalmente concedidos aos apenas estão violados. Isso porque, já há a superlotação dos presídios.

Na visão do autor retro (2018, p.18):

Não se combate o crime organizado, dentro ou fora dos presídios, com o mesmo tratamento destinado ao delinquente comum. Se todos os dispositivos do Código Penal e da Lei de Execução Penal fossem fielmente cumpridos, há muitos tempos, pelo Poder Executivo, encarregado de construir, sustentar e administrar os estabelecimentos penais, certamente o crime não estaria, hoje, organizado, de modo que não precisaríamos de regimes como o estabelecido pelo art. 52 desta lei.

Diante do exposto, o autor afirma que há uma defasagem na função administrativa do Poder Executivo que acaba impondo ao legislador a tomada de algumas medidas mais drásticas como a instituição do RDD para combater o crime.

Conforme entendimento de Baltazar Júnior apud Sobreira (2012, s.n):

Com a devida vênia, não há crueldade no regime disciplinar diferenciado, entendida esta como sofrimento desarrazoado e imotivado. Sem dúvida que há privação de alguns direitos assegurados aos presos em geral. No entanto, é certo que a privação é inerente à própria ideia de pena ou sanção, sendo ainda admissível em medidas com caráter cautelar.

Dessa forma, resta claro que para o autor, o instituto em comento nada tem de inconstitucional, uma vez que, não há crueldade ou tratamento desumano ao indivíduo que é submetido a tal sanção.

O autor Fernando Capez (2017, s.n), que argumenta pela constitucionalidade do RDD, afirma que o instituto foi criado para ajudar no combate ao crime organizado, bem como preza pelo princípio da proporcionalidade. Isso porque, a ofensa social que os infratores provocam, guarda equilíbrio com a sua submissão à sanção estatal retro, tendo em vista que deve haver a ponderação de interesses.

Roesel e Puhl (2022, s.n), por sua vez, argumentam sobre a constitucionalidade do RDD como se demonstra a seguir:

O Regime Disciplinar Diferenciado é um regime constitucional, caracterizado como uma sanção ou ainda uma medida de cautela que deve ser imposta quando houver necessidade e nas hipóteses previstas em lei, devendo a autoridade judiciária analisar o caso concreto com extrema cautela e aplicar o regime quando constatar o envolvimento do preso com o crime organizado, por cometer faltas disciplinares graves ou ainda pela periculosidade que ele representa para a ordem e a segurança da sociedade e do próprio estabelecimento penitenciário.

Assim, o RDD seria constitucional na visão dos autores retro, entretanto, deve o aplicador do Direito ter bastante cautela ao impor tal sanção ao apenado no caso concreto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No desenvolvimento do trabalho buscou-se demonstrar a evolução da pena e a sua finalidade, que é punir mas também educar o infrator. Assim, o agente que é submetido à uma pena, em tese, não voltaria a delinquir, pois com o cumprimento da pena, o agente seria reinserido na sociedade.

Não obstante, o presente artigo também demonstrou que o cumprimento da pena por parte de um indivíduo deve seguir os ditames da lei maior, que é a constituição. Portanto, os princípios da dignidade da pessoa humana devem ser respeitados.

Entretanto, observa-se que o legislador quando da criação do Regime Disciplinar Diferenciado, dada a urgência em instituir alguma medida que contivesse a criminalidade, não se preocupou em seguir determinados princípios existentes na Constituição Federal.

Lado outro, verifica-se que ainda que haja tais violações, a instituição do Regime Disciplinar Diferenciado não é inconstitucional, uma vez que, pelo princípio da isonomia ou igualdade material, o preso que cumpre os requisitos do instituto, sofre as consequências proporcionais à sua conduta.

Portanto, verifica-se que os princípios constitucionais não sofrem repressão com a existência do RDD. Isso porque, não se busca apenas a ressocialização do apenado, mas o Estado também tem que exercer seu poder punitivo para que se proteja a sociedade.

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