THE INCIDENCE OF HATE SPEECH ON SOCIAL NETWORKS UNDER THE JUSTIFICATION OF THE RIGHT TO FREEDOM OF EXPRESSION
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7842059
Jeová Cardoso Júnior2
Henry Guilherme Ferreira Andrade3
RESUMO: O direito à liberdade de expressão é um valor importante em sociedades democráticas, mas o discurso de ódio nas redes sociais tem levantado questões sobre como equilibrar a proteção contra a discriminação e o direito à liberdade de expressão. O discurso de ódio é definido como qualquer expressão que incite à violência ou discriminação contra um grupo de pessoas. A regulamentação do discurso de ódio é um tema controverso, pois há uma tensão entre a necessidade de proteger os indivíduos contra o discurso de ódio e a proteção do direito à liberdade de expressão. O presente trabalho tem como objetivo analisar a incidência dos discursos de ódio nas redes sociais sob a justificativa do direito à Liberdade de Expressão. Busca ainda analisar os limites da liberdade de expressão, sob a ótica da Constituição Federal, analisar o conceito de discurso de ódio e como eles podem ser identificados nas redes sociais e analisar casos em que houve a disseminação do discurso de ódio sob a justificativa da Liberdade de Expressão. A pesquisa foi desenvolvida pelo método hipotético-dedutivo, fundamentando-se em pesquisa bibliográfica. Dentro desse contexto, observou-se que a Liberdade de Expressão não é um direito absoluto, que o seu limite é justamente o discurso de ódio, a liberdade de expressão não legitima o desrespeito à dignidade da pessoa humana.
Palavras–Chave: Liberdade de expressão. Discurso de Ódio. Redes Sociais.
ABSTRACT: The right to freedom of expression is an important value in democratic societies, but hate speech on social media has raised questions about how to balance protection against discrimination and the right to freedom of expression. Hate speech is defined as any expression that incites violence or discrimination against a group of people. The regulation of hate speech is a controversial topic, as there is a tension between the need to protect individuals against hate speech and the protection of the right to freedom of expression. The research was developed using the hypothetical-deductive method, based on bibliographical research. The present work aims to analyze the incidence of hate speech in social networks under the justification of the right to Freedom of Expression. It also seeks to analyze the limits of freedom of expression, from the perspective of the Federal Constitution, to analyze the concept of hate speech and how they can be identified in social networks and to analyze cases in which there was a dissemination of hate speech under the justification of Freedom of Expression. Within this context, it was observed that Freedom of Expression is not an absolute right, that its limit is precisely hate speech, freedom of expression does not legitimize disrespect for the dignity of the human person.
Keywords: Freedom of expression. Hate Speech. Social Media.
1 INTRODUÇÃO
Ao falar acerca de direitos fundamentais relacionados à dignidade da pessoa humana, com certeza um dos mais importantes e um dos principais é o direito à liberdade de expressão. Esse direito representa uma importante conquista para a sociedade, pois foi a partir desse direito que o ser humano conseguiu a garantia fundamental de expressar suas ideias sem medo de sofrer alguma coação de caráter físico e moral.
A internet e as redes sociais são grandes ferramentas que evidenciam a importância desse direito na atual conjuntura da sociedade. As mídias sociais trouxeram a oportunidade de os indivíduos expressarem suas opiniões, suas crenças e buscarem informações de maneira prática e de fácil acesso.
O Estado, ao garantir o direito à liberdade de expressão no artigo 5° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, visou proteger a eficácia desse direito para toda a população, e surgiu a necessidade de protege-lo e garantir que todos possam usufruir desse direito livremente. Ocorre que, a liberdade de expressão não é um direito absoluto e irrestrito, seu exercício deve se limitar ao que a lei permite. No entanto, é muito comum alguns indivíduos propagarem discursos de ódio sob a justificativa de que estão em pleno gozo do direito á liberdade de expressão.
A exteriorização dos discursos de ódio justificado pela liberdade de expressão é visualizada principalmente nas redes sociais, como por exemplo no “Twitter”. Os usuários responsáveis por disseminar tais discursos acreditam que a garantia à liberdade de expressão é absoluta e que isso torna viável a propagação dos discursos supramencionados.
O presente trabalho tem por objetivo analisar os limites da liberdade de expressão em face de outros direitos fundamentais e analisar a sua relação com os discursos de ódio nas redes sociais. A pesquisa utilizou o método hipotético-dedutivo, fundamentando-se em pesquisa bibliográfica.
O primeiro tópico tem como intuito analisar a liberdade de expressão quanto um direito fundamental, com uma breve conceituação e apontamentos acerca da legislação que o positivou no ordenamento jurídico brasileiro, bem como os tratados e acordos internacionais que o Brasil é signatário e os que ratificou, sendo que tais tratados buscam garantir e proteger o direito à liberdade de expressão.
O segundo tópico da pesquisa tem como objetivo conceituar o discurso de ódio e explanar acerca da forma em que esses discursos são exteriorizados, bem como relacioná-lo às redes sociais e como eles estão presentes nas mesmas.
E por fim, o terceiro tópico tem o objetivo de explanar acerca da responsabilidade das redes sociais sobre os conteúdos divulgados, falando sobre o marco civil da internet, a responsabilidade e os termos de uso das plataformas e casos práticos.
2 LIBERDADE DE EXPRESSÃO ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL
O direito à liberdade de expressão está diretamente ligado aos direitos humanos, já que se trata de direito fundamental, positivado é assegurado às pessoas, sendo que, nosso ordenamento jurídico procura proteger e assegurar o livre exercício de tais direitos. A liberdade de expressão é essencial para a proteção da dignidade da pessoa humana, da democracia e do estado de direito. Esse direito fundamental permite que as pessoas se expressem de maneira livre e sem censura, abrangendo ainda a liberdade de buscar, receber e transmitir informações e ideias através de qualquer meio de comunicação, incluindo imprensa, internet e outras formas de mídia.
Vale salientar que a liberdade de expressão não engloba apenas o direito de se expressar sem censura, engloba ainda o direito à informação, a liberdade de pensamento, o direito à liberdade de reunião pacífica, o direito à liberdade religiosa e o direito à participação política. Esse direito ganha respaldo como base da democracia pois permite que a sociedade crie debates sobre questões importantes e tome decisões devidamente informadas. O entendimento acerca da liberdade de expressão é amplo e não se limita apenas a um ponto em específico, abrangendo assim uma gama de outras liberdades fundamentais que se encontram positivadas.
Um dos grandes movimentos responsáveis por disseminar os ideais da liberdade de expressão foi o Iluministas, que ocorreu no século XVIII, e teve como principal expoente o crítico John Locke. (AMARAL; DANTAS, 2016). No ordenamento jurídico brasileiro, a liberdade de expressão está prevista no artigo 5° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sendo um direito individual de primeira dimensão. Dentro desse artigo estão presentes algumas espécies de liberdade de expressão, que analisando de maneira geral pode ser considerada como gênero, tendo suas espécies divididas ao longo de seus incisos. (MORAES; ROMEIRA, 2020).
O inciso IV positiva a liberdade de manifestação do pensamento, o inciso IX positiva a liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação. O inciso XIV prevê a liberdade ao acesso de informações, e por fim o inciso VI que garante a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos. (BRASIL, 1988).
No âmbito internacional existem diversos tratados que em seus dispositivos contém fundamentos necessários para assegurar e aplicar o direito à liberdade de expressão. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de 1948, do qual o Brasil é signatário, em seu artigo XIX, assegura ao ser humano o direito à liberdade de expressão e de opinião (ONU, 1948). Outro documento relevante ao reconhecimento desse direito é o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, ratificado pelo Brasil através do Decreto n° 592/1992, que prevê em seu artigo 19 o direito de informar, ser informado e ter direito ao acesso à informações, sejam ela divulgadas por qualquer meio, e ressaltando também os limites para o exercício da liberdade de expressão (ONU, 1966). A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, nomeado também de Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, ratificado pelo Brasil em 1992, traz em seu artigo 13 a garantia da liberdade de pensamento e expressão (OEA, 1969). Tais estatutos têm evidente importância ao assegurar a garantia à liberdade de expressão, demonstrando que se trata de um direito relevante à toda massa mundial, que vem para abranger os indivíduos de todas as localidades do mundo, demonstrando a preocupação recorrente dos indivíduos para com suas garantias fundamentais. (MORAES; ROMEIRA, 2020).
No entanto, apesar de ser um direito fundamental, a liberdade de expressão não deve ser tratada como um direito absoluto que está acima dos demais. Importa frisar que a liberdade de expressão encontra o seu limite justamente quando esta entra em conflito com outros direitos fundamentais ou outras leis esparsas. Desse modo, é importante ressaltar que a liberdade de expressão deve ser limitada ou até mesmo mitigada em certas situações, principalmente quando se tem um encontro com outros direitos fundamentais também positivados pela Magna Carta brasileira.
O entendimento de que se trata de um direito absoluto acaba por prejudicar certas mazelas sociais, principalmente quando a liberdade de expressão é utilizada como pano de fundo para a exteriorização dos discursos de ódio. Ocorre que, nessa situação, o conflito está diretamente ligado à dignidade da pessoa humana, sendo que a liberdade de expressão jamais deverá ferir tal direito.
Ao falar em limitar a liberdade de expressão, não se discute retirar tal direito fundamental das mãos dos indivíduos e consolidar o poder das classes dominantes que governam e detém opinião dominante, mas sim o Estado relativizar o seu uso para proteger aqueles indivíduos que se encontram em situação mais vulnerável. Com a massificação do uso da internet se tornou cada vez mais comum a propagação de discursos de ódio que extrapolam os limites da liberdade, ferindo as garantias e princípios constantes do ordenamento jurídico brasileiro. (FRAGA; NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2020).
É perceptível que no atual contexto em que estamos inseridos ainda é um desafio para as democracias encontrar um equilíbrio certo entre a liberdade de expressão e outros interesses legítimos. Por isso é que se discute acerca de colocar o direito à honra, à imagem e à dignidade acima do direito à liberdade de expressão, tendo em vista que, o mais afetado nessa situação sempre será aquele cujo o discurso será dirigido, cujos direitos serão feridos naquele momento.
Sendo assim, a liberdade de expressão ilimitada e irrestrita se torna uma potencial arma para ferir os direitos inerentes à dignidade da pessoa humana. (FRAGA; NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2020).
3 O DISCURSO DE ÓDIO E AS REDES SOCIAIS
O discurso de ódio é uma problemática que infelizmente ainda está crescente, principalmente nos dias de hoje em razão do crescente uso das redes sociais, que se tornaram ferramentas de uso diário e contínuo da população. Isso gera uma grande preocupação para os governos, para as empresas de tecnologia e para a sociedade em geral. O uso das redes sociais para espalhar as mensagens de ódio e intolerância tem o potencial de prejudicar indivíduos e grupos marginalizados, bem como de criar tensões sociais e políticas mais amplas. Desse modo, é possível concluir que o aumento dos discursos de ódio no contexto das redes e das mídias sociais é um grande problema capaz de prejudicar um enorme contingente de pessoas.
A exteriorização desses discursos pode assumir várias formas como ataques baseados em raça, gênero, orientação sexual, religião, nacionalidade, entre diversas outras. Esses ataques são disseminados principalmente nas mídias sociais como Facebook, Instagram, TikTok e principalmente no Twitter. Um fator que conseguiu alavancar essa disseminação desses discursos odiosos foi a popularidade das redes sociais, que aumentou a visibilidade de tais discursos, os tornando mais acessíveis e consequentemente mais prejudiciais.
A facilidade de disseminação de informações e ideias em grande escala é um dos fatores que contribuem para o aumento dos discursos de ódio. Essa disseminação em larga escala permite que os discursos de ódio atinjam a audiência mais ampla possível, já que nessa situação a disseminação poderá ocorrer à nível mundial em muitos dos casos. Além disso, a falta de regulação efetiva das plataformas de mídias sociais torna difícil controlar e responsabilizar aqueles que espalham mensagens de ódio.
Os danos causados em decorrência dessa destilação de ódio são numerosos e muito graves. Os principais danos causados são os psicológicos e emocionais para aqueles que são alvo desses ataques, além de criar tensões sociais e políticas mais amplas. Também pode contribuir para a polarização política e a propagação de ideologias extremistas e bastante perigosas.
A facilidade com que as informações falsas e distorcidas podem ser disseminadas através dos discursos de ódio é outro problema de grande escala. As redes sociais têm sido ferramenta para espalhar desinformação e notícias falsas, o que pode acarretar ainda mais na polarização da sociedade e na tomada de decisões informadas.
Tais discursos têm efeito duradouro e prejudicial sobre as pessoas e comunidades que são alvo desses ataques. Isso leva a traumas psicológicos, isolamento social e marginalização. Observa-se que os discursos de ódio se tratam de problemas multifacetados, que exige uma resposta coordenada por parte do governo, das empresas de tecnologia e da sociedade como um todo. É importante conhecer as diversas formas de discursos de ódio e como ele se exterioriza, para que seja possível prevenir e combater essa prática.
3.1 Conceito de Discurso de Ódio
Para começar a conceituar acerca do que é o discurso de ódio, o conceito de discurso de ódio a luz da doutrina nacional, Sarmento (2006) define que o discurso de ódio trata-se do desprezo ou intolerância contra determinados grupos, motivado por preconceitos ligados à religião, gênero, deficiência física ou mental e orientação sexual, dentre diversos outros fatores. Para Waldron (2012, apud BRAGATO; SILVA, 2021) o discurso de ódio pode se configurar como expressões capazes de atingir a dignidade humana dos membros dos grupos que são alvos destas manifestações, na medida em que os ataques à reputação coletiva do grupo afetam as posições que seus integrantes ocupam dentro da sociedade. (BRAGATO; SILVA, 2021).
Os discursos de ódio também podem ser descritos como uma forma de expressão escrita ou verbal que tem como objetivo incitar o ódio, a hostilidade ou a violência contra um grupo ou um indivíduo em específico, baseado em sua entidade de grupo, como a sua raça, etnia, religião, orientação sexual, gênero, dentre outras características. Podem conter essa manifestação de ódio discursos políticos, programas de televisão, músicas e no maior meio de propagação desse tipo de discurso, como é presente o trabalho abordado até o momento, nas redes sociais.
Conforme Waldron (2012, apud BRAGATO; SILVA, 2021) existem quatro maneiras que o discurso de ódio pode ser articulado: a) alegações que imputam o cometimento de atos ilícitos ou atribuição de periculosidade ao grupo; b) caracterizações depreciativas, que provavelmente baseiam-se em opiniões sobre o grupo; c) comparações, descrições e/ou referências dos grupos a animais, contestando sua humanidade; d) avisos ou instruções que sinalizam uma restrição a entrada a locais públicos ou uma discriminação por atos/práticas do grupo. Ou seja, toda a articulação desses elementos supracitados acarreta da lesividade da dignidade humana, já que não se pretende reconhecer a igualdade, já que não se visualiza o destinatário dos discursos de ódio como um sujeito capaz de exercer plenamente os seus direitos humanos e constitucionais. (BRAGATO; SILVA, 2021).
Os grupos a quem são dirigidos os discursos de ódio, em sua maioria são os integrantes de minorias e que se encontram em estado de vulnerabilidade social e econômica, como por exemplo indígenas, negros, homossexuais, mulheres e minorias religiosas. A disseminação dos discursos de ódio se relaciona com a intimidação da vítima em suprir algum direito, por esse motivo, é direcionada a indivíduos ou grupos que estejam em destaque em debates acadêmicos ou jurisprudências. Os discursos de ódio, em sua maioria, têm algum viés político, por isso o ataque tem como objetivo deslegitimar os pleitos. (GRASSI; RUEDIGER, 2021).
Os Tratados Internacionais se tornaram documentos que visam cada vez mais coibir e punir os crimes decorrentes da exteriorização do ódio. Principalmente após as duas grandes guerras mundiais, os tratados internacionais têm cobrado cada vez mais dos Estados mecanismos legais que sejam eficazes para punir tais ações motivadas em desqualificar e desumanizar os grupos vulneráveis. No conteúdo dos tratados não existe uma definição específica do que seja o discurso de ódio, mas existe uma série de parâmetros fundamentais para a sua identificação e combate dos seus efeitos diretos e indiretos. (GRASSI; RUEDIGER, 2021).
A Carta das Nações Unidas (ONU, 1945) defende o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua e religião. No âmbito nacional, o Brasil no ano de 1992 promulga o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos (BRASIL, 1992ª) e a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (BRASIL, 1992b), sendo que tais documentos defendem que a apologia ao ódio racial, nacional e religioso se tornasse um crime legalmente punível. O Brasil deu a esses dois tratados força de lei no país. (GRASSI; RUEDIGER, 2021).
A Declaração e o Programa de Ação da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata (2001), requereu dos países mais medidas preventivas e protetivas ao invés de medidas punitivas, elencou diversas formas de manifestação desses discursos e estabeleceu ainda que para o efetivo combate ao ódio seria necessária uma multiplicidade de atores agindo em prol dessas causas. Um importante destaque da declaração é o papel das diferentes mídias na disseminação do ódio, especialmente as mídias digitais. No artigo 147 do Plano de Ação, é cobrado aos países que ao garantirem a liberdade de pensamento e de expressão, que adotem e apliquem uma legislação adequada para se ajuizar os responsáveis pela disseminação e incitação ao ódio racial ou à violência através das novas formas de informação e tecnologias e comunicação, inclusive a internet. (GRASSI; RUEDIGER, 2021).
No Brasil, a Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) é uma Constituição que visa proteger e privilegiar a liberdade de expressão, no entanto, no Brasil é crime a discriminação por raça, cor, religião, etnia e procedência nacional, nos termos da Lei n° 7.716 (BRASIL, 1989), que torna punível também atos divulgadores do nazismo. Os casos de discurso de ódio costumam ser julgados à luz da Constituição Federal (BRASIL, 1988), com fundamento no artigo 1°, que preceitua a dignidade da pessoa humana, e no artigo 5°, que trata da igualdade perante a lei e inclui a igualdade de gênero e a não submissão a tratamento desumano ou degradante. O Código Penal (BRASIL, 1940) tipifica o crime de injúria, agravado pela Lei n° 10.741 (BRASIL, 2003) quando consta de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. No que tange o ambiente virtual, o dispositivo mais importante no ordenamento jurídico brasileiro é o Marco Civil da Internet, que entrou em vigor com a aprovação da Lei n° 12.965 (BRASIL, 2014). (GRASSI; RUEDIGER, 2021).
3.2 Redes Sociais
As redes sociais são um meio de comunicação que permite às pessoas compartilharem informações, ideias e opiniões com um grande número de usuários em todo o mundo. Essas redes são estruturas sociais compostas por pessoas ou organizações que estão conectadas entre si por meio de laços sociais, como amizade, parentesco, interesse sem comum, entre outros. O conceito de redes sociais também está ligado a plataformas online que permitem que os usuários criem perfis pessoais e se conectem com outros usuários, compartilhando informações, ideias e interesses.
A rede social se tornou uma ferramenta fundamental para a comunicação e construção das relações sociais entre as pessoas. Elas permitem que pessoas se conectem com amigos, familiares, bem como com pessoas de diferentes culturas, origens e localização geográfica. É um meio para que as pessoas compartilhem informações e ideias em larga escala, o que pode gerar um impacto significativo na cultura, política, economia e sociedade em geral.
As redes sociais se tornaram uma importante ferramenta para observação e compreensão da cultura digital e da democracia da sociedade contemporânea, elas passaram a ser plataformas que conectam os usuários das redes, os anunciantes e os desenvolvedores, fazendo com que gere efeitos nas redes em que o valor aumenta para todas as partes à medida que mais pessoas a utilizam. (FRANCISCO; SAMPAIO; SILVA, 2021)
A definição de redes sociais para Van Djick et al (2018, apud FRANCISCO; SAMPAIO; SILVA, 2021, p. 7) consideram como plataforma infraestruturas digitais estruturadas por dados, organizadas por algoritmos e governadas por relações de propriedade, com normas e valores inscritos em seus desenhos. Um termo utilizado para exemplificar a relação entre os indivíduos, a sociedade e as redes sociais é a “plataforma zação da sociedade”, já que ocorre muito dessa dependência de diversos setores da sociedade, como transporte e educação, em relação às empresas de tecnologia. (FRANCISCO; SAMAPAIO; SILVA, 2021).
No entanto, existem algumas características presentes nos ambientes digitais que podem contribuir para a prática e a circulação dos discursos de ódio, considerando as especificidades das mídias digitais e as formas de organização humana. Algumas características das mídias digitais são componentes importantes para a proliferação dos discursos de ódio, tais como a anonimidade, a invisibilidade, a criação de comunidade por afinidade (inclusive o ódio) sem barreiras geográficas, baixo custo de tempo e dinheiro para veiculação desse tipo de discurso e a instantaneidade que os meios digitais possibilitam. (GRASSI; RUEDIGER, 2021).
Com essa facilidade de manifestação dos discursos de ódio nas redes sociais, se tornou função das empresas responsáveis por administrar as redes, monitorar e remover o conteúdo do discurso de ódio, mas pode ser difícil realizar essa tarefa. As empresas usam algoritmos para remover conteúdos impróprios presentes em suas plataformas, porém, o algoritmo além de não ser perfeitamente preciso, encontrar um obstáculo quando a manifestação de idéias odiosas vem disfarçado em um discurso político ou principalmente na liberdade de expressão, sendo mais difícil entender o que é aceitável ou não.
3.3 O Discurso de Ódio na Rede
A principal característica presente nas redes sociais é a livre manifestação dos pensamentos e de ideias. Esse é um fator que gerou efeitos e aspectos positivos para a sociedade, principalmente no que se refere ao direito à liberdade de expressão. As redes sociais se tornaram um espaço democrático em que o indivíduo tem o poder de se manifestar politicamente, criar objeções em relação às atitudes abusivas e cobrar uma postura ética de organizações e instituições sociais. Porém, é necessário entender que a liberação total da disseminação de argumentos, dados e informações podem ocasionar conflitos de ordem étnica, cultural, de gênero e religiosa, já que as redes sociais compõem um ambiente dinâmico que agrega indivíduos com diferentes visões e ideias e tem uma enorme amplitude em comparação a vivência presencial, já que ultrapassa os limites geográficos e culturais, propiciando a criação de um perfil público que possibilita ao usuário criar e fortalecer vínculos por meio de diversas conexões. (MELLO E MARQUES; NOBRE, 2021).
A questão dos discursos de ódio é anterior à internet, mas a proliferação das mídias digitais e a intensificação do seu uso trouxeram essa dinâmica para dentro das redes. Antes as práticas do discurso de ódio eram específicas de um nicho, no entanto agora é uma prática bem mais visível. (GRASSI; RUEDIGER, 2021).
Algumas características como a anonimidade e a invisibilidade, conforme dito no tópico anterior, são características importantes que contribuem para a proliferação dos discursos de ódio. Tais características são responsáveis por potencializar e explicar o discurso de ódio nas redes. A anonimidade dos usuários, apesar de não ser total, é vista no tocante a falta de responsabilização dos autores pelo discurso de ódio, já que diminui a possibilidade de reação ou confronto entre o agressor e a vítima, tornando difícil penalizar ou sequer encontrar quem foi o responsável pelo fato. E a invisibilidade, que se caracteriza pela não presença visual do agressor e da vítima, tornando mais fácil de serem realizados os ataques, uma vez que o autor não verá o efeito de seus ataques sobre a vida da vítima. (GRASSI; RUEDIGER, 2021).
A facilidade com que as redes sociais juntaram comunidades com os mesmos interesses, afinidades e que cultivam um sentimento de pertencimento em torno de características e interesses comuns de sujeitos de origem geográfica distintas, é um dos fatores responsáveis pela proliferação dos discursos de ódio. Grupos organizados com a intenção de disseminar o ódio conseguem a partir da internet ampliar a maneira como vão agir e recrutar novos apoiadores e colaboradores para a sua causa. É a partir desse espaço que é possível criar e alimentar o sentimento dessas comunidades, sendo o responsável por estreitar os laços e os sentimentos, tornando possível o aumento de projeção dos grupos de ódio a partir do engajamento de seus membros. (GRASSI; RUEDIGER, 2021).
Uma característica da própria internet e das redes sociais é o seu algoritmo e os filtros online. Essas ferramentas são responsáveis por analisar o que o usuário consome e o que gosta de consumir e qual conteúdo é parecido e provavelmente irá agradar o utilizador da plataforma. Com essas informações a rede consegue fazer um perfil do usuário com o que ele gosta e o que ele irá gostar de ver depois, personalizando a busca e o que o usuário vai ver na sua “timeline”. Essas adaptações que são feitas pelas próprias redes sociais permitem criar um ambiente onde o usuário apenas vai ver aquilo que seja de seu interesse. (MELLO E MARQUES; NOBRE, 2021).
Então, a partir do que o algoritmo e os filtros conhecem acerca do usuário, a rede social vai alimentar o usuário com as notícias e publicações de pessoas que possuem uma compatibilidade de acesso à conteúdos semelhantes. Sendo assim, os conteúdos publicados na rede são compartilhados de forma intensificada, por isso quando um usuário publica alguma coisa ele se torna muito abrangente. Isso ocorre também com as mensagens violentas que incentivam a intolerância, e com a grande propagação dessas mensagens, surge o discurso de ódio. (MELLO E MARQUES; NOBRE, 2021).
4 A RESPONSABILIDADE DAS REDES ACERCA DO DISCURSO DE ÓDIO
Como bem explanado ao longo do presente trabalho, a liberdade de expressão não se configura como um direito absoluto, tendo vários fatores que limitam o exercício desse direito, principalmente quando ele entra em colisão com outros direitos fundamentais. O choque entre o discurso de ódio e a liberdade de expressão é um dos fatores que limitam o exercício da liberdade de expressão. Quando esses discursos são proferidos nas redes sociais, se torna de responsabilidade das plataformas monitorar, regular e remover esses discursos de suas plataformas.
Pelo fato de ser de fácil acesso a todos, pensava-se que as redes sociais eram um local onde não existiam regras, por isso é muito comum que os discursos de ódio sejam manifestados por essas plataformas, em razão de ser um espaço mais livre. Ocorre que, as empresas administradoras dessas plataformas têm implementado cada vez mais políticas para impedir que ocorra essa disseminação de discursos de ódio que estão presentes nos seus termos de uso. Essas políticas que são chamadas de termos de uso das plataformas digitais são os documentos que dispõem sobre as formas de funcionamento das plataformas e sobre as regras de utilização às quais os usuários estão sujeitos (GRASSI; RUEDIGER, 2021).
Por mais que as redes sociais estabeleçam suas políticas para que todos os usuários usem a plataforma de maneira adequada e saudável, ainda é um desafio aplicar sanções específicas e que de fato tenham algum efeito jurídico e social. O direito tradicional, tal qual conhecemos, tem certa dificuldade em ser aplicado aos casos de discurso de ódio nas redes sociais, tendo em vista que a relação entre autor, empresa responsável pela publicação e consumidor não é bem clara no mundo virtual (FABRIZ; MENDONÇA, 2022).
As redes sociais têm uma grande responsabilidade em restringir a disseminação dos discursos de ódio em suas plataformas, porém isso é um desafio, principalmente quando as políticas presentes em suas plataformas não são efetivamente cumpridas e as penalizações são quase inexistentes e pouco efetivas. É importante que as plataformas alinhem esforços com o governo para que as políticas de uso sejam efetivamente cumpridas e quem por ventura desrespeitá-las, seja penalizado pelo ato. O discurso de ódio não se trata apenas de uma inobservância das políticas de uma plataforma, se trata de uma prática mais perigosa que isso e deve ser combatido de maneira mais efetiva.
4.1 O Marco Civil da Internet
Em 2009 foi apresentado um texto, redigido pelo Ministério da Justiça em parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade, que tinha por objetivo criar uma codificação para reger a utilização da Internet no Brasil. Em razão dos debates e da participação da população no processo colaborativo, a Presidente Dilma Rousseff enviou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.126/2011. Mas foi apenas em 23 de março de 2014 que o texto foi aprovado e sancionado, sendo o Marco Civil da Internet a Lei nº 12.965/2014 (PEREIRA SILVA; DE MEDEIROS JORDÃO, 2020).
Essa lei veio assentar os princípios, as garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, sendo responsável também por determinar as diretrizes para atuação da Administração Pública Direta, possibilitando a judicialização dos casos de abusos aos direitos e fixando os deveres para os provedores e usuários no Brasil. Garantiu também a livre aderência e participação de todos na rede como significado de pleno exercício da cidadania (PEREIRA SILVA; DE MEDEIROS JORDÃO, 2020).
A lei ainda se preocupou em definir a responsabilidade civil em possíveis casos de danos e violações em decorrência do mau uso das redes, que causam ofensa à honra, à reputação ou a direitos da personalidade. Há também a previsão de retirada forçada e rápida de algum conteúdo mediante Decisão Judicial (PEREIRA SILVA; DE MEDEIROS JORDÃO, 2020).
Com a possibilidade de retirada do conteúdo a partir de uma decisão judicial, acreditava-se que isso poderia ser uma forma de censura. Ocorre que a lei se preocupou em respeitar o direito fundamental à Liberdade de Expressão e demais garantias previstas no artigo 5º da Constituição Federal, como forma de evitar a censura. A possibilidade de retirada dos conteúdos tem por objetivo garantir a possibilidade de punição em razão dos excessos e abusos cometidos no âmbito digital e educar com base nos princípios assegurados a todos os indivíduos, demonstrando assim que nenhum direito é absoluto frente a outro direito (PEREIRA SILVA; DE MEDEIROS JORDÃO, 2020).
No entanto, o Marco Civil da Internet sofre algumas críticas quanto a sua composição e sua aplicabilidade. Ocorre que, alguns dos 32 artigos que compõem a lei são normas de eficácia limitada, sendo que não tem aplicabilidade direta e imediata. Existe ainda uma vertente que acredita que a lei deixou muitas brechas e que deveria ser mais clara, sem deixar a possibilidade de dúvidas e interpretações (PEREIRA SILVA; DE MEDEIROS JORDÃO, 2020). Outra clara crítica é a de que a lei não possui impacto direto no Código Penal, de maneira que não visa a criminalização de determinados atos que ocorrem nos espaços online (SOUZA, 2022).
O fato é que, o Marco Civil da Internet se tornou um instrumento de grande importância para regular o uso da internet no Brasil, garantindo a liberdade, a privacidade e a segurança dos usuários na internet. Porém, é importante destacar que o combate aos discursos de ódio deve ser mais enérgico, e as sanções devem ser efetivadas e aplicadas. A proteção e a garantia também deve acontecer para aqueles usuários que estão sendo lesados com o uso inadequado das plataformas digitais.
4.2 A Responsabilidade das Redes e os Termos de Uso
Cada rede social possui políticas próprias e específicas para o seu uso. As interações decorrentes das redes sociais são moldadas a partir dessas políticas estabelecidas para a rede. Essas políticas que moldam as interações nas redes são os Termos de Uso que estão presentes em cada uma dessas plataformas. Conforme já explanado em trecho acima, os Termos de Uso são documentos que dispõem sobre a forma de funcionamento das plataformas e sobre as regras de utilização às quais os usuários estão sujeitos (GRASSI; RUEDIGER, 2021).
Por mais que os usuários não leiam e nem saibam o que está disposto nos Termos de Uso, é a partir dele que os usuários irão seguir as diretrizes da comunidade, já que antes de usar qualquer uma das redes sociais é obrigatório a concordância com os Termos de Uso. Os usuários devem seguir essas diretrizes, caso não sigam, algumas penalidades poderão ser aplicadas (GRASSI; RUEDIGER, 2021).
Com relação ao discurso de ódio, é justamente nos Termos de Uso e diretrizes da comunidade que são encontradas as definições do que são esses discursos para cada rede social, a tolerância da rede em relação a eles e a forma como eles encaram a liberdade de expressão frente a proteção dos demais usuários da rede. Por serem plataformas diferentes, não há um consenso sobre o que é o discurso de ódio para todas elas, todas as plataformas têm um entendimento diferente acerca dos discursos (GRASSI; RUEDIGER, 2021).
Plataformas como o Twitter, Facebook e Instagram possuem mecanismos automatizados para a detecção de discursos de ódio dentro da plataforma, porém o mecanismo mais utilizado para que seja detectado tais discursos é a denúncia de outros usuários. Posterior a denúncia, o conteúdo será analisado de forma contextual por moderadores. Essas três plataformas são signatárias de um acordo de combate ao discurso de ódio liderado pela Liga Anti-difamação, uma organização sem fins lucrativos dos Estados Unidos. Essas plataformas se comprometeram em analisar de forma comprometida as denúncias e relatos de discurso de ódio em tempo hábil, explicar de forma clara como realizam a moderação para os seus usuários, aplicar as sanções previstas de forma consistente e justa e ofertar formas simplificadas de denúncia de conteúdo de ódio (GRASSI; RUEDIGER, 2021).
Essas plataformas mantêm em comum como diretrizes nos seus Termos de Uso o repúdio aos discursos de ódio. As plataformas também mencionam características ou categorias protegidas e grupos específicos. O Instagram não delimita muito bem os grupos. Já o Facebook, Twitter e YouTube fornecem uma lista com os grupos e categorias que estão protegidos, variando em idade, gênero, orientação sexual, etnia, raça, religião e situação de imigração. O Facebook e o Twitter incluem características físicas e doenças, o Twitter fala das comunidades marginalizadas e historicamente sub-representadas, e o YouTube considera ainda classe social e veteranos de guerra como grupos e categorias protegidas (GRASSI; RUEDIGER, 2021).
Considerando especificamente o Twitter, conforme o disposto na sua Central de Ajuda (2023) não é permitido promover violência, atacar ou ameaçar outras pessoas com base em raça, etnia, nacionalidade, orientação sexual, sexo, identidade de gênero, religião, idade, deficiência ou doença grave. Desse modo, a plataforma assume o compromisso em combater o assédio motivado por ódio, preconceito ou intolerância, particularmente aquele que tem o objetivo de silenciar quem é historicamente marginalizado. A plataforma proíbe esses comportamentos com base em seu pertencimento a essas categorias protegidas (TWITTER, 2023).
O Twitter reconhece o direito à liberdade de expressão, porém o respeito aos grupos protegidos também deve ser assegurado. O que viola as políticas da plataforma é a referência de propagação de ódio, incitação ao ódio, xingamentos repetidos, desumanização, imagens de propagação de ódio e perfil de propagação de ódio (TWITTER, 2023).
Conforme as diretrizes do Twitter, eles irão tomar providências em relação aos discursos direcionados aos grupos protegidos. Algumas medidas a serem tomadas por parte da plataforma em caso de disseminação de discurso de ódio são: Rebaixamento de Tweets em respostas, exceto quando o usuário seguir o autor do Tweet; Tornar os Tweets não qualificados para amplificação dos principais resultados de busca e/ou nas timelines de usuários que não sigam o autor do Tweet; Exclusão dos Tweets e/ou contas em e-mails ou recomendações de produtos; Solicitação da remoção do Tweet; e suspensão de contas que violam a Política de Propagação de Ódio (TWITTER, 2023).
É possível perceber que as redes sociais, especificamente o Twitter, tem em suas diretrizes e Termos de Uso, políticas para proteger os grupos que possam ser alvos dos discursos de ódio e restringir a disseminação do mesmo dentro das plataformas, aplicando sanções e penalidades. Ocorre que as penalidades aplicadas não afetam diretamente quem está proferindo os discursos, as penalidades afetam diretamente apenas dentro da plataforma sem que o indivíduo que praticou o ato sinta a efetiva penalidade. Nessas situações não ocorrem as sanções no âmbito jurídico, fazendo com que o autor do fato não sofra nenhuma sanção civil ou penal.
4.3 Exemplos de Casos
O presente tópico passará a apresentar casos em que houve a disseminação dos discursos de ódio sob a justificativa da Liberdade de Expressão. Abaixo terão algumas jurisprudências com casos de indivíduos que abusam do direito à Liberdade de Expressão e disseminaram os discursos de ódio embasados em tal direito. As pesquisas foram feitas pela plataforma “JusBrasil”, com a ferramenta de buscar jurisprudências com as palavras-chave: “Liberdade de Expressão”, “Discurso de Ódio” e “Redes Sociais”.
O primeiro caso trata-se do julgamento do Agravo de Instrumento, que fora julgado no dia 31 de março de 2021 pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que teve como Relator o Desembargador Alfredo Attie:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. Decisão interlocutória que indefere pedido de tutela de urgência. Agravante que teve seu canal de jogos eletrônicos (“Xbox Mil Grau”) na plataforma de “streaming” denominada “Twitch.tv” suspensa e, posteriormente, desativada, após intensos protestos de usuários, em diversas plataformas da internet, pela propagação, pelo agravante e por seu parceiro de canal, de discursos racistas, homofóbicos e misóginos, no contexto envolvendo protestos anti racistas nos Estados Unidos no ano de 2020. Pedidos de desbloqueio da conta e de devolução de valores bloqueados, em razão de relação contratual de prestação de serviços (“monetização”). Alegação de violação aos termos contratuais pela agravada. Liberação dos valores. Matéria prejudicada. Acerto da decisão recorrida quanto à manutenção do bloqueio da conta. Ausência dos requisitos do art. 300 do CPC/2015. Elementos de prova que indicam a prática de discursos de ódio racista, homofóbico e misógino por parte do agravante e, especialmente, de seu parceiro no canal, conforme inclusive admitido pelo agravante. Agravada que juntou, aos autos, trechos de falas do próprio agravante, cuja autenticidade não foi negada em réplica. Discurso de ódio, mediante prática de discriminação racial que, no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, além de ser terminantemente vedado, deve ser repelido pelos Estados partes, conforme a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial e pela Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, recentemente internalizada, após a adoção, pela Câmara e pelo Senado, do rito previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, ou seja, com equivalência de Emenda Constitucional. Ordem jurídica nacional que também revela a repulsa à discriminação racial, conforme o art. 4º, VIII e art. 5º, XLII, ambos da Constituição Federal, este último prevendo, inclusive, que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Ausência de violação à liberdade de expressão no encerramento do canal do agravante. O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o “direito à incitação ao racismo” (STF, HC82424, “Caso Ellwanger”). Violência de gênero, misoginia e possível prática de homofobia também vedados pelo ordenamento jurídico, tanto no âmbito internacional (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, Convenção de Belém do Pará e Princípios de Yogyakarta), quanto nacional. Determinação de remessa de cópia dos autos ao Ministério Público, para a adoção das medidas cabíveis, ante a possível prática de, pelo menos, o crime do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Determinação para retirada do sigilo dos autos, ante a ausência das hipóteses caracterizadoras do segredo de justiça. RECURSO, NA PARTE CONHECIDA, NÃO PROVIDO, COM DETERMINAÇÃO.
(TJ-SP – AI: 22050708220208260000 SP 2205070-82.2020.8.26.0000, Relator: Alfredo Attié, Data de Julgamento: 30/03/2021, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/03/2021)
No caso acima o agravante Christoph Sena Schlafner teve o seu canal de jogos eletrônicos, o “Xbox Mil Grau”, na plataforma de streaming Twitch, suspenso e depois desativado em razão de o agravante e seu parceiro terem propagado discursos racistas, homofóbicos e misóginos, no contexto envolvendo os protestos anti racistas nos Estados Unidos no ano de 2020. A parte agravada juntou aos autos os trechos de falas do próprio agravante, sendo que o mesmo admitiu ter praticado os atos. A decisão fundamenta que a prática dos discursos de ódio é terminantemente vedada e deve ser repelido pelo Estado, sendo que o ordenamento jurídico nacional repulsa qualquer prática de discriminação racial. Sendo assim, o entendimento foi de que não houve violação ao direito de Liberdade de Expressão no encerramento do canal do agravante, sendo que o preceito fundamental da Liberdade de Expressão não consagra o direito à incitação ao racismo.
O segundo caso trata-se do julgamento de Embargos Infringentes e de Nulidade pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo o relator o Desembargador Otávio de Almeida Toledo, e a embargante já houvera sido processada e condenada pelo crime previsto no artigo 20, § 2° da Lei n° 7.716/89:
Embargos Infringentes. Artigo 20, § 2º, da Lei nº 7716/89. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Oposição que visa a fazer prevalecer o voto vencido, que absolveu a ré. Impossibilidade. Discurso com teor preconceituoso e discriminatório e menção à segregação de nordestinos. Ataque frontal e ilícito contra grande parte da população nacional, utilizando como núcleo sua origem geográfica. Prevalência do princípio da dignidade da pessoa humana em detrimento da liberdade de expressão da embargante. Ponderação. Necessidade e adequação da medida, a fim de se combater discursos de ódio. Dolo configurado. Condenação mantida. Embargos rejeitados.
(TJ-SP – EI: 00255741620168260050 SP 0025574-16.2016.8.26.0050, Relator: Otávio de Almeida Toledo, Data de Julgamento: 05/10/2021, 16ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 07/10/2021)
A embargante foi condenada pelo crime previsto no artigo 20, § 2° da Lei 7.716/89, que constitui o crime de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, sendo o crime cometido por meio da sua página na rede social Facebook. A embargante publicou insultos em sua rede social contra pessoas do norte e nordeste após as eleições de 2014, onde a mesma afirma que as pessoas dessa região deveriam ser separadas das demais regiões do país. Ao rejeitar os embargos, o Relator fundamentou sua decisão postulando que a igualdade e a dignidade da pessoa humana constituem limitações externas à liberdade de expressão, que não pode e nem deve ser exercida com o propósito de veicular práticas criminosas que visam estimular e fomentar situações de intolerância e ódio público. Afirma ainda que não deve prevalecer a ideia de que o espaço da internet e as condutas praticadas dentro desse espaço estejam fora do alcance da lei, tendo o Estado um papel determinante em restringir e dar tratamento devido a essas práticas.
O terceiro caso se trata do julgamento de um Agravo de Instrumento pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo como relator a Desembargadora Ana Zomer, e o agravante é Bruno
Monteiro Aiub, mais conhecido na internet pelo nome “Monark”, que defendeu durante a apresentação de um podcast no canal Flow Cast a criação de um partido nazista no Brasil. Diante disso ele teve o seu canal suspenso e desmonetizado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
Desmonetização de página da plataforma Youtube, pertencente ao ora agravado Google. Conteúdo retirado do ar pelo canal Flow Cast. Desmonetização do canal pessoal do agravante. Suspensão. Decisão que indeferiu a tutela de urgência para retomar a monetização. Inconformismo do requerente, que recorre com o pedido de concessão da liminar. Não há acolhimento. Desmonetização como instrumento de sanção para respeito aos termos de uso da plataforma. Previsão expressa nos termos de serviço. Divulgação ampla e acessível na rede mundial de computadores. Conteúdo propagado pelo agravante que agride o ordenamento. Sugestão de fundação de partido nazista. Propagação de símbolos e ideologia nazistas criminalizados em lei. Desmonetização como instrumento de desestímulo à desinformação e ao discurso de ódio. Decisão mantida. Recurso não provido.
(TJ-SP – AI: 22140062820228260000 SP 2214006-28.2022.8.26.0000, Relator: Ana Zomer, Data de Julgamento: 14/02/2023, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/02/2023)
O recurso impetrado pelo agravante tinha o objetivo de voltar a monetizar o seu canal pessoal após ele defender a criação de um partido nazista, já que existe um Partido Comunista Brasileiro no país. Tendo em vista esse discurso, e o desrespeito aos termos de serviço do Google, e logicamente o desrespeito ao ordenamento jurídico brasileiro, a plataforma optou por desmonetizar o seu canal, sendo que ele poderia continuar a postar seus vídeos, mas não receberia a monetização pelos mesmos. Ao fundamentar o não provimento do Agravo, a relatora esclarece que a criação de um partido nazista ofende de maneira manifesta a Constituição Federal, no momento em que incentiva desrespeita um dos principais fundamentos da República, que é a dignidade da pessoa humana. Dessa forma, o comentário do agravante vulnera e ultraja a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que sempre visou garantir a dignidade da pessoa humana. Por fim, ainda reafirma que a Liberdade de Expressão não é um direito absoluto e que cabe ao indivíduo observar as regras de civilidade e convivência. Decidiu então que não houve nenhum excesso ou censura por parte da plataforma Google, sendo que a plataforma apenas cumpriu com as diretrizes e políticas que se obrigou a proteger.
5 CONCLUSÃO
Diante das complexidades envolvidas na análise da relação entre Liberdade de Expressão e discurso de ódio nas redes sociais é possível concluir que, embora a Liberdade de Expressão seja um direito fundamental que está presente na Constituição Federal de 1988, ele não se trata de um direito absoluto que está acima de todos os outros. Principalmente quando está na relação à dignidade da pessoa humana, não se deve encarar a liberdade de expressão como absoluto e ilimitado. O discurso de ódio representa uma limitação importante a esse direito.
O discurso de ódio nas redes sociais é um fator que merece destaque nos dias de hoje, já que a sua disseminação afeta de maneira contundente as massas. Com o uso da internet sendo considerado um direito social de todos, houve a necessidade de regular e proteger as relações que surgem por meio das redes sociais. O Marco Civil da Internet surgiu justamente para fazer essa regulação e proteção dos indivíduos que estão utilizando a internet e as redes sociais.
Diante disso surgiu a necessidade de proteger os grupos vulneráveis e promover uma sociedade mais justa e igualitária. Sendo assim, é importante entender que a Liberdade de Expressão não legitima os ataques e o desrespeito às pessoas, seja pela sua cor, pela sua orientação sexual, pelo seu gênero, etnia, raça, nacionalidade, classe social, dentre diversos outros grupos vulneráveis. A Liberdade de Expressão deve ser entendida como o direito à informação, a de ter um posicionamento político diferente, o de expor informações essenciais em qualquer meio de comunicação. Esse direito deve ser sempre compreendido como um direito que veio para o bem e não para legitimar ataques e manifestações de ódio.
Além disso, é importante que as redes sociais assumam a responsabilidade de monitorar e remover os conteúdos prejudiciais, enquanto garantem a transparência e a equidade em seus processos de moderação. E cabe ainda ao poder público aplicar as devidas sanções no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, para que os usuários responsáveis por disseminar os discursos de ódio sejam responsabilizados na esfera civil e criminal.
Em suma, a discussão sobre a Liberdade de Expressão e os discursos de ódio nas redes sociais é essencial para o fortalecimento da democracia e dos direitos humanos na era digital.
REFERÊNCIAS
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1Artigo apresentado ao Curso de Bacharelado em Direito do Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão – IESMA/Unisulma.
2Acadêmico do curso de Bacharelado em Direito do Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão – IESMA/Unisulma. E-mail: jeovajr09@gmail.com.br
3Professor Orientador. Especialista em Direito Civil e Empresarial. E-mail: henryguilherme.f@gmail.com.br