A IMUNOTERAPIA E SUA APLICABILIDADE NA ONCOLOGIA: UMA REVISÃO LITERÁRIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8423437


Gustavo Hideto Marubayashi 1
Jean Carlos Fernando Besson 2


Resumo

O câncer é uma doença de incidência mundial causada pela proliferação celular desregulada, podendo ser classificada de acordo com seu tipo e localização, tendo uma alta incidência e morbimortalidade mundial. Ademais, sua terapêutica se encontra limitada devido a diversas características adquiridas pela doença, que utiliza-se de algumas alterações funcionais para sua instalação e desenvolvimento, os chamados Hallmarks do câncer. Além disso, o tratamento oncológico atua de maneira agressiva, como a quimioterapia e radioterapia, levando muitas vezes a inúmeros efeitos colaterais e alta toxicidade, que acarretam diretamente a uma pior qualidade de vida. Sendo assim, o estudo do sistema imune ao combate do câncer trouxe novas perspectivas terapêuticas para o tratamento da doença, visto que compreende um componente chave no combate ao processo neoplásico, podendo por vezes combater o tumor. Entretanto, estudos demonstram que o câncer adquire inúmeras características que possibilitam a evasão do sistema imune, principalmente através da imunoedição. Posto isto, a imunoterapia é um campo estudado que vem sendo utilizado para o tratamento oncológico com boas respostas, tendo menor toxicidade e efeitos colaterais quando comparados a quimioterapia e radioterapia, além da possibilidade de atuação mútua, potencializando seus resultados. Assim, a imunoterapia atua em conjunto com o sistema imune, possibilitando a realização de seus mecanismos adequadamente, tendo como principal característica sua maior especificidade aos componentes neoplásicos. Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo integrar os estudos da literatura que englobam as características da doença e os mecanismos terapêuticos da imunoterapia.

Palavras-chave: Imunoterapia; Câncer; Hallmarks; Imunoedição.

Introdução

Epidemiologicamente, o termo “câncer” constitui um grupo de doenças malignas que, em conjunto, possuem alta incidência mundial (Instituto Nacional de Câncer, 2019). Tal grupo está entre as quatro principais causas de morte abaixo dos 70 anos e, dessa forma, é considerado um problema de saúde pública global. Outrossim, cabe salientar que, segundo uma estimativa mundial realizada em 2018, houve cerca de 18 milhões de novos casos de câncer, bem como, 9,6 milhões de óbitos no mesmo ano, fato que reforça a notabilidade da doença (INCA, 2019).

         Ademais, a fisiopatologia neoplásica apresenta como principal propriedade, a proliferação celular exacerbada proveniente de alterações em seus genes, seja por mutação pontual ou por um conjunto de mutações, resultando na interferência dos mecanismos regulatórios da multiplicação celular. Como essa maquinaria celular se apresenta falha, pode ocorrer a transformação de proto-oncogenes (inativos em células saudáveis) em oncogenes, ou ocorrer a inibição de genes supressores de tumor. Dessa forma, tais mudanças levam ao desenvolvimento da neoplasia (SILVA et al., 2021).          É preciso salientar, entretanto, que apesar da alta incidência destacada em momento anterior, para que a proliferação descontrolada de células aconteça e a doença progrida, existem dificuldades fisiológicas que precisam ser enfrentadas para a progressão da doença, sendo a primeira relacionada à própria genética, a qual utiliza mecanismos de reparo do DNA. Todavia, não obstante à grande capacidade de reparo genético que possuímos, não afasta-se a possibilidade de falhas destes mecanismos, as quais podem encaminhar à uma multiplicação celular desordenada, dando continuidade ao processo da doença, que por vez, enfrenta novos obstáculos para seu avanço, obstáculos estes que, por hora, são contornados por um conjunto de características da doença que contornam suas dificuldades para a sobrevivência, os chamados “hallmarks” do câncer (COELHO et al., 2018).

         Portanto, Hanahan e Weinberg (2000), fizeram sua primeira postulação sobre a teoria de que haviam 6 mecanismos derivados da aquisição de um conjunto de capacidades funcionais pelas células humanas que influenciam na sobrevida para posterior malignização. Fazem parte dos 6 mecanismos: A autossuficiência para sinais de crescimento; Insensibilidade a sinais de inibição de crescimento; Evasão da apoptose; Potencial replicativo ilimitado; angiogênese sustentada; E a Invasão tecidual e metástase.

Outrora, Hanahan e Weinberg (2011), identificaram a necessidade de adicionar novos mecanismos para sua hipótese, sendo dois deles, assim como os anteriormente citados, relacionados à aquisição de capacidades funcionais, como a: Reprogramação do metabolismo celular; E evasão do sistema imune. Além destes citados, outros dois outros mecanismos foram postulados, Porém, agora relacionados à capacidades habilitantes, como: instabilidade genômica; e a promoção de inflamação pelo tumor. Sendo assim, torna-se de grande importância o conhecimento sobre os “hallmarks” do câncer, o qual tem por finalidade elucidar os mecanismos envolvidos na sobrevivência das células tumorais em meio ao combate feito pelo próprio organismo, explicando uma parte fundamental do domínio das células tumorais em relação às tentativas de combate sobre as mesmas. Adiante, após instalação neoplásica no organismo, deve-se pensar no tratamento para esta, uma vez que nos dias atuais é possível encontrar diferentes métodos terapêuticos, tais como: cirurgia; quimioterapia; radioterapia; e imunoterapia. Ademais, é possível realizar combinações terapêuticas para maior eficiência, visto os desafios que podem ser enfrentados por determinados métodos a depender do tipo e localização tumoral. Em consequência, como citado anteriormente, os métodos disponíveis possuem limitações para sua realização, além de efeitos colaterais que diminuem a qualidade de vida do enfermo e dificultam a terapêutica da doença (SILVEIRA et al., 2021).

Dessarte, a imunoterapia age estimulando o sistema imunológico do próprio paciente por diversos mecanismos, pois, como já mencionado, para que o tumor progrida, há alguns hallmarks que envolvem a subversão das células de defesa pelas células cancerígenas, dificultando sua eliminação. Sendo assim, a imunoterapia age auxiliando o organismo a combater o tumor sinalizando-o para o sistema imune, ou recrutando e estimulando células a destruírem-no (SILVA et al., 2021).

Posto isto, a imunoterapia mostrou ser um recurso diverso, por suas numerosas combinações com outros métodos, e eficaz devido ao controle de seus efeitos colaterais e toxicidade, que se mostram inferiores e menos agressivos quando comparados a alguns tipos de fármacos. E tendo em vista que alguns fármacos para o tratamento agridem o sistema imune, quando combinados com a imunoterapia, podem auxiliar no controle da baixa imunológica, além de reduzirem a taxa de metástases e recorrências, enfatizando a ampla importância de estudos sobre o método (SILVA et al., 2021).

2. Metodologia

O presente trabalho é uma revisão bibliográfica narrativa, utilizando as bases de dados LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciência da Saúde), SciELO (Scientific Electronic Library Online) e PubMed (Mantido pela National Library of Medicine). Assim, foram utilizados os seguintes descritores DeCs/Mesh em língua portuguesa: Câncer, Imunoterapia, Imunovigilância, Imunoedição, Hallmarks. Ademais, foram utilizados operadores booleanos para facilitar e estratificar a busca. Serão excluídas referências que não apresentaram conteúdo satisfatório para a contribuição do cumprimento dos objetivos deste estudo e aqueles que não estiverem disponíveis em sua íntegra nas bases de dados pesquisadas.

3. Desenvolvimento

3.1. Características gerais

3.1.1. Epidemiologia

         A estimativa epidemiológica do câncer vem aumentando continuamente no Brasil, uma vez que, segundo os estudos do  INCA (2019) e INCA (2022), respectivamente estimaram para a população brasileira cerca de 625 mil novos casos de cânceres por ano para o triênio 2020 – 2022, e 704 mil novos casos por ano para o triênio 2023 – 2025. Além disso, associa-se o aumento da incidência a diversos fatores, como o aumento da expectativa de vida, hábitos de vida, exposições ambientais e ocupacionais, além de fatores ainda desconhecidos.

         Ademais, a partir das estimativas realizadas pelo INCA (2O22), notam-se determinados tipos de cânceres com maior abrangência no Brasil, como câncer de pele não melanoma; câncer de mama; câncer de próstata; câncer de cólon e reto; câncer de pulmão; e câncer de estômago, podendo ter variações a depender do sexo e região analisadas. As maiores estimativas de novos casos, para o sexo masculino, é o câncer de pele não melanoma com 102 mil (29,9%) e o câncer de prostata com 72 mil (21%), e para o sexo feminino, o câncer de pele não melanoma com 118 mil (32,7%) e o câncer de mama com 74 mil (20,3%) novos casos para os próximos anos.

3.1.2. Gastos públicos         

Além disso, devido ao aumento de novos casos junto a alta complexidade e ao alto custo da doença, temos gastos numerosos para o acolhimento destes pacientes, onde fora relatado pelo INCA (2022), um gasto pelo SUS de aproximadamente 3,5 bilhões de reais com procedimentos hospitalares e ambulatoriais em pacientes oncológicos com mais de 30 anos, no ano de 2018.

Posto isto, a tendência caso não haja uma mudança efetiva em relação à prevenção e tratamento da doença, é de um enorme crescimento em seus gastos e sua morbimortalidade, onde projeta-se um gasto de 7,84 bilhões de reais em 2040, e um aumento de 81% nas mortes por câncer no Brasil entre 2020 e 2040.

3.1.3 Dificuldade terapêutica

         O câncer é nos dias atuais uma doença de grande impacto psicológico, uma vez que a sua terapêutica é limitada e agressiva. Atualmente, há 4 maneiras de realizar seu tratamento, sendo eles a cirurgia, a quimioterapia, a radioterapia e a imunoterapia, que será abordada posteriormente. Ainda, é possível utilizar combinações entre os diferentes métodos para melhor efetividade. todavia, a decisão do método terapêutico deve ser escolhido a partir de características específicas do tumor, como seu tipo e localização (SILVEIRA et al., 2021).

         Logo, a terapia relativamente com menor efeito colateral é a cirúrgica, onde a ressecção integral do câncer tem caráter curativo da doença. Porém, algumas dificuldades são enfrentadas neste modelo, muitas vezes impossibilitando a realização deste método, como complicações cirúrgicas e eletividade destes pacientes (SILVA, 2016). Já a radioterapia é realizada a partir da destruição celular a partir de radiação, entretanto, apresenta efeitos colaterais devido a seu efeito de ação em células saudáveis concomitantemente. Além disso, por emitirem radiação, é possível que a radioterapia possa desencadear novas neoplasias em tecidos previamente saudáveis atingidos (KAMEO et al., 2020).

Por fim, a quimioterapia vem sendo cada vez mais estudada. Sendo assim, novas terapias para diferentes tipos de câncer vêm sendo produzidas e melhoradas. Contudo, é inegável que apesar dos grandes esforços ainda apresenta um alto índice de efeitos colaterais, uma vez que agem a partir de alterações celulares, atingindo assim como na radioterapia, células saudáveis (SILVEIRA et al., 2021).

3.2. Fisiopatogênese do câncer

3.2.1. Genética

         O DNA humano armazena informações genéticas, e é feito a partir de diversos genes, que por sua vez, são formados por uma sequência de nucleotídeos que realizam determinadas funções específicas. Entretanto, essas sequências de nucleotídeos podem sofrer alterações em seus pares de bases por diversos motivos, seja por influência do meio externo, como a radiação solar, ou por influência interna, onde podem ocorrer alterações durante a replicação celular. Uma outra possibilidade seria a epigenética, onde mantêm-se as sequências de nucleotídeos, porém altera-se sua expressão, podendo ativar ou inativar determinados genes. Ademais, certas modificações no DNA podem ocasionar uma proliferação celular descontrolada, tendo destaque principal àquelas que ativam oncogenes ou inativam genes supressores de tumor (PRIMO e TEIXEIRA, 2020)

3.2.2. Hallmarks do câncer

         Sendo assim, a partir da instauração do processo neoplásico, a doença adquire um conjunto de características funcionais cruciais para tumorigênese e posterior malignização, os chamados Hallmarks do câncer. Postulados por Hanahan e Weinberg em 2000, e reavaliado em 2011, temos 8 características marcantes e 2 características facilitadoras, que a partir do conhecimento destas características, a terapêutica torna-se de melhor aplicabilidade.          Portanto, Hanahan e Weinberg (2011) caracterizaram a indução de replicação baseada na sustentação da sinalização proliferativa como uma importante característica da doença, onde a célula mutada pode, por diversos mecanismos, manter a sinalização para um crescimento e replicação anormal e contínuo, como a produção autócrina de fatores de crescimento; alteração na sensibilidade de receptores, gerando uma hiperresponsividade aos fatores de crescimento; ou até mesmo a estimulação de células normais adjacentes para liberação de fatores de crescimento para benefício próprio.

         Ao contrário da primeira particularidade tumoral, uma outra característica possível para o desenvolvimento da doença seria a insensibilidade a sinais de inibição de crescimento, podendo inativar ou atenuar genes ou produtos que fazem parte do mecanismo de supressão tumoral, permitindo que a proliferação continue a ocorrer de forma desregulada. Ademais, um outro constituinte dos Hallmarks consiste na evasão da apoptose, onde a morte celular, que seria o curso natural de uma célula saudável, acaba sendo evitada pelas células tumorais a partir de mecanismos como o aumento da expressão de reguladores antiapoptóticos ou aumento de sinais de sobrevivência, induzindo a redução de sinais pró-apoptóticos (Hanahan e Weinberg, 2011).

         Outrossim, uma outra capacidade importante no processo da tumorigênese, envolve a propriedade de replicação celular ilimitada, uma característica ausente em células sadias que possuem um limite de replicação devido a senescência e posterior apoptose causada pelo encurtamento progressivo dos telômeros do DNA, podendo porém ser contornada pela enzima telomerase, que adiciona segmentos de repetição às extremidades dos telômeros, e que pode apresentar-se em quantidades significativas em células tumorais (Hanahan e Weinberg, 2011).          Concluindo os 6 primeiros Hallmarks postulados em 2000, temos duas outras características importantes da tumorigênese associadas à sua nutrição e desenvolvimento, que baseiam-se na angiogênese sustentada e no potencial de invasão tecidual e metástase. Assim sendo, a angiogênese no processo tumoral é de vasta importância principalmente para suprir a necessidade de nutrientes e oxigênio, sendo sustentada pela expressão abundante de fatores angiogênicos e pró angiogênicos como o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) e o  fator de crescimento de fibroblastos (FGF) respectivamente, podendo ser liberados pelas próprias células mutadas, ou pela indução de células saudáveis ou do sistema imune a secretá-las. Outrossim, ainda temos a invasão tecidual e

metástase, que ocorrem a partir de alterações biológicas celulares, compreendendo a degradação da matriz extracelular e supressão de junções aderentes, que podem levar a um desprendimento e intravasamento dessas células nos vasos sanguíneos e linfáticos, podendo posteriormente haver um escape dessas células aos parênquimas de tecidos distantes (Hanahan e Weinberg, 2011).

         Ainda sobre os Hallmarks, adicionadas em 2011, temos 4 novas características, sendo duas delas facilitadoras, envolvendo: (1) instabilidade e mutação do genoma, pois, como já explicado, alterações em determinados genes facilitam o processo de instalação e progressão da doença neoplásica; (2) promoção de tumores mediada pela inflamação, onde as células do sistema imune podem auxiliar ao desenvolvimento do câncer, uma vez que estas podem secretar fatores de crescimento, fatores de sobrevivência, fatores pró angiogênicos, enzimas que modificam a matriz extracelular, além da produção de espécies reativas de oxigênio, que tem característica mutagénica para células cancerígenas adjacentes, facilitando o acontecimento dos Hallmarks citados anteriormente (Hanahan e Weinberg, 2011).

         Já as outras duas características restantes caracterizam-se por funções habilitantes, assim como as seis primeiras citadas. Portanto, uma das características é a de reprogramação do metabolismo energético, que garante o aumento da captação de substrato para fins energéticos e replicativos, baseando-se na alteração do mecanismo glicolítico que, contra intuitivamente, limita seu metabolismo energético em sua maioria para o processo de glicólise, restringindo seu ganho energético de ATP, que faz-se necessário para que ocorra a formação de intermediários glicolíticos importantes para a biossíntese de macromoléculas e organelas requisitadas no processo de replicação. Entretanto, a restrição energética pode ser contornada pela regulação positiva de transportadores de glicose, com destaque ao GLUT-1, garantindo assim, de forma integrativa, uma melhor captação e utilização destes substratos para a instalação da doença (Hanahan e Weinberg, 2011).

Por fim, como será mencionado posteriormente, o sistema imune é um fator chave para a detecção e agressão às células tumorais, porém, caracteriza-se como último Hallmark a evasão do sistema imune, uma vez que as células tumorais podem resistir às ações imunológicas através da secreção de TGF-ß e recrutamento de células inflamatórias imunossupressoras como células T reguladoras (Tregs) e células supressoras derivadas de mielóides (MDSCs), podendo paralisar linfócitos T citotóxicos (CTLs) e células NK (Natural Killer), que desempenham importante papel na imunovigilância do câncer. (Hanahan e Weinberg, 2011). Além disso, as células tumorais apresentam a capacidade de modificar suas estruturas, podendo ocasionar a perda de antígenos específicos e a perda de componentes MHC, assim garantindo que células imunes não as detectem (TORREZINI, 2008).

3.2.3. Sistema imunológico

         O sistema imune é classificado como um conjunto de componentes específicos responsáveis pela defesa e manutenção do organismo, tendo como princípio de atuação da imunidade, o reconhecimento e a agressão aos agentes considerados estranhos ao organismo. Seguindo este princípio, apesar dos tumores serem derivados de células do hospedeiro, podem provocar resposta imunológica, denominada imunovigilância, mediada principalmente por linfócitos T, Células NK e macrófagos ativados, que quando presentes, associam-se a uma melhor resposta anti-tumoral. (ABBAS et al., 2015).             Posto isto, estas células envolvidas na imunidade tumoral iniciam sua ação através de antígenos específicos do tumor e/ou alterações estromais decorrentes do microambiente tumoral (SILVA et al., 2021). Por conseguinte, alguns desses marcadores tumorais foram classificados como produtos de: oncogenes mutados (ex: BCR/ABL); genes supressores de tumor mutados (ex: p53); oncogenes superexpressos (ex: HER2); proteínas não oncogênicas superexpressas (ex: gp100); vírus oncogênicos (ex: E6, E7); antígenos oncofetais (ex: ⍺-Fetoproteína); e glicolipídeos e glicoproteínas (ex: GM2) (ABBAS et al., 2015).

         Logo, a partir do recrutamento do sistema imune por mediadores pró-inflamatórios liberados pelo remodelamento estromal, temos o reconhecimento do antígeno tumoral pelas células do sistema imune inato (células NK, linfócitos gama delta e macrófagos) e liberação de interferon-Ɣ (IFN-Ɣ) pelos linfócitos, que produzem quimiocinas e sinais pró-inflamatórios, assim regulando a imunovigilância por feedback positivo. A partir da pró-regulação, com a elevação crescente nos níveis de IFN-Ɣ, são ativadas cascatas de eventos associadas a regressão tumoral, como mediadores que modulam a proliferação celular e substâncias pró-apoptóticas e angiostáticas, bem como macrófagos ativados por IFN-Ɣ que liberam fatores antitumorais, controlando a partir deste processo a eliminação de grande parte de células tumorais. (SILVA et al., 2021).

Dando sequência, com a morte das células tumorais há um aumento de seus antígenos específicos, que agora difundidos no meio, ativam células dendríticas (CD) por meio de exposição a citocinas ou interação com células NK e obtenção do antígeno tumoral, que ingerem e processam esses antígenos para expressar seus peptídeos via MHC-I, que assim podem ser apresentadas aos linfócitos T CD4 e T CD8+ para que se diferenciem em linfócitos T citotóxicos (CTLs) antitumorais, induzindo a morte celular por mecanismo direto (liberação de perforinas) e indireto (produção elevada de IFN-Ɣ), garantindo de forma integrativa a eliminação de grande parte das células tumorais. (SILVA et al., 2021). Embora comprovada a importância da imunovigilância no combate ao processo neoplásico, temos três fases envolvidas que podem ocorrer no curso da doença, referenciadas como “Os três Es da imunoedição”, que corroboram com o Hallmark da evasão imunológica e que é baseada na teoria da imunoedição tumoral, implicando diretamente na terapêutica da doença. Portanto, temos como constituintes desta teoria a: (1) fase de eliminação, já supracitada; (2) fase de equilíbrio; e (3) fase de evasão (SILVA et al., 2021).

Sendo assim, após a conclusão da fase de eliminação previamente descrita, segue a fase de equilíbrio, onde após sofrer forte pressão seletiva mediada pela imunidade, células tumorais com baixo potencial imunogênico sobrevivem ao ataque imunológico, entrando em um estado de equilíbrio dinâmico, podendo se manter quiescentes por longos períodos. Consequentemente, na fase de evasão, esta população selecionada de células adquirem capacidades proliferativas, dando origem a subclones cada vez menos imunogênicos, evitando que células de defesas as reconheçam, e dando sequência a progressão da doença, que agora recebe um importante caráter de malignidade. (SILVA et al., 2021).

3.3 Tratamento imunoterápico

Os tumores, como supracitado, têm a capacidade de evitar o sistema imunológico por meio de inúmeros mecanismos complexos, que muitas vezes se sobrepõem e perturbam componentes chaves das células imunes envolvidas na montagem de respostas antitumorais eficazes (DRAKE et al., 2006). Apesar do inegável avanço no tratamento oncológico, existe ainda uma baixa seletividade dos métodos convencionais, especialmente quimioterapia e radioterapia, para diagnóstico e terapia de neoplasias, bem como uma alta taxa de insucesso no alcance do alvo terapêutico desejado (FIALHO et al., 2021). Dessa maneira, o melhor entendimento da biologia do câncer, sua interação com fatores externos, bem como a busca por medicações alvo-terapêuticas, menos agressivas e com menos efeitos adversos, vêm sendo cada vez mais pesquisados. Tais pesquisas, nos últimos anos, têm tido como principal alvo a imunoterapia, a qual se baseia no próprio sistema imunológico para desenvolver uma resposta antitumoral. Porém, ainda que já aplicado na prática, essa terapia encontra empecilhos quanto à segurança, eficácia e aplicabilidade a longo prazo (KROSCHINSKY et al., 2017).

A imunoterapia é célula-específica, conseguindo atacar o sítio neoplásico, promovendo uma abordagem individualizada. Além disso, por conta dessa especificidade, ela permite evitar os efeitos adversos causados pela quimioterapia e radioterapia (KIMIZ-GEBOLOGLU et al., 2018). Os métodos podem variar e, dentre eles, pode se incluir a aplicação de vacinas, terapia celular adotiva com células T, anticorpos monoclonais, modulação imunológica com o uso de citocinas e inibidores de checkpoint, sendo os últimos os mais estudados (SILVA et al., 2021).

Como mencionado em momento anterior, a imunoedição acaba sendo um ponto chave para o desenvolvimento do câncer, evitando a ação antitumoral do sistema imune por diferentes mecanismos. Com isso, a imunoterapia tem como objetivo criar um ciclo auto-sustentado de imunidade ao câncer, de forma a propagar e potencializar os mecanismos antitumorais de maneira efetiva, e concomitantemente buscando evitar respostas inflamatórias autoimunes desenfreadas que causem danos aos tecidos e células normais (KROSCHINSKY et al., 2017).

Com base neste princípio, podemos utilizar vacinas contra o câncer, que são utilizadas para apresentar antígenos tumorais específicos através de células dendríticas cultivadas, para assim estimular respostas antitumorais por células T específicas para determinado tumor (JORGE, 2019). Além disso, o uso de citocinas como a interleucina 2 (IL-2) e interferon-α são imunoterápicos que atuam estimulando a proliferação e diferenciação de linfócitos T e células NK para maior atuação antitumoral, porém, limitados devido a sua toxicidade em grandes quantidades e sua baixa efetividade em casos de imunoedição tumoral, sendo melhor aplicados quando combinados a outros métodos terapêuticos (JIANG et al., 2016)

Além disso, uma outra classe imunoterápica possui grande relevância no combate ao câncer, os inibidores de checkpoint, que atuam no bloqueio das vias dos pontos de controle imunológico para reativar uma resposta antitumoral (VOENA, 2016). Os pontos de controle imunológicos são definidos como receptores de superfície das células imunes que controlam processos regulatórios durante a resposta adaptativa em resposta à antígenos expressos pelo câncer como meio de evitar sua destruição pelos imunócitos (DEMBIC, 2020).

Ademais, observou-se que em vários tipos de tumores, as células neoplásicas atuam sobre esses pontos de controle presentes nas células T. Nesse sentido, o objetivo desse tipo de imunoterapia é remover os sinais inibitórios da ativação das células T, que possibilitam as células tumorais superarem os mecanismos reguladores do sistema imunológico (REIS, 2020).

Sendo assim, os inibidores de checkpoint acarretaram em grandes inovações na oncologia. Em destaque, os anti-CTLA-4 aumentam a reação imunológica do organismo mediadas por células T contra células cancerígenas através da inibição da ação da CTLA-4 por anticorpos monoclonais. Isto ocorre pois no processo de ativação linfocitária, uma segunda via de sinalização é mediada pela ligação entre a proteína CD28 expressa nos linfócitos T ao seu ligante CD80/CD86 na célula apresentadora de antígeno, essa sinalização pode ser impedida na expressão de CTLA-4, que possui maior afinidade pela CD80/CD86 em relação à CD28, inibindo a ativação linfocitária. Assim, os anti-CTLA-4 garantem que a via de sinalização para as células imunes ocorra, tendo como principal exemplo terapêutico o ipilimumabe (JORGE, 2019).

Além disso, outro mecanismo destacado entre os inibidores de checkpoint são os anti-PD-1/PD-L1, que inibem a ligação entre a PD-1 presente nos linfócitos T ao seu ligante PD-L1 presente nas APCs, uma vez que a união PD-1/PD-L1 é capaz de impedir a ativação de linfócitos T (JORGE, 2019). Neste sentido, as terapias utilizadas requerem a inibição de apenas um sítio de ligação, podendo inibir a PD-1 com o pembrolizumab e nivolumab, ou inibir a PD-L1 com o atezolizumab, avelumab e durvalumab (ESFAHANI, 2021).

Por fim, os anticorpos monoclonais são provenientes de linfócitos B específicos e tem sua ação mediada por duas porções nele presentes, uma porção FC, que ao se ligar ao receptor FC de células imunes medeiam a citotoxicidade celular dependente de anticorpos (ADCC) e a citotoxicidade dependente do complemento (CDC), e uma porção FAB responsável pela ligação ao antígeno específico, assim ativando células NK, macrófagos e sistema complemento, podendo realizar a opsonização de determinados produtos oncogênicos. temos como alguns exemplos o rituximab, que se liga a moléculas CD20; O trastuzumab, específico para HER-2; O cetuximab, específico para EGFR; e o bevacizumab, específico para VEGF (BRUNETO et al., 2019)

Posto isto, os anticorpos monoclonais podem atuar isoladamente, como já mencionado, ou de forma conjugada, associados a radioterápicos (anticorpo radiomarcado) ou a quimioterápicos (anticorpo quimio marcado), liberando sua substância associada a partir da ligação a seu antígeno específico, reduzindo o dano em células saudáveis, muitas vezes acometidas em quimioterapias e radioterapia isoladamente. Tendo como principal exemplo de imuno radioterápico o ibritumomab tiuxetan (anti CD20), e como imuno quimioterápico o brentuximab vedotina (anti CD30 conjugado a monometil auristatina E) (JORGE, 2019).

3.3.1. vantagens da imunoterapia

         Como citado previamente, a radioterapia e a quimioterapia são excelentes métodos no combate ao câncer, no entanto, seus efeitos colaterais e riscos de recidiva são intensos (SILVEIRA et al., 2021). A imunoterapia por sua vez é capaz de se ligar a um alvo específico e auxiliar o sistema imunológico a combater a doença, sendo assim, este método apresenta uma baixa toxicidade ao organismo, e, apesar de terem efeitos colaterais relacionados a inflamação e reações autoimunes, são considerados reduzidos em relação aos outros métodos citados (KIMIZ-GEBOLOGLU et al., 2018).

         Destarte, além de contribuírem na ativação do sistema imune na ação antitumoral, podem ainda atuar juntamente aos quimio e radioterápicos, entregando estes agentes diretamente à célula-alvo, garantindo maior seletividade, potencializando sua ação e reduzindo efeitos colaterais sistêmicos, ampliando a variabilidade terapêutica (JORGE, 2019).

4. Conclusão

         A conjuntura dos dados literários analisados neste trabalho evidencia a expressiva importância da terapêutica oncológica, visto sua crescente evolução no país tanto em questão de incidência quanto de mortalidade. Desta maneira, faz-se presente a necessidade da compreensão de seus mecanismos adaptativos funcionais (“hallmarks”), bem como a atuação do sistema imune perante presença tumoral, visto que estas implicam diretamente na terapêutica da doença.

Ainda, o presente trabalho demonstra a relação entre a imunoedição e a atuação da imunoterapia, que vem se mostrando promissora, promovendo o estudo destas áreas para novas descobertas e potencialização terapêutica, com redução de seus efeitos tóxicos e colaterais, permitindo uma melhor qualidade de vida para os pacientes.

Referências

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1 Graduando em medicina
2Doutor em biologia Celular e Molecular