A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA SENTENÇA ARBITRAL NACIONAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7068437


Autora:
Lorena Constanza Gazal1


RESUMO

No presente artigo busca-se analisar a possibilidade de impugnação das sentenças arbitrais, perante Poder Judiciário. Apesar das características da sentença arbitral e da necessidade de conferir estabilidade e segurança jurídica ao instituto, a própria Lei de Arbitragem estabelece situações em que a desconstituição dessa decisão pelo Judiciário é possível. O artigo 32 da Lei de Arbitragem elenca as situações que permitem invalidação da sentença arbitral, enquanto o artigo 33 estabelece que essa invalidação deve via ação anulatória perante o Poder Judiciário no prazo decadencial de 90 dias. Para analisar esse controle judicial da sentença arbitral, o presente artigo trabalho encontra-se divido em duas partes, a primeira trata rapidamente da arbitragem e seu procedimento, bem como da possibilidade de impugnação judicial da decisão proferida na jurisdição arbitral e as características do controle judicial sobre essa decisão, e a segunda trata das hipóteses em que a impugnação é viável e seus fundamentos, trazidas no artigo 32 da Lei de Arbitragem, incluindo a natureza de rol contido nesse dispositivo e a análise detalhada de cada hipótese. Consta, ainda, deste trabalho, uma análise doutrinária e jurisprudencial do tema, notadamente quanto à questão da lesão à ordem pública como fundamento para a invalidação da sentença arbitral e à do cabimento de ação desconstitutiva de sentença arbitral no caso de afronta a precedentes vinculantes.

Palavras-chave: Direito Civil. Direito Processual Civil. Arbitragem. Sentença Arbitral. Impugnação Judicial. Viabilidade. Possibilidade.

1. INTRODUÇÃO: BREVES APONTAMENTOS SOBRE ARBITRAGEM E PROCEDIMENTO ARBITRAL

A arbitragem no Brasil é regulada pela Lei n° 9.307 de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem), com as modificações trazidas pela Lei n° 13.129 de 26 de maio de 2015.

Em poucas palavras, a arbitragem é um meio heterocompositivo de solução de controvérsias, alternativo à via Judicial, que se caracteriza por dois elementos essenciais: 1) as partes, maiores e capazes, escolhem livremente um terceiro de sua confiança e lhe atribuem a responsabilidade de resolver eventual conflito de interesses que surgir entre elas; 2) a decisão desse terceiro é “impositiva”, resolvendo o conflito, independentemente da vontade das partes2.

Trata-se, portanto, de meio privado e extrajudicial de solução de controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, por um terceiro imparcial, escolhido pelas partes, instituído mediante negócio jurídico denominado convenção de arbitragem, do qual são espécies a cláusula compromissória (convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato) e o compromisso arbitral (convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial), cujas definições aqui descritas são as fornecidas pela própria Lei de Arbitragem, artigos 4° e 9°.

Nas palavras de Marcio Bellocchi, “em virtude da contratação da arbitragem, as partes decidem deslocar a jurisdição para a análise de sua controvérsia para um (ou vários) juiz(es) de fato e de direito consensualmente escolhido(s)3. A arbitragem, de fato, “resulta do consenso das partes contratantes na escolha de uma jurisdição privada (e não daquela decorrente da soberania do Estado) para dirimir suas controvérsias4.

Uma vez instituída a arbitragem voluntariamente pelas partes, cabe ao árbitro ou ao tribunal arbitral conhecer os fatos, alisando os argumentos expostos e as provas produzidas por cada uma das partes, e aplicar o direito ao caso concreto, prolatando uma sentença, cujos requisitos estão estampados no artigo 26 e 27 da Lei de Arbitragem.

Tal como a sentença judicial, a sentença arbitral torna-se definitiva, fazendo coisa julgada material.

E como se sabe, o artigo 18 da Lei de Arbitragem prevê que a sentença arbitral não fica sujeita a recursos ou homologação pelo Poder Judiciário, ou seja, não há quaisquer recursos previstos em lei para serem opostos em face da sentença arbitral e nem previsão de revisão de tal sentença pela Jurisdição Estatal.

Se as partes, envolvidas num procedimento arbitral, não tiverem pactuado nada em sentido contrário, a sentença proferida pelo árbitro ou pelo tribunal arbitral se tornará definitiva e coberta pelo manto da coisa julgada material, tão logo tenha se esgotado o procedimento previsto nos artigos 29 e 30 da já mencionada Lei n° 9307/96, inclusive no que tange aos possíveis embargos arbitrais, expressão utilizada pelo Professor Francisco José Cahali, citando Pedro A. Batista Martins5.

Pelo procedimento em comento, em regra, proferida a sentença arbitral, encerra-se a arbitragem, devendo o árbitro ou presidente do tribunal arbitral enviar cópia da decisão às partes, seja diretamente a elas, mediante recibo, ou pela via postal ou qualquer outro meio de comunicação, sempre mediante a devida comprovação de recebimento, nos termos previstos no artigo 29 recém mencionado.

A comprovação de recebimento/ciência da sentença é essencial porque permite às partes que solicitem, no prazo de 5 (cinco) dias a contar desse fato, ao árbitro ou ao tribunal arbitral que corrija erros materiais da sentença ou esclareça obscuridade, dúvida ou contradição da sentença arbitral, ou, ainda, que se pronuncie sobre ponto omitido a respeito do qual devia manifestar-se a decisão (artigo 30, caput e incisos I e II da Lei de Arbitragem).

É esse pedido de correção ou esclarecimentos que o Professor Francisco José Cahali chama de embargos arbitrais, por inequívoca semelhança, em relação à sua natureza, com os embargos declaratórios do processo civil6.

Tal pedido será decidido, pelo árbitro ou pelo tribunal arbitral, no prazo de 10 (dez) dias, ou em outro prazo acordado com partes, aditando-se a sentença e notificando-se as partes na forma do artigo 29.

Cabe esclarecer, por oportuno, que não há qualquer óbice à oposição, pela mesma parte, de mais de um pedido de correção ou esclarecimentos justamente pela ausência de qualquer vedação legal nesse sentido. E uma vez resolvido o último pedido de correção ou esclarecimentos, finalmente a sentença arbitral torna-se definitiva, sendo expressamente reconhecida pelo artigo 515, inciso VII do Código de Processo Civil de 2015 (Lei n° 13.105 de 16 de março) como título executivo judicial.

Tampouco há óbices à fixação pelas partes de um sistema recursal arbitral próprio, para atacar a sentença a ser proferida em procedimento arbitral. É plenamente possível que as partes, por meio do negócio jurídico em que convencionam a arbitragem, desenhem um sistema de recursos, seja ele semelhante ao que existe na Jurisdição Estatal (apelação, por exemplo), ou um totalmente diferente e próprio.

Mas embora essa possibilidade exista, na prática as partes não costumam estabelecer recursos dentro da jurisdição arbitral.

Feitos esses breves apontamentos sobre a arbitragem e o procedimento arbitral, essenciais ao conhecimento do tema, passa-se à possibilidade de impugnação da sentença arbitral.

2. POSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL

A Lei de Arbitragem prevê em seu artigo 33 que a parte interessada poderá pleitear, ao órgão do Poder Judiciário competente, a declaração de nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos naquela Lei.

Do dispositivo legal em comento se extrai, portanto, como premissa-regra, a permissão legal para que a jurisdição estatal analise uma sentença prolatada por um árbitro ou por tribunal arbitral, seja ela parcial ou final.

Contudo, essa análise, tal como prevista no artigo 33, poderá ser realizada se e somente se mediante provocação do Poder Judiciário pela parte interessada (caput do art. 33). Jamais de ofício. Se nenhuma das partes que participou do procedimento arbitral provocar o Poder Judiciário para que se faça essa “análise”, ela não acontecerá e a sentença arbitral se tornará definitiva.

Mais do que isso: a análise pelo Poder Judiciário limitar-se-á, como se verá a seguir, à regularidade formal da sentença arbitral, não adentrando na revisão do mérito da decisão em comento. E isso sob pena de violação à autonomia da jurisdição arbitral e do enfraquecimento da própria arbitragem e de seu sistema como um todo.

Cabe esclarecer que o Poder Judiciário não é instância revisora da jurisdição arbitral. Até porque não haveria sentido em se permitir às partes “valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis” (artigo 1° da Lei de Arbitragem), submetendo “a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem” (artigo 3° da Lei de Arbitragem) se, depois, a decisão arbitral pudesse ser “revisada” pelo Poder Judiciário ao bel prazer das próprias partes que anteriormente optaram voluntariamente pela jurisdição arbitral.

Leonardo de Faria Beraldo traz exatamente essa reflexão, no sentido de que a rediscussão do mérito da lide arbitral violaria todo o sistema da Lei de Arbitragem e em especial os artigos 1° e 3°7.

É importante destacar que a decisão do Poder Judiciário não é dotada de “efeito substitutivo”, já que não será prolatada nova sentença decidindo o mérito da questão debatida. O Poder Judiciário determina, em regra, a prolação de nova sentença arbitral, sanado o vício que deu causa à desconstituição (artigo 33, §2° da Lei de Arbitragem).

Além disso, mesmo quando excluído definitivamente o juízo arbitral, cabe ao interessado intentar nova ação judicial para a tutela de seus direitos, não cabendo, como já se disse, a decisão do mérito do conflito em ação de desconstituição.

A impugnação judicial da sentença arbitral pode se ser requerida, sempre no prazo decadencial de 90 (noventa) dias contados da notificação da sentença ou da notificação da decisão do pedido de esclarecimentos, seja pessoal, postal ou por qualquer outro meio, através do procedimento comum (ação declaratória de nulidade da sentença) ou, ainda, poderá ser requerida na impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, conforme permissivo expresso do §3° do artigo 33 da Lei de Arbitragem.

Vale destacar, por oportuno, que o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento no sentido de que o prazo decadencial de 90 dias é aplicável inclusive ao cumprimento de sentença, ou seja, mesmo que a nulidade da sentença arbitral possa ser suscitada em sede de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, se essa impugnação tiver extrapolado o prazo decadencial em comento, a matéria de defesa da parte executada/impugnante ficará restrita àquelas previstas no §1° do artigo 525 do Código de Processo Civil de 2015.

São nesse sentido as decisões da Ministra Nancy Andrighi e do Ministro Marco Aurélio Bellizze, cujas ementas seguem destacadas:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ARBITRAL AJUIZADA APÓS O DECURSO DO PRAZO DECADENCIAL PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE SENTENÇA ARBITRAL. IMPUGNAÇÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA ARBITRAL. POSSIBILIDADE LIMITADA ÀS MATÉRIAS DO ART. 525, § 1º, DO CPC/15. JULGAMENTO: CPC/15.
1. Recurso especial interposto em 19/06/2019 e distribuído ao gabinete em 06/10/2020. Julgamento: CPC/15.
2. O propósito recursal consiste em decidir acerca da aplicação do prazo decadencial de 90 (noventa) dias, previsto no art. 33, § 1º, da Lei 9.307/96, à impugnação ao cumprimento de sentença arbitral.
3. A declaração de nulidade da sentença arbitral pode ser pleiteada, judicialmente, por duas vias: (i) ação declaratória de nulidade de sentença arbitral (art. 33, § 1º, da Lei 9.307/96) ou (ii) impugnação ao cumprimento de sentença arbitral (art. 33, § 3º, da Lei 9.307/96).
4. Se a declaração de invalidade for requerida por meio de ação própria, há também a imposição de prazo decadencial. Esse prazo, nos termos do art. 33, § 1º, da Lei de Arbitragem, é de 90 (noventa) dias. Sua aplicação, reitera-se, é restrita ao direito de obter a declaração de nulidade devido à ocorrência de qualquer dos vícios taxativamente elencados no art. 32 da referida norma.
5. Assim, embora a nulidade possa ser suscitada em sede de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, se a execução for ajuizada após o decurso do prazo decadencial da ação de nulidade, a defesa da parte executada fica limitada às matérias especificadas pelo art. 525, § 1º, do CPC, sendo vedada a invocação de nulidade da sentença com base nas matérias definidas no art. 32 da Lei 9.307/96.
6. Hipótese em que se reputa improcedente a impugnação pela decadência, porque a ação de cumprimento de sentença arbitral foi ajuizada após o decurso do prazo decadencial fixado para o ajuizamento da ação de nulidade de sentença arbitral e foi suscitada apenas matéria elencada no art. 32 da Lei 9.307/96, que não consta no § 1º do art. 525 do CPC/2015.
7. Recurso especial conhecido e não provido.” (REsp 1900136/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/04/2021, DJe 15/04/2021).

“RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO À EXECUÇÃO DE TÍTULO ARBITRAL. VEICULAÇÃO DE PRETENSÃO DESTINADA A ANULAR A SENTENÇA ARBITRAL, COM BASE NAS MATÉRIAS VERTIDAS NO ART. 32 DA LEI DE ARBITRAGEM, APÓS O PRAZO NONAGESIMAL. IMPOSSIBILIDADE. DECADÊNCIA DO DIREITO. RECONHECIMENTO. PRETENSÃO DE AFASTAR A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS EMPRESAS CONSORCIADAS, ESTABELECIDA   NO   TÍTULO   ARBITRAL.   IMPOSSIBILIDADE.   RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.  1. A controvérsia posta  no presente recurso especial centra-se em saber, em resumo: i) se o prazo decadencial de 90 (noventa) dias previsto no art. 33, § 1º, da Lei de Arbitragem aplica-se ou não à impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, para o propósito de suscitar as matérias vertidas no art. 32 da referida lei (hipóteses de nulidade da sentença arbitral); ii) se seria possível, em impugnação à execução da sentença arbitral que condenou as empresas consorciadas a pagar, indistintamente, o valor ali reconhecido, buscar a individualização das obrigações contraídas, segundo a participação de cada uma das executadas, sob a tese de que a solidariedade deve estar expressamente prevista no contrato. 2. Sob o signo da celeridade, da efetividade e da segurança jurídica especialmente perseguidas pelas partes signatárias de um compromisso arbitral, a pretensão de anular a sentença arbitral deve ser intentada de imediato, sob pena de a questão decidida tornar-se imutável, porquanto não mais passível de anulação pelo Poder Judiciário, a obstar, inclusive, que o Juízo arbitral profira nova decisão sobre a matéria. 2.1 A Lei de Arbitragem, atenta a essa premência, estabelece, para tal desiderato, o manejo de ação anulatória (art. 33, caput) e, em havendo o ajuizamento de execução de sentença arbitral (art. 33, § 3º), de impugnação ao seu cumprimento, desde que observado, em ambos os casos, o prazo decadencial nonagesimal. Sem respaldo legal, e absolutamente em descompasso com a inerente celeridade do procedimento arbitral, supor que a parte sucumbente, única interessada em infirmar a validade da sentença arbitral, possa, apesar de não promover a ação anulatória no prazo de 90 (noventa) dias, manejar a mesma pretensão anulatória, agora em impugnação à execução ajuizada em momento posterior a esse lapso, sobretudo porque, a essa altura, o direito potestativo (de anular) já terá se esvaído pela decadência. Precedente específico desta Terceira Turma. […] 4. Recurso especial improvido. (REsp 1862147/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 20/09/2021)

No mesmo sentido há diversos outros precedentes, inclusive um recentíssimo, cujo julgamento ocorreu em 15.2.2022, em que também obrou como relatora a Ministra Nancy Andrighi (REsp n° 1.928.951 – TO, 2021/0085653-8, Relatora Ministra Nancy Andrighi, j. 15.2.2022, DJe 18.2.2022).

O Professor Francisco José Cahali, em seu Curso de Arbitragem8, compartilha da mesma opinião.

Vista a possibilidade de impugnação judicial da sentença arbitral e seu procedimento, faz-se necessário estudar as suas hipóteses de cabimento.

3. HIPÓTESES DE CABIMENTO DA IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL: O ARTIGO 32 DA LEI DE ARBITRAGEM

Como mencionando anteriormente, existe uma permissão legal para que a sentença arbitral sofra uma análise perante a jurisdição estatal. Essa permissão está estampada no artigo 33 da Lei de Arbitragem.

Já o §2° do mesmo dispositivo legal em comento nos traz as hipóteses de cabimento da impugnação judicial da sentença arbitral: “A sentença que julgar procedente o pedido declarará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, e determinará, se for o caso, que o árbitro ou o tribunal profira nova sentença arbitral.

Ou seja, as decisões proferidas na esfera arbitral poderão ser analisadas pelo Poder Judiciário nos casos do artigo 32 da mesma Lei de Arbitragem.

Nesse dispositivo o legislador pátrio buscou elencar as hipóteses de “nulidade” da sentença arbitral.

Observa-se aqui, contudo, a “profunda atecnia” na utilização pelo legislador da palavra “nula”, destacada pelo professor Scavone9, ao tratar todas as hipóteses de invalidação da sentença genericamente como nulidades, quando na verdade a maioria delas se trata de anulabilidade.

A Lei de Arbitragem não distingue as hipóteses de nulidade absoluta e de nulidade relativa, mencionando apenas ser a sentença “nula” e sujeitando sua invalidação ao prazo decadencial de 90 (noventa) dias, como já se viu no tópico anterior.

Contudo, a sentença arbitral tem natureza de negócio jurídico e, como tal, submete- se à teoria dos negócios jurídicos e, assim, às causas de nulidades previstas no Código Civil10.

A nulidade é tida como absoluta por infração às normas de ordem pública previstas nos artigos 104, 166 e 167 todos do Código Civil de 2002. Nesses casos, ato praticado é nulo e a sentença arbitral é meramente declaratória, não sujeita a prescrição ou decadência, podendo a sua invalidade, em tese, ser arguida em qualquer momento. Ademais, eventual declaração de nulidade produz efeitos retroativos.

Nesses casos de nulidade absoluta não incide, para o Professor Scavone11, o prazo decadencial do § 1° do artigo 33 da Lei de Arbitragem, para a impugnação judicial da sentença arbitral. Pela espécie de nulidade, é possível a desconstituição da decisão mesmo ultrapassado o referido prazo legal.

A seu turno, é relativa a nulidade nos casos disciplinados no artigo 171 do Código Civil, hipótese em que há afronta a interesses individuais do agente. Nesses casos, o ato é anulável, sujeito a ação desconstitutiva, cuja sentença produzirá efeitos ex nunc, ou seja, não retroativos. E, caso não impugnada no prazo legal, convalida-se12.

Na verdade, como se verá adiante com mais detalhe, a maior parte das hipóteses elencadas no art. 32 da Lei de Arbitragem – que possibilitam a desconstituição da decisão arbitral – são causas de nulidade relativa, razão pela qual submetidas ao prazo decadencial de 90 (noventa) dias para desconstituição, sob pena de preclusão.

E, embora existam opiniões em sentido contrário, é de se ressaltar que o rol do artigo 32 da Lei de Arbitragem deve ser considerado taxativo, não comportando qualquer situação que não esteja ali delineada. Nesse sentido é o posicionamento do Professor Francisco José Cahali13.

Para o Professor Carlos Alberto Carmona, o rol do artigo 32 é taxativo, no intuito de conferir maior estabilidade à sentença arbitral e segurança jurídica ao procedimento, como um reflexo da renúncia à garantia de acesso ao Poder Judiciário.

A arbitragem perderia a sua segurança se o rol fosse exemplificativo, pois as partes levariam ao Poder Judiciário a possibilidade de desconstituição da sentença arbitral pelos mais variados motivos, retirando assim, a própria essência da arbitragem.

Mas há que se ressaltar que o próprio Professor Carlos Alberto Carmona reconhece que os árbitros devem respeitar a ordem pública, pois o artigo 39, inciso II da lei de arbitragem, veda a homologação pelo Superior Tribunal de Justiça de sentença arbitral estrangeira que ofenda a ordem pública nacional. Sendo assim, se vale para sentença estrangeira, deve valer para as nacionais a obediência também da ordem pública14. Até mesmo para os julgamentos por equidade, os limites da ordem pública são intransponíveis e não desbordam da taxatividade do artigo 32, segundo o Professor Nelson Nery Junior.

Feitas essas considerações iniciais, inclusive sobre a taxatividade ou não das hipóteses em que é possível a desconstituição da decisão arbitral no Poder Judiciário, passa-se à análise do rol do artigo 32 da Lei de Arbitragem.

3.1 Nulidade da convenção de arbitragem

Como já se mencionou anteriormente, convenção de arbitragem é o gênero do qual são espécies a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, cujas definições encontram- se encartadas na própria Lei de Arbitragem, nos artigos 4° e 9°.

Segundo o Professor Francisco José Cahali: “a convenção arbitral é um negócio jurídico, resultante da autonomia privada (autonomia da vontade das partes) a afastar o conflito da jurisdição estatal, e, assim, deve ser tratada como tal – negócio jurídico15.

Por ter natureza de negócio jurídico, esta causa de desconstituição da sentença arbitral deve ser analisada pelo crivo do direito material, ou seja, de acordo com os defeitos do ato jurídico previstos no Código Civil.

Nesse sentido, pode-se dizer que será nula a convenção de arbitragem quando: I – celebrada por pessoa absolutamente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminado o seu objeto; III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for preterida alguma solenidade que a lei considera essencial para a sua validade; VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente a declarar nula, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção (art. 166 do Código Civil de 2002); e também se verificada a simulação (art. 167 do Código Civil de 2002).

Nesses casos a cláusula compromissória ou o compromisso arbitral podem ser declarados nulos de ofício pelo árbitro ou magistrado, independentemente de provocação, porque aqui se trata de nulidade absoluta tanto da convenção quanto da sentença.

Vale ressaltar que o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação e nem convalesce pelo decurso do tempo, conforme artigo 169 do código civil. Neste caso não incide o prazo decadencial de 90 dias.

Pode haver hipóteses, ainda, que geram a anulação ou nulidade relativa da convenção de arbitragem e, por consequência, da sentença, nos casos em que houver incapacidade relativa do agente ou for obtida por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. São os casos previstos no artigo 171 do Código Civil de 2002.

Ainda sobre as hipóteses de nulidade de convenções de arbitragem, há duas questões importantes a pontuar.

A primeira se refere aos contratos derivados de relações de consumo. E quando o assunto é relação de consumo, o Superior Tribunal de Justiça parece ser uníssono no sentido de que, mesmo havendo cláusula compromissória, caso o consumidor afore demanda perante o Judiciário ao invés de instaurar o procedimento arbitral, considera-se renúncia tácita à cláusula compromissória, conforme ementa a seguir colacionada:

“DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE QUANTIA PAGA. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONTRATO DE ADESÃO. 1. Ação de rescisão contratual cumulada com restituição de quantia paga, em virtude de contrato de compra e venda de imóvel firmado entre as partes. 2. Ação ajuizada em 03/08/2015. Recurso especial concluso ao gabinete em 23/07/2018. Julgamento: CPC/2015. 3. O propósito recursal é definir se é válida cláusula compromissória arbitral inserida em contrato de adesão, notadamente quando há relação de consumo entre as partes. 4. Com a promulgação da Lei de Arbitragem, passaram a conviver, em harmonia, três regramentos de diferentes graus de especificidade: (i) a regra geral, que obriga a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes, com derrogação da jurisdição estatal; (ii) a regra específica, contida no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96 e aplicável a contratos de adesão genéricos, que restringe a eficácia da cláusula compromissória; e (iii) a regra ainda mais específica, contida no art. 51, VII, do CDC, incidente sobre contratos derivados de relação de consumo, sejam eles de adesão ou não, impondo a nulidade de cláusula que determine a utilização compulsória da arbitragem, ainda que satisfeitos os requisitos do art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96. 5. O art. 51, VII, do CDC limita-se a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem, no momento da celebração do contrato, mas não impede que, posteriormente, diante de eventual litígio, havendo consenso entre as partes (em especial a aquiescência do consumidor), seja instaurado o procedimento arbitral. 6. Na hipótese sob julgamento, a atitude do recorrente (consumidor) de promover o ajuizamento da ação principal perante o juízo estatal evidencia, ainda que de forma implícita, a sua discordância em submeter-se ao procedimento arbitral, não podendo, pois, nos termos do art. 51, VII, do CDC, prevalecer a cláusula que impõe a sua utilização, visto ter-se dado de forma compulsória. 7. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 1753041/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/2018, DJe 21/09/2018)

Ver, no mesmo sentido, o Recurso Especial n° 1.189.050/SP, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, publicado no DJe de 14.3.2016.

A questão importante refere-se à convenção de arbitragem sobre direitos indisponíveis, atinentes a temas tributários, trabalhistas e de direito de família.

O mérito da possibilidade ou não de tais questões serem submetidas à arbitragem não será tratado neste artigo, mas há quem já defenda a arbitrabilidade dessas matérias, apesar de seu caráter indisponível.

3.2 Sentença arbitral emanada de quem não podia ser árbitro

Para se analisar a viabilidade de eventual invalidação da sentença arbitral pelo inciso II do artigo 32 da Lei de Arbitragem, é preciso entender, em primeiro lugar, que pode ser árbitro.

A resposta é dada pelo artigo 13 da Lei em comento que dispõe: “pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes”.

Nesse sentido, parece evidente que os incapazes (menores de 16 anos) e os relativamente incapazes (maiores de 16 anos e menores de 18 anos, ébrios habituais, viciados em tóxicos, pródigos e pessoas que transitória ou definitivamente não podem exprimir sua vontade) não podem assumir a função de árbitros.

Quanto ao pródigo, fica a ressalva de que sua condição, dependendo do tipo de arbitragem de que se trate, não afeta a sua atuação como árbitro.

Para o Professor Cahali, somente pode ser árbitro a pessoa natural (física) já que se trata de atividade personalíssima16; já para o Professor Scavone, na contramão da maior parte da doutrina, a pessoa jurídica pode ser árbitro17. Para o Professor Cahali, uma sentença emanada por pessoa jurídica, seria nula.

Interessante ainda lembrar que “por expressa restrição constitucional, o juiz togado está proibido de atuar como árbitro (art. 95, parágrafo único, I, CF/1988, sob pena de perder o cargo (art. 26, II, “a”, LOMAN), salvo se aposentado, pois haveria desvio de sua finalidade precípua: exercer a judicatura18.

O árbitro pode, ainda, ser estrangeiro e ter qualquer formação. É muito frequente que o árbitro seja um especialista na matéria controvertida, o que é até recomendável, podendo ser engenheiro, médico, químico, agrimensor, agrônomo, etc. Todavia, na prática, é importante que ao menos um dos árbitros seja advogado ou formado em ciências jurídicas de forma a evitar possíveis nulidades no desenvolvimento do procedimento arbitral e para garantir o conhecimento dos aspectos formais da Lei n° 9.307/1996.

A Lei de Arbitragem prevê, ainda, em seu artigo 14, que não podem ser árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes seja submetido, qualquer das relações que caracterizem os casos de impedimento ou suspeição de juízes, previstos nos artigos 144 e 145 do Código de Processo Civil em vigor, aplicando-se aos árbitros os mesmos deveres e responsabilidades.

O juiz está impedido de obrar no processo (artigo 144, CPC/2002): I – em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como membro do Ministério Público ou prestou depoimento como testemunha; II – de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão; III – quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive; IV – quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive; V – quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica parte no processo; VI – quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes; VII – em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços; VIII – em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório; IX – quando promover ação contra a parte ou seu advogado.

Há suspeição do juiz (artigo 145, CPC/2002): I – quando for amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados; II – que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio; III – quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive; IV – interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.

Nesses mesmos casos os árbitros não deverão aceitar a função, cabendo-lhes revelar qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência, nos termos do que determina o §1° do artigo 14 da Lei de Arbitragem.

Quanto às causas de impedimento ou suspeição do árbitro, questão interessante é a possibilidade ou não de seu afastamento.

O Professor Scavone entende que é possível o afastamento dessas causas pela vontade das partes, de acordo com o que for estipulado na convenção de arbitragem, “até porque o árbitro, tal qual exige o caput do art.13 da Lei de Arbitragem, deve gozar da confiança das partes19.

Já o Professor CAHALI entende que pode haver a aceitação do árbitro com restrições desde que haja o necessário “conhecimento da parte sobre a causa de recusa e a sua anuência com a nomeação do indicado, tudo em sintonia com o princípio da autonomia da vontade20.

Finalmente, a Lei de Arbitragem permite, o §2° do artigo 14, a recusa do árbitro somente por motivo ocorrido após a sua nomeação ou por motivo anterior à nomeação se não tiver sido nomeado diretamente pela parte ou o motivo para a recusa for conhecido após a sua nomeação.

3.3 Sentença arbitral que não contém os requisitos do artigo 26 da lei de arbitragem

O artigo 26 da Lei de Arbitragem determina nada mais do que os requisitos formais obrigatórios da sentença arbitral.

São eles: I – o relatório, o relatório, com nomes das partes e resumo do litígio; II – os fundamentos da decisão, em que serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se o(s) árbitro(s) julgou(aram) por equidade; III – o dispositivo, no qual constará a resolução do(s) árbitro(s) sobre as questões que lhe(s) são postas a exame e estabelece(m) o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; IV – a data e o lugar em que foi proferida. No parágrafo único do dispositivo legal em análise, consta a determinação, ainda, de que a sentença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros, cabendo ao presidente do tribunal arbitral, quando um ou alguns dos árbitros não puder ou não quiser assinar a sentença, certificar tal fato.

De um modo geral, os requisitos da sentença arbitral se assemelham aos da sentença judicial previstos no artigo 489 do Código de Processo Civil de 2015, especialmente no que tange aos primeiros incisos do artigo 26 que tratam do relatório, da fundamentação e do dispositivo.

Mas a sentença arbitral tem como requisitos adicionais, em relação à judicial, a necessidade de indicação da data e do lugar em que foi proferida e a assinatura do(s) árbitro(s).

A data da prolação tem a ver com o prazo para que a sentença arbitral seja proferida pelo árbitro, que é estabelecido pelas partes e, na ausência de previsão específica, deve ser proferida no prazo máximo de 6 meses contados da data em que o árbitro aceita a nomeação, nos termos do que dispõem os artigos 19 e 23 da Lei de Arbitragem, sendo que o não atendimento do prazo gera nulidade da sentença.

Já o local em que proferida a sentença arbitral tem importância para determinar a forma como se dará a sua execução – se imediata ou se haverá necessidade de homologação perante o Superior Tribunal de Justiça – e para a identificação do foro competente para conhecer e decidir questões relacionadas à arbitragem, inclusive eventual ação anulatória/desconstitutiva.

Em relação à assinatura da sentença pelo(s) árbitro(s), sua importância reside na comprovação de que “o agente da sentença era a pessoa investida pelas partes da função jurisdicional, sendo, portanto, a única – no caso da arbitragem singular – ou as únicas, se arbitragem coletiva, a viabilizar que a sentença arbitral seja capaz de produzir coisa julgada material21.

A sentença arbitral decidirá, também, sobre a responsabilidade das partes acerca de custas e despesas com a arbitragem e sobre verba decorrente de litigância de má-fé (se for o caso), respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, tudo conforme o previsto no artigo 27, da Lei de Arbitragem.

O acordo quanto ao litígio, feito no curso do procedimento arbitral, a pedido das partes, será objeto de homologação mediante sentença arbitral, sendo que a sentença homologatória de acordo deverá, também, conter os requisitos do artigo 26 da Lei de Arbitragem (artigo 28 da Lei de Arbitragem).

Aqui abre-se um parêntesis: as partes submetem o acordo/transação (que é “o ato jurídico bilateral que visa extinguir ou prevenir litígios mediante concessões recíprocas das partes interessadas ou, ainda, a composição com troca de vantagens pecuniárias22), a que chegaram durante o procedimento arbitral à homologação pelo árbitro, justamente para conferir a tal acordo eficácia de título executivo judicial, conforme art. 515, inciso VII do Código de Processo Civil de 2015. Tal como ocorre no processo judicial, em que a homologação tampouco é requisito de validade da transação. Mas ela é sim necessária para conferir eficácia de título executivo judicial ao acordo.

É bastante difícil que uma sentença não contenha os requisitos previstos no artigo 26 da Lei de Arbitragem.

Na maioria dos pedidos de invalidação da sentença arbitral com fundamento no inciso III do artigo 32 da Lei em análise, o fundamento é de ausência de fundamentação na sentença e, em quase todos os casos, a nulidade foi afastada, como se depreende dos julgados aqui colacionados:

Trata-se de agravo interposto por FLORENTINO LUIZ FERREIRA e outra contra decisão que inadmitiu recurso especial, com fulcro no art. 105, III, a, da Constituição Federal, em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim ementado: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE SENTENÇA ARBITRAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. PRELIMINAR AFASTADA. JULGAMENTO FUNDAMENTADO NOS FATOS E PROVAS COLIGIDAS AOS AUTOS. ARBITRAGEM POR EQUIDADE. NÃO CONFIGURADA. REQUISITOS DA SENTENÇA   ARBITRAL   CUMPRIDOS   (ARTIGO   26   DA   LEI   Nº   9.307/96). PREQUESTIONAMENTO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Não padece de nulidade a sentença, por ausência de fundamentação, quando o MM. Julgador, ainda que de forma concisa, expôs os motivos de seu convencimento. 2. Arbitragem por equidade é aquela em que o árbitro decide a controvérsia fora das regras de direito, de acordo com seu real saber e entender, podendo, assim, reduzir os efeitos da lei e decidir de acordo com seu critério de justo. 3. Na hipótese em análise, não há falar-se em julgamento por equidade, quando a sentença arbitral se fundamentou nos fatos e provas coligidas aos autos, restando devidamente cumpridos os requisitos do artigo 26 da Lei nº 9.307/96, não se enquadrando no caso de nulidade, disposto no inciso III do artigo 32 da Lei de Arbitragem, razão pela qual deve ser mantida a sentença, prolatada pela MM. Juíza, que julgou improcedente o pleito de sua anulação. 4. Inviável a pretensão de manifestação expressa acerca de determinados dispositivos citados, porquanto, dentre as funções do Poder Judiciário, não lhe é atribuída a de órgão consultivo. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. Nas razões do especial, alega-se violação dos arts. 397, 411 e 416 do Código Civil e art. 32, IV, da Lei n. 9.307/96. Decido. 2. A irresignação não merece prosperar. Observa-se que a matéria relativa ao art. 411 e 416 do CC, não foi objeto de análise pelo acórdão recorrido, uma vez que não houve manifestação a respeito do arbítrio do credor de exigir a satisfação da cláusula penal para o caso de mora, juntamente com o desempenho da obrigação principal, tampouco sobre a necessidade de o credor alegar prejuízo, para exigir a pena convencional. Não foram opostos embargos declaratórios com o fito de suprir a existência de eventual omissão perpetrada pelo Tribunal de origem. De modo que, a ausência de manifestação judicial a respeito da matéria trazida à apreciação desta Corte impede sua apreciação na presente via recursal, tendo em vista a falta de prequestionamento, requisito viabilizador do acesso às instâncias especiais. No caso, incidem, por analogia, as Súmulas 282 e 356 do STF. 3. Outrossim, o Tribunal de origem registra que a sentença arbitral foi firmada com base no ordenamento jurídico, pois, à luz dos arts. 394 e 397 do CC, reconheceu a mora de ambas as partes e, em razão da culpa recíproca, deixou de aplicar a multa moratória ao comprador, ora recorrido, em observância ao equilíbrio sinalagmático do contrato, previsto no parágrafo segundo, da cláusula segunda. 3.1 Ademais, destaca a nulidade da cláusula do contrato de compra e venda de imóvel firmado entre as partes, posto ser abusiva a previsão de penalidade exclusiva ao consumidor. 3.2 Desse modo, o Sodalício Estadual consigna que não há que se falar em nulidade da sentença arbitral, decorrente de julgamento baseado em equidade, quando na verdade, este baseou-se nos fatos e nas provas coligidas aos autos. 3.3 A reforma do aresto, nestes aspectos, demanda inegável necessidade de reexame de matéria fático-probatória, providência inviável de ser adotada em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula 7 desta Corte. 4. Ante o exposto, nego provimento ao agravo. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 21 de junho de 2019. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO Relator.” (STJ – AREsp: 1505201 GO 2019/0140208-0, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: DJ 01/07/2019) [gn]

APELAÇÃO. ANULATÓRIA DE SENTENÇA ARBITRAL. NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO AFASTADA. EXAME DE MÉRITO. INTERESSE PROCESSUAL NÃO DEMONSTRADO. REQUISITOS DO ARTIGO 32 DA LEI DE ARBITRAGEM NÃO PREENCHIDOS. DESPROVIMENTO. I – Não padece de nulidade por falta de fundamentação a decisão que, ainda de forma concisa, expõe os motivos do convencimento do julgador. II – Não cabe ao Poder Judiciário adentrar ao mérito do julgamento arbitral, restringindo-se à análise objetiva dos requisitos de nulidade alinhados no artigo 32, da Lei nº 9.307/96, alheios à hipótese, pelo que caracterizada a ausência de interesse processual da empesa apelante, a impor a manutenção da sentença que julgou extinta sem julgamento do mérito a ação anulatória. Mero inconformismo quanto ao conteúdo meritório da sentença arbitral não pode ser examinado pelo Poder Judiciário, disciplinado no rol do artigo 32 da lei de regência – Lei de Arbitragem sob o nº 9.307/96, as hipóteses de admissibilidade de nulidade da sentença arbitral: Art. 32. É nula a sentença arbitral se: I – for nulo o compromisso; II – emanou de quem não podia ser árbitro; III – não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei; IV – for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; V – não decidir todo o litígio submetido à arbitragem; VI – comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII – proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. III – Apelo conhecido e desprovido. IV – Honorários não majorados, com fulcro no artigo 85, § 11, CPC, vez que não foram fixados pelo juízo de origem.” (TJ-GO – Apelação (CPC): 00927407720188090051, Relator: BEATRIZ FIGUEIREDO FRANCO, Data de Julgamento: 30.8.2019, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 30.8.2019)

DUPLO AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NULIDADE DE SENTENÇA ARBITRAL. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 32, INC. III, C/C ART. 26, INC. II, AMBOS DA LEI N. 9.307/96. NÃO OCORRÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA.1. PRIMEIRO AGRAVO INTERNO. NULIDADE DA SENTENÇA ARBITRAL POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. DISSONÂNCIA COM A PARTE DISPOSITIVA NÃO COMPROVADA. Diante da devida fundamentação exposta na sentença arbitral e na sentença integrativa no que pertine a reconvenção e pedidos de esclarecimentos apresentados perante o juízo arbitral, nos termos do artigo 26 da Lei n. 9.307/96, conclui-se pela inexistência de qualquer nulidade no ato contestado, sendo incabível a utilização de ação anulatória com o desiderato de possibilitar a rediscussão da decisão proferida em procedimento arbitral. 2. SEGUNDO AGRAVO INTERNO. IMPUGNAÇÃO A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA CONCEDIDA AO REQUERENTE. AUSÊNCIA DE PROVAS.   Compete ao impugnante instruir o incidente de impugnação à assistência judiciária com as provas verossímeis de que a parte beneficiária possui condições de arcar com as custas e despesas processuais sem comprometer seu sustento ou o exercício da atividade empresarial, o que não foi cumprido neste caso, visto que, a inexistência de débitos perante este ou aquele ente federado não tem o condão de afastar a precariedade de sua situação financeira.3. DO AGRAVO INTERNO. Não infirmados pelo agravante os requisitos que embasaram a decisão recorrida, desmerece modificação o ato monocrático verberado. PRIMEIRO AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO. SEGUNDO AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJGO, Apelação (CPC) 5054034-59.2017.8.09.0051, Rel. Des (a). SANDRA REGINA TEODORO REIS, 6ª Câmara Cível, julgado em 21.9.2020, DJe de 21.9.2020)

APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE SENTENÇA ARBITRAL. Improcedência. Impugnação ao benefício de justiça gratuita. Ausência de provas que atestem a alteração da capacidade econômico-financeira da autora. Preliminar afastada. Validade e eficácia da cláusula arbitral. Sentença proferida em procedimento arbitral não se encontra eivada do alegado vício de falta de fundamentação. Inexistência de transgressão dos limites da convenção de arbitragem. Mera manifestação de inconformismo da parte com a decisão que lhe foi desfavorável. Impossibilidade de rediscussão de matéria já analisada pelo Tribunal Arbitral, órgão competente para dirimir os conflitos que surgirem na relação jurídica estabelecida entre as partes. Multa por litigância de má-fé devida e que deve ser majorada, ante a manifesta conduta protelatória. RECURSO DESPROVIDO, OBSERVADO O INCREMENTO DA SANÇÃO PROCESSUAL.” (TJSP, APELAÇÃO CÍVEL Nº 1054134-87.2019.8.26.0100, Relator: Des. Azuma Nishi, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 9.8.2021, DJe de 9.8.2021) – Apelante: Unimed Paulistana; Apelada: Unimed Sorocaba.

APELAÇÃO. AÇÃO ANULATÓRIA DE SENTENÇA ARBITRAL. Improcedência. Decisão reformada. Decadência não verificada. Prazo iniciado a partir do julgamento do segundo pedido de esclarecimentos, apreciado por árbitros novos, em razão da renúncia dos anteriores. Mérito. Inexistência de prova de fato que demonstre a parcialidade dos árbitros. Questão que, ainda, deveria ter sido arguida na primeira oportunidade. Art. 20 da lei 9.307/96. Vício de fundamentação existente. Percentual da indenização, ainda que fixado por equidade, não prescinde de fundamentação, sob pena de violação do inc. IX do art. 93 da CF e do art. 489, §1º do CPC, bem como do §2º do art. 21 e inc. II do art. 26, ambos da lei de arbitragem. Indenização que se mede pela extensão do dano. Art. 944 do CC. Decisão arbitral que também não conferiu prazo para a parte requerida se manifestar sobre relatório de empresa de auditoria utilizado para determinar o valor do preço final da compra e venda. Violação ao contraditório e à ampla defesa. Anulação dos capítulos da sentença arbitral que fixaram o percentual dos danos e o valor final do preço de compra e venda. Aplicação dos incs. III e VIII do art. 32 da Lei de Arbitragem. RECURSO PROVIDO EM PARTE.” (TJSP, APELAÇÃO CÍVEL Nº 1048961-82.2019.8.26.0000, Relator: Des. Azuma Nishi, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 10.3.2021, DJe de 10.3.2021)

3.4 Sentença arbitral proferida fora dos limites da convenção de arbitragem

Como bem ensina o Professor Francisco José Cahali, a convenção de arbitragem, seja na espécie de cláusula compromissória ou na de compromisso arbitral, desenha a moldura dentro da qual a jurisdição arbitral se desenvolverá. Se ultrapassados os limites desenhados na convenção, a sentença será “recortada e desconstituída” em relação apelas àquele excesso e para os pedidos cuja apreciação foi “faltante”, a sentença será devidamente complementada23.

Em outras palavras, o reconhecimento do julgamento ultra-petita (que excede o que foi entabulado na convenção de arbitragem) não implica a anulação da sentença, mas sim, apenas e tão somente, a eliminação do excesso (STJ, REsp 84.847/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, 3a Turma, j. 17.08.1999, DJ 20.09.1999, p. 60).

A sentença extra petita, que decide de forma diversa daquilo que foi determinado na convenção de arbitragem, obviamente será anulada, pela via judicial. E a sentença citra petita (aquela que não examina em toda a sua amplitude o pedido feito na inicial) será complementada em sede de jurisdição arbitral, utilizando-se, para tanto, a figura do pedido de esclarecimentos ou de complementação do artigo 30 da Lei de Arbitragem.

Para o Professor Cahali essas hipóteses são acadêmicas, pois na prática, normalmente, tudo flui bem, e assim se espera que seja na arbitragem.

3.5 Sentença arbitral comprovadamente proferida por prevaricação concussão ou corrupção passiva

Embora os árbitros não sejam funcionários públicos, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados àqueles, para os efeitos da legislação penal, conforme disposição do artigo 17 da Lei de Arbitragem.

As sentenças proferidas por prevaricação, concussão ou corrupção passiva, nas palavras do Professor Cahali, ficam “comprometidas pela objetiva e macroscópica parcialidade24.

Configura-se a prevaricação quando o funcionário público ou aquele a ele equiparado, retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal (artigo 319 do Código Penal); já a concussão se dá quando o funcionário público ou aquele a ele equiparado exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi- la, mas em razão dela, vantagem indevida (artigo 316 do Código Penal); e a corrupção passiva ocorre quando o funcionário público ou aquele a ele equiparado solicita ou recebe, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.

Nesses casos, evidenciada e comprovada a ocorrência de prevaricação, concussão ou corrupção passiva por parte do árbitro, a sentença arbitral deve ser desconstituída por nulidade absoluta.

3.6 Sentença arbitral proferida fora do prazo respeitado os disposto no artigo 12, inciso III da lei de arbitragem

Como é cediço, o procedimento arbitral tem tempo certo. A sentença arbitral será proferida no prazo que for estipulado pelas partes na convenção arbitral, no termo de arbitragem ou no regulamento da câmara onde ocorrerá o procedimento, ou, caso nada tendo sido convencionado, no prazo de 6 (seis) meses contados da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro (artigo 23, Lei de Arbitragem).

O descumprimento do prazo para prolação da sentença pode acarretar a invalidação da sentença, sendo indispensável para tanto a prévia notificação do árbitro ou presidente do tribunal arbitral, para ser proferida a decisão no prazo de 10 dias.

O artigo 12, inciso III, da Lei de Arbitragem, refere-se justamente à essa necessária notificação prévia do árbitro, pela parte interessada, para extinção do compromisso arbitral pela intempestividade da sentença.

Frise-se que somente o notificante poderá, querendo, propor a ação desconstitutiva da sentença proferida fora do prazo e, certamente, só irá pretender fazê-lo se a decisão lhe foi desfavorável.

A outra parte, inerte até então, estará impedida de, por este fundamento, pretender a invalidação da sentença.

Com efeito, confere a lei à parte interessada na extinção do compromisso a necessária iniciativa da notificação (artigo 12, III, da Lei 9.307/1996). E assim, a parte inerte estará despida de legitimidade para a ação desconstitutiva da sentença, pois não manifestou seu interesse na forma exigida em lei, ou seja, não cumpriu o requisito essencial para a ação: prévia notificação; e tudo condicionado à fluência in albis do prazo legal de tolerância – 10 (dez) dias.

3.7 Sentença arbitral proferida em desrespeito aos princípios de que trata o artigo 21, §2° da lei de arbitragem

A Lei 9.307/1996, por seu artigo 21, determina que a arbitragem seguirá o procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem que poderá se reportar às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada. Poderá, ainda, as partes delegar ao árbitro/tribunal arbitral, a regulamentação do procedimento.

Mesmo se tratando de procedimento de jurisdição privada, o parágrafo segundo do dispositivo legal em análise, determina que “serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento”.

Tal previsão decorre, inequivocamente, do princípio insculpido no artigo 5° inciso LIV da Constituição Federal, segundo o qual ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem a observação do devido processo legal.

Embora se trate de princípios abertos, é de se destacar que esses preceitos constituem normas de caráter cogente, ou seja, de ordem pública, que não podem ser derrogados pela vontade das partes e cujo desrespeito torna o ato praticado nulo, conforme entendimento de Gracileia Monteiro Tartuce e do Professor Flavio Tartuce25.

4. DO CABIMENTO DE AÇÃO DESCONSTITUTIVA DE SENTENÇA ARBITRAL NO CASO DE AFRONTA A PRECEDENTES VINCULANTES

Embora o rol do artigo 32 da Lei de Arbitragem tenha natureza taxativa, existe relevante discussão sobre o cabimento de ação desconstitutiva em caso de sentença arbitral que afronta precedentes vinculantes.

Nesse sentido, o Professor Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira destaca que a convenção de arbitragem deve ser analisada. Se há a obrigatoriedade de se seguir os precedentes vinculantes ou não. Havendo necessidade, caso o árbitro não siga o precedente, haverá nulidade pelo artigo 32, IV da Lei de Arbitragem, pois proferida fora dos limites da convenção.

Quando não há previsão sobre a vinculação do árbitro aos precedentes judiciais, existem posições diversas, tanto pela possibilidade de anulação como pela não anulação.

Os argumentos são de que a arbitragem não faz parte do Poder Judiciário então não haveria possibilidade de vinculação; outros entendem que há necessidade de vinculação quando a arbitragem for de direito e os precedentes judiciais integram o direito brasileiro.

Há que ser ressaltado que, caso o árbitro não siga os precedentes vinculantes, pode haver, pelas partes, uma dúvida quanto à segurança das sentenças na arbitragem, pois a discricionariedade do árbitro em não seguir os precedentes vinculantes podem desestimular as partes de preferir esse procedimento.

5. CONCLUSÃO

A arbitragem, que no Brasil é regulada pela Lei n° 9.307/1996, é meio heterocompositivo de solução de controvérsias, alternativo à via Judicial, em que as partes, maiores e capazes, escolhem livremente  um terceiro de sua confiança  e lhe atribuem a responsabilidade de resolver eventual conflito de interesses que surgir entre elas, sendo que a decisão desse terceiro é “impositiva”, resolvendo o conflito, independentemente da vontade das partes. Trata-se, pois, de meio privado e extrajudicial de solução de controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, por um terceiro imparcial, escolhido pelas partes, instituído mediante negócio jurídico denominado convenção de arbitragem, do qual são espécies a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, e que se encerra com a prolação da sentença.

Embora não haja quaisquer recursos previstos em lei para serem opostos em face da sentença arbitral e nem previsão de revisão de tal sentença pela Jurisdição Estatal, o artigo 33 da Lei de Arbitragem permite que a parte interessada pleiteie, ao órgão do Poder Judiciário competente, a declaração de nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos naquela Lei.

O controle judicial da sentença arbitral está adstrito, necessariamente, à regularidade formal da sentença arbitral, não adentrando na revisão do mérito da decisão em comento e, mais do que isso, está sujeito à provocação da parte interessada, dentro do prazo decadencial de 90 (noventa) dias contados da notificação da sentença ou da notificação da decisão do pedido de esclarecimentos, seja pessoal, postal ou por qualquer outro meio, através do procedimento comum (ação declaratória de nulidade da sentença) ou, ainda, poderá ser requerida na impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, conforme permissivo expresso do §3° do artigo 33 da Lei de Arbitragem.

E as hipóteses em que se pode requerer a invalidação da sentença arbitral vem taxativamente descritas no artigo 32 da Lei de Arbitragem, sendo, a maior parte delas, causas de nulidade relativa, razão pela qual submetidas ao prazo decadencial de 90 (noventa) dias para desconstituição, sob pena de preclusão. E não de nulidade como atecnicamente denominadas pelo legislador.

Pode ser invalidada a sentença se: I – for nula a convenção de arbitragem; II – emanou de quem não podia ser árbitro; III – não contiver os requisitos do artigo 26 da Lei de Arbitragem; IV – for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; VI – comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII – proferida fora do prazo, respeitado o disposto no artigo 12, inciso III, da Lei de Arbitragem; e VIII – forem desrespeitados os princípios de que trata o artigo 21, §2º, da Lei de Arbitragem.

E, apesar da taxatividade do rol em comento, há que se ressaltar que os árbitros devem respeitar também a ordem pública, sob pena de nulidade absoluta da sentença arbitral a ser pleiteada pela via judicial.

Finalmente, quanto à obrigatoriedade de se seguir os precedentes vinculantes, é preciso analisar a convenção de arbitragem. Se há a obrigatoriedade nesse sentido ou não. Havendo necessidade, caso o árbitro não siga o precedente, haverá nulidade pelo artigo 32, IV da Lei de Arbitragem, pois proferida fora dos limites da convenção. Não havendo previsão sobre vinculação do árbitro, existem posições diversas, tanto pela possibilidade de anulação como pela não anulação. Contudo, caso o árbitro não siga os precedentes vinculantes, pode haver, pelas partes, dúvidas quanto à segurança das sentenças na arbitragem, pois a discricionariedade do árbitro em não seguir os precedentes vinculantes pode desestimular as partes de preferir esse procedimento, sendo recomendável, portanto, o seguimento dos precedentes.


2 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 10ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 77.

3 BELLOCCHI, Márcio. Precedentes vinculantes e a aplicação do direito brasileiro na Convenção de Arbitragem. 1ª Ed. em e-book. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2017.

4 BELLOCCHI, Márcio. Precedentes vinculantes e a aplicação do direito brasileiro na Convenção de Arbitragem. 1ª Ed. em e-book. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2017.

5 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. Mediação. Conciliação. Tribunal multiportas. 8ª Ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 199, NOTA 13.

6 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. Mediação. Conciliação. Tribunal multiportas. 8ª Ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 301.

7 Beraldo, Leonardo de Faria. Curso de Arbitragem: Nos Termos da Lei n. 9.307/96. 6. Ed. São Paulo: Atlas, 2017. P. 481.

8 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. Mediação. Conciliação. Tribunal multiportas. 8ª Ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 304.

9 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Arbitragem: Mediação, Conciação e Negociação. 10ª ed., Rio de Janeiro:Forense, 2020, p. 192.

10 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Arbitragem: Mediação, Conciação e Negociação. 10ª ed., Rio de Janeiro:Forense, 2020, p. 204.

11 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Arbitragem: Mediação, Conciliação e Negociação. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 208.

12 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Arbitragem: Mediação, Conciliação e Negociação. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 204/206.

13 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. Mediação. Conciliação. Tribunal multiportas. 8ª Ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 297.

14 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. Mediação. Conciliação. Tribunal multiportas. 8ª Ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 297, nota 9

15 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem: Mediação: Conciliação: Tribunal Multiportas. 8.ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 298.

16 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem: Mediação: Conciliação: Tribunal Multiportas. 8.ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 156.

17 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Arbitragem: Mediação, Conciação e Negociação. 10ª ed., Rio de Janeiro:Forense, 2020, p. 117/118.

18 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem: mediação, conciliação, tribunal multiportas. 8.ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020 Pág.218.

19 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Arbitragem: Mediação, Conciliação e Negociação. 9. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019 – pág.131.

20 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem: Mediação, Conciliação, Tribunal multiportas. 8. Ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020 – pág.238.

21 VICENTE, Fabrizzio Mateucci. Arbitragem e Nulidades: Uma Proposta de Sistematização. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 162. 2010

22 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Obrigações. 4ª Ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006, p. 182.

23 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. Mediação. Conciliação. Tribunal multiportas. 8ª Ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 301.

24 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. Mediação. Conciliação. Tribunal multiportas. 8ª Ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 302

25 TARTUCE, Flavio; TARTUCE, Gracileia Monteiro. Da impugnação da sentença arbitral nacional no Brasil. Análise do rol do art. 32 da Lei de Arbitragem Brasileira. Disponível em: 2020_02_0465_0509.pdf (cidp.pt).Acesso em 19.3.2022.


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1Mestranda em Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais pela Escola Paulista de Direito (EPD); Pós- graduada (MBA) em Direito Corporativo e Compliance pela Escola Paulista de Direito (EPD); Pós-graduada em Direito Processual Civil e do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD); Advogada em São Paulo, Brasil.