REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202504291053
Rômulo Leles da Silva Araújo1
Frederico Fernandes Queiroga2
Paula do Carmo Vasconcelos Xavier3
Helenton Maranhão Porto Marinho4
RESUMO
A sepse representa uma das principais causas de mortalidade nos serviços de saúde, especialmente em unidades de urgência e emergência. Caracterizada por uma resposta inflamatória desregulada do hospedeiro a uma infecção, seu reconhecimento precoce e o manejo imediato são fundamentais para a redução da mortalidade. Este artigo discute a importância da identificação rápida da sepse, as condutas clínicas adequadas e a atuação da equipe multiprofissional. Por meio de uma revisão narrativa, foram analisadas diretrizes atuais e estudos relevantes, ressaltando a necessidade de capacitação contínua dos profissionais de saúde, a padronização dos protocolos assistenciais e a integração entre os setores hospitalares. Conclui-se que a melhoria nos índices de detecção e intervenção precoce é essencial para o enfrentamento eficaz da sepse nos serviços de urgência e emergência.
Palavras-chave: Sepse. Urgência. Emergência. Manejo clínico. Reconhecimento precoce.
ABSTRACT
Sepsis is a clinical syndrome characterized by a dysregulated host response to infection, resulting in life-threatening organ dysfunction. It remains one of the leading causes of mortality in emergency settings, particularly in developing countries such as Brazil. Early recognition and timely intervention are crucial for improving patient outcomes. This article aims to explore the importance of early identification and effective management of sepsis in urgent and emergency care settings. The discussion includes an overview of recent epidemiological data, the main systemic challenges faced by healthcare services, controversial therapeutic approaches, and the essential role of the multidisciplinary team. Strategies for institutional improvement and clinical protocols are also presented as fundamental tools in the fight against sepsis. Promoting continuous education, protocol implementation, and strengthening diagnostic support are key elements for reducing mortality and improving care quality for septic patients.
Keywords: Sepsis. Emergency. Early recognition. Multidisciplinary team. Protocols.
1 INTRODUÇÃO
A sepse é uma síndrome clínica grave, caracterizada por uma resposta inflamatória sistêmica desregulada frente a um agente infeccioso, resultando em disfunção orgânica e alto risco de morte (SINGER et al., 2016). Reconhecida como uma das principais causas de mortalidade evitável em todo o mundo, ela representa um dos maiores desafios contemporâneos da medicina, sobretudo em contextos de urgência e emergência, onde o tempo é um fator determinante para o prognóstico do paciente.
Historicamente, a sepse já foi considerada um evento raro e com apresentação majoritariamente hospitalar. Entretanto, com a evolução dos critérios diagnósticos e a compreensão mais ampla de seus mecanismos fisiopatológicos, ficou evidente que muitos casos se desenvolvem ou se agravam no ambiente pré-hospitalar e nos primeiros atendimentos médicos. Estima-se que, globalmente, ocorram entre 47 e 50 milhões de casos de sepse por ano, dos quais aproximadamente 11 milhões resultam em óbito, representando cerca de 20% de todas as mortes anuais no planeta (WHO, 2020). No Brasil, a taxa de letalidade hospitalar por sepse chega a ser o dobro da média mundial, especialmente em hospitais públicos, onde limitações estruturais e operacionais ainda persistem (ILAS, 2023).
A despeito dos avanços na medicina intensiva, a sepse continua sendo subdiagnosticada, muitas vezes confundida com outras condições clínicas ou mascarada por sintomas inespecíficos. Em ambientes de urgência e emergência, onde há alta rotatividade de pacientes e recursos muitas vezes escassos, o desafio é ainda maior. A apresentação clínica pode variar desde febre isolada até hipotensão, taquicardia, taquipneia, alteração do estado mental e sinais de falência orgânica múltipla. Essa variabilidade exige do profissional de saúde não apenas conhecimento técnico, mas também raciocínio clínico rápido e atuação integrada com os demais membros da equipe multiprofissional (EVANS et al., 2021).
A importância do reconhecimento precoce da sepse é amplamente respaldada pela literatura. Estudos mostram que a cada hora de atraso na administração da antibioticoterapia adequada, há um aumento significativo da mortalidade (RHODES et al., 2017). Essa constatação reforça a necessidade de adoção de protocolos assistenciais específicos, como as diretrizes da Surviving Sepsis Campaign, e da implementação de fluxogramas clínicos para facilitar a triagem e o tratamento imediato. Além disso, a educação continuada dos profissionais de saúde e a padronização das condutas são estratégias fundamentais para reduzir a variabilidade na abordagem inicial da sepse e melhorar os desfechos clínicos (FERREIRA et al., 2018).
É preciso também considerar as desigualdades regionais e os determinantes sociais que influenciam diretamente a resposta ao tratamento da sepse. Em regiões com menor acesso a tecnologias diagnósticas rápidas, como gasometria e marcadores inflamatórios (ex: lactato, procalcitonina), o diagnóstico pode ser atrasado, comprometendo a intervenção precoce. Outro fator relevante é a resistência antimicrobiana, que complica o manejo terapêutico e demanda uma abordagem racional no uso de antibióticos (RANIERI et al., 2021).
Diante desse panorama, este artigo propõe uma análise aprofundada sobre a importância do reconhecimento precoce e do manejo eficiente da sepse no ambiente de urgência e emergência, com base nas evidências científicas mais recentes e nas diretrizes atuais de boas práticas. A discussão abrange não apenas os aspectos clínicos e terapêuticos, mas também as falhas sistêmicas, o papel da equipe multiprofissional e estratégias para melhoria contínua da qualidade assistencial.
2 METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão narrativa da literatura, baseada na análise de artigos científicos publicados entre 2016 e 2024, com foco na abordagem da sepse em ambientes de urgência e emergência. As bases de dados utilizadas foram PubMed, SciELO, LILACS e Google Scholar. Foram selecionados estudos que abordam epidemiologia, protocolos de reconhecimento precoce, estratégias terapêuticas e o papel da equipe multiprofissional no manejo da sepse. Diretrizes internacionais como a Surviving Sepsis Campaign (2016 e 2021) e relatórios do Instituto Latino-Americano de Sepse (ILAS) também foram considerados para embasamento teórico e prático.
3 DISCUSSÃO
A sepse representa um dos maiores desafios contemporâneos na prática médica, especialmente em serviços de urgência e emergência, onde o tempo entre o início dos sintomas e o reconhecimento clínico é determinante para a sobrevida do paciente. O cenário é agravado pela alta prevalência da condição e pela significativa taxa de mortalidade associada, especialmente em países em desenvolvimento. No Brasil, estudos recentes do Instituto Latino-Americano da Sepse (ILAS, 2023) mostram taxas de mortalidade que chegam a 55% em hospitais públicos, muito acima das médias observadas em países com sistemas de saúde mais estruturados, como os da Europa Ocidental, onde a taxa gira em torno de 25% (RANIERI et al., 2021).
Esse panorama revela fragilidades sistêmicas, como a ausência de protocolos clínicos bem estabelecidos, a baixa adesão a diretrizes internacionais e a deficiência na capacitação continuada dos profissionais de saúde. Em muitas instituições brasileiras, o reconhecimento da sepse ainda depende da experiência clínica individual, o que é preocupante, considerando que a apresentação da síndrome pode ser insidiosa e se confundir com outras condições, como desidratação, infecção urinária simples ou exacerbações de doenças crônicas (FERREIRA et al., 2018).
Além disso, a falta de infraestrutura adequada compromete a eficácia do diagnóstico e do tratamento. Exames laboratoriais como lactato sérico e hemoculturas são fundamentais para o diagnóstico e direcionamento terapêutico da sepse, mas nem sempre estão disponíveis de forma ágil, especialmente em serviços de menor complexidade ou de regiões periféricas (EVANS et al., 2021). A carência de leitos de terapia intensiva e a superlotação das unidades de pronto atendimento também são fatores que atrasam a abordagem ideal e contribuem para a evolução desfavorável dos casos.
Outro ponto sensível diz respeito às condutas controversas, como o uso indiscriminado de antibióticos em pacientes sem confirmação microbiológica de infecção. Embora a administração precoce de antimicrobianos esteja associada à melhora nos desfechos, o uso empírico sem critérios bem definidos pode levar à seleção de cepas resistentes, aumento da toxicidade medicamentosa e desperdício de recursos (KALIL et al., 2016). Nesse sentido, a avaliação criteriosa baseada em escores clínicos como o qSOFA, NEWS e SIRS, em conjunto com exames complementares, é essencial para evitar tanto o subtratamento quanto o overtreatment.
O papel da equipe multiprofissional também merece destaque na abordagem da sepse. O sucesso do manejo está diretamente relacionado à atuação coordenada entre médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos e técnicos de enfermagem. A enfermagem, por exemplo, desempenha papel vital na triagem inicial, no reconhecimento de sinais de deterioração clínica e no monitoramento contínuo dos parâmetros vitais. Já o farmacêutico clínico contribui na otimização da antibioticoterapia, promovendo a escolha adequada do fármaco, dose, via de administração e tempo de infusão (KUMAR et al., 2006).
A implementação de protocolos institucionais baseados nas diretrizes da Surviving Sepsis Campaign (2021) é uma das estratégias mais eficazes para padronizar o atendimento e reduzir a mortalidade. Estes protocolos incluem medidas como administração de antibiótico em até uma hora, coleta de culturas antes do início do tratamento, controle do foco infeccioso e reposição volêmica guiada por parâmetros clínicos e laboratoriais. Estudos mostram que hospitais que adotaram tais protocolos reduziram em até 25% a mortalidade por sepse grave (RHODES et al., 2017).
Entre as propostas de melhoria destacam-se: a capacitação contínua das equipes de urgência e emergência por meio de treinamentos simulados; a informatização de alertas clínicos baseados em inteligência artificial para triagem precoce de sepse; a ampliação da rede laboratorial com exames point-of-care; e o fortalecimento da vigilância epidemiológica hospitalar, permitindo monitoramento ativo dos casos e auditoria das condutas.
Por fim, destaca-se a importância da educação em saúde para a população geral. Muitos pacientes chegam tardiamente ao serviço de urgência por não reconhecerem os sinais iniciais da sepse, como febre, fraqueza, alteração do nível de consciência e confusão mental. Campanhas públicas, como o “Alerta Sepse” promovido por entidades como o ILAS, são estratégias eficazes para aumentar o conhecimento popular sobre o tema e estimular a busca precoce por atendimento médico (ILAS, 2023).
Dessa forma, a sepse deve ser encarada como uma emergência médica de alta complexidade que exige resposta rápida, coordenada e baseada em evidências. A superação dos desafios relacionados ao seu manejo depende de uma abordagem sistêmica que envolva infraestrutura adequada, capacitação multiprofissional, adesão a protocolos clínicos e vigilância contínua da qualidade assistencial.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sepse representa uma emergência médica complexa, cuja abordagem eficaz depende de múltiplos fatores interligados. O reconhecimento precoce, o manejo inicial adequado e a atuação integrada da equipe multiprofissional são pilares fundamentais para reduzir a alta mortalidade associada à condição. A implementação de protocolos, capacitações periódicas e melhorias estruturais nos serviços de saúde são estratégias imprescindíveis para enfrentar os desafios do cuidado ao paciente séptico. Portanto, investir em educação em saúde, padronização de condutas e fortalecimento da rede de urgência e emergência é essencial para transformar a realidade da sepse no Brasil e no mundo.
5 REFERÊNCIAS
RHODES, A. et al. Surviving Sepsis Campaign: International Guidelines for Management of Sepsis and Septic Shock: 2016. Intensive Care Medicine, v. 43, p. 304– 377, 2017.
SINGER, M. et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA, v. 315, n. 8, p. 801–810, 2016.
EVANS, L. et al. Surviving Sepsis Campaign: International Guidelines for the Management of Sepsis and Septic Shock 2021. Intensive Care Medicine, v. 47, p. 1181– 1247, 2021.
INSTITUTO LATINO-AMERICANO DE SEPSE (ILAS). Relatório Nacional sobre Protocolos Institucionais de Sepse. 2023. Disponível em: https://ilas.org.br
HENRY, K. E. et al. A targeted real-time early warning score (TREWScore) for septic shock. Science Translational Medicine, v. 7, n. 299, 2022.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Global report on the epidemiology and burden of sepsis. Geneva: WHO, 2020.
FERREIRA, A. M. et al. Identificação precoce da sepse na emergência: impacto de um protocolo assistencial. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 30, n. 4, p. 471-478, 2018.
MARTINS, G. A.; THEÓPHILO, C. R. Metodologia da pesquisa científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2020.
RANIERI, V. M. et al. Sepsis management in resource-limited settings: challenges and recommendations. The Lancet Global Health, v. 9, e427–e437, 2021.
SANTOS, F. R. et al. Impacto da capacitação multiprofissional na identificação precoce e manejo da sepse. Revista de Saúde Pública, v. 54, 2020.
1Farmacêutico, Mestre em Ciências Genômicas e Biotecnologia e acadêmico de medicina da Universidade de Rio Verde.
2Acadêmico de medicina da Universidade de Rio Verde.
3Médica do Hospital Estadual de Luziânia-GO.
4Médico do Hospital Estadual de Luziânia-GO.