A IMPORTÂNCIA DO JUIZ DE GARANTIAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: ANÁLISE CRÍTICA E REPERCUSSÕES NA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411231401


Carvalho, Lucimar1


RESUMO

A introdução ao tema da implementação do juiz de garantias no sistema jurídico brasileiro tem sido marcada por intensos debates desde sua proposição pela Lei nº 13.964/2019, inserida no chamado “Pacote Anticrime”, até sua recente aprovação unânime pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto de 2023. Diante deste assunto, investiga-se como a implantação do juiz de garantias poderia contribuir para minimizar os danos na fase de investigação preliminar e na efetividade dos direitos fundamentais, na ótica dos magistrados do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Assim, o objetivo geral deste estudo é realizar uma análise abrangente dos principais aspectos e implicações da implementação dos Juízes de Garantias no âmbito do Tribunal de Justiça do Paraná (PR). Quanto à metodologia, adotaremos uma abordagem qualitativa, com objetivos exploratórios, fundamentada no método hipotético-dedutivo.

Palavraschave: Juiz de Garantias. Investigação Preliminar. Juiz de Instrução. Processo Penal.

ABSTRACT

The introduction to the topic of implementing the judge of guarantees in the Brazilian legal system has been marked by intense debates since its proposal by Law No. 13,964/2019, inserted in the so-called “Anti-Crime Package,” until its recent unanimous approval by the Supreme Federal Court (STF) in August 2023. Given this subject, we investigate how the implementation of the judge of guarantees could contribute to minimizing damages in the preliminary investigation phase and to the effectiveness of fundamental rights, from the perspective of the magistrates of the Court of Justice of the State of Paraná. Thus, the general objective of this study is to carry out a comprehensive analysis of the main aspects and implications of the implementation of the Judges of Guarantees within the scope of the Court of Justice of Paraná (PR). Regarding the methodology, we will adopt a qualitative approach with exploratory objectives, based on the hypothetical-deductive method.

Keywords: Guarantee Judge. Preliminary Investigation. Instruction Judge. Criminal Procedure.

INTRODUÇÃO

O juiz de garantias é uma figura introduzida recentemente no sistema jurídico brasileiro com o objetivo de fortalecer os princípios fundamentais do devido processo legal e da imparcialidade judicial. Previsto na Lei nº 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”, esse novo modelo de magistratura se destina a atuar exclusivamente na fase de investigação criminal, diferenciando-se do juiz de instrução ou juiz de julgamento. Sua principal função é supervisionar as atividades de investigação, garantindo a proteção dos direitos fundamentais dos investigados e a legalidade dos procedimentos. Ao separar as funções de investigação e julgamento, o juiz de garantias busca assegurar um processo mais justo e equilibrado, prevenindo possíveis influências indevidas e garantindo a imparcialidade na condução do caso. Essa introdução do juiz de garantias representa uma significativa mudança no sistema judicial brasileiro, exigindo uma compreensão abrangente de suas implicações e desafios.

Ao promover a imparcialidade e salvaguardar os direitos individuais, o juiz de garantias desafia paradigmas enraizados no sistema judiciário brasileiro. Sua implementação reflete uma preocupação crescente com a efetivação dos princípios democráticos e o fortalecimento do Estado de Direito. Ao incumbir um juiz independente de supervisionar a fase inicial da investigação, nosso sistema jurídico busca mitigar potenciais abusos de autoridade e garantir o respeito aos direitos fundamentais desde o início do processo penal. Assim, a introdução do juiz de garantias representa um avanço significativo na busca por um sistema de justiça mais equitativo, transparente e eficiente.

O objetivo geral deste estudo é realizar uma análise abrangente dos principais aspectos e implicações decorrentes da implantação dos Juízes de Garantias no Tribunal de Justiça do Paraná (PR), além de evidenciar a sua importância na garantia da imparcialidade do processo penal, protegendo os direitos fundamentais do acusado e promovendo uma investigação mais justa e equilibrada. Ao separar a fase de investigação preliminar da fase de julgamento, o juiz de garantias contribui para evitar possíveis influências indevidas, assegurar o contraditório e a ampla defesa, além de fortalecer a confiança no sistema de justiça. Em suma, busca-se alcançar um processo penal mais justo e transparente com a implementação do juiz de garantias.

1.  CONCEITO DE JUIZ DE GARANTIAS

Um tema muito comentado e controverso, reunindo debates e análises no cenário jurídico nacional e que vem se destacando é sobre a implementação do juiz de garantias no Brasil. Isso porque, desde agosto de 2023, o STF divulgou que a alteração no Código de Processo Penal instituindo o Juiz de Garantias é constitucional e, portanto, faz-se obrigatória a implantação num prazo de 12 meses (podendo ser prorrogada por mais 12 meses, findando em agosto de 2025). Introduzida através da Lei 13.964/2019 (BRASIL, 2019), a chamada Lei Anticrime visa assegurar a imparcialidade do magistrado e proteger os direitos individuais do acusado, durante a fase de investigação. Esse novo modelo jurídico tem levantado discussões acerca dos impactos que essa implementação poderia desempenhar na celeridade do processo penal. (OLIVEIRA, 2020).

Como mencionado, o juiz de garantias veio através do pacote anticrime, que foi um conjunto de ações propostas no então Governo de Jair Bolsonaro, com o objetivo de consolidar a legislação penal contra os crimes impunes, aumentar as penas para determinados crimes, limitar os benefícios processuais e adotar novas práticas no sistema de justiça criminal e dentro dessas medidas. A implantação do juiz de garantias é uma temática de relevância no contexto jurídico brasileiro, especialmente no que diz respeito às garantias processuais penais e aos processos estruturais. (GARCIA, 2014).

Tendo como principal foco a redução dos danos na fase de investigação preliminar, o juiz de garantias vem com a proposta de atuação independente e imparcial. Sua atuação seria apenas na fase investigativa e outro magistrado seguiria com o julgamento do processo. Separando essas funções é possível notar que, por ter um olhar imparcial sobre a investigação inicial, ou, de acordo com Oliveira “baseia-se na garantia da originalidade cognitiva”, o juiz de garantias consegue maior efetividade na preservação dos direitos dos envolvidos, minimizando possíveis manipulações ou má direcionamento da investigação. (OLIVEIRA, 2020. pag. 160).

Embora essa proposta tenha eficácia no desdobramento da investigação, ainda assim tem levantado questões sobre sua aplicabilidade e possíveis impactos na estrutura processual. No Tribunal de Justiça do Paraná, essa implementação traz consigo desafios e oportunidades que merecem ser analisados de forma translacional, buscando compreender tanto os aspectos práticos da adoção dessa medida quanto os impactos nas garantias processuais e na estrutura do sistema de justiça criminal. (MENDES, 2023).

2.  OBJETIVOS GERAL E ESPECÍFICOS SOBRE O TEMA
  • OBJETIVO GERAL

Analisar os principais aspectos e implicações da implantação dos Juízes de Garantias no Tribunal de Justiça do Paraná (PR).

  • OBJETIVOS ESPECÍFICOS
  1. Analisar os sistemas processuais penais, com destaque para o sistema acusatório no processo penal brasileiro.
  2. Descrever o instituto da investigação criminal e a implantação do juiz de garantias criado pelo pacote anticrime.
  3. Analisar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade acerca da temática do juiz de garantias.
  4. Discorrer sobre a importância e os impactos da implantação dos Juízes de Garantias, abordando uma perspectiva translacional entre as garantias processuais penais e os processos estruturais no Tribunal de Justiça do Paraná.
3.      METODOLOGIA

O estudo delineado para este tema caracteriza-se como uma pesquisa de natureza qualitativa, orientada por objetivos exploratórios, os quais têm por finalidade abordar as categorias teóricas de pesquisa bibliográfica, leis e sentença transitada em julgada.

Seguindo o método proposto, a pesquisa parte da hipótese de que a implementação do juiz de garantias pode alterar significativamente a dinâmica das investigações preliminares. Essa mudança pressupõe que um juiz especializado na supervisão das fases iniciais do processo criminal possa garantir imparcialidade, equilíbrio entre as partes e proteção dos direitos fundamentais. Além disso, a hipótese considera que esse protocolo pode aumentar a fiscalização e o controle das diligências investigativas, reduzindo assim a probabilidade de influências indevidas e danos ao acusado.

No que diz respeito à coleta de dados, o estudo empregará inicialmente as técnicas bibliográfica e documental para cumprir os objetivos exploratórios alinhados com os objetivos específicos definidos. Adicionalmente, serão realizadas pesquisas em ferramentas de apoio que facilitam a busca por outras pesquisas similares, visando à comparação das mesmas.

Essa abordagem metodológica visa a proporcionar uma visão abrangente e aprofundada do impacto e da eficácia do juiz de garantias no sistema de justiça penal brasileiro, contribuindo para uma análise mais holística e embasada sobre o tema.

4.  A IMPORTÂNCIA DO JUIZ DE GARANTIAS NO NOVO CENÁRIO JURÍDICO

O surgimento do juiz de garantias em um novo contexto jurídico é de grande importância para o sistema de justiça, visando garantir a imparcialidade, independência e efetividade das decisões judiciais. Este magistrado desempenha um papel fundamental ao equilibrar os interesses da acusação e da defesa no processo penal. Ao supervisionar a fase de investigação, sua responsabilidade primordial é assegurar a legalidade das diligências e proteger os direitos fundamentais do investigado. Essa atuação contribui significativamente para a imparcialidade do processo, uma vez que outro juiz será encarregado de decidir sobre a culpabilidade ou inocência do réu, minimizando assim qualquer influência indevida durante a investigação.

A implementação no Brasil está sendo um assunto complexo e controverso, visto que o juiz de garantias é um magistrado responsável por acompanhar a fase inicial de investigação criminal, garantindo a imparcialidade do processo, enquanto outro juiz, o de instrução, ficaria responsável pelo restante do processo, ou seja, a fase do julgamento propriamente dito. Sendo assim, Garcia afirma que o juiz das garantias se enquadra perfeitamente nessa linha acusatória de processo e ao Estado Democrático de Direito. (GARCIA, 2014).

A proposta de implementação do juiz de garantias foi incluída no pacote anticrime apresentado pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2019, entrando em vigor em janeiro de 2020. Embora seja uma Lei, sua implementação tem gerado muitas polêmicas e críticas, argumentando que o juiz de garantias pode sobrecarregar o sistema judiciário e dificultar a condução dos processos criminais. (MENDES, 2023).

O juiz de garantias pode ter um papel relevante muito forte e aparente na sociedade. De acordo com Garcia (2014, p. 5): “Ele será responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais. Trata-se portanto, de um magistrado cujo âmbito de atuação é assegurar os direitos e as garantias fundamentais do cidadão na fase de investigação criminal”.

Além disso, esse magistrado tem o dever de evitar abusos por parte das autoridades policiais e do Ministério Público. Ele atua na fase de investigação criminal, garantindo que os direitos do investigado sejam respeitados e que a apuração dos fatos seja conduzida de forma justa e equitativa.

É através do juiz de garantias que se busca separar as funções da investigação e julgamento. Dessa forma, atribui-se dois juízes diferentes ao mesmo caso. Por essa razão, o juiz de garantias, quando designado pelo MP, começa a agir no início da investigação, e o segundo juiz do caso, age na parte do julgamento. Segundo Comar (2022) essa separação de funções é considerada importante para evitar possíveis abusos por parte do poder investigativo, garantindo o equilíbrio e imparcialidade do processo penal. O juiz de garantias atua como um filtro, reduzindo os possíveis excessos e preservando os direitos fundamentais dos cidadãos durante a fase de investigação. (COMAR, 2022).

Ferrajoli (2014) defende que o juiz de garantias é uma figura essencial para assegurar a imparcialidade e a proteção dos direitos durante a fase de investigação, desempenhando um papel fundamental na garantia dos direitos legais dos suspeitos. Essa separação de funções permite evitar a influência excessiva do juiz no processo investigatório, garantindo que ele possa atuar de forma imparcial na fase posterior de julgamento. (CNJ, 2020).

Apesar da indiscutível relevância do tema, é importante destacar o embate entre os recursos públicos e a implementação do juiz de garantias. Certamente, haverá despesas associadas a essa medida, embora no momento atual não seja possível quantificá-las. O custo de um juiz de garantias pode variar consideravelmente de acordo com o país e o sistema jurídico em questão. No Brasil, onde a introdução do juiz de garantias ainda é recente, não há um valor específico definido previamente para esse cargo.

Ademais, as opiniões seguem divididas, alguns magistrados apoiam a implementação do cargo, argumentando que um juiz de garantias será fundamental para fortalecer os processos estruturais, garantindo a imparcialidade na fase de investigação. Em contrapartida, porém não menos importante, tem a questão dos custos associados a esse cargo. É fato que a preocupação com as despesas do juiz de garantia gera desconforto em certos aspectos, embora o cargo seja deveras aproveitado, os custos não são apenas da folha do novo magistrado, mas sim custos físicos tais como, estrutura, equipamentos e abertura de novas vagas para a corte. (COMAR, 2022).

De acordo com o Ministro Dias Toffoli (2020), esse cargo não é novo, é uma reestruturação do cargo existente, sem novas competências dentro do Poder Judiciário. (BRASIL, 2020). Visão contrária do Conselho Nacional de Justiça que aponta um choque orçamentário por conta das novas contratações de juízes. (COMAR, 2022). A ADI 6298 defende a implantação seguindo o argumento do Ministro Dias Toffoli de que seria uma reestruturação e que não se pode imaginar o impacto financeiro, visto que nunca houve uma distribuição dessa magnitude no Brasil. (BRASIL, 2023).

A reflexão teórica no campo do Direito desempenha um papel fundamental no processo de capacitação dos profissionais dessa área, proporcionando ferramentas úteis para a análise crítica, argumentação consistente e tomada de decisões. Embora seja um assunto relativamente novo, sua importância é realmente incontestável. Essas reflexões teóricas proporcionam aos profissionais do Direito a capacidade de interpretar as leis e jurisprudências no contexto de suas aplicações práticas.

Destaca-se que a proposta deste estudo e a validação de sua originalidade foram alcançadas através da elaboração do estado do conhecimento da temática selecionada. Esse procedimento busca identificar, registrar e categorizar informações que possibilitem a reflexão e síntese acerca de uma área específica de produção científica, dentro de um determinado período temporal. (MARCONI, 2003).

4.1 COLETA DE DADOS SOBRE A PESQUISA DO TEMA

Segundo Ferreira (2002), o processo de levantamento e organização ocorre em duas etapas distintas: inicialmente, envolve a interação direta do pesquisador com a produção bibliográfica, compreendendo a quantificação e identificação dos dados. Essa fase permite identificar o escopo das pesquisas, além de determinar a área de produção e o período de publicação. Em um segundo momento, é possível catalogar, relacionar e listar as principais tendências, enfoques, metodologias e fontes teóricas predominantes.

Primeiramente foi decidido realizar dois levantamentos: um na Scientific Electronic Library Online (SciELO2) e, posteriormente, uma investigação na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações. A SciELO é uma biblioteca eletrônica que engloba uma coleção seleta de periódicos científicos, enquanto a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações congrega e dissemina os textos completos de teses e dissertações produzidas nas instituições de ensino e pesquisa do Brasil.

Tendo em vista o conhecimento dessas duas bases para a coleta de dados, procedeu- se à análise separada em cada uma delas, utilizando como descritores de busca as palavras- chave: “investigação criminal” e “juiz de garantias”. Posteriormente, realizou-se um cruzamento de dados entre todas essas categorias para a correlação do tema:

SciELOBiblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
Investigação Criminal: 47Investigação Criminal: 246
Juiz de Garantias: 5Juiz de Garantias: 2
Correlação com o tema: 3Correlação com o tema: 0

Na base da SciELO, relacionando os termos de pesquisa “investigação criminal” foi possível chegar em 47 trabalhos. Ao relacionar o termo “juiz de garantias” foram encontrados apenas 5 trabalhos. Analisando os 5 trabalhos encontrados, apenas 3 trabalhos se correlacionavam de alguma forma com o tema proposto neste projeto, porém nenhum deles analisava como se dará a implantação do juiz de garantias.

Entrando na base da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, relacionando os mesmos tópicos de pesquisa “investigação criminal” e “juiz de garantia”, chegou-se ao resultado de 246 resultados para a primeira pesquisa e apenas 2 para a segunda. Ao final da análise, nenhum dos trabalhos da base se correlacionava com o tema proposto.


     Scientific Electronic Library Online (SciELO), também conhecida pelo nome em português Biblioteca Eletrônica Científica Online, é uma biblioteca digital de livre acesso e um projeto cooperativo de publicação digital de periódicos científicos.

1.1 ANÁLISE DA COLETA DE DADOS E JUSTIFICATIVA DA ESCOLHA DO TEMA

A análise do estado do conhecimento permite evidenciar a importância, relevância, singularidade e urgência da atual proposta de pesquisa, considerando a escassez de trabalhos existentes relacionados ao tema em estudo.

Considerando que a implementação dos juízes de garantia por meio do pacote anticrime implica em uma alteração substancial no exercício da atividade judicante, este estudo busca fundamentar a importância da investigação, enfatizando a salvaguarda dos direitos individuais, a efetividade do devido processo penal e a viabilidade prática desta teoria jurídica.

O objetivo primordial é analisar, sob uma abordagem translacional, a necessidade de realizar um diagnóstico crítico-reflexivo acerca da implementação do Juiz de Garantias: Uma Perspectiva Translacional entre as Garantias Processuais Penais e os Processos Estruturais no Sistema de Justiça Criminal brasileiro, com base em contribuições teóricas relevantes. Este empreendimento visa buscar inovações e aprimoramentos práticos que assegurem a imparcialidade   do    julgador,   justificando,   assim,    a    condução    da    pesquisa. Seus desdobramentos revelarão a eficácia ou ineficácia dessa implementação, identificando, ainda, as medidas legislativas e administrativas necessárias para a adequação da estrutura judiciária. No âmbito jurídico, uma perspectiva translacional refere-se à importância de se estabelecer uma conexão efetiva entre as pesquisas acadêmicas e científicas na área do Direito e a sua aplicação prática no sistema judicial. Ela visa assegurar que os conhecimentos produzidos sejam incorporados nas decisões judiciais, de modo a promover resultados mais justos e consistentes. (DA SILVA, 2021).

No que se refere ao juiz de garantias, esse é um modelo de organização judicial que tem como objetivo assegurar uma maior imparcialidade e eficiência na aplicação da lei. Comar (2022) entende que, enquanto um juiz é responsável pela condução da investigação, o juiz de garantias assume o papel de supervisor imparcial durante todo o processo, garantindo assim uma visão mais equilibrada e protegendo os direitos fundamentais do acusado. A relação entre a perspectiva translacional e o juiz de garantias pode ser observada na medida em que ambos buscam aprimorar a aplicação da justiça. (COMAR, 2022).

Seguindo as contribuições de Da Silva (2021, p. 15) “o modelo de juiz de garantias, ao separar as funções de investigação e julgamento, possibilita uma atuação mais imparcial do magistrado na análise da prova e no controle do poder investigativo do Estado”. Isso contribui para uma maior transparência e garantia dos direitos fundamentais dos envolvidos no processo penal.

Em resumo, a perspectiva translacional pode enriquecer a análise do modelo do juiz de garantias, mesmo que ainda não esteja efetivamente implementado no Brasil. É considerado um dos aspectos teóricos relevantes, pois sua implementação está em processo, e as experiências práticas estão por vir. Isso permitirá uma compreensão mais profunda de suas vantagens e desafios, além de identificar maneiras de aprimorá-lo no contexto jurídico brasileiro.

5.O     PAPEL    DO    JUIZ    DE    GARANTIAS     NO       CENÁRIO        JURÍDICO BRASILEIRO

Ressalte-se que o juiz de garantias foi um ato institucional que veio à luz com o pacote anticrime que foi aprovado em 2019 e entrou em vigor em 2020. Esse pacote é um conjunto de medidas previstas na legislação brasileira que busca combater a criminalidade e melhorar o sistema de justiça criminal e uma das principais inovações trazidas pelo pacote anticrime é a criação do instituto do Juiz de Garantias. (OLIVEIRA, 2020).

O Juiz de Garantias é um magistrado responsável por acompanhar a fase de investigação criminal, garantindo a imparcialidade do processo. Ele não participa do julgamento, apenas supervisiona a etapa de apuração dos fatos. Seu principal objetivo é evitar que um mesmo juiz que tenha acompanhado a fase de investigação também participe do julgamento, o que poderia comprometer a imparcialidade do processo. Essa figura já existia em alguns países, e foi adotada no Brasil com o intuito de aprimorar a justiça criminal. (COMAR, 2022).

Sua estruturação legal está prevista no artigo 3º-A do Código de Processo Penal. De acordo com a legislação, cada comarca deve ter um Juiz de Garantias designado para acompanhar as investigações criminais. Ele atuará apenas nessa fase, cabendo a outro juiz a condução do julgamento, caso o processo siga adiante. (BRASIL, 1941)

5.1 A ATUAÇÃO DO JUIZ NO SISTEMA INQUISITORIAL, ACUSATÓRIO E NA INVESTIGAÇÃO

Faz-se importante compreender o papel do juiz e da investigação em qualquer sistema judicial, seja ele inquisitorial ou acusatório. No entanto, entender a diferença entre os dois sistemas para compreender como o papel e a responsabilidade do juiz e da investigação podem variar.

No sistema inquisitorial, o juiz desempenha um papel ativo na investigação dos fatos e na busca da verdade. Ele quem conduz o processo, interroga testemunhas, coleta evidências e até mesmo inicia a investigação por conta própria. Nesse modelo, o juiz acumula as funções de investigador e de julgador, o que pode gerar questionamentos sobre a sua imparcialidade. (SOUSA; SILVA, 2020).

Por outro lado, no sistema acusatório, o juiz assume uma posição mais imparcial e neutra. Sua principal função é garantir que o processo seja conduzido de forma justa, assegurando o cumprimento das normas e garantias processuais, bem como a proteção dos direitos das partes envolvidas, atuando como um árbitro imparcial entre as partes acusadora e acusada. (SOUSA; SILVA, 2020).

Na investigação em um sistema acusatório, o juiz não está diretamente envolvido na coleta de provas ou no interrogatório de testemunhas. Essa responsabilidade é geralmente atribuída aos órgãos de investigação, como a polícia. Em outras palavras, o papel do juiz é garantir a imparcialidade e a justiça no processo, aplicando corretamente a lei ao caso em questão. Enquanto no sistema inquisitorial o juiz desempenha um papel mais ativo na investigação, no sistema acusatório sua atuação é mais limitada, focando principalmente na garantia dos direitos das partes e na condução justa do processo. (SOUSA; SILVA, 2020).

5.2 A   IMPLANTAÇÃO     DO      JUIZ      DE  GARANTIAS  E  SUAS RESPONSABILIDADES

Alguns detalhes estudados apontam que, com a implantação do juiz de garantias, pode-se efetivar um mecanismo de redução de danos na fase de investigação preliminar de várias formas, além de evitar possíveis influências e proteger os direitos e garantias fundamentais do acusado durante toda a condução do processo penal. No entanto, vale ressaltar que a implementação desse modelo enfrenta desafios e demanda adequações estruturais e jurídicas significantes.

De acordo com Sousa e Silva (2020, p. 13) “a figura do juiz de garantias é fortalecida, sendo esse responsável por decisões tomadas no curso das investigações”. Ou seja, caberá ao juiz de garantias assegurar a diminuição de vazamentos de informações, fiscalizar a atuação dos envolvidos na fase de investigação, supervisionar os prazos definidos, dividir as funções e garantir a salvaguarda do contraditório e ampla defesa.

Para diminuir os possíveis vazamentos de informações e exposição desnecessária, o juiz de garantias poderá adotar medidas para restringir os acessos às informações sensíveis durante a fase de investigação preliminar.

Sobre a fiscalização, o juiz de garantias terá o papel de controlar a atuação da polícia durante a fase de investigação, analisando e autorizando medidas invasivas, como quebra de sigilo telefônico, busca e apreensão, entre outras, possibilitando maior controle sobre a investigação, reduzindo a possibilidade de abusos de poder por parte das autoridades policiais e garantindo a legalidade das provas produzidas. (SOUSA; SILVA, 2020).

O juiz de garantias será responsável por monitorar os prazos da investigação preliminar, evitando a sua excessiva prolongação. Além disso, haverá a separação de funções entre o juiz responsável pela fase preliminar (juiz de garantias) e o juiz que presidirá o julgamento do caso. Essa separação evita que o juiz que acompanhou a investigação preliminar tenha influência no julgamento do caso, promovendo uma maior imparcialidade e garantindo a proteção dos direitos fundamentais do acusado. (SOUSA; SILVA, 2020).

Ademais, com a presença do juiz de garantias desde o início da fase de investigação preliminar, espera-se garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa de forma mais efetiva. Sousa e Silva (2021) entendem que a implantação do juiz de garantias pode efetivar um mecanismo de redução de danos na fase de investigação preliminar ao garantir maior imparcialidade, controle sobre a atividade policial, respeito aos prazos, exercício pleno do contraditório e ampla defesa, bem como proteção contra exposição desnecessária.

5.3 PREVISÃO LEGAL DO JUIZ DE GARANTIAS

Na sessão de julgamento do STF, no período de 23 e 24 de agosto de 2023, ocorrido para que os Ministros do Supremo Tribunal Federal pudessem proceder à análise de quatro ações que contestavam a constitucionalidade do instituto do juiz de garantias, a Ministra Presidente do STF, Dra. Rosa Weber, proferiu o resultado do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 6298, 6299, 6300 e 6305) que questionavam modificações promovidas no Código de Processo Penal (CPP) por meio do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), incluindo, dentre elas, a instituição do juiz das garantias. O veredicto foi unânime, com 11 votos a favor e nenhum contra, ratificando a constitucionalidade da mencionada alteração legislativa. (BRASIL, 2023).

Durante o julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso (2023) enfatizou a importância de o país possuir um sistema de direito penal sério e moderado. Ele destacou que o sistema atual é severo com os menos privilegiados e permissivo com a criminalidade. Em complemento, a ministra Carmen Lúcia expressou sua consideração de que a escolha do Legislativo, embora não seja capaz de solucionar todos os problemas do sistema de persecução penal, é benéfica, pois busca uma alternativa para seu aprimoramento. (BRASIL, 2023).

O ministro Gilmar Mendes (2023) salientou que a implementação do juiz de garantias foi uma das expressões da classe política em apoio à democracia brasileira, ao estabelecer mecanismos para garantir a imparcialidade do juiz criminal, promover a equidade processual, respeitar a presunção de inocência e controlar a legalidade das diligências investigativas invasivas. Ele argumentou que esse modelo contribui para fortalecer a integridade do sistema judiciário e destacou a necessidade de reformas estruturais para evitar a repetição de escândalos, enfatizando a importância da Constituição e do Código de Processo Penal. (BRASIL, 2023).

Concordando com Gilmar Mendes, o ministro Dias Toffoli (2023) enfatizou que os agentes públicos que agem com dolo devem ser responsabilizados diretamente pelas consequências de seus atos, como em situações de suicídio, defendendo a compensação não pelo Estado, mas pelos responsáveis pelo dano causado. (BRASIL, 2023).

Por sua vez, a ministra Rosa Weber (2023) afirmou que o direito a um juiz imparcial está garantido pela Constituição Federal e por convenções internacionais ratificadas pelo Brasil. Ela ressaltou a responsabilidade do Estado em criar normas que impeçam a atuação do juiz em situações que possam comprometer sua imparcialidade, salientando que o tempo será responsável por determinar a eficácia e a necessidade de aprimoramento do referido instituto. (BRASIL, 2023).

O Tribunal decidiu pela obrigatoriedade da norma, estabelecendo um prazo inicial de 12 meses, passível de prorrogação por mais 12 meses, a partir da publicação da ata do julgamento, para que sejam realizadas as medidas legislativas e administrativas necessárias à adaptação das diversas leis de organização judiciária, à efetiva implementação e ao funcionamento pleno do juiz das garantias em todo o território nacional, conforme orientações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). (BRASIL, 2023).

Além disso, definiu-se um prazo de até 90 dias, a contar da publicação da ata do julgamento, para que os representantes do Ministério Público encaminhem, sob pena de nulidade, todos os Procedimentos de Investigação Criminal (PICs) e procedimentos similares, independentemente da designação utilizada, ao respectivo juiz natural, mesmo que o juiz das garantias ainda não tenha sido implementado na respectiva jurisdição. (BRASIL, 2023).

No que diz respeito à aplicação da lei no tempo, ficou estabelecido que a eficácia da lei não provocará qualquer alteração no juízo competente das ações penais já instauradas no momento em que o juiz das garantias for efetivamente implantado pelos tribunais. A nova legislação não terá impacto nos processos nos quais já houve o recebimento da denúncia, seguindo os princípios que regem a sucessão das leis processuais penais, conforme uma conclusão inescapável desse contexto normativo. BRASIL, 2023).

6.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da análise realizada sobre a importância do juiz de garantias no processo penal brasileiro, torna-se evidente que sua implementação representa um avanço significativo para a efetividade dos direitos fundamentais dos cidadãos envolvidos em processos criminais. A partir da análise crítica dos principais aspectos e repercussões dessa figura jurídica, foi possível constatar que o juiz de garantias desempenha um papel fundamental na salvaguarda da imparcialidade, da ampla defesa e do contraditório, princípios essenciais para a justiça e equidade no sistema jurídico.

A análise comparativa com sistemas jurídicos de outros países que já adotam o juiz de garantias demonstrou que sua implementação contribui para a redução de possíveis abusos de poder por parte das autoridades policiais e para a garantia da legalidade das provas produzidas durante a fase de investigação preliminar. Além disso, a separação de funções entre o juiz de garantias e o juiz de instrução, responsável pelo julgamento do caso, promove uma maior imparcialidade e confiança no processo judicial.

É inegável ressaltar a importância do juiz de garantias no cenário jurídico brasileiro. Sua implementação representa um avanço significativo para o sistema de justiça penal, ao garantir a imparcialidade, a independência e a efetividade das decisões judiciais. Ao separar as funções de acompanhamento da investigação e julgamento, o juiz de garantias contribui para a equidade e o equilíbrio entre acusação e defesa, assegurando a proteção dos direitos fundamentais dos envolvidos no processo penal. Além disso, ao supervisionar a fase de investigação, ele desempenha um papel crucial na salvaguarda da legalidade das diligências e na prevenção de abusos de poder por parte das autoridades policiais.

A introdução do juiz de garantias também promove uma maior transparência e controle sobre o processo penal, fortalecendo a confiança da sociedade no sistema judiciário. No entanto, é fundamental reconhecer que a efetividade do juiz de garantias depende não apenas de sua implementação, mas também de medidas complementares para garantir sua aplicação adequada e eficaz. Nesse sentido, faz-se necessário investir em capacitação e estruturação adequada do sistema judiciário, bem como promover o debate e a conscientização sobre o papel e a importância do juiz de garantias na proteção dos direitos individuais e na promoção da justiça. Em suma, a presença do juiz de garantias representa um importante avanço na busca por um sistema de justiça mais justo, equitativo e democrático no Brasil.

7.      REFERÊNCIAS

BRASIL. LEI Nº 13.964, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2019. Brasília, 24 de dezembro de 2019.                                Disponível                                                                    em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm. Acesso em: 04 dez. 2023.

BRASIL, Senado Federal. Toffoli limita atuação de juiz de garantias no país. N. 46111. 2020. Disponível em: www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/568861/noticia.html? sequence=1&isAllowed=yAcesso em 02/12/2023.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Juiz das Garantias: STF proclama resultado do julgamento. 24 de agosto de 2023. Disponível em: Supremo Tribunal Federal (stf.jus.br). acesso em 04 dez. 2023)

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Julgamento das ADI’s 6298, 6299, 6300 e 6305, apresentado em 23 de agosto de 2023. Dispõe sobre os dispositivos do Pacote Anticrime que introduz a figura do juiz de garantias no Código de Processo Penal. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília. 2023.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6298.Distrito Federal. Relator: Ministro Luiz Fux. 2019.

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1 Acadêmica especial do Curso de Mestrado – Stricto Sensu em Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa, e-mail: lucimaradecarvalho@hotmail.com