A IMPORTÂNCIA DA SOCIOLINGUÍSTICA NA FORMAÇÃO ACADÊMICA DE ESTUDANTES DE LETRAS – LÍNGUA PORTUGUESA 

THE IMPORTANCE OF SOCIOLINGUISTICS IN THE ACADEMIC TRAINING OF LANGUAGE AND LITERATURE STUDENTS – PORTUGUESE LANGUAGE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7901155


Amanda Bitencourt de Leão1
Maria Nadiane Simões da Silva2
Paulo Santiago de Sousa3


RESUMO: O presente trabalho busca, em linhas gerais, proporcionar uma reflexão acerca do importante papel da Sociolinguística na formação acadêmica de estudantes de Letras – Língua Portuguesa. Neste percurso, discorreremos a respeito da variedade linguística, do preconceito linguístico e da educação linguística, temáticas necessárias para a compreensão da diversidade que engloba nossa língua materna. Para isso, tomaremos como suporte teórico os estudos de Calvet (2002); Geraldi (2006); Ilari (2006); Bagno (2006, 2007, 2009); Saviani (2009); Travaglia (2003), dentre outros. Em síntese, defendemos que a abordagem da Sociolinguística nas aulas de Língua Portuguesa no ensino básico depende muito da formação que os professores atuantes receberam enquanto eram discentes no curso de Letras. Assim, faz-se tão urgente a presença dessa ciência durante o período da graduação. Por fim, procuramos destacar a utilidade da Sociolinguística não só no meio acadêmico, como também no meio social, possibilitando o (re)conhecimento dos diferentes ângulos que a perpassam.

Palavras-Chave: Sociolinguística; Formação acadêmica; Língua Portuguesa.

ABSTRACT: This paper seeks, in general terms, to provide a reflection on the important role of Sociolinguistics in the academic training of students of Languages ​​- Portuguese Language. In this course, we will talk about linguistic variety, linguistic prejudice and linguistic education, themes necessary for understanding the diversity that encompasses our mother tongue. For this, we will take as theoretical support the studies of Calvet (2002); Geraldi (2006); Ilari (2006); Bagno (2006, 2007, 2009); Saviani (2009); Travaglia (2003), among others. In summary, we argue that the Sociolinguistics approach in Portuguese Language classes in basic education depends a lot on the training that the active teachers received while they were students in the Languages ​​course, thus, the presence of this science is so urgent during the period of graduation. Finally, we seek to highlight the usefulness of Sociolinguistics not only in academia, but also in the social environment, enabling the (re)cognition of the different angles that pervade it.

Keywords: Sociolinguistics; Academic education; Portuguese language

Introdução

A Linguística é a ciência que tem como objeto de estudo a língua, a linguagem e suas manifestações na fala. É responsável pelo estudo das palavras, expressões e aspectos fonéticos de cada idioma. Além disso, ela interage com outras áreas do conhecimento, como é o caso da Sociolinguística, em que aspectos sociais são estudados e levados em consideração para se discutir se é melhor usar a língua. A Sociolinguística surgiu em um congresso organizado por Willian Bright na Califórnia (CALVET, 2002). Bright (1966) e Fishman (1972) passaram a considerar os aspectos sociais da língua e, mais tarde, Labov, no ano de 1972, criou a teoria da língua e dos fatos linguísticos pertencentes a ela, procurando relacioná-los às questões sociais. 

Nesse contexto, a Sociolinguística compreende as relações existentes entre fatos linguísticos e fatos sociais, considerando a língua como passível de mudanças, pois se sabe que ela é viva e, como todo ser vivo, ao longo do tempo, vai sofrendo transformações que lhe são inerentes. Dessa maneira, a língua, dentro da Sociolinguística, é vista como um fator social, pois ela depende de seus falantes, os quais, por serem sujeitos ativos que vivem em sociedade, estão em constante contato com outras pessoas, em diferentes meios sociais. 

Não se pode falar em linguagem sem relacioná-la com a sociedade, pois existe, entre elas, um exercício de cooperação. A história nos diz que as pessoas se organizam em sociedades e, por isso, necessitam dos códigos e mensagens verbais para constituírem a linguagem daquele povo. Assim, sabendo que o meio influencia, de forma direta, os comportamentos e, consequentemente, a fala, isso se efetua, portanto, em um contato linguístico.

Para analisar os estudos sociolinguísticos, é preciso levar em conta algumas razões históricas, por exemplo, o contexto social em que vivem as pessoas que se dedicam às pesquisas da Sociolinguística. Posto isso, as teorias linguísticas, passadas ou presentes, sempre têm criações particulares e diferentes na maneira de descrever e explicar o papel da linguagem na vida social. Fazendo um resgate histórico, temos que, no século XIX, a Linguística alemã, de Augusto Scheicher, teve forte impacto, pois colocou a linguística no campo das ciências naturais.

Nessa perspectiva, Mussalim e Bentes (2004, p. 22) afirmam que:

Toda língua é produto de um complexo de substâncias naturais no cérebro e nas vias vocais. O estudo de uma língua é, portanto, uma abordagem indireta desse conjunto de assuntos. Assim, a diversidade das línguas depende da diversidade dos cérebros e órgãos dos homens, de acordo com suas espécies. E a linguagem está inextricavelmente ligada à raça. Este é o critério mais adequado para classificar as raças da humanidade.

Cada dialeto tem uma variação única, por isso a própria Língua Portuguesa tem sua diversidade, já que seus falantes podem usá-la de várias formas, a depender das situações sociais, históricas e culturais. A Sociolinguística não vê essa diversidade como um problema, mas como um aspecto que faz parte da natureza linguística, pois considera impossível uma língua sem variação. 

Então, acreditamos que a Linguística pode estar ligada ao aprendizado da língua materna, pois toda experiência que uma pessoa adquire no meio social no qual (con)vive constitui sua bagagem cultural. E, como professores, devemos começar a ensinar a língua materna a partir do conhecimento prévio de cada aluno, dado que a língua é um patrimônio histórico transmitido de geração em geração.

Variedade linguística 

Faz-se necessário compreender que a Língua Portuguesa engloba muitas vertentes, que sua dimensão é maior do que se vê e que, dentro dela, existem muitos caminhos: uns mais conhecidos e apreciados, e outros, nem tanto. O idioma falado no Brasil é o português, mas, dentro deste, há muitas falas, muitas línguas, muitos povos. Por consequência de tantas raças e culturas constituintes do povo brasileiro, encontramos uma grande diversidade linguística que necessita ser conhecida e valorizada.

Nesse sentido, é indispensável o conhecimento dessas variações que surgem em virtude da convivência entre os diferentes grupos sociais. Existem alguns tipos de variações, a histórica, por exemplo, trata de mudanças ocorridas no decorrer do tempo. Em português, encontramos alguns exemplos dessa variação, a forma de tratamento dos reis do século XV: “Vossa Suserania”. As transformações sofridas pelo pronome de tratamento “você” também é um caso de variação histórica, pois ele passou por algumas alterações: vossa mercêvosmecêvocê, indo até vcc, na linguagem falada ou escrita de textos menos monitorados. 

Por essa razão, a Sociolinguística configura-se como indispensável. Mollica e Braga (2008) defendem que ela se volta para a importância social da linguagem dos pequenos e grandes grupos socioculturais. E ainda afirma que, exatamente por causa da variedade linguística, existe a Sociolinguística, porque, se todas as comunidades apresentassem uniformidade no comportamento linguístico, não haveria motivos para estudar o uso da língua nos diferentes contextos da sociedade. A variação linguística está relacionada a uma série de fatores, como:

A – Faixa etária: palavras que mudam de geração para geração. Cada idade tem suas próprias palavras específicas. Uma pessoa com 18 anos usa, na maioria de suas manifestações linguísticas, um acervo vocabular diferente de outra com 50 anos, demonstrando a variabilidade linguística;

B – Gênero: homens e mulheres falam de forma diferente, de acordo com os padrões sociais estabelecidos por sua cultura;

C – Condição socioeconômica: desigualdade na distribuição da riqueza material e cultural que se reflete nas diferenças de linguagem social. Pessoas de baixo status econômico tendem a falar mais fluentemente do que pessoas de status mais alto;

D – Grau de Escolaridade: os anos de escolaridade e a qualidade da escola frequentada são fatores que influenciam a maneira como os indivíduos falam;

E – Marketplace de trabalho: cargos ou atividades que uma pessoa exerce como parte de seu trabalho;

F- Redes sociais: pessoas com quem convivemos e interagimos no nosso dia a dia. 

No entanto, em geral, a variação pode ser separada em dois parâmetros: variação geográfica (diatópica) e variação social (diastrática), sendo que a primeira está relacionada às diferenças percebidas entre falantes de diferentes espaços geográficos, e a segunda, à identidade dos falantes e à organização sociocultural, na qual entram em jogo fatores como: classe social, idade, gênero, situação ou contexto social. Ressaltamos que a diastrática é o objeto de estudo de nossa discussão.

 Notamos que são muitas as situações de fala em que podemos distinguir o tipo de linguagem utilizada em cada uma delas. Em uma situação como a defesa de uma tese, por exemplo, deve-se usar a linguagem formal, já em uma conversa de pub com amigos, usa-se a linguagem informal; são, desse modo, dois polos opostos. Os indivíduos devem saber quando falar de uma forma ou de outra, porque, na interação social, o falante deve seguir convenções, como saber quando falar e quando ouvir.

A variação estilística é, de acordo com Camacho (2001), a adaptação das formas de expressão ao ato de enunciação, uma escolha dentro do conhecimento linguístico individual para definir a forma adequada a ser usada, com certo grau de reflexão. Assim, existem vários estilos em diversas situações, e a sua nomenclatura não está bem definida, mas citamos alguns: cerimonioso, informal, familiar, pessoal.

Na situação em que esses estilos são usados, devemos, praticamente, levar em consideração a cena em que ocorrem as interações verbais. De acordo com Fiorin (2004, p. 124): “A diversidade lingüística é tanto um ‘valor’ quanto ‘valorizado’ na sociedade por causa do falante. Ou seja, tem valor quando reflete o poder e a autoridade que exercem nas relações econômicas e sociais”. A relação entre diversidade linguística e estrutura social coexiste nas relações sociais estabelecidas na estrutura social e política de cada comunidade.

Dentro da vida social, encontramos certa hierarquia, em que a definição da ordem dos grupos sociais é a variedade linguística em uso. Portanto, algumas variedades são consideradas superiores a outras. A língua culta é chamada de variedade padrão e é interessante notar que ela não é apenas a língua original, pois é fruto de uma atitude social na qual o indivíduo escolhe uma das formas de falar dentre as existentes e, também, define um conjunto de regras que determinam a forma correta de falar. Os grupos socialmente dominantes decidem a melhor e mais correta forma de se falar. Historicamente, nossas sociedades possuem tradições orientais por meio das quais a língua dominante é a língua padrão falada pelas classes sociais mais privilegiadas de determinadas regiões geográficas, ou seja, corresponde às variedades linguísticas faladas pela burguesia e pelos que compõem o centro do poder econômico e cultural.

Ressaltamos que a Linguística não considera nenhuma língua ou variedade inferior ou superior, porque todas as línguas são suficientes para o seu povo se comunicar. É, portanto, uma ferramenta para representar o mundo físico e simbólico em que as pessoas vivem. Os empréstimos linguísticos também podem ser usados ​​em contatos culturais com outros povos para criar palavras ou conceitos, tendo em vista que cada dialeto é único e que as variedades disponíveis são históricas e reais. Com isso, podemos dizer que o julgamento social é mais político e social do que linguístico. Por exemplo, vários falares em áreas rurais não são considerados feios para os linguistas. Contudo, há o preconceito linguístico, que tem um impacto negativo. 

Usualmente, existe alguma intolerância com uma palavra inadequada, um acordo verbal que não é feito, entre outros exemplos, e nenhum tipo de variação pode ser rejeitado, pois, segundo o senso comum, existe um código (linguagem) que é adquirido de forma diferente por cada pessoa, de uma maneira individual. Portanto, há vários conjuntos de grupos linguísticos predominantes na sociedade, e nenhum deles pode ser classificado como errado, uma vez que não existe uma língua homogênea. Entretanto, é verdade que, às vezes, os palestrantes precisam usar variáveis ​​padrões em determinadas situações, como entrevistas de emprego. Logo, tal mudança é conhecida como mudança de fase.

Preconceito linguístico

No contexto social, é notável o uso da palavra “preconceito” diante de tantos outros termos, o que sinaliza diferentes manifestações de preconceito nos animais humanos. Você, frequentemente, ouvirá e verá comportamento social, raça, religião, gênero, preconceito corporal etc. como tipos de preconceitos. No entanto, há outro padrão que se destaca, o viés linguístico.

Em entrevista concedida a Abraçado, Scherer (2008) discute questões de viés linguístico, variação e educação. Sobre o viés da linguagem, ela oferece a seguinte definição: “…] O preconceito de linguagem é uma avaliação depreciativa, bem-humorada e consequentemente vergonhosa das palavras de outra pessoa […]”. O viés linguístico está basicamente relacionado à língua falada e não tem um impacto tão grande nas matérias escritas, muitas vezes, manifesta-se diante das práticas de oralidade, pois, durante essas práticas, não há tanto acompanhamento como nas práticas escritas, realizadas de forma policiada e com mais formalidade, com o objetivo de chegar o mais próximo possível da regra padrão.

 Bagno (2006, p. 40) oferece outra definição de viés linguístico. O estudioso aponta que o viés linguístico se baseia na crença de que existe apenas uma língua portuguesa digna deste nome e que ela é ensinada nas escolas, explanada em livros de gramática e listada em dicionários. Qualquer expressão linguística que saia do triângulo gramatical é tida como errada, feia e defeituosa.

Esse preconceito se manifesta diante das diferenças existentes entre cada uma das formas de linguagem, que os indivíduos consideram errôneas ou prestigiadas, o que expressa ignorância diante da diversidade linguística da língua portuguesa. Geraldi (2006, p. 49), em sua obra intitulada O Texto na sala de Aula, faz a seguinte observação a esse respeito: “o contraste é cabido como um desvio, uma deformação de um arquétipo. Quem fala diferente fala errado”. E é justamente essa ideia que alavanca as práticas do preconceito linguístico.

 Calvet (2002) expõe que o preconceito linguístico não surgiu recentemente, a história comprova que existem provérbios e fórmulas pré-fabricadas que mostram que não é novo o preconceito contra as línguas. Dessa maneira, entende-se que houve (ainda há) línguas e maneiras de falar privilegiadas, consideradas corretas e superiores, em detrimento de outras. Isso geralmente se dá por alguns critérios: questões geográficas, posições sociais, escolaridade etc. Tais fatores contribuem muito, em alguns casos, para o preconceito linguístico. Imaginemos um grupo de falantes nordestinos, de baixa condição econômica e com pouca escolaridade, provavelmente essas pessoas não sabem utilizar a norma culta da língua e se, em uma ocasião mais formal, não utilizarem as palavras “corretamente”, serão criticadas, possivelmente por pessoas que não entendem o valor e a presença da variedade linguística. 

Com isso, criam-se estereótipos que tentam definir como bem falar, considerando a existência de sotaques agradáveis e harmoniosos em detrimento de outros, vistos como desagradáveis, até condenáveis. Percebemos, assim, que há, em muitos falantes, uma espontaneidade que os leva a pensar que cabe a nós decidirmos que não se fala dessa maneira, mas daquela (CALVET, 2002). Logo, o preconceito linguístico se manifesta quando não se valoriza uma determinada prática linguística, com a intenção de modificá-la para que se encaixe em um perfil considerado prestigiado.

Para Santos et al. (2017), o preconceito linguístico está relacionado a um preconceito social, em muitos casos, sem fundamento, que parte de um pequeno número de falantes, que geralmente domina a norma padrão, para um grupo maior que não se encaixa entre eles. Dito isso, torna-se indispensável, em sala de aula, uma reflexão que ajude a definir, de forma clara, que, para as abordagens gramaticais, são usados os termos “certo” e “errado” e, para a Sociolinguística, utilizam-se somente “adequado” e “inadequado”. 

Portanto, percebemos que, no âmbito educacional, ainda há certo conservadorismo da Língua Portuguesa, pois há pouca abertura para as diversidades presentes em nossa sociedade. E isso é algo bastante ruim. Inicialmente, é preciso que os graduandos, futuros professores de língua, entendam e estejam dispostos a quebrar esses paradigmas, para que seus alunos sejam incentivados por seus posicionamentos, a fim de que sejam, também, sujeitos compreensíveis e tolerantes linguisticamente, atentos à mutabilidade que é própria da língua.

A Sociolinguística na formação de professores de Língua Portuguesa

A terminologia “linguística social” é descrita por Salomão (2011) como uma “ciência que estuda a linguagem em termos de sua estreita relação com a sociedade da qual se originou”. Para a Sociolinguística, a interação social ocorre por meio da linguagem que evolui e se transmuda de acordo com o contexto histórico-social. A Sociolinguística registra, descreve e analisa sistematicamente, mediante estudo de campo, as diferentes formas de apresentação da língua, elegendo a variedade linguística como objeto de estudo. A análise da Sociolinguística busca revelar a relação entre os processos de mudança que ocorrem na estrutura da língua ao longo do tempo e o processo de variação que pode ser observado na língua em um dado momento.

Conforme Bagno (2007), não existe estrutura mais precisa e bonita. Todas as variações linguísticas merecem atenção. Um falante usa a língua que aprende no ambiente familiar e que é impecavelmente suficiente para sua comunicação. Segundo Bortoni-Ricardo (2004), o processo de socialização começa na família, depois se estende aos amigos, em seguida, acontece na escola. Esses ambientes são chamados de domínios sociais, ou seja, espaços físicos onde os cidadãos interagem, admitindo determinados papéis sociais, edificados no processo de interação humana.

Para que, dentro da formação de professores de Língua Portuguesa, haja discussões acerca da grande variedade que a compõe, é inevitável uma abordagem sociolinguística. O estudo dessa subárea, no curso de Letras, ampara os futuros docentes, proporcionando o aprimoramento de suas concepções de ensino e fornecendo reflexões sobre as práticas pedagógicas que desejam adotar, a fim de que, conhecendo e discutindo tais questões,  combata-se, na medida do possível, o conservadorismo que ainda predomina fortemente nas salas de aula.

Nessa perspectiva, é necessário que o futuro professor de Língua Portuguesa esteja apto, quando atuar na instituição de ensino, a conduzir o aluno para conhecer e refletir a língua em sua totalidade e fazer com que se aproprie da norma culta. Além disso, por meio da Sociolinguística, deve-se conscientizá-lo que se convencionou, ao longo da história, escolher uma variedade da língua para ser considerada padrão, para que, em determinadas situações, a comunicação fosse uniforme. Dessa forma, deve-se esclarecer que essa norma não é a única maneira certa de falar e que as demais variedades da língua não estão erradas, fazendo com que o aluno compreenda a diversidade da língua, habilitando-o a utilizá-la de forma consciente, sem desvalorizar as demais.

No ensino de Língua Portuguesa, há, ainda, uma grande concentração nas gramáticas, isto é, trabalha-se muito a escrita, as regras e os conceitos, pois, “Sendo a gramática tradicional o livro adotado pelas escolas para o estudo de língua, todos os esforços concentravam-se no sentido de aprender, ou melhor, decorar a normatização nela contida” (SOUSA, 2016, p. 37). Sendo assim, depreendemos a necessidade em enfatizar mais a oralidade e estudar suas modalidades nos diferentes âmbitos sociais, por meio da produção e da escuta. Caso não fosse assim, como futuramente os professores iriam trabalhar a diferença na própria oralidade dos seus alunos? Como fariam se não compreendessem isso na graduação? A língua precisa ser pensada, discutida, refletida e vivida, e isso tudo se dá na interação entre falantes, que se executa por meio da oralidade e da escrita, tão necessárias, principalmente entre os estudantes da própria língua. 

De acordo com Barros e Campos (2019), o conhecimento da Sociolinguística para o estudante em formação é primordial, pois, desse modo, ele entenderá e analisará com mais cuidado os motivos que levam seus alunos, em determinadas situações, a se desviarem da norma culta. Tendo um cuidado maior em perceber a influência de fatores internos e externos que contribuem para tal comportamento. Desse modo, o professor exercerá o papel de ensinar como funciona o sistema de variação, utilizando as diferentes maneiras de falar de seus próprios alunos.

A consequência de não se trabalhar a Sociolinguística na formação acadêmica e, por conseguinte, no ensino básico, é não reconhecer e estudar as variedades não padrão que a Língua Portuguesa apresenta, como os dialetos regionais, as gírias próprias de alguns grupos sociais, dentre outras que são bastante comuns no Brasil.

 Com isso, estudando apenas a norma padrão, a que está nas gramáticas e nos livros didáticos, não se aprende a importância das outras formas de falar, gerando algo que é conhecido como preconceito linguístico, infelizmente ainda muito difundido entre os falantes brasileiros. É de fundamental importância que, no início da vida escolar do aluno, ao ingressar nos primeiros anos do ensino fundamental, o alfabetizador registre como ele agiu e o que foi capaz de fazer no início do ano e no final dessa etapa.

Conforme citado por Saviani (2009, p. 11), em uma pesquisa sobre as práticas de alfabetização em sala de aula, as crianças iniciavam o ano letivo com diferentes saberes e aprendizados. Cabe ao professor diagnosticar o que elas sabem ou não, sobre o que pretendem ensinar. Mesmo quando chegam ao final do ano sem dominar o conhecimento que o professor estava tentando ensinar, as crianças têm conhecimentos adicionais, logo, é preciso identificar não só o que não aprenderam, mas também o que aprenderam, valorizando suas conquistas. A diagnose do que as crianças sabem ou não sabem deve servir para planejar estratégias de ensino, e não para excluí-las.

É importante ressaltar que muitas crianças chegam à escola com pouco conhecimento da escrita, mas isso não significa que não estejam familiarizadas com os métodos de ensino e aprendizagem. Dessa maneira, cabe ao docente explorar e saber como possibilitar os ensinamentos que as crianças desejam, a fim de determinar sua aprendizagem e cultura de vida para que elas possam quebrar barreiras e abrir caminhos para o ensino de qualidade, progresso e garantia de que o direito da escola de aprender é cumprido.

Sabemos que o papel das escolas se expande à medida que se expande o direito à educação. Quando imaginamos a educação como um direito, requeremos pensar na inclusão como um princípio para organizar os currículos, levando em consideração as necessidades decorrentes do contexto em que os alunos acessam às informações e avançam em seu aprendizado. No entanto, o currículo no ciclo de alfabetismo é muito dependente da introdução de reestruturações temporais e espaciais das aprendizagens, buscando novas formas de pensar sobre como as crianças aprendem (SAVIANI, 2009).

A educação linguística

A educação linguística é bastante necessária, pois, segundo Travaglia (2003), exerce um papel fundamental para que as pessoas vivam bem em uma sociedade na qual a língua se veicula e se configura por meio de um trabalho educativo sócio-histórico-ideológico, estabelecido pela comunicação dos significados produzidos pela interação comunicativa. Mais que ensinar língua, há uma urgência em entendê-la, pois ela não está somente na teoria das gramáticas, sua presença se intensifica na prática por meio da oralidade, tudo isso para que, compreendendo as demandas que abrangem o português, possa-se melhor ensinar a disciplina.

A educação linguística perpassa os âmbitos escolares e precisa ser levada a outras áreas da sociedade, e isso é dever já do estudante da língua, pois lhe foi confiada a responsabilidade de apreender para, depois, repassar os conceitos, as palavras e o conjunto de regras gramaticais que rege a Língua Portuguesa. Por essa razão, é indiscutível que futuros professores sejam, mais até que todos os outros profissionais da educação, acolhedores dos dialetos e, também, dos idioletos que surgiram e que ainda vão surgir, não fazendo da gramática o único fundamento da sua autoridade, pois decidiram por conhecer sua língua na teoria e na prática (ILARI, 2006). 

A sociedade atual necessita, de maneira urgente, que se perpetue o respeito mútuo, com direitos e deveres iguais. Dentro disso, deveria estar incluído o respeito linguístico, pois, como falar em respeito sem olhar para a fala do outro? É importante ver nele o sujeito ativo, que exerce seu papel de contribuinte linguístico na comunidade em que está inserido. Nesse contexto, educadores precisam viver o respeito em todos os sentidos, não deixando que o preconceito atrapalhe o exercício de sua profissão. Campelo e Karim (2017) discorrem que muitos docentes que hoje atuam tiveram um ensino bastante tradicional e acabam transmitindo tal prática em sala de aula.

A quebra dos conceitos e fórmulas tradicionais da língua é necessária. Os métodos reestruturados renovam a maneira do ensino e dão uma nova face para aquilo que é considerado antiquado. Dessa maneira, a educação linguística deve ter como objetivo proporcionar o domínio da norma padrão em suas modalidades escrita e oral, além de possibilitar a introdução daquelas modalidades que são consideradas não padrão, fazendo com que toda forma de comunicação tenha reconhecimento, sendo discutida e abordada nas aulas de Língua Portuguesa (CAMPELO; KAREN, 2017).

Considerações finais

Percebemos que, desde o surgimento da Linguística, existe uma luta em relacionar a atualidade ao tradicional. Não se pretende retirar da escola o estudo das gramáticas, ou marginalizar a norma padrão, almeja-se somente a inserção das variedades linguísticas presentes em nossa sociedade nos estudos de língua e linguagem nas salas de aulas. A contemporaneidade busca pelo novo e quer inclusão. Já o tradicionalismo quer preservar e teme por contatos que podem corromper a sua integridade. Nesse sentido, a união de ambos consiste na construção efetiva de um ensino abrangente e sem preconceitos, algo que é tão necessário e urgente para a formação e o crescimento mútuo.

Desse modo, o papel da Sociolinguística na formação acadêmica dos professores de Língua Portuguesa perpassa por conscientizar acerca da importância da variedade linguística e por instruir os futuros docentes a trabalhar, de forma inclusiva, as diferentes maneiras de expressão que os próprios alunos apresentam em sala. Logo, essa ciência social da língua contribui de maneira singular para que os graduandos apreendam e discutam as facetas que compõem uma língua, percebendo que o tempo influencia diretamente no seu processo de mudança/variação.

Nesse sentido, essa subárea da Linguística nos instiga a compreender que cada falante tem suas próprias marcas linguísticas e, de certa forma, sua própria gramática. Por isso, as práticas pedagógicas devem estar vinculadas a uma prática real da língua, levando em consideração a particularidade/identidade de cada grupo e indivíduo (SANTOS et al., 2017). “Assim sendo, ter profissionais que entendam e consigam explicar as várias formas de uso da língua, contribui de forma positiva no desenvolvimento crítico e reflexivo dos sujeitos que fazem parte do seu cotidiano” (SANTOS et al., 2017, p. 10).

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1Graduanda em Letras – Língua Portuguesa, UFPA. E-mail: amandabitencourt2601@gmail.com
2Graduanda em Letras – Língua Portuguesa, UFPA. E-mail: mnsds.mnsds@gmail.com
3Professor substituto do curso de Letras – Língua Portuguesa, UFPA. E-mail: paulosantiago@ufpa.br