A IMPORTÂNCIA DA REMIÇÃO DE PENA PELA LEITURA PARA A PESSOA PRIVADA DE LIBERDADE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7367085


Gabriel Alexsiê Santana Sampaio¹
Hewldson Reis Madeira²


RESUMO

O presente artigo abordará como a leitura pode contribuir com a função de ressocialização da pena privativa de liberdade, a fim de discutir a relevância do ato de ler para o crescimento pessoal e autônomo da pessoa privada de liberdade. O objetivo desta pesquisa é examinar como a educação e a leitura possuem o poder de transformar a ociosidade dos apenados em tempo de qualidade e proveitoso, com a intenção de concluir o ensino escolar incompleto, alfabetizar aqueles que não foram e até mesmo profissionalizar a população carcerária.A metodologia utilizada no presente artigo para se alcançar o objetivo pretendido é a exploratória, com base bibliográfica em literaturas específicas sobre o tema, na Lei de Execução Penal. A educação é direito de todos de acordo com a Constituição Federal, e, através da Lei de Execução Penal o direito social a educação alcançara as pessoas privadas de liberdade. Em suma, o presente trabalho demonstra como a leitura se destaca como atividade complementar de estudo eficiente que agregará valor em todas as áreas da vida de uma pessoa.

Palavras-chave: Leitura; Educação; Ressocialização; Lei de Execução penal.

ABSTRACT

This paper will address how reading can contribute to the resocialization function of the prison sentence, in order to discuss the relevance of the act of reading for the personal and autonomous growth of the person deprived of liberty. The objective of this research is to examine how education and reading have the power to transform the idleness of the inmates into quality and profitable time, with the intention of completing incomplete schooling, alphabetizing those who were not and even professionalizing the prison population. The methodology used in the present article to reach the intended objective is exploratory, with bibliographical basis in specific literature on the theme, in the Penal Execution Law. Education is everyone’s right according to the Federal Constitution, and through the Penal Enforcement Law the social right to education will reach people deprived of their freedom. In summary, this paper demonstrates how reading stands out as an efficient complementary study activity that will add value in all areas of a person’s life. 

Keywords: Reading; Education; Resocialization; Penal Enforcement Law.

1 INTRODUÇÃO

É sabido que a educação é um direito garantido na Constituição Federal de 1988, artigo 6º, na qual prever os direitos sociais, sendo um deles a educação. Diante disso, a garantia desse direito social tem que atender a toda população, até mesmo as pessoas que se encontram reclusas pelo sistema prisional brasileiro.

Nessa pespectiva, a Lei de Execução Penal (LEP), artigo 17 afirma: a assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do Interno. Em outros termos, o direito a educação alcançará os apenados, tanto como fornecendo acesso a educação básica para aqueles que não conluíram as séries de ensino fundamental e alfabetização, quanto pela formação profissionalizante de cursos técnicos.

Isto posto, também é de conhecimento comum a alta taxa de apenados cuja escolaridade fora cursada de forma incompleta, ou mesmo nem se quer frequentou a escola regularmente. Isso retrata como a ausência de instrução desde cedo na vida de determinadas pessoas pode leva-la a caminhos difíceis ou ainda perigosos.

Por conseguinte, a LEP, precisamente em seu artigo 126, prever o direito da pessoa privada de liberdade de remir sua pena por trabalho ou estudo. Além disso, a Recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) n. 44/2013 regulamenta a respeito das atividades educacionais que objetivam a remição de pena pelo estudo admitindo e estabelecendo regras para a remição pela leitura.

Importa saber, além da função punitiva da pena privativa de liberdade, esta possui também a finalidade de regenerar o indivíduo que possuiu conduta transgressória perante a lei penal, com o intuito de faze-lo refletir sobre sua atitude delituosa. 

Entretanto, ao longo deste artigo será abordado como a ocupação do período de reclusão do apenado pode ser melhor aproveitado quando direcionado pela leitura a fim cultivar a moralidade, valores e virtudes contemplados pela sociedade.

Por fim, o presente artigo busca analisar a importância da educação, mais precisamente da leitura, como forma de aproximar as pessoas privadas de liberdade dos ideias valorados pela sociedade através do exercício de ler, o qual desenvolve a compreensão de mundo e pratica o processo de aprendizagem, oportunizando o desenvolvimento pessoal e independente de forma digna.

2 CONCEITO DE PENA NA DOUTRINA JURÍDICA BRASILEIRA

É importante entender alguns aspectos a respeito da remição de pena antes de aprofundar o enfoque deste projeto de pesquisa. O primeiro aspecto a ser abordado é o que versa sobre o conceito de pena e suas questões. 

Dessa forma, Capez (apud Leopoldo, 2019) entende e conceitua a pena como:

Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade (CAPEZ, apud LEOPOLDO, 2019).

Para Damásio de Jesus (apud Leopoldo, 2019), a pena é: “sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos”

Na visão de Gonçalves (apud Leopoldo, 2019), pena é entendida como uma punição é a retribuição do Estado pela prática de um crime e consiste na apreensão dos bens jurídicos, com o objetivo de adequar o infrator ao convívio social e prevenir a prática de novos delitos.

A punição deve corresponder aos anseios da sociedade de acordo com a proteção dos bens jurídicos necessários à manutenção e desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, pois somente assim será legitimada e aceita por todos em um estado democrático de direito, em a luta contra a impunidade e o retorno dos condenados à vida social (MASSON, 2019, P. 456).

Ainda que recaia sobre este mesmo ser o dever de punir do Estado, tal punição além de possuir o caráter retributivo, possui a propensão de promover a readaptação social, como indica o artigo 59 do Código Penal, e artigo 1° da LEP – Lei de execução Penal.

A punição objetiva é punir o condenado e indenizá-lo pelos danos causados por seu ato criminoso, ao mesmo tempo, a punição objetiva é impedir um novo ato criminoso, fazer com que o infrator não cometa um novo ato ilícito, como bem como o fato de que a sociedade tem muito medo de desobedecer a legislação penal, e por isso se chegará à conclusão de que apesar dos três grandes grupos de penas citados, o ordenamento jurídico brasileiro é adepto da teoria mista, também chamada de unificadora ou eclética.

Nesse contexto, nota-se que a pena atua como meio de punição ao indivíduo que manifestou comportamento socialmente reprovável, isto é, conduta inflacionária. As penas, portanto, são o castigo e as consequências dos crimes cometidos, que não têm fim em si mesmos, mas fins, e a aplicação de sanções previstas em lei, é considerada uma forma de alcançar a justiça.

Em outras palavras, o agente tem discernimento e livre arbítrio, o que é suficiente para aplicar imediatamente a pena do resultado do crime, porque o agente pode escolher se quer cometer o crime, porque os direitos e interesses legítimos são lesados, e a aplicação da pena é permitida. De acordo com esta teoria, além da punição de ser condenado Não há outro propósito além.

2.1 Lei De Execução Penal – LEP

Quando um crime é cometido há uma apuração dessa infração penal que passa por diversas fases, como: investigação, onde o trabalho da polícia é analisar pistas e chegar a um suspeito; um processo penal, onde haverá a oitiva dos envolvidos de forma indireta ou direta no crime; e, após julgamento será proferida uma sentença a qual resultará na absolvição ou condenação do acusado.

Assim, essa pena sentenciada deverá ser aplicada, e então entra em cena o que se denomina execução da pena, procedimento que envolve atos administrativos e judiciais previstos na LEP. Esta por sua vez, foi um projeto de lei aprovado em 1983 desenvolvido pelo Ministro da Justiça Ibrahim Abi Hackel.

Portanto esse projeto se tornou a Lei nº7.210 de 11 de julho de 1984, a qual de acordo com o primeiro artigo da referida lei, possui a finalidade de, ao passo que ocorre aplicabilidade da sentença, esta buscar proporcionar compatível integração social do indivíduo condenado, conceitua Norberto Avena (apud BRANCO, 2019) a execução penal como:

Conjunto de normas e princípios que tem por objetivo tornar efetivo o comando judicial determinado na sentença penal que impõe ao condenado uma pena (privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa) ou estabelece medida de segurança (NORBERTO AVENA, apud BRANCO, 2019).

Não obstante, com o fim de assegurar os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, em especial quanto ao direito a educação, a LEP disciplina em seu artigo 126: “O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.”

Dito isso, o instituto da remição de pena procura assegurar uma garantia essencial a dignidade da pessoa humana, princípio constitucional presente no inc. III, art. 1 da Carta Magna brasileira, também, a própria Constituição Federal, em seu artigo 205 garante a educação como direito de todos e dever do Estado, e, ainda fundamentando-se na lei maior, no art 5º §2, o qual afirma: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados (…)”.

Desse modo, a LEP se torna a disciplina pela qual a Lei maior irá atuar ao garantir ao apenado seus direitos fundamentais, como a educação e o direito de exercer trabalho digno. Isto posto, observa-se a suma importância do papel do Estado, uma vez que o mesmo possui deveres a cumprir mesmo diante dos que não se encaixam nos padrões de bom convívio da ordem jurídica. Em consonante a isso DELFIM (2016, p. 25), aduz:

É possível concluir que cabe ao Estado criar as condições necessárias para que os condenados possam trabalhar dentro do sistema prisional, pois o trabalho visa, em última análise, conferir dignidade à pessoa humana (DELFIM, 2016, p. 25).

Nesse diapasão, considerando que o ordenamento jurídico tem como base a valorização do trabalho, tem-se o Estado com o dever de prover a oportunidade para o apenado remir a pena, e, também conferir condições dignas para o exercício desse trabalho, evitando a desvalorização da figura do trabalhador.

2.2 Remição De Pena

A remição de pena é um instituto previsto pela Lei nº 7.210, de 11 de julho 1984, também conhecida como Lei de Execuções Penais (LEP), instituto este que busca abreviar o tempo de cumprimento de pena privativa de liberdade nos regimes fechados e semiaberto, FERREIRA, Pamela (2021) explica:

Diferentemente da remissão, com “ss”, que indica o perdão voluntário e misericordioso do crime, a remição da Lei de Execução Penal, com “ç”, é aquela que indica o perdão conquistado por esforços e méritos. Prevista no artigo 126, a remição é o desconto como pena cumprida pelo tempo de trabalho ou de estudo realizados pelo preso (FERREIRA, 2021).

 Com efeito, a remição de pena é conquistada pelo apenado como uma forma de recompensa pelo seu desenvolvimento de atividades ligadas ao estudo, ou trabalho. Assim, o instituto da remição de pena se mostra como um remédio para a ociosidade, e que busca gerar produtividade por aqueles que se encontram privados de liberdade pelo sistema carcerário brasileiro.

2.2.1 O Trabalho como Remição de Pena

Ao analisar o texto normativo do artigo 126, da LEP, sendo este: “O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.” Observa-se que, aquele que se encontra sob pena restritiva de liberdade, tanto no regime fechado quanto o semiaberto, poderá abreviar o tempo de pena lhe imposto através de duas maneiras, pelo trabalho, pelo estudo, ou por ambas dentro de uma unidade prisional no Brasil.

Afirma o exposto, Renato Marcão (apud MOURA, Maria e col. 2013):

A remição é uma nova proposta ao sistema e tem, entre outros méritos, o de abreviar, pelo trabalho, parte do tempo da condenação. Três dias de trabalho correspondem a um dia de resgate. O tempo remido será computado para a concessão do livramento condicional e do indulto, que a exemplo da remição constituem hipóteses práticas de sentença indeterminada como fenômeno que abranda os rigores da pré-fixação invariável, contrária aos objetivos da Política Criminal e da reversão pessoal do delinqüente (MARCÃO, apud MOURA, Maria e col. 2013):

Nesses termos, quanto a primeira forma de remição de pena, pelo trabalho, remirá: “1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.”, assim expressa o artigo 126, § 1º, inciso II da LEP. A vista disso, tem-se o trabalho como ferramenta de valoração da pessoa humana, disserta BENEDETTI (2021):

O trabalho humano para Marx é um trabalho socialmente necessário. Nesse processo as pessoas passam a depender umas das outras e criam as denominadas relações sociais de produção. O trabalho individual integra-se ao trabalho social. O valor trabalho relaciona-se ao valor social do trabalho produzido, ou seja, á capacidade de satisfação das necessidades humanas com o fruto do trabalho realizado (BENEDETTI, 2021).

Constata-se, então, o trabalho como atividade primordial para a ressocialização e remição de pena do indivíduo restrito de liberdade. Destarte, ao entender este prisma da remição e da função do trabalho com o fim de evitar o ócio e garantir dignidade a pessoa humana, é valido expor, em primeiro momento, a educação como meio para se desenvolver aptidão e habilidade para o exercício do trabalho. 

Nesse sentido externa Maria Esperia Costa Moura e col (2013): “A educação é uma ferramenta essencial na busca da qualificação para o trabalho, se tratando de um direito de todos e um dever do Estado, conforme preconiza o artigo 205 da Constituição Federal.”

2.2.2 O Estudo como Remição de Pena

Estabelecido o trabalho como forma de dignificar o ser e garantir-lhe dignidade, aprecia-se o trabalho como atividade fim, e o estudo como atividade-meio configurando como uma atividade sendo uma extensão da outra, nesse sentido esclarece Maria Esperia Costa Moura e col (2013, p. 3): 

O trabalho em sentido lato abrange duas dimensões: o trabalho intelectual e o trabalho manual ou instrumental. Inexiste, pois, atividade humana da qual se possa excluir toda e qualquer atividade intelectual, ou atividade intelectual que não envolva algum tipo de esforço físico ou atividade manual (Costa Moura e col, 2013, p. 3)

Dessa maneira, a remição pelo estudo, disciplinada na LEP, artigo 126 caput. Em seu parágrafo 1º, inciso primeiro vem especificadamente dizer como será feita a contagem de tempo: “1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em 3 (três) dias”.

Em outros termos, a LEP além de exercer a garantia constitucional do direito a educação, exposta no artigo 205 da Constituição Federal junto da ideia mencionada anteriormente a qual o trabalho e o estudo são atividades complementares inerentes uma a outra, favorece o próprio texto normativo descrito em seu primeiro artigo (Lei nº 7.210, art. 1º). Elucida Maria Esperia Costa Moura e col (2013, p. 4):

Visto que o estudo é uma das manifestações de trabalho, o seu conceito se amolda perfeitamente ao fundamento teleológico de trabalho adotado pela Lei de Execução Penal, proporcionando condições para a harmônica reintegração social e ao mercado de trabalho do condenado (artigos 1º, 28º e 34º da Lei 7.210/84).

Ademais, se faz relevante lembrar que, até o presente momento da elaboração deste projeto de pesquisa, não existe dispositivo legal ou constitucional que determine, como consequência da condenação a pena restritiva de liberdade, extinção do direito a educação.

Assim sendo, a remição pelo estudo apresenta enorme potencial no que tange a reintegração social útil a sociedade, ao ponto que estimula o indivíduo a obter do conhecimento básico ao profissionalizante, a fim de lhe garantir melhores formas de contribuir para a meio social que se reintroduzirá de forma produtiva e intelectual.

Nesse sentido afirma MOURA (2013, p. 9):

A sociedade é diretamente beneficiada com a aplicação de tal instituto, uma vez que sujeita o indivíduo a tornar-se socialmente produtivo, resgatando valores e conceitos de cidadania, contribuindo, consequentemente, com a diminuição dos índices de violência e criminalidade (MOURA, 2013, p. 9).

Nesse sentido, a leitura para indivíduos privados de liberdade se apresenta como um caminho que busca a ressocialização pela autonomia do pensamento construído pelo estudo, a fim de valorar princípios e ideais que vão ao encontro do bem-estar do corpo social que o rodeia.

Ressalte-se que a Lei de Execução de Penas não prevê o aprendizado da comutação da pena, apenas a promulgação da Lei nº 12.433, de 2011, que prevê essa forma de comutação. Ao reconhecer os benefícios da liberdade condicional, a Lei de Execução Penal pretende possibilitar aos infratores a redução da pena, além de oferecer oportunidades de reintegração e ressocialização por meio das atividades do infrator.

A comutação de leitura é um instituto, até então, considerado novo na legislação brasileira como forma de resgatar o tempo cumprido na prisão.

Conforme mencionado anteriormente, em 2012, por meio de uma lei estadual no estado do Paraná, a citação por leitura surgiu no ordenamento jurídico brasileiro como uma forma de complementar a citação por aprendizado. 

Após a rebelião no Presídio do Paraná, o Conselho Nacional do Judiciário editou a Portaria nº 44 para regulamentar a forma de procedimento e incentivar a adoção dessa instituição nas prisões, que vem sendo adotada por diversos estados.

O artigo primeiro da Recomendação nº 44 do Conselho Nacional de Justiça orienta aos tribunais: 

“I – para fins de remição pelo estudo (Lei nº 12.433/2011), sejam valoradas e consideradas as atividades de caráter complementar, assim entendidas aquelas que ampliam as possibilidades de educação nas prisões, tais como as de natureza cultural, esportiva, de capacitação profissional, de saúde, entre outras, conquanto integradas ao projeto político-pedagógico (PPP) da unidade ou do sistema prisional local e sejam oferecidas por instituição devidamente autorizada ou conveniada com o poder público para esse fim;  II – para serem reconhecidos como atividades de caráter complementar e, assim, possibilitar a remição pelo estudo, os projetos desenvolvidos pelas autoridades competentes podem conter, sempre que possível: Disposições a respeito do tipo de modalidade de oferta (presencial ou a distância); Indicação da instituição responsável por sua execução e dos educadores e/ou tutores, que acompanharão as atividades desenvolvidas; Fixação dos objetivos a serem perseguidos; Referenciais teóricos e metodológicos a serem observados; Carga horária a ser ministrada e respectivo conteúdo programático; Forma de realização dos processos avaliativos (Art. 1º nº44 CNJ, Lei nº 12.433/2011).

A Recomendação nº 44 de 2013 do Conselho Nacional de Justiça explicita que “Deve ser estimulada a remição pela leitura como forma de atividade complementar, especialmente para apenados aos quais não sejam assegurados os direitos ao trabalho, educação e qualificação profissional”.

Ainda conforme essa recomendação o CNJ, ressalta que os criminosos consigam obter a redução da pena pela leitura, é necessário a criação desse item na unidade prisional por meio de portaria do tribunal estadual e aplicabilidade do diretor. Essa aplicabilidade da leitura dos itens de resgate de penalidades segue os critérios objetivos e subjetivos estabelecidos nos itens para se chegar aos benefícios.

3 ABANDONO DA VIDA ESCOLAR

Ao abordar o tema “educação” no contexto da vida das pessoas privadas de liberdade oportuniza a reflexão de como essas pessoas vivenciaram sua vida escolar na infância e adolescência. Considerando as estatísticas, são inúmeros os jovens que abandonam a escola, de acordo com a revista Nova Escola (Camila Cecílio 30 de julho de 2019):

Em 2018, cerca de quatro em cada dez brasileiros de 19 anos não concluíram o Ensino Médio, conforme divulgado pelo movimento Todos pela Educação, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), do IBGE. O estudo também mostrou que 62% dos jovens ouvidos não frequentavam mais a escola e que 55% pararam os estudos ainda no Ensino Fundamental (CECÍLIO, 2019).

Muitos desses alunos abandonam a escola para trabalhar, por falta de condições financeiras para comprar os materiais escolares e outros por falta de incentivo e acompanhamento de pais ou responsáveis, conforme afirma a revista Info Escola:

Ajudar os pais em casa ou no trabalho, necessidade de trabalhar, falta de interesse e proibição dos pais de ir à escola são motivos mais frequentes alegados pelos pais a partir dos anos finais do ensino fundamental (5ª a 8ª séries) e pelos próprios alunos no Ensino Médio (REVISTA INFO ESCOLA, THAIS PACIEVITCH). 

 Nesse sentido, quando o abandono do estudo acontece por motivo de necessidade de trabalhar para complementar a renda familiar, este trabalho quase sempre é um serviço braçal e pouco rentável, por falta de qualificação profissional. Do mesmo modo, é perceptível a relação entre o baixo nível de escolaridade atrelado ao grande número de apenados sem o ensino médio completo no Brasil, NOVO em A importância da educação prisional para a recuperação de detentos no Brasil e na Espanha, especifica:

“Dos mais de 700 mil presos em todo o país, 8% são analfabetos, 70% não chegaram a concluir o ensino fundamental e 92% não concluíram o ensino médio. Não chega a 1% os que ingressam ou tenham um diploma do ensino superior” (NOVO, Benigno Núñez. Direito Net, 2021).

Portanto, se mostra cristalina a falta de educação básica ligada a população carcerária brasileira, podendo este ser um dos fatores principais para a deplorável vida de crime que o abandono a escola pode gerar nos cidadãos.

3.1 O leitor como coadjuvante

A leitura, ou ato de ler, é o meio pelo qual o indivíduo transforma-se na figura do leitor, este por sua vez busca decodificar determinado símbolo interpretando o significado semântico predeterminado contido nele, isto é, ler é uma capacidade que o homem adquire na sociedade como forma de aprendizagem, interpretando e compreendendo aquilo que está escrito.

Acerca da leitura, afirma SILVA (2011, p.23):

É através do ato de ler que o homem interage com outros homens por meio da palavra escrita. (…) A leitura é um processo de compreensão de mundo que envolve características essenciais singulares do homem, levando a sua capacidade simbólica e de interação com outra palavra de mediação marcada no contexto social (SILVA, 2011, p.23)

Assim, diante de tal conceito observa-se que não há considerável distância entre o ato de ler e o contexto social o qual o leitor se encontra. Dessa forma, busca-se entender qual o impacto que a leitura pode exercer na vida e no contexto social que o indivíduo transita ao longo de sua jornada.

Ainda, relativo à figura do leitor, como diria Lajolo e Zilberman (2019, p.24) “Ser leitor, papel que, enquanto pessoa física, exercemos, é função social, para a qual se canalizam ações individuais, esforços coletivos e necessidades econômicas”. Dessarte, percebe-se que o leitor se manifesta como uma figura cuja as fronteiras de seu alcance intelectual se mostra elevado. 

Portanto, a prática da leitura não só faz com que o ser humano agregue conhecimento individual e cativo, mas também transforma o conhecimento absorvido em aprendizagem e autonomia do pensamento.

Outrossim, a leitura permite ao seu praticante acesso a informações, lugares, culturas e ideias, elementos que quanto mais se expandem no que tange a diversidade, apresenta-se ao ser humano com uma gama de perspectivas as quais serão atribuídas juízo de valor pelo seu leitor, onde, posteriormente a formação de um pensamento crítico será uma possibilidade. Isto é, aquele que se doa ao exercício de ler tende a possuir um parecer mais complexo que aspira uma plenitude densa de saber perante o meio em que vive.

3.2 Efeitos Benéficos da Leitura Para a Pessoa Privada De Liberdade

Buscando atingir a função de reabilitação social da pena, a remição pela leitura atua como uma porta para uma saída mais breve do cárcere, mas também, como uma forma de ocupar a pessoa privada de liberdade de maneira frutífera.

Conforme demonstrado em alguns estudos, a educação prisional pode ter três objetivos principais, que refletem diferentes visões sobre o propósito do sistema de justiça criminal: empregar prisioneiros de forma lucrativa; melhorar a qualidade de vida na prisão; e para alcançar um resultado útil, como habilidades, conhecimentos, compreensão, atitudes sociais e comportamentos que sobrevivem à prisão e permitem ao condenado o acesso ao emprego ou ao ensino superior, que acima de tudo promove mudanças de valores, com base em princípios éticos e morais (JULIÃO, 2016, p.34).

Diante disso, detém enorme relevância a presença de programas educacionais inseridos no sistema prisional brasileiro, com o intuito de gerar atitudes sociais por meio da educação daqueles que não quiseram ou não tiveram acesso a esse direito.

De fato, a educação não poderá mudar integralmente a índole das pessoas, mas partindo da premissa de que o ser humano quando em posse da noção de seus direitos, deveres, papel na sociedade, autoestima e tolerância, poderá ter comportamento mais compatível com os ideais da cidadania, assim, a leitura se torna um ponto de partida animador. 

Complementa MIOTTO (2017, p. 42): “A educação é parte essencial para o desenvolvimento da personalidade do ser humano e para o fortalecimento do respeito pelos direitos e liberdades, como a educação e direito básico ao apenado. A educação é baseada na leitura.”

Em suma, ao passo que, a leitura ensejará a formação do pensamento crítico, enquanto enriquece o nível cultural do indivíduo, esta fomenta uma preocupação ética enquanto cidadão. Em outras palavras, quando bem internalizado o respeito pelos direito e liberdades, o bom comportamento e consciência social será uma consequência da evolução pessoal do leitor, no caso em epígrafe, da pessoa privada de liberdade que retornará a sociedade de forma mais adequada.

O plano estadual de educação prisional tem diversas diretrizes sobre regras e procedimentos comuns, liderança de pessoas, histórico escolar, articulações, parcerias e financiamento, além disso, afirma que: “Para a oferta de ensino em espaços privados de liberdade, a SED/DIEB/GEREJ introduz como diretriz padrão a formalização do termo de compromisso entre a Regional pela gestão da educação/Centro de Educação de Jovens e Adultos, e a Unidade Prisional (BRASIL, p. 60-61). 

Das obrigações da SED/GERED/CEJA:

I-Contratar professor, através de edital específico para a educação prisional, no Ensino Fundamental e Médio.
II-Fornecer os materiais didáticos do Ensino Fundamental e Médio.
III-Supervisionar as atividades pedagógicas e administrativas, prestando assessoramento técnico pedagógico e administrativo, através do CEJA da região, suprindo as necessidades inerentes ao desenvolvimento das atividades pedagógicas e administrativas na unidade Descentralizada. IV- Expedir certificado aos alunos concluintes, através do CEJA. V- Garantir o desenvolvimento do curso, objeto do presente Termo e a continuidade do processo de escolarização para os alunos enquanto permanecerem no interior da instituição e quando retornarem ao convívio social. VI- Fornecer aos alunos, enquanto privados de liberdade, material escolar compatível para o curso ministrado. 

Das obrigações da Unidade Prisional: 

I-Ceder o espaço físico, adequado e previamente aprovado pela GERÊNCIA/CEJA para o desenvolvimento das atividades junto aos alunos privados de liberdade.
II-Equipar o espaço físico com materiais permanentes, necessários às atividades pedagógicas a serem desenvolvidas.
III-Acatar as orientações e determinações emitidas pela Supervisão da Gerência/CEJA, quanto à parte administrativa e pedagógica.
IV-Cumprir as normas estabelecidas pela Supervisão da Gerência/CEJA quanto ao número de alunos para o atendimento.

O Brasil tem visto uma aceleração na expansão de sua população carcerária nos últimos anos. A atenção aos presos é de extrema urgência porque eles também são sujeitos de direito. Superlotação, todo tipo de violência, atendimento médico insuficiente, má qualidade dos alimentos e da água consumida, buscas incômodas, falta de assistência jurídica e falta de trabalho e programas de ressocialização. Privar uma pessoa de sua liberdade é uma punição muito severa. Uma conclusão que confirma a preparação do condenado para desenvolvimento da leitura como forma de melhorar seu nível escola (MORENO, FLANDOLI E SANTOS, 2020).

Torres (2020, p.175) revelou a dificuldade de escrita e interpretação para a maioria dos participantes do programa devido à baixa escolaridade. Ele reforça isso quando afirma que “a população carcerária é composta por adultos que não frequentavam a escola regularmente, pontualmente, no período socialmente esperado para acesso à escola formal”. É importante que haja primeiro houvesse um caminhar pela educação formal prisional, em relação aos ensinos fundamental, médio e profissional.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em virtude dos fatos, conceitos e percepções mencionados, conclui-se que a leitura contribui diretamente para a formação psicossocial e reabilitação da pessoa privada de liberdade. Além de agregar uma forte ferramenta de aprendizagem, esta possibilita uma forma de ocupação segura e didática as pessoas reclusas pelo sistema prisional brasileiro.

Nessa mesma linha de pensamento, perante a função de reabilitação social da pena imposta a pessoa privada de liberdade, a leitura se apresenta como o melhor ponto de partida, pois dela se alcança de maneira mais fluente os ideais almejados pela reinserção da pessoa reclusa.

Tendo em vista essa concepção, foi possível analisar o quanto moralmente enriquecedor pode ser para o comportamento humano a prática da leitura, ao ponto que exerce a inteligência com o fim de redirecionar os anseios dos apenados voltando-os para os valores compartilhados pela sociedade.

Diante disso, é sempre importante lembrar que essa leitura deve ser supervisionada por uma equipe multiprofissional, composto por psicólogos e assistentes sociais. Quando bem desenvolvida a leitura poderá não só traz benefícios para o apenado, mas também para sociedade, relativo à produtividade, aprendizagem, reaproximação e equilíbrio familiar, além da redução da população carcerária, ao passo que evita a reincidência criminal, e reduz a pena em regime fechado e semiaberto. Portanto, é fundamental a expansão, incentivo e espaços para a prática do ato de ler, uma vez o que tal atitude agrega tanto a vida de todos.

Desta forma, a proposta do Conselho Nacional de Justiça leva o criminoso a participar do projeto de redução de leitura como critério objetivo, ele tem de 21 a 30 dias para concluir a leitura da obra, e por fim o criminoso deve elaborar uma revisão da leitura e apresentá-la à comissão organizadora do projeto, A comissão avaliará as atividades com base na compreensão e compatibilidade com os livros escolhidos pelo infrator.

No entanto, é importante viabilizar o instrumento atenuante de pena por meio da leitura nos presídios, pois por meio da leitura, o avisado alcança um importante objetivo, que não só reduz a pena, como também fortalece o conhecimento e a cultura por meio da leitura, o que significará com sua ressocialização. O bem-estar é um direito dos presos e uma obrigação do Estado.

REFERÊNCIAS

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BENEDETTI, Cristina Gerhardt. Âmbito Jurídico. 2021. Disponível em: < https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-do-trabalho/trabalho-e-dignidade-dapessoa-humana-uma-visao-acerca-da-construcao-da-identidade-social-dotrabalhador/#_ftn1>. Acesso em: 12, jun. de 2022.

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¹Acadêmico do 10º período do curso de Direito da Faculdade de Imperatriz – FACIMP.
²Orientador, Doutor, Professor do curso de Direiro da Faculdade de Imperatriz – FACIMP.