REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102491003
Mateus Gonçalves de Sena Barbosa1
Vinícius Otávio da Silva1
Anne Moura Korthals 2
Vinícius Brandão Lemes 2
Daniela Maria de Oliveira 2
Isabela Ávila Silva 2
Karolyna Matos Silva Aires 3
Clara Costa Leite 4
Wainnye Marques Ferreira 5
Letícia Oliveira Cassimiro Dias Nascimento 6
Mateus Guilherme Santos Nogueira 7
Amanda Vilela Leão 8
1. INTRODUÇÃO
A endocardite infecciosa (EI) é uma condição complexa, com elevada mortalidade e morbidade, que afeta predominantemente as válvulas cardíacas, e ocorre quando micro-organismos patogênicos, especialmente bactérias, se aderem ao endotélio cardíaco danificado. A origem desses micro-organismos é frequentemente relacionada a bacteremias transitórias, que podem ser causadas por uma ampla gama de procedimentos médicos e odontológicos, assim como por atividades rotineiras, como a escovação dentária e a mastigação1, 2.
Historicamente, a profilaxia antimicrobiana foi introduzida como uma estratégia para prevenir EI, baseada na hipótese de que antibióticos administrados antes de procedimentos invasivos poderiam impedir a colonização bacteriana no coração. Essa abordagem foi amplamente aceita e implementada, especialmente em pacientes considerados de alto risco, como aqueles com válvulas cardíacas protéticas ou histórico de EI3. No entanto, nas últimas duas décadas, a eficácia e a necessidade da profilaxia antimicrobiana universal têm sido amplamente questionadas.
A evolução do conhecimento científico, associada ao aumento da resistência bacteriana global, levou à reavaliação das diretrizes, com muitas sociedades médicas adotando uma postura mais conservadora em relação à profilaxia. A American Heart Association (AHA), por exemplo, revisou suas diretrizes em 2007, recomendando a profilaxia apenas para um grupo limitado de pacientes de alto risco, uma abordagem que foi corroborada pela European Society of Cardiology (ESC) em suas diretrizes de 20154, 5.
Diante dessas mudanças e da persistente controvérsia sobre o uso de profilaxia antimicrobiana, este estudo tem como objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura para determinar a real importância dessa prática em procedimentos odontológicos, à luz das evidências mais recentes.
2. METODOLOGIA
Este estudo seguiu as diretrizes PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) para a condução de revisões sistemáticas. A pergunta norteadora foi: “Realmente é importante a profilaxia em procedimentos odontológicos como forma de prevenir a endocardite infecciosa?”. As bases de dados utilizadas incluíram MEDLINE, EMBASE, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Web of Science e SciELO.
Os descritores utilizados para a busca foram: “coração”, “complicações”, “endocardite”, “infecção”, “oral”, “odontológica”, “profilaxia” e “prevenção”. Foram incluídos artigos publicados entre 2001 e 2024, em inglês, espanhol ou português. A seleção dos estudos envolveu uma triagem inicial baseada nos títulos e resumos, seguida de uma análise detalhada dos textos completos para verificar a elegibilidade.
3. RESULTADOS
Foram identificados 245 artigos potencialmente relevantes, dos quais 78 foram selecionados para leitura completa. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 56 estudos foram considerados adequados para a revisão final.
1. Incidência de Bacteremia e EI Associada a Procedimentos Odontológicos: A análise dos estudos revelou que a incidência de bacteremia induzida por procedimentos odontológicos varia consideravelmente. Estudos mostraram que a bacteremia pode ocorrer em 8% a 40% dos procedimentos, dependendo de fatores como o tipo de procedimento, a técnica utilizada e a condição oral do paciente6, 7. A incidência de EI subsequente é muito mais baixa, com estimativas variando entre 1 em 10.000 a 1 em 150.000 procedimentos odontológicos8, 9;
2. Impacto da Profilaxia Antibiótica na Prevenção de EI: A eficácia da profilaxia antibiótica é ainda objeto de debate. Diversos estudos demonstraram que, em pacientes de alto risco, a profilaxia pode reduzir significativamente a incidência de EI, mas a magnitude desse efeito é controversa. Em um estudo de coorte, pacientes que receberam profilaxia apresentaram uma redução de 35% na incidência de EI, em comparação com aqueles que não receberam profilaxia10. No entanto, revisões sistemáticas recentes não encontraram evidências suficientes para recomendar profilaxia em pacientes de risco moderado ou baixo11, 12;
3. Diretrizes e Recomendações: As diretrizes mais recentes das principais sociedades científicas, incluindo a AHA e a ESC, recomendam a profilaxia apenas para pacientes considerados de alto risco, como aqueles com válvulas cardíacas protéticas, história de EI, ou certas condições cardíacas congênitas13, 14. Essas diretrizes destacam a importância de uma abordagem individualizada, que leve em conta o risco específico do paciente e o tipo de procedimento odontológico realizado;
4. Riscos Associados ao Uso de Antibióticos: O uso de antibióticos para profilaxia não é isento de riscos. Estudos demonstraram que a administração de antibióticos pode levar a efeitos adversos, como reações alérgicas e aumento da resistência bacteriana. Um estudo de base populacional demonstrou que, para cada milhão de pacientes tratados com profilaxia, 1.000 poderiam desenvolver resistência antibiótica, e 500 poderiam apresentar reações adversas graves15, 16.
4. DISCUSSÃO
Os resultados desta revisão indicam que a profilaxia antibiótica deve ser reservada para pacientes com risco significativo de desenvolver EI, de acordo com as diretrizes atuais. A profilaxia universal para todos os pacientes submetidos a procedimentos odontológicos invasivos não se justifica pelas evidências disponíveis, e pode, na verdade, ser prejudicial devido ao potencial de promover resistência antibacteriana e causar reações adversas.
Embora os estudos revisados indiquem que a profilaxia pode ser benéfica para um subconjunto específico de pacientes, a decisão de prescrevê-la deve ser cuidadosamente considerada, com base em uma avaliação individual do risco. Além disso, é necessário considerar alternativas à profilaxia, como a melhoria da higiene bucal, que pode reduzir a carga bacteriana e, consequentemente, o risco de bacteremia associada a procedimentos odontológicos17, 18.
Esta revisão também ressalta a necessidade de mais pesquisas para clarificar os benefícios e riscos da profilaxia antibiótica em diferentes populações de pacientes e em relação a diferentes tipos de procedimentos odontológicos. Estudos futuros devem focar em ensaios clínicos randomizados bem desenhados para fornecer evidências mais robustas.
5. CONCLUSÃO
A profilaxia antibiótica em procedimentos odontológicos deve ser considerada uma medida preventiva seletiva, direcionada principalmente a pacientes com condições cardíacas de alto risco, conforme recomendado pelas diretrizes internacionais. Para a população em geral, a profilaxia não é justificada pelas evidências atuais e deve ser evitada para prevenir a crescente ameaça da resistência antimicrobiana. A tomada de decisão deve ser baseada em uma avaliação individualizada, levando em conta o risco específico do paciente e as características do procedimento odontológico. A promoção da saúde bucal deve ser enfatizada como uma estratégia preventiva fundamental para reduzir o risco de EI.
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1 2 Graduando em Medicina. Faculdade de Medicina Atenas, Passos – MG, Brasil.
3 Graduada em Medicina. Centro Universitário Alfredo Nasser – UNIFAN.
4 Graduanda em Medicina. Faculdade da Saúde e Ecologia (FASEH).
5 Graduanda em Medicina. UNIFAMAZ.
6 Graduada em Medicina. UNICEUMA – Centro Universitário Metropolitano da Amazônia, Campus Imperatriz – MA.
7 Graduado em Medicina. UNINOVAFAPI. Terezina, PI.
8 Graduada em Medicina. Universidade de Uberaba. Uberaba, MG.