A IMPORTÂNCIA DA ODONTOLOGIA HOSPITALAR NO CONTEXTO DA REDUÇÃO DE ÓBITOS DE PACIENTES INTERNADOS EM UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202411192254


Brenda Raissa Dos Santos Sousa,
Erika Cristina Da Cruz Ribeiro,
Maria Gabrielle De Jesus Lima,
Orientador(a): Ricardo Martins Lira


INTRODUÇÃO 

O ambiente hospitalar é caracterizado pela atuação multiprofissional e interprofissional, e para que seja contemplada a integralidade da assistência aos pacientes, é fundamental a presença do Cirurgião-dentista (CD) na equipe hospitalar. A Odontologia Hospitalar (OH) tem por finalidade a prevenção, o cuidado e o tratamento de pacientes internados nestes cenários, favorecendo a melhora do quadro clínico (JUNIOR; DITTO; ALMEIDA, 2024). 

Os cuidados bucais aos pacientes críticos internados requerem uma atenção especializadas, com isso a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por meio da RDC no 7 de 24 de fevereiro de 2010, assegurou o acesso aos recursos assistenciais destes pacientes a beira leito, incluindo a assistência odontológica como parte do cuidado integral, assim como o Projeto de Lei no 2.776/2008 que determinou a obrigatoriedade do CD nas equipes de UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) (BARROS et al, 2024). 

Apesar desta necessidade do CD na equipe hospitalar, a normatização da especialidade OH foi realizada pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO) em janeiro de 2024, sendo estes especialistas atuantes nas equipes multiprofissionais, responsáveis pelas ações preventivas, diagnósticas e terapêuticas às doenças orofaciais, manifestações de doenças sistêmicas ou sequelas de tratamentos em pacientes em ambiente hospitalar, internados ou não, ou na assistência domiciliar (CFO, 2024). 

O atendimento odontológico dentro das UTIs é importante para a prevenção de doenças infecciosas respiratórias e para a redução de custos, e a presença do CD na equipe multiprofissional leva a uma melhor implementação dos protocolos institucionais de higiene bucal na rotina das UTIs, e a melhor capacitação das equipes assistenciais, principalmente enfermeiros, para a correta realização os protocolos de higiene bucal efetivos (BLUM et al, 2018). 

Mesmo diante das evidências acerca da associação entre a higiene bucal e infecções nosocomiais, a técnica é dificultosa nos pacientes em UTIs, pois muitos não podem receber os cuidados adequados devidos aos inúmeros parâmetros que são levados em consideração pela equipe multiprofissional, principalmente os relacionados às condições sistêmicas associadas. Todavia, é fundamental que pacientes internados com problemas bucais recebam assistência para a redução da carga microbiana oral, visando manter as condições de saúde bucal e evitar a colonização das vias aéreas (RIBEIRO et al., 2022).  

A saúde bucal está relacionada diretamente à saúde sistêmica geral e qualidade de vida, e quando deficiente acarreta em alterações no estado nutricional, aumento de mortalidades ou morbidades, devido a presença de doenças bucais e infecções hospitalares, principalmente em pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) (KUMAR et al., 2024). 

Cerca de 10-28% dos pacientes ventilados mecanicamente (VM) apresentam quadros de pneumonia associada a ventilação (PAV), que é a infecção hospitalar mais prevalente e que pode levar a óbito os pacientes em UTIs. Estes pacientes podem necessitar de intubação, sondas nasogástricas, permanecerem sedados ou com febre, o que acaba por gerar desidratação e respiração bucal (KUMAR et al., 2024). 

A literatura é clara quanto a associação entre PAV, anormalidades cardíacas e doença periodontal, todavia, ainda há uma deficiência no emprego dos protocolos de higiene oral dentro das UTIs, mesmo com 90% dos profissionais de enfermagem tendo percebido a importância dos cuidados bucais em pacientes VM (BLUM et al, 2018; KUMAR et al., 2024). 

No ambiente de UTIs os profissionais de enfermagem geralmente ficam a cargo da higiene oral dos pacientes, porém estes não foram academicamente preparados para o manejo da cavidade oral, e aprendem apenas por experiência devido estarem cientes da necessidade da higiene bucal, porém há uma deficiência nos processos e rotinas quanto ao correto emprego deste cuidado (KUMAR et al., 2024). 

Os pacientes hospitalizados podem apresentar pneumonias nosocomiais, relacionadas ao tempo de internação ou a PAV, como consequência da aspiração de bactérias orais para os pulmões. Ainda, uma rápida deterioração da saúde bucal devido a VM pode estar presente, sendo influenciada pela abertura bucal prolongada, a dependência de cuidados bucais pela equipe e a formação da placa bacteriana em apenas 48h (KELLY et al., 2023). A progressão de quadros infecciosos remotos pode estar associada à hipossalivação, a criação de reservatórios favoráveis para o crescimento de microrganismos na própria placa bacteriana e orofaringe, e na presença de doença periodontal, cárie, necrose pulpar, lesões em mucosa oral, entre outras condições (KUMAR et al., 2024). 

Diante disto, o objetivo do presente estudo foi realizar um levantamento bibliográfico acerca da atuação da odontologia hospitalar nos ambientes de terapia intensiva, buscando elucidar através de evidências atuais o verdadeiro impacto do atendimento odontológico regular aos pacientes gravemente enfermos internados em UTIs, relacionando ao risco de PAV e taxas de óbitos. 

METODOLOGIA 

A metodologia adotada para a pesquisa consistiu em uma busca abrangente nas principais bases de dados científicas, incluindo PubMed/MEDLINE, Scielo, LILACS, a plataforma CAPES e Google Acadêmico. Os termos e descritores utilizados na busca foram cuidadosamente selecionados para incluir uma ampla gama de tópicos relevantes à investigação, tais como “odontologia hospitalar”, “pneumonia associada à ventilação”, “saúde bucal” e “unidade de terapia intensiva”. Além disso, foram explorados termos correlatos em inglês para garantir a inclusão de um maior número de estudos internacionais e a diversidade de abordagens no tema. O critério de elegibilidade para os artigos considerados nesta revisão foi estabelecido para incluir apenas aqueles publicados entre os anos de 2016 e 2024. Essa janela temporal foi escolhida para refletir as pesquisas mais recentes e relevantes, assegurando que as informações incluídas na revisão estivessem atualizadas e em consonância com os avanços recentes na área. A busca foi realizada de forma sistemática, utilizando combinações de palavras-chave e descritores, e aplicando filtros específicos nas bases de dados, como a restrição a artigos disponíveis online e a limitação a publicações que apresentassem relevância direta para a temática proposta. Ao final do processo de busca, os artigos selecionados passaram por uma análise crítica para verificar sua adequação aos critérios estabelecidos e sua contribuição para o entendimento da relação entre odontologia hospitalar e pneumonia associada à ventilação, especialmente em contextos de terapia intensiva. Essa abordagem metodológica visou garantir a robustez e a validade dos achados apresentados na revisão.

REVISÃO DE LITERATURA
A atuação do CD no contexto hospitalar 

A cavidade oral é parte central e integrada ao corpo humano, e uma pobre higiene bucal poder comprometer diretamente a resposta imune dos pacientes, visto que esta é um dos principais reservatórios de microrganismos, e caso haja um desequilíbrio do meio, podem adentrar facilmente a corrente sanguínea, implicando no retardo da melhora da condição atual do paciente, desfavorecendo o prognóstico dos pacientes internados (Moreira et al., 2022). 

A atuação do CD a nível hospitalar é fundamental para um suporte completo à saúde dos pacientes internados, e pode ser pautada na influência da saúde bucal na saúde sistêmica, nas manifestações bucais de doenças sistêmicas e nas manifestações decorrentes de terapias (Cruz; Filho; Pereira, 2024). 

A presença do CD nas unidades hospitalares é de grande importância para a saúde dos pacientes internados, principalmente dos que possuem doenças graves, pois atuam na prevenção de infecções, melhorando a qualidade de vida e reduzindo o tempo de internação destes pacientes (Moreira et al., 2022). Ao integrar a equipe, o CD deixa claro a importância da saúde bucal no contexto da doença, tanto para o paciente quanto para os demais profissionais, o que favorece a adesão ao tratamento e continuidade do cuidado após a alta hospitalar (Cruz; Filho; Pereira, 2024).

O foco principal é sua atuação na prevenção, ao realizar promoção de saúde bucal, por meio de procedimentos como a profilaxia oral, raspagem e alisamento radicular, escovação supervisionada, aplicação tópica de flúor, entre outras (Moreira et al., 2022).

O CD, que historicamente atuava apenas em ambientes ambulatoriais, passa a integrar às equipes multidisciplinares na atenção terciária, oferecendo conhecimentos e técnicas que antes eram desempenhados por profissionais da enfermagem, que por vezes desconheciam os métodos necessários para a eficácia dos procedimentos. Dessa forma, a presença do CD no ambiente hospitalar contribui para um tratamento mais eficaz, equilibrando a saúde bucal com a saúde geral (Moreira et al., 2022).

Condições bucais associadas aos pacientes em UTIs

Diversas condições bucais desfavoráveis podem acometes os pacientes em UTIs, como a xerostomia, estomatites e mucosites. Podem estar associadas à quadros de imunossupressão, desidratação, restrição de dietas e má nutrição, uso prolongado de medicações como os antibióticos, terapias adjuvantes como a radioterapia, utilização da VM, entre outras (Cruz; Cerqueira; Vera, 2023).

A xerostomia, ou sensação de boca seca, é decorrente do ressecamento da mucosa bucal, que acaba por predispor os pacientes a infecções, quadros de disfagia. Já quanto aos quadros de estomatite e mucosites orais, podem ser ocasionados pelo uso dos tubos endotraqueais, sondas de aspiração ou nasogástricas, entre outros aparatos que podem lesionar as vias aéreas e mucosa oral, contribuindo para o aparecimento de lesões (Kim; Ku; Jun, 2023).  

As evidências atuais acerca das condições bucais em pacientes críticos destacam a necessidade de um monitoramento e tratamento precoce de  cáries, doença periodontal, infecções bucais, controle da placa bacteriana e alterações dentárias, de forma a reduzir as complicações sistêmicas associadas e melhorar os resultados clínicos (Cruz; Cerqueira; Vera, 2023; Ribeiro et al., 2022). 

De acordo com a literatura, a imobilização de pacientes e a dificuldade na manutenção da higiene oral levam a um acúmulo exacerbado e acelerado da placa bacteriana, que aumenta o risco de cáries, e consequentemente o risco de infecções sistêmicas, em especial as infecções odontogênicas decorrentes de abscessos dentários, até mesmo a própria PAV (Steinle et al., 2023). 

Os pacientes em UTIs apresentam em geral quadros de imunossupressão, e ao serem submetidos à terapia antimicrobiana prolongada têm sua flora bucal alterada, o que acarreta no aparecimento de infecções fúngicas como a candidíase oral, que geram mucosites e comprometes o quadro clínico, aumentando a necessidade de permanência hospitalar (Tuon et al., 2017). 

O acúmulo de placa bacteriana e inflamação gengival leva ao estabelecimento da doença periodontal nos pacientes críticos, tornando a carga bacteriana bucal elevada. Na presença deste quadro, pode ocorrer o aparecimento de infecções respiratórias devido ao conteúdo aspirado, assim como o aumento de mediadores inflamatórios na corrente sanguínea, que exacerbam as condições sistêmicas pré-existentes, principalmente o diabetes e as doenças cardiovasculares (Cruz; Cerqueira; Vera, 2023). 

Infecções nosocomiais, PAV e mortalidade de pacientes críticos

Os pacientes admitidos nas UTIs apresentam risco elevado de desenvolverem infecções nosocomiais devido aos procedimentos diagnósticos, intervencionais e alterações no sistema imunológico. As infecções do trato respiratório são as mais prevalentes, seja as pneumonias adquiridas no hospital ou as PAV (Zambrano et al., 2024).

As bactérias frequentemente detectadas na cavidade bucal no ambiente hospitalar são Streptococcus viridians, Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Enterococcus spp. e Klebsiella pneumoniae. Após 48 horas da admissão nas UTIs, a microbiota oral dos pacientes sob VM é alterada, com predomínio de microrganismos Gram-negativos, como Pseudomonas aeruginosa, Enterobacter spp, Acinetobacter baumannii, Klebsiella pneumoniae e alguns organismos Grampositivos, como Staphylococcus aureus (Zambrano et al., 2024).

O biofilme oral torna-se substrato para a colonização destes microorganismos patógenos do trato respiratório, sendo estes transportados e aspirados ao trato respiratório gerando infecções pulmonares. Práticas de higiene oral impedem a proliferação de  microrganismos no trato respiratório, reduzindo o tempo de internação, o uso de antibióticos e outras doenças sistêmicas (Cruz; Cerqueira; Vera, 2023; Zambrano et al., 2024).

Zambrano e colaboradores (2024) realizaram um ensaio clínico randomizado que teve por objetivo comparar a efetividade de duas técnicas de escovação na redução da microbiota oral patogênica associada à VM em pacientes internados na UTI de um hospital do sul brasileiro. A amostra foi composta por 90 pacientes de ambos os sexos, divididos em dois grupos e submetidos à protocolos distintos de higienização oral com clorexidina 0,12%, sendo o grupo A (gaze embebida) e grupo B (escova de dentes com sucção).  A média de idade foi de 65 anos, com prevalência do sexo masculino, sendo pacientes que estavam sob VM por sonda orotraqueal ou traqueostomizados, pelo período mínimo de 48 horas. Foi realizada a coleta de 1ml de saliva previamente e após a intervenção, para avaliação quantitativa e qualitativa dos microorganismos existente no biofilme coletado. Os resultados demonstraram que o grupo B apresentou redução na quantidade de unidades formadoras de colônica (UFC), porém não foram encontradas diferenças significativas no tempo de internação dos pacientes. Os autores concluíram que a escovação bucal tem importância significativa na redução dos biofilmes orais e no aumento da saúde bucal, além do seu potencial impacto na incidência de PAV.

Maeda e Mori (2020) realizaram um estudo observacional e retrospectivo com o objetivo de avaliar a saúde bucal de pacientes idosos internados no momento da admissão hospitalar, investigando a relação de uma má saúde bucal com a mortalidade. Os pacientes foram dividos em três grupos, após serem estratificados  de acordo com o instrumento validado para avaliação da saúde bucal denominado Oral Health Assessment Tool (OHAT), sendo score 0 (saudáveis), score 1-2  (alterações orais) e score 3 (condição bucal insalubre). Foram coletados dados como a idade, sexo, estado nutricional, atividades diárias de vida, estado cognitivo e comorbidas, e o desfecho foi considerado as mortalidades hospitalares em 60 dias. A amostra final foi composta por 624 pacientes, com média de idade de 83,8 anos e 40,9% do sexo masculino. O grupo classificado como OHAT 3 apresentou uma taxa de mortalidade significativamente maior (18%) quando comparado aos demais grupos. Ainda, foi demonstrado que a saúde bucal mais pobre na admissão dos pacientes deste grupo estava relacionada à velhice, desnutrição, diminuição das AVD e cognição prejudicada. Os autores concluíram que em pacientes geriátricos, a falta de saúde bucal na admissão hospitalar foi um preditor independente de mortalidade intra-hospitalar.

Apesar da evidente importância das práticas e intervenções da saúde bucal na redução da mortalidade em pacientes críticos, ela não pode contribuir de forma isolada, necessitando estar associada à uma abordagem multidisciplinar, como nas terapias nutricionais e reabilitadoras motoras, visando o aumento na sobrevida destes pacientes (Maeda; Mori, 2020)

Diretrizes e protocolos de saúde bucal em pacientes críticos

A saúde bucal deficiente no momento da admissão hospitalar é um potencial preditor de risco de mortalidade, ao passo que a melhoria desta influencia positivamente na redução de complicações e da mortalidade (Maeda; Mori, 2020).

Durante a permanência do paciente no ambiente hospitalar, geralmente ocorre a deteriorização de sua saúde bucal, pois no curso de suas doenças eles têm baixa ou nenhuma capacidade de autocuidado bucal. Este quadro é agravado quando são alocados em UTIs, devido ao uso de intubação nasotraqueal, alimentação nasal, uso de sedativos e alterações no fluxo salivar e no meio bucal (Li et al., 2024).

Muitas vezes o cuidado bucal não é considerado com alta prioridade pela equipe multiprofissional, visto a condição crítica da carga de trabalho num ambiente de cuidados intensivos, que limita-se à tarefas fundamentais da enfermagem, além do baixo número de profissionais e dos pacientes em estado grave (Li et al., 2024). 

De acordo com Simon, Karhade e Tobey (2020), nos Estados Unidos apenas 1% dos CD trabalham em ambiente hospitalar, a equipe de enfermagem tem conhecimento limitado quanto aos conceitos de saúde bucal e os médicos recebem treinamento mínimo em saúde bucal durante as suas formações. Esse contexto leva a uma falha no processo de cuidado bucal, podendo gerar riscos a saúde dos pacientes e um gasto elevado para o sistema. 

Os profissionais de saúde devem fortalecer a avaliação da saúde bucal dos pacientes e implementar medidas individualizadas de educação em saúde e gestão com base nas características de grupos de alto risco para promover sua saúde bucal (Wu et al., 2023).

Uma avaliação oral prévia à prestação de cuidados pode ser clinicamente e economicamente mais benéfica para as UTIs. As intervenções orais devem se basear nas necessidades individuais dos pacientes, após avaliação detalhada prévia ao cuidado bucal, fornecendo aos pacientes um plano de cuidados bucais personalizado e direcionado (Li et al., 2024).

Além da avaliação da condição dentária e periodontal, a saúde bucal deve ser avaliada incluindo a condição da língua, lábios, saliva, capacidade de deglutição, condições de mucosa e possíveis barreiras para a realização de cuidados como tubos endotraqueais e nasogástricos (Celik; Eser, 2017; Maeda; Mori, 2020). O uso de ferramentas de escovação apropriadas e enxaguatórios bucais podem auxiliar na promoção dos cuidados bucais (Li et al., 2024).

A inclusão de cuidados bucais intensivos nos protocolos como a profilaxia dentária, tratamento de doença periodontal e extração dentária em pacientes críticos, como os submetidos à VM, podem reduzir as taxas de pneumonia (Simon; Karhade; Tobey, 2020). Além disso, estas práticas levam a uma aceleração da recuperação dos pacientes em UTIs, minimizando a ocorrência de infecções nosocomiais, e os cuidados de alta qualidade podem minimizar em 33,3% os quadros de PAV (Wu et al., 2023).

A higiene bucal é fundamental para garantir a nutrição equilibrada, o conforto físico e psicológico e a melhora na qualidade de vida (Celik; Eser, 2017). Associado ela aos demais cuidados bucais é possível minimizar os desconfortos ocasionados pela xerostomia, dores, úlceras, e promover a saúde bucal, reduzindo o risco de cáries, estomatites e da doença periodontal, que esta intimamente relacionada com doenças sistêmicas como bacteremias, artrite reumatóide e doenças cardiovasculares (Li et al., 2024).

Embora os métodos mecânicos de higiene apresentem eficácia limitada em UTIs, a utilização de agentes antimicrobianos em enxaguantes bucais têm demonstrado eficácia no controle da placa dental e na redução da quantidade de microrganismos patogênicos na cavidade oral. O uso de enxaguante bucal à base de clorexidina resulta em uma redução significativa no número total de bactérias, além de diminuir consideravelmente a incidência de infecções por Staphylococcus aureus (Tuon et al., 2017).

Os cuidados orais clássicos de pacientes hospitalizados em UTIs abrangem a descontaminação mecânica, desinfecção química oral e profilaxia antibiótica. A utilização de clorexidina associada à escovação assistida, descontaminação seletiva do trato orofaríngeo e digestivo, terapia fotodinâmica, elevação da cabeça do paciente, limitação na duração da VM, entre outras são estratégias que podem ser adotadas para a redução das complicações e incidência de PAV (Kazemia et al., 2017; Araújo et al., 2022). 

Avaliações orais abrangentes e cuidados bucais devem ser implementados com base em aplicações baseadas em evidências para proteger a saúde bucal dos pacientes em UTIs e evitar complicações que afetam a qualidade de vida dos pacientes, desenvolvendo problemas sistêmicos, aumentando o tempo de internação e consequentemente os custos médicos. Diagnosticar os problemas bucais e as causas da piora da saúde bucal durante a internação são primordiais na prevenção de complicações sistêmicas como a PAV (Celik; Eser, 2017)

De acordo com Li e colaboradores (2024), o futuro dos cuidados bucais em UTIs deve dispor de ferramentas e enxaguantes bucais apropriados, processos simplificados porém padronizados, assim como o treinamento adequado e colaboração da equipe multidisciplinar.

DISCUSSÃO

De acordo com Kazemian e colaboradores (2017), o declínio da saúde bucal em pacientes assistidos nas UTIs ocorre devido a condição de higiene bucal deficiente dos enfermos, e este quadro é agravado nos pacientes em uso de VM, equipamentos de hemofiltração, tubos nasogástricos, entre outros, devido à maturação das placas dentárias e biofilmes que levam à infecções nosocomiais como as PAV, que são uma das principais causas de mortalidade nestes ambientes. Araújo e colaboradores (2022) corroboram com estes autores, e reiteram que a ocorrência das PAV se dá pela migração dos microorganismos patogênicos da cavidade oral para o trato respiratório, onde o risco é potencializado frente à inflamação oral, xerostomia, aspiração de secreções, alteração da microbiota orofaríngea e necessidade de manutenção da boca aberta por horas.

Steinle e colaboradores (2023) evidenciaram em seu estudo que os pacientes em UTIs apresentaram saúde bucal precária, e que o biofilme sobre o tecido mole e ulcerações de mucosa aumentaram o tempo de permanência na UTI, porém não relacionaram-se diretamente com a mortalidade. Apesar disso, os resultados demonstraram que os pacientes sob VM apresentaram maior tempo de internação, mortalidade, suporte medicamentoso, edentulismo, sangramento de mucosa oral, entre outras complicações, quando comparados aos não ventilados. Estes achados corroboram com o estudo de Amaral e colaboradores (2018), que evidenciaram a deficiente condição de saúde bucal nos pacientes internados, onde a maioria dos pacientes necessitaram de tratamento odontológico invasivo para evitar complicações a saúde geral.

A revisão sistemática e metanálise realizada por Cruz e colaboradores (2022) evidenciou que a utilização de clorexidina foi benéfica na prevenção de PAV em pacientes gravemente enfermos, o que divergiu dos achados de Vieira, Oliveira e Mendonça (2020), que não encontraram evidências da associação do uso de clorexidina e menores taxas de PAV, e ainda destacaram um aumento significativo na mortalidade. De acordo com estes últimos autores, apesar de benéfica em cenários específicos, não há evidências robustas para a utilização de forma generalizada da clorexidina, devido seus potenciais danos orgânicos e citotoxicidade. 

Dale e colaboradores (2021) evidenciaram em seu estudo multicêntrico que a troca de um protocolo com utilização de clorexidina por um protocolo de cuidados orais isolados como escovação, hidratação da boca e aspiração de secreções não apresentou benefício aos pacientes sob VM em UTIs, seja na redução de mortalidade, do tempo até extubação, dor nos procedimentos orais ou presença de complicações associadas à VM, reiterando que se associados, estes protocolos podem melhorar o estado de saúde bucal. Estes achados corroboram com os achados da revisão sistemática de Ehrenzeller e Klompas (2023), que sugeriram que a escovação diária esteve associada a menores taxas de pneumonias nosocomiais, principalmente nos pacientes sob VM, assim como a menor mortalidade, menor tempo do tempo de internação em UTIs, quando comparada aos cuidados orais de rotina sem a escovação. 

Em alguns países, os cuidados bucais ficam a cargo de técnicos de saúde bucal, ou pela própria equipe de enfermagem. De acordo com a revisão sistemática de Araújo e colaboradores (2022), a realização de cuidados bucais específicos pela equipe de assistência bucal especializada não influenciaram o estado de saúde bucal ou a mortalidade, quando comparada à intervenção pela equipe de enfermagem, porém, contribuíram para a redução de PAV nos pacientes em UTIs. Por sua vez, o estudo de Gomes e Castelo (2019) evidenciaram que a atuação do CD promoveu melhoras na saúde bucal, porém não foi possível inferir acerca da redução de ocorrência de PAV. 

Silva e colaboradores (2016) também ressaltaram a importância do controle da saúde bucal em hospitais, principalmente nas UTIs, reiterando a necessidade do CD na equipe multidisciplinar nesta unidade para a melhoria do cuidado geral e prognóstico, reduzindo o risco de infecções hospitalares e morbidades, além de melhorar a saúde bucal, o que diverge dos achados de Araújo e colaboradores (2022). 

A divergência entre os estudos quanto aos protocolos de cuidados e profissionais que os realizam se dá devido as suas diferenças metodológicas e a ausência de um protocolo universal acerca dos cuidados bucais em pacientes internados em UTIs, que ficam restritos à protocolos institucionalizados e dependentes do arsenal de insumos disponíveis em cada instituição. 

De maneira geral, pacientes em UTIs requerem cuidados constantes de uma equipe multidisciplinar, sendo a prevenção e o manejo odontológico fundamentais para o cuidado integral à saúde destes (Araúlo et al., 2022). A odontologia deve concentrar o esforço na capacitação e no suporte à equipe multidisciplinar que está na primeira linha de cuidado, intervindo quando as alterações dentárias e bucais interferirem no desfecho clínico dos pacientes (Gomes; Castelo, 2019).

CONCLUSÃO

AOH é parte essencial na abordagem multidisciplinar da saúde em UTIs, pois a implementação de seus protocolos rigorosos contribuem não apenas para a redução de complicações, mas também como fator determinante na redução da mortalidade dos pacientes internados. Através da promoção de saúde bucal, práticas de higiene oral e rastreamento de lesões orais, gera-se um impacto positivo na qualidade de vida e consequentemente no prognóstico, transformando a experiência dos pacientes em terapia intensiva. É imprescindível reconhecer a relação direta entre a saúde bucal e saúde geral, direcionando as terapias à um modelo de cuidado integrado, abrangente e eficaz, beneficiando os pacientes e as próprias instituições de saúde.

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