REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202506301221
Roseane do Nascimento Lima Santos
Patrícia Medeiros Cavalcante
Dra. Simone de Cassia Silva
RESUMO
Este artigo analisa a integração da Norma Regulamentadora nº 17 (NR 17), da ISO 45001 e da ISO 31000 na avaliação biopsicossocial de pessoas com deficiência, destacando sua relevância para a promoção de ambientes de trabalho inclusivos, seguros e saudáveis. Por meio de uma revisão sistemática e análise documental, o estudo demonstra como essas normativas, quando aplicadas de forma conjunta, oferecem um arcabouço para a adaptação ergonômica, gestão de riscos e saúde ocupacional, alinhando se aos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Além disso, discute-se a implementação prática desse modelo, exemplificada pelo projeto-piloto da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), que adotou a avaliação biopsicossocial unificada da deficiência. Os resultados evidenciam a necessidade de abordagens multidisciplinares e políticas organizacionais que considerem não apenas aspectos biomédicos, mas também psicológicos e sociais, para garantir a plena inclusão e autonomia das pessoas com deficiência. Conclui-se que a combinação dessas normas com a avaliação biopsicossocial representa um avanço significativo na conformidade legal, na gestão de riscos e na promoção de uma cultura organizacional inclusiva, contribuindo para o cumprimento de diretrizes internacionais de direitos humanos e acessibilidade.
PALAVRAS-CHAVE: inclusão, condições de trabalho, pessoas com deficiência.
INTRODUÇÃO
A Norma Regulamentadora nº 17 (NR 17) é um dispositivo do Ministério do Trabalho que trata da ergonomia no ambiente laboral, visando promover condições adequadas para a saúde e segurança dos trabalhadores, estabelecendo diretrizes para a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar o máximo de conforto, segurança e desempenho. No contexto da avaliação biopsicossocial da pessoa com deficiência, a NR 17 pode ser aplicada para proporcionar que o ambiente de trabalho seja adaptado de forma a viabilizar condições adequadas para a inclusão e o desempenho eficaz do trabalhador com deficiência, incluindo a avaliação das necessidades específicas da pessoa com deficiência, ao considerar aspectos físicos, psicológicos e sociais, para que ela tenha acesso a recursos e adaptações necessárias para exercer suas funções de forma segura e produtiva.
Essa avaliação biopsicossocial envolve não apenas a análise das condições físicas do ambiente de trabalho, como ergonomia dos móveis e equipamentos, mas também aspectos psicológicos, como o apoio emocional e o treinamento necessário para lidar com desafios específicos relacionados à deficiência, além de considerar fatores sociais, como a interação com colegas e a acessibilidade do local de trabalho, nesse aspecto, A NR 17 é uma ferramenta importante para viabilizar a inclusão e a adequação do ambiente de trabalho para pessoas com deficiência, promovendo sua integração e contribuição efetiva no mercado de trabalho2.
A integração entre as Normas Regulamentadoras (NRs) brasileiras, como a ISO 31000:2018 sobre gestão de riscos e a ISO 45001:2018 sobre sistemas de gestão de segurança e saúde ocupacional (SSO), enfatiza a importância de uma abordagem sistemática, multidisciplinar, coesa e orientada para a prevenção como um pilar fundamental para a promoção de ambientes de trabalho seguros e saudáveis1,5,9,10.
Há várias estratégias para promover a inclusão de pessoas com deficiência no ambiente de trabalho, como: a acessibilidade física, para que o local de trabalho seja acessível às pessoas com diferentes tipos de deficiência, (incluindo rampas para cadeiras de rodas, corrimãos, banheiros adaptados, sinalização tátil, para pessoas com deficiência visual); a adaptação de equipamentos e tecnologias adaptadas às necessidades específicas de cada pessoa com deficiência, (como softwares de leitura de tela para pessoas com deficiência visual, dispositivos de entradas alternativas para pessoas com dificuldades motoras); desenvolvimento da cultura da valorização profissional, por meio de treinamentos e políticas para fomentar o conhecimento e sensibilizar os funcionários sobre a inclusão e a diversidade, promovendo uma cultura organizacional que valorize a participação e crescimento de todos os colaboradores ; políticas de recrutamento e seleção inclusivas, viabilizando a igualdade de oportunidades nos processos, promovendo a contratação de pessoas com deficiência qualificadas; programas de desenvolvimento profissional, ofertando oportunidades iguais de crescimento para todos os trabalhadores; acomodações razoáveis: Proporcionar acomodações razoáveis para pessoas com deficiência, conforme exigido pela legislação, para garantir que possam desempenhar suas funções de forma eficaz e produtiva; Políticas de apoio e inclusão: Desenvolver políticas e procedimentos que promovam um ambiente de trabalho inclusivo e acolhedor, onde todos os funcionários se sintam valorizados e respeitados, independentemente de suas diferenças. Essas práticas podem contribuir para a formação de um ambiente de trabalho inclusivo, que promova igualdade de oportunidades entre os indivíduos, no sentido do desenvolvimento e sucesso profissional3.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
NR 17, ISO 45001:2018 e a ABNT NBR ISO 31000:2018: objetivos e aplicabilidade
A NR-17 estabelece diretrizes e requisitos essenciais para a adequação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores. Seu principal objetivo é assegurar conforto, segurança, saúde e desempenho eficiente no ambiente laboral. A NR-17 visa à adaptação do trabalho às condições do trabalhador, abrangendo desde o levantamento, transporte e descarga de materiais, mobiliário e equipamentos de trabalho, até aspectos relacionados ao conforto no ambiente de trabalho e à própria organização do trabalho. Esta norma se aplica a todas as situações de trabalho onde se identifiquem necessidades de adaptação ergonômica, incluindo organizações e órgãos públicos da administração direta e indireta, além de órgãos dos Poderes Legislativo, Judiciário e Ministério Público regidos pela CLT. Uma das exigências fundamentais da NR-17 é a realização de avaliações ergonômicas preliminares e, quando necessário, análises ergonômicas do trabalho (AET) mais aprofundadas. Estas análises visam identificar, prevenir e corrigir riscos ergonômicos aos quais os trabalhadores possam estar expostos, através de abordagens qualitativas, semiquantitativas, quantitativas ou a combinação destas. A norma destaca a importância da organização do trabalho de forma a respeitar as capacidades e limitações dos trabalhadores, incluindo aspectos como normas de produção, exigência de tempo, ritmo de trabalho, conteúdo das tarefas, e aspectos cognitivos relevantes para a segurança e saúde dos trabalhadores. Assim, ela representa um marco na regulamentação da ergonomia no ambiente de trabalho no Brasil, estabelecendo parâmetros claros para a adaptação das condições laborais às necessidades dos trabalhadores. Ao focar na análise ergonômica e na organização do trabalho, a norma contribui significativamente para a prevenção de doenças ocupacionais e acidentes de trabalho, promovendo um ambiente de trabalho mais seguro, saudável e produtivo11.
A normativa ISO 45001:2018 – Sistemas de Gestão de Segurança e Saúde Ocupacional representa um marco importante no campo da segurança e saúde ocupacional (SSO), fornecendo uma estrutura robusta para organizações que buscam estabelecer, implementar, manter e melhorar continuamente um sistema de gestão de SSO. Esta norma substitui a OHSAS 18001, integrando-se mais facilmente a outros sistemas de gestão, como ISO 9001 e ISO 14001, considerado à adoção da estrutura de alto nível (High Level Structure – HLS). O principal objetivo da ISO 45001 é proporcionar um ambiente de trabalho seguro e saudável, prevenindo lesões e problemas de saúde relacionados ao trabalho, além de melhorar proativamente o desempenho de SSO. Ela é aplicável a qualquer organização, independentemente de seu tamanho, tipo ou natureza do negócio. A norma é construída em torno de vários princípios chave, incluindo o envolvimento da alta direção no sistema de gestão de SSO, a importância de estabelecer uma cultura de segurança, a necessidade de consulta e participação dos trabalhadores, e a abordagem de gestão de riscos para identificar, avaliar e controlar perigos. A implementação da ISO 45001 pode ajudar as organizações a reduzirem acidentes de trabalho, cumprir com requisitos legais e regulatórios, e melhorar a eficiência operacional. Os benefícios não se limitam apenas à melhoria da segurança dos trabalhadores, mas também incluem aspectos como aumento da satisfação dos funcionários, redução de custos relacionados a acidentes e melhoria da imagem corporativa9.
A ABNT NBR ISO 31000:2018 fornece um guia abrangente para a gestão de riscos, apresentando diretrizes que podem ser aplicadas por organizações de qualquer porte ou setor. Seu objetivo é auxiliar as organizações na criação, proteção de valor e melhoria no desempenho através da gestão eficaz dos riscos. A Norma é fundamentada em princípios de gestão de riscos que incluem a criação e proteção de valor, integração da gestão de riscos nos processos organizacionais, personalização conforme o contexto da organização, inclusividade, dinamismo, uso da melhor informação disponível, consideração dos fatores humanos e culturais, e melhoria contínua. Descreve uma estrutura para a gestão de riscos que envolve liderança e comprometimento, integração nos processos organizacionais, concepção da gestão de riscos, implementação, avaliação e melhoria. O processo de gestão de riscos inclui comunicação e consulta com partes interessadas, estabelecimento do contexto, avaliação de riscos (identificação, análise e avaliação) e tratamento de riscos, seguido por monitoramento e revisão, além de registro e relato dos riscos e das ações tomadas. Está projetada para ser aplicável em todos os níveis da organização e em todas as atividades, incluindo tomada de decisões estratégicas e operacionais e fornece uma base sólida para o estabelecimento de uma cultura de riscos informada e de práticas de gestão de riscos que podem melhorar a capacidade de uma organização de alcançar seus objetivos, gerenciar adversidades e maximizar oportunidades1.
Avaliação Biopsicossocial
O Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado (IFBrM) foi aprovado em 2020 como um instrumento base para a avaliação da deficiência e é utilizado para implantação de um sistema unificado a ser adotado pelo Governo Brasileiro, conforme prevê a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015)(1). O índice atualiza o sistema de avaliação, saindo do modelo de Classificação Internacional de Doenças (CID) para a Classificação Internacional de Funcionalidades e Incapacidade em Saúde (CIF) e, portanto, adotando critérios biopsicossociais.
Desde a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência — aprovada pela ONU (2006) e ratificada pelo Brasil (2008) — discute-se no Brasil novo modelo de avaliação da deficiência, baseado não apenas na visão biomédica (que a entende a deficiência como uma patologia ou impedimento do indivíduo), mas na compreensão de que a deficiência resulta da interação desta lesão com as barreiras sociais que impedem a participação plena da pessoa na sociedade. Assim, criado o Comitê do Cadastro Nacional da Inclusão da Pessoa com Deficiência e da Avaliação Unificada da Deficiência (Decreto no. 8.954 de 2017), possibilitando a elaboração e validação do IFBrM. A pesquisa de campo envolvendo a aplicação do IFBrM contou com mais de 8.000 avaliados, com avaliações realizadas por profissionais de diferentes áreas, da Rede de Atenção à Saúde do SUS, em 50 cidades distintas das cinco regiões do país, sob coordenação da Universidade de Brasília (UnB)12.
Indicadores de funcionalidade podem medir o real impacto das condições de saúde em diferentes domínios da vida. A partir das reflexões realizadas e alicerces teóricos acessados, percebe-se que a implementação de indicadores de funcionalidade nos inquéritos populacionais periódicos em saúde e protocolos de registro para informação clínica, independentemente do nível de serviço de saúde, seria de grande interesse. Vale ressaltar que o grupo de indicadores de funcionalidade deve ser proposto em uma linguagem universal e, portanto, a CIF representa o modelo mais abrangente18.
No entanto, enquanto os critérios de avaliação de deficiências tiveram um caminho claro para tornarem-se unificados – ainda não há unidade entre os critérios de concessão de benefícios às pessoas com deficiência. Em 2020, o Brasil apresentou um grande leque programa sociais que buscam promover assistência básica a esse grupo, dentre estes podemos citar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), uma política pública de combate às desigualdades entre as pessoas pobres com deficiências e idosos, garantida na Constituição Federal de 1988 e regulamentada pela Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993 — Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (BRASIL, 1993). Mesmo aprovado há décadas, ainda há divergência quanto às regras de concessão do próprio BPC(2).
Em 11 de abril de 2023, foi publicado o Decreto nº 11.487, de 10 de abril de 2023, que Institui o Grupo de Trabalho sobre a Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, com competências de subsidiar a elaboração de proposta da Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência e seu instrumento correlato, conforme o disposto no art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015; propor os processos de implantação e de implementação da Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência perante a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; avaliar e finalizar o Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado – IFBrM, consideradas as especificidades do ato normativo da Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência; e planejar os processos de formação e de qualificação das equipes para aplicação da Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência16.
A avaliação biopsicossocial tem como objetivo verificar e avaliar os direitos de pessoas com deficiência, de forma a identificar, individualmente, de que modo ela desabilita ou prejudica a autonomia plena na vida cotidiana e profissional. O trabalho a ser realizado tem como metas subsidiar a elaboração de proposta da Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência; propor os processos de implantação e de implementação da Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência perante a União, Estados, Distrito Federal e Municípios; e avaliar e finalizar o Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado (IFBrM). O IFBrM é um instrumento que visa elaborar um modelo único de classificação e valoração das deficiências para uso em todo o território nacional.
O GT também terá como objetivo planejar os processos de formação e de qualificação das equipes para aplicação da Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência. O grupo teve caráter interministerial e foi composto por representantes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, que atua como coordenador; da Casa Civil, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; do Ministério da Fazenda; do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos; do Ministério do Planejamento e Orçamento; do Ministério da Previdência Social; do Ministério da Saúde; e do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. O decreto prevê que o Grupo de Trabalho teria duração de 360 dias, contados da data de designação de seus representantes, e poderá ser prorrogado uma vez por igual período17.
Neste escopo, A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que é responsável pela gestão dos Hospitais Universitários Federais, e foi uma das empresas públicas escolhida para participar do projeto-piloto de implantação do modelo de Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência, modelo único de classificação para uso em todo o território nacional. O projeto está sendo organizado pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. A implantação na rede Ebserh ocorrerá pela Diretoria de Gestão de Pessoas (DGP/Ebserh) que ficará responsável pela capacitação dos trabalhadores participantes das Comissões, em todas as filiais da Empresa. A avaliação biopsicossocial é um procedimento técnico de verificação que busca avaliar os direitos das pessoas com deficiência, como forma de identificar individualmente de que modo ela desabilita ou prejudica a autonomia plena na vida profissional e cotidiana, entre outros aspectos de sobrevivência.
O novo modelo migrará dos direitos baseados meramente em laudo médico para uma avaliação multiprofissional e interdisciplinar a partir da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), um modelo da Organização Mundial da Saúde (OMS). São quase 40 direitos entre benefícios, serviços, programas e isenções que pessoas com deficiência podem acessar por meio do poder público. Na prática, regulamentar e implementar uma avaliação biopsicossocial unificada da deficiência resultará em transformações no conceito da deficiência e no modelo de acesso a direitos econômicos, políticos, sociais e culturais. O Grupo de Trabalho sobre a Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência é formado por representantes de diversos ministérios do Governo Federal, sob comando do MDHC, e tem como objetivo subsidiar a elaboração de proposta da Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência e propor os processos de implantação e de implementação em toda a rede Ebserh15.
MÉTODO
Foi realizada uma análise documental das normativas mencionadas, utilizando termos como ergonomia, segurança e saúde no trabalho, e gestão de riscos.
Foram tomados como critérios de inclusão os estudos observacionais, os estudos de avaliação e as revisões sistemáticas com publicações de 2019 a 2024, com foco na correlação da NR 17, ISO 45001, ISO 31000 e a Avaliação Biopsicossocial no serviço público.
Foram excluídas as publicações que não atenderam ao escopo proposto, sendo selecionados seis artigos para avaliação sistemática.

ANÁLISE DAS NORMAS, ORIENTAÇÕES E ARTIGOS





Os resultados evidenciam que a integração entre as NR 17, ISO 45001 e ISO 31000 proporcionam uma estrutura para a avaliação biopsicossocial de pessoas com deficiência, alinhando-se aos princípios de acessibilidade, inclusão e gestão de riscos ocupacionais, demonstrando que, quando aplicadas de forma conjunta, não apenas atendem aos requisitos legais, como também promovem ambientes de trabalho adaptáveis e equitativos. Desta forma destacam-se alguns pontos de relevância.
1. Sinergia entre as Normativas e a Abordagem Biopsicossocial
A NR 17 destaca-se ao estabelecer parâmetros ergonômicos que visam adequar o ambiente laboral às necessidades psicofisiológicas dos trabalhadores, incluindo pessoas com deficiência. Sua aplicação, quando combinada com a ISO 45001 e a ISO 31000, permite uma abordagem holística. Tal integração é importante para identificar e mitigar barreiras físicas, cognitivas e sociais no ambiente de trabalho, promover adaptações personalizadas, (como mobiliário ergonômico, tecnologias assistivas e treinamentos específicos) e viabilizar a participação ativa dos trabalhadores na avaliação de riscos e na proposição de soluções, conforme preconizado pela ISO 45001.
O estudo também revela que a transição do modelo biomédico para o biopsicossocial, baseado na CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde), representa um avanço significativo. Enquanto o modelo tradicional limita-se a diagnósticos clínicos, a abordagem biopsicossocial considera a interação entre condições de saúde, fatores ambientais e participação social, oferecendo uma avaliação mais abrangente, podendo ser mais justa com os indivíduos.
2. Desafios na Implementação Prática
Apesar dos benefícios teóricos, a aplicação dessas normativas encontra desafios, como a falta de padronização, uma vez que diferentes interpretações das normas podem levar à inconsistências na avaliação de deficiências e na implementação de adaptações; a resistência organizacional, considerando que empresas podem oferecer resistência em investir em mudanças estruturais devido aos custos iniciais ou pouco conhecimento técnico e a fragilidades na fiscalização, observando que a eficácia da NR 17 depende da atuação de órgãos reguladores, que nem sempre dispõem de recursos suficientes para garantir seu cumprimento.
O caso da Ebserh ilustra esses desafios. Embora o projeto-piloto de avaliação biopsicossocial unificada seja promissor, sua ampliação requer capacitação de equipes multiprofissionais, recursos financeiros e articulação entre políticas públicas. Além disso, a divergência nos critérios de concessão de benefícios (como o BPC) mostra a necessidade de maior alinhamento entre as normas e as práticas governamentais.
3. Repercussão na Inclusão e na Produtividade
A adoção dessas práticas tem potencial para transformar culturas organizacionais, com benefícios como a Redução de afastamentos, (uma vez que ambientes adaptados diminuem riscos de lesões e agravamentos de condições preexistentes); aumento da satisfação e retenção de talentos, considerando que pessoas com deficiência tendem a se sentir mais valorizadas em organizações inclusivas e Cumprimento de marcos internacionais, promovendo alinhamento com convenções como a da ONU sobre direitos das pessoas com deficiência.
Contudo, para que esses avanços sejam consolidados, convém adotar algumas estratégias, como: fortalecer a formação profissional em ergonomia e gestão de riscos; criar indicadores de monitoramento para avaliar a eficácia das adaptações e promover campanhas de sensibilização sobre inclusão no mercado de trabalho.
CONCLUSÃO
A integração e aplicação da Norma Regulamentadora nº 17 (NR17), juntamente com as normas ISO 45001 e ISO 31000, representam um marco na avaliação biopsicossocial, especialmente em contextos organizacionais que visam a inclusão efetiva de pessoas com deficiência. A adoção desses normativos não apenas reforça o compromisso das organizações com a segurança, saúde e bem-estar no ambiente de trabalho, mas também destaca a importância de uma abordagem holística que considera os aspectos biológicos, psicológicos e sociais da funcionalidade humana. Por meio da análise documental realizada, fica evidente que a aplicabilidade dessas normativas em conjunto com os princípios da avaliação biopsicossocial promove um ambiente de trabalho mais inclusivo e acessível, alinhado com as diretrizes internacionais de direitos humanos e princípios de acessibilidade.
Ademais, a experiência da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) no projeto piloto de implantação do modelo de Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência ilustra como a incorporação dessas normas pode facilitar a transformação dos ambientes organizacionais, contribuindo para uma melhor compreensão e atendimento às necessidades das pessoas com deficiência. A capacitação dos trabalhadores e a adoção de práticas multiprofissionais e interdisciplinares, conforme proposto pelo novo modelo de avaliação, são passos essenciais para garantir que a deficiência seja avaliada de maneira abrangente, considerando os vários fatores que influenciam a autonomia e participação plena na sociedade.
Portanto, observa-se que a NR17, ISO 45001 e ISO 31000, juntamente com uma abordagem biopsicossocial na avaliação de pessoas com deficiência, fornecem uma estrutura para o desenvolvimento de políticas e práticas organizacionais que valorizam a diversidade e promovem a inclusão. Esses normativos, ao serem implementados de maneira efetiva e integrada, têm o potencial de transformar positivamente os ambientes de trabalho, assegurando não apenas a conformidade legal e a gestão de riscos, mas também fomentando uma cultura organizacional que apoia a saúde, segurança e dignidade de todos os trabalhadores.
Pretende-se que estudo proporcione investigações adicionais, como: Análises comparativas entre setores públicos e privados na aplicação das normas em questão; estudos longitudinais sobre o impacto da avaliação biopsicossocial na qualidade de vida de trabalhadores com deficiência e avaliação de tecnologias assistivas em diferentes contextos ocupacionais.
Dessa forma, os resultados reforçam que a combinação da NR 17, ISO 45001 e ISO 31000 com a avaliação biopsicossocial é viável e necessária, mas depende de compromisso institucional, recursos adequados e continuidade das políticas públicas. A experiência da Ebserh serve como modelo, mas sua replicação em escala nacional exigirá superar desafios estruturais e culturais.
(1) Em linha com esta discussão, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) – Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015) estabeleceu que a avaliação da deficiência deve ser baseada em critérios biopsicossociais.
(2) Em 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional o trecho da LOAS (BRASIL, 1993) que define como critério para concessão do BPC a renda média familiar de um quarto do salário mínimo, por considerar que o critério está defasado para caracterizar a condição de miserabilidade. Mas a norma não foi anulada e a aprovação do benefício a quem está fora do critério da norma ocorre somente após a judicialização do pedido. Em 2020, o governo então vetou o valor de meio salário mínimo como limite da renda familiar que passaria a valer a partir de 1º de janeiro de 2021, o que deixaria o benefício sem critério objetivo para aferição da renda (AGÊNCIA SENADO, 2021).
REFERÊNCIAS
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