A IMPORTÂNCIA DA MANUTENÇÃO DA SAÚDE BUCAL PARA PACIENTES EM UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA

THE IMPORTANCE OF MAINTAINING ORAL HEALTH FOR PATIENTS IN INTENSIVE CARE UNITS

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10201013


¹Daianne Almeida Vieira
²Larissa Conceição da Silva
³Camila Coelho
4André Machado de Senna
5Fabiana Ferreira Alves
6Ana Cláudia Garcia Rosa


Resumo

A saúde bucal dos pacientes em unidade de terapia intensiva (UTI) deve ser uma preocupação dos profissionais de saúde, visto que muitas infecções da cavidade oral podem levar o paciente a complicações do quadro clínico. Objetivo do presente trabalho foi verificar os fatores relacionados à condição de saúde bucal que podem influenciar na evolução do quadro clínico dos pacientes internados em UTIs. Para isso, foi realizada uma revisão integrativa de literatura, utilizando periódicos retirados das bases de dados PubMED, SciELO, Cochrane, Google Acadêmico e livros base, no período compreendido entre 1972 e 2023. Os resultados indicaram que pessoas internadas em UTIs, especialmente os dependentes de suporte respiratório, apresentam higiene bucal deficiente, o que predispõe ao acúmulo de biofilmes bacterianos, que podem agravar quadros de pneumonias e outras infecções nosocomiais, em especial a pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV). Infecções orais prévias, como doenças periodontais, também contribuem com a instalação das PAVs. Esses dados foram bem documentados com o aumento dos pacientes que necessitaram de suporte respiratório durante a pandemia de COVID-19 (entre 2019 e 2022). Os resultados obtidos reforçam a importância da equipe multidisciplinar nas UTIs, evidenciando a necessidade de cirurgiões dentistas em tais unidades, pois diante de inúmeros problemas advindos da condição de saúde bucal em pessoas internadas, a presença de profissionais apropriados para a manutenção da saúde bucal se torna indispensável.

Palavras-chave: Unidade de terapia intensiva (UTI). COVID 19. Pneumonia nosocomial. Cirurgião Dentista.

1 INTRODUÇÃO

As infecções adquiridas em ambientes hospitalares são fontes de mortalidade para pacientes internados em estado de saúde grave e com tempo de internação prolongada, especialmente para os que adquirem as pneumonias nosocomiais (PN) (BLUM et al, 2018; ZILBERBERG et al, 2022).

Em virtude do avanço dos estudos sobre as patologias que acometem pacientes em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e do aumento de casos de pneumonias associadas à ventilação mecânica (PAV) em pacientes internados nessas unidades no período da pandemia de COVID-19 (entre 2019  e 2022), foi constatado que os patógenos dos biofilmes bucais, especialmente os causadores de doença periodontais, contribuíram com o agravamento dos quadros clínicos em que há a total dependência de aparelhos respiratórios (intubação), pois os patógenos podem ser transmitidos da cavidade oral para os pulmões durante a intubação endotraqueal (PORTO et al., 2016; JOSEPH & STEIER, 2022; DOS SANTOS MACEDO et al, 2023).

   Isso ocorre porque os microrganismos presentes na cavidade oral de pacientes dependentes de ventiladores pulmonares têm potencial para serem aspirados, migrando para pulmões, e a adesão de patógenos do biofilme bucal no trato respiratório pode ser um fator coadjuvante para o aparecimento da PAV (SPEZZIA, 2019). Além disso, os patógenos presentes em aspirados traqueais de pacientes intubados podem ser detectados em sua cavidade oral, especialmente naqueles que desenvolveram PAV ou pneumonia por aspiração (SOUZA et al, 2017). Portanto, nos hospitais, a higienização oral é de extrema importância, pois as bactérias Gram-negativas do biofilme bucal podem se estabelecer no aparato respiratório por meio da colonização do tubo endotraqueal, e vice-versa, agravando os quadros infecciosos (SANDS et al, 2017; SOUZA et al, 2017; SPEZZIA, 2019). 

Neste cenário, os cirurgiões dentistas que trabalham em ambiente hospitalar exercem importante atuação nos cuidados de adequação do meio bucal, bem como na identificação e tratamento das infeções orais, especialmente as de origem periodontal, visando a melhora no estado geral de saúde do paciente e a redução dos riscos de estabelecimento das PAV (MIRANDA, 2018; DOS SANTOS MACEDO, 2023).

Tendo em vista o problema supramencionado, o objetivo do presente estudo foi realizar uma revisão integrativa da literatura acerca da participação da condição de saúde bucal no estabelecimento das PNs, em especial a PAV, em pacientes dependentes de suporte ventilatório. Além disso, buscou-se apontar os principais procedimentos relacionados à manutenção da saúde bucal e higiene oral que o cirurgião dentista deve realizar durante os protocolos de prevenção, bem como a importância da conduta dos profissionais para os cuidados dos pacientes hospitalizados.

2 METODOLOGIA

Foi realizada uma revisão integrativa da literatura, com o levantamento de dados a respeito das condições de saúde dos pacientes hospitalizados em UTIs, que estavam em condições de intubação oro traqueal e foram acometidos por PNs ou PAVs, buscando identificar as condições bucais que contribuíram com o estabelecimento ou agravamento dessas enfermidades.

 Para isso, realizou-se uma busca na literatura por meio de artigos em periódicos, em especial no período em que houve um aumento de casos de intubação relacionadas à pandemia de COVID-19 (2019 a 2022), e as bases de busca foram: PubMED, Cochrane, SiELO, Google Acadêmico e livros-base.

Foram selecionados estudos com os seguintes descritores, em conjunto ou separadamente: “odontologia hospitalar”, “pneumonia nosocomial”, “pneumonia associada à ventilação mecânica, “doença periodontal”, “microbiota oral”; “UTI”, “cirurgião-dentista”, “COVID-19”, nas línguas portuguesa e inglesa.

Os critérios de inclusão foram estudos de caso-controle, coortes, revisões integrativas, revisões sistemáticas e meta análises, que incluíam pacientes de ambos os sexos, de qualquer idade, que estiveram internados na UTI, acometidos por PN, agravada por infecções orais. Foram incluídos artigos em português, inglês e espanhol, e que abordassem o objeto de estudo dessa revisão.

Os critérios de exclusão foram artigos de relatos de casos individuais e que não atendessem aos critérios de inclusão supramencionados.

Após aplicar os critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 33 artigos para o presente estudo e foi realizada uma análise qualitativa e descritiva dos dados obtidos.

3 REVISÃO DE LITERATURA

A PN é uma infecção do parênquima pulmonar, que ocorre durante as internações hospitalares, e é uma complicação comum em pacientes internados em UTIs. A PAV é um tipo de PN de evolução rápida, que ocorre nos pacientes dependentes de suporte ventilatório. Essa infecção grave tem sido motivo de muitos estudos, devido à alta taxa de mortalidade a ela relacionada (AMARAL et al, 2009).

Os patógenos presentes no biofilme oral dos pacientes em ventilação mecânica são comumente aspirados, sendo responsáveis pelo estabelecimento dos principais quadros infecciosos causadores de mortalidade de muitos pacientes internados. Os autores também relatam como a PAV está associada a esses fatores de risco (AMARAL et al, 2009; BARROS et al., 2021).

A doença periodontal se estabelece pela presença de biofilme bacteriano específico aderido à região cervical do dente, e quando afeta o periodonto de suporte, relaciona-se especialmente a micro-organismos Gram-negativos e anaeróbios, que contribuem com a instalação das PN em ambientes hospitalares (OPPERMANN & RÖSING, 2013).

GOMES-FILHO et al. (2014) realizaram um estudo de caso-controle em que acompanharam 85 indivíduos com PN e 230 controles (sem PN), em um hospital geral de Feira de Santana, na Bahia. Foi realizado um exame periodontal de boca inteira de cada paciente e a condição periodontal foi avaliada. O diagnóstico de PN foi feito de acordo com critérios médicos estabelecidos, após exame físico, microbiológico e/ou radiográfico. Os autores verificaram que indivíduos com periodontite tinham três vezes mais chances de apresentar PN do que aqueles sem doença periodontal. Os achados sugeriram que a infecção periodontal pode influenciar o desenvolvimento da PN, destacando que a periodontite é um fator positivamente associado a essa infecção do trato respiratório.

JERÔNIMO et al (2020) realizaram uma revisão sistemática da literatura com meta-análise e verificaram uma associação positiva entre periodontite e PN. Os autores observaram que indivíduos com periodontite internados na UTI tiveram maior probabilidade de apresentar PN do que indivíduos sem periodontite, corroborando com o estudo de GOMES-FILHO et al. (2014).

Em um trabalho interessante, SANDS et al (2017) coletaram o biofilme dentário e o fluido das vias aéreas inferiores durante o curso da ventilação mecânica em pacientes hospitalizados, com amostras adicionais de biofilme dentário obtidas durante toda a permanência dos pacientes no hospital. Ocorreu uma “mudança microbiana” no biofilme dentário, com colonização por possíveis patógenos de PAV, ou seja, Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa, em 35 pacientes. As análises pós-extubação revelaram que 70% e 55% dos pacientes cuja placa dentária incluía S. aureus e P. aeruginosa, respectivamente, voltaram a ter uma microbiota oral predominantemente normal. Patógenos respiratórios também foram isolados das vias aéreas inferiores e dentro dos biofilmes do tubo endotraqueal. Com base nesses resultados, ficou evidente que, durante a ventilação mecânica, a placa dentária representa uma fonte de possíveis patógenos de PAV.

Os estudos de HONG et al (2018) corroboraram com esses resultados. Os autores verificaram que a quantidade de cálculo e a colonização da língua com patógenos respiratórios são fatores de risco para o desenvolvimento de pneumonias, e que medidas de higiene bucal para remover o biofilme e o cálculo da língua podem reduzir o desenvolvimento dessas infecções.

SOUZA et al (2017) verificaram que os patógenos presentes em aspirados traqueais de pacientes intubados podem ser detectados em sua cavidade oral, especialmente naqueles que desenvolveram PAV ou pneumonia por aspiração, concluindo que um melhor cuidado bucal nesses pacientes poderia diminuir as taxas de pneumonias nas UTIs.

Outro estudo, realizado em um hospital colombiano, buscou identificar a associação entre PAV, as condições de saúde bucal e mortalidade em pacientes dependentes de suporte ventilatório. Os autores concluíram que é necessário implementar cuidados de higiene bucal em pacientes tratados com ventilação mecânica, pois pacientes com úlceras bucais e periodontite apresentam maiores riscos de desenvolver a PAV (SÁNCHEZ-PEÑA et al, 2020).

A atuação do cirurgião-dentista na adequação do meio bucal dos pacientes nas UTIs pode contribuir para a redução do tempo de internação do paciente, uma vez que a manutenção da saúde oral pode reduzir a quantidade e complexidade de micro-organismos orais, e consequentemente as doenças periodontais, fatores predisponentes ao agravamento de infecções nosocomiais de ordem sistêmica (RODRIGUES et al., 2018).

De acordo com SPEZZIA (2019), a inclusão do cirurgião dentista nas equipes multidisciplinares no espaço físico das UTIs, mostra-se extremamente efetiva, já que a averiguação constante das condições de saúde bucal dos pacientes dependentes de suporte respiratório pode evitar complicações.

LONDE, et al. (2017) enfatizam o quão necessário é uma adequada higiene oral nos pacientes hospitalizados que, quando não realizada, aumenta a incidência de biofilme oral e saburra lingual, repletos de micro-organismos Gram-negativos, responsáveis por agravar quadros de infecção do trato respiratório em pacientes dependentes de suporte ventilatório.

Em 2012, ÖZÇAKA et al (2012) já haviam verificado que os cuidados bucais com swab de clorexidina reduzem o risco de desenvolvimento de PAV em pacientes ventilados mecanicamente, o que apoia fortemente seu uso em UTIs e, portanto, que a higiene bucal adequada é muito importante na prevenção de complicações médicas nesses pacientes.

Corroborando com esse estudo, uma meta-análise concluiu que a higiene bucal com clorexidina é eficaz na redução da incidência de PAV na população adulta se administrada na concentração de 2% ou quadro vezes ao dia (VILLAR et al, 2016).

Também foi observado que o tratamento odontológico foi seguro e eficaz na prevenção de infecções nosocomiais do trato respiratório inferior de pacientes criticamente enfermos que deveriam permanecer pelo menos 48 horas em UTI (BELLISSIMO-RODRIGUES et al, 2014).

 Em 2020, uma revisão sistemática da Biblioteca Cochrane concluiu que o enxaguante bucal ou gel de clorexidina, como parte dos cuidados de higiene oral dos pacientes hospitalizados, reduz a incidência de desenvolvimento de pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) em pacientes críticos de 26% para cerca de 18%, quando comparado ao placebo ou aos cuidados habituais (ZHAO et al, 2020).

 Em uma meta-análise recente, FU et al (2023) buscaram avaliar a eficácia dos cuidados bucais com escova de dentes na prevenção PAV em pacientes com ventilação mecânica na UTI. A escovação dental associada à clorexidina (0,2% ou 0,12%) reduziu a incidência de PAV em comparação com a escovação dental associada placebo em pacientes com ventilação mecânica em UTI, mas foi semelhante ao uso de lenços de algodão com clorexidina (0,2% ou 0,12%). Os autores concluíram que a escovação dental combinada com clorexidina pode prevenir a PAV em pacientes com ventilação mecânica na UTI, mas não há vantagem da escovação dental combinada clorexidina sobre o uso de lenços de algodão com clorexidina para prevenir a PAV nesses pacientes.

Portanto, as evidências atuais sugerem que os enxaguantes, géis e swabs de clorexidina podem eficazes na desinfecção da cavidade oral em pacientes com alto risco de desenvolvimento de PN e PAV (ÖZÇAKA et al, 2012; BELLISSIMO-RODRIGUES et al, 2014; EL-RABBANY et al, 2015; VILLAR et al, 2016; ZHAO et al, 2020; FU et al, 2023).

Em 2022, CHOI et al. conduziram uma pesquisa que teve como objetivo examinar os efeitos dos cuidados profissionais de higiene bucal para a prevenção da PAV e a melhoria da higiene bucal entre os pacientes em UTI. Os pacientes da UTI que foram submetidos à intubação foram aleatoriamente designados para o grupo experimental (n = 29) ou para o grupo de controle (n = 28). O protocolo de cuidados de higiene bucal profissional desenvolvido foi administrado aos pacientes do grupo experimental a cada 24 horas.  A incidência de PAV diferiu entre o grupo de controle e o grupo experimental após a intervenção. A contagem de S. aureus e Klebsiella pneumoniae apresentaram diferenças significativas à medida que os cuidados profissionais de higiene bucal continuaram. Este estudo sugere um modelo no qual diferentes profissionais de saúde podem cooperar para reduzir a incidência de PAV e melhorar as condições de saúde bucal.

OPPERMANN & RÖSING (2013) relatam que, no exame bucal do paciente hospitalizado, deve-se observar os tecidos duros e moles, inspecionar lesões de natureza patológica das mucosas, língua, fluxo salivar, além de observar a presença biofilme e / ou calculo dental, bem como a presença de doenças periodontais e / ou mucosites. Segundo os autores, esse protocolo de investigação é um aspecto do exame clínico dos agravos em pacientes hospitalares com condições de baixa imunidade. Recentemente, DOS SANTOS MACEDO et al. (2023) propuseram um protocolo de atendimento para pacientes internados em UTIs hospitalares.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

O Conselho Federal de Odontologia (CFO), através da resolução CFO-162/2015, instituiu o exercício da odontologia hospitalar, e na resolução CFO-163/2015, definiu as atuações do cirurgião-dentista habilitado a exercê-la, entre elas: “atuar em equipes multiprofissionais, interdisciplinares e transdisciplinares na promoção da saúde baseada em evidências científicas, de cidadania, de ética e de humanização” e “ter competência e habilidade para prestar assistência odontológica aos pacientes críticos”.

Com os aumentos de internações no período de pandemia causadas pela COVID-19, observou-se que o cirurgião dentista ainda tem atuação limitada nas UTIs dos hospitais brasileiros, embora já se saiba que a boa condição de saúde oral pode colaborar com a evolução positiva dos quadros clínicos dos pacientes internados (AMARAL et al, 2009; GOMES-FILHO et al. 2014; BELLISSIMO-RODRIGUES et al, 2015; SANDS et al, 2017; BLUM et al, 2018; HONG et al, 2018; RODRIGUES et al., 2019; JERÔNIMO et al, 2020; BARROS et al, 2021; CHOI et al, 2022; JOSEPH & STEIER, 2022). Recentemente, a Odontologia Hospitalar se tornou uma nova especialidade da Odontologia (CFO, 2023), o que pode constribuir com a inserção desses profissionais nesses setores.

Nas UTIs, os cirurgiões dentistas atuam com a equipe multiprofissional na realização da adequação do meio bucal por meio da redução dos focos infecciosos e controle da higiene oral dos pacientes, contribuindo para a redução do tempo de internação. Diversos estudos demonstraram que a intervenção odontológica hospitalar pode reduzir a quantidade e complexidade de micro-organismos da placa bacteriana e doença periodontal nos pacientes internados, fatores esses que podem predispor ao agravamento das infecções de ordem sistêmica (AMARAL et al, 2009; GOMES-FILHO et al. 2014; BELLISSIMO-RODRIGUES et al, 2015; SANDS et al, 2017; LONDE et al, 2017; BLUM et al, 2018; HONG et al, 2018; RODRIGUES et al., 2019; JERÔNIMO et al, 2020; BARROS et al, 2021; CHOI et al, 2022).

Também já ficou bem estabelecido que, em pacientes de UTIs, submetidos ou não à ventilação mecânica, a impossibilidade da higienização oral adequada, vinculada aos fatores que levam a alterações na microbiota oral, como alterações no fluxo salivar, uso de medicamentos, doenças bucais pré-existentes e o próprio acúmulo de biofilme, agravam o quadro patológico do enfermo. (GOMES-FILHO et al, 2014; SANDS et al, 2017; HONG et al, 2018; JERÔNIMO et al, 2020; DE REZENDE et al, 2020; SÁNCHEZ- PENA et al, 2020).

Desta forma, a integração do cirurgião dentista no ambiente das UTIs junto às equipes multidisciplinares é indispensável, já que o acompanhamento permanente das condições de saúde bucal desses pacientes pode evitar complicações (CHOI et al, 2022).

            A PN ou pneumonia adquirida no hospital é definida como a pneumonia que ocorre 48 horas ou mais após a admissão hospitalar e não está presente no momento da admissão. A PAV representa um subconjunto significativo de PNs que ocorre em UTIs, e é definida como a pneumonia que ocorre mais de 48 a 72 horas após a intubação traqueal. Acredita-se que afete de 10% a 20% dos pacientes que recebem ventilação mecânica por mais de 48 horas (SHEBL & GULICK, 2023). A PN ocorre a uma taxa de 5 a 10 por 1,000 internações hospitalares e é considerada a causa mais comum de infecção hospitalar na Europa e nos Estados Unidos (SHEBL & GULICK, 2023).

Devido aos índices de morbidade e mortalidade, a PAV tornou-se um grande problema para os hospitais, afetando boa parte dos pacientes graves ou imunossuprimidos (NÚÑEZ et al, 2022). A maioria dos episódios de PAV são causadas, principalmente, por micro-organismos Gram negativos, como a Pseudomonas aeruginosa (NÚÑEZ et al, 2022), que há 50 anos foi identificada em infecções orais, como periodontite apical, necrose pulpar, pulpite e alveolite maxilar e mandibular (NORD et al, 1972). As diferenças nos fatores do hospedeiro e na flora hospitalar de uma instituição afetam os padrões dos patógenos causadores das PAVs, que podem incluir outros micro-organismos Gram-negativos, como Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Enterobacter spp, Acinetobacter spp e cocos Gram-positivos, como Staphylococcus aureus resistente à meticilina e Streptococcus spp, (SHEBL & GULICK, 2023).

A falta de higiene oral adequada nos hospitais, em especial no caso de pacientes internados em UTIs, possibilita a colonização da cavidade oral por microrganismos Gram-negativos, principais responsáveis por agravar quadros de infecção do trato respiratório (FREITAS, 2014; GOMES-FILHO, 2014; LONDE et al, 2017; SANDS et al, 2017; HONG et al, 2018; CHOI et al, 2022). Portanto, é fundamental que o cirurgião dentista esteja inserido na equipe multidisciplinar para minimizar os riscos de propagação dos patógenos da cavidade oral que possam agravar quadros sistêmicos, por meio do controle da microbiota e das infecções pré-existentes (MIRANDA et al., 2018; MAURI et al, 2021).

A clorexidina, por ser um antimicrobiano de amplo espectro, tem ação tanto contra bactérias Gram-positivas quando Gram-negativas, bem como ação contra alguns vírus e fungos, e possui inúmeros benefícios quando usada como coadjuvante no controle de infecções orais em pacientes de UTIs (ÖZÇAKA et al 2012; EL-RABBANY et al, 2015; VILLAR et al, 2016; ZHAO et al, 2020; FU et al, 2023). Diversos meios de tratamento em combinação com a clorexidina, com diferentes concentrações e frequências de uso, foram analisadas, e verificou-se que essa medicação é uma opção eficaz na diminuição da formação do biofilme e colonização da orofaringe, podendo contribuir com o controle das infecções nosocomiais originárias da cavidade oral (ÖZÇAKA et al 2012; EL-RABBANY et al, 2015; VILLAR et al, 2016; ZHAO et al, 2020; FU et al, 2023).

  A pandemia da COVID-19 permitiu reafirmar as vantagens em relação à assistência em saúde bucal dos pacientes em UTIs, em especial os que apresentaram PAV. O tempo de internação dos pacientes com PAV pode ser reduzido com a melhora da higiene e controle das infecções orais (SANS et al, 2017; CHOI et al, 2022, (JOSEPH & STEIER, 2022).

Em síntese, as infecções orais, especialmente as doenças periodontais, podem agravar quadros de morbidade relacionadas às PAV nos pacientes em UTIs, o que pode ser minimizado pela assistência odontológica aos pacientes acometidos. A a adequação da higiene oral dos pacientes internados reduz as complicações e agravos, especialmente as infecções relacionadas ao trato respiratório (CHOI et al, 2022).

Portanto, a atuação da odontologia junto à esquipe multidisciplinar oferece diversos benefícios, tanto para o paciente quanto para a rede hospitalar, propiciando melhor monitoramento da saúde bucal, garantindo o diagnóstico precoce de infecções orais, o que, consequentemente, minimiza a morbidade e pode, inclusive, reduzir o tempo de internação dos pacientes (RODRIGUES et al, 2020; DOS SANTOS MACEDO et al, 2023).

5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

As bactérias dos biofilmes orais podem ser aspiradas para o trato respiratório e bactérias do trato respiratório podem colonizar a cavidade oral, especialmente nos pacientes intubados, influenciando o início e a progressão de condições infecciosas sistêmicas.

O acúmulo de biofilme dental e as doenças periodontais podem aumentar a incidência de infecções pulmonares, especialmente as PAVs em indivíduos de alto risco, pois as bactérias dos biofilmes orais são capazes de colonizar o tubo nasotraqueal dos aparelhos de suporte ventilatório. Além disso, a colonização oral por potenciais patógenos respiratórios, possivelmente fomentada pela periodontite, e por bactérias específicas da cavidade oral ou de doenças periodontais, contribui para as infecções pulmonares.

Diversos estudos demostraram que a melhoria da higiene oral reduz a ocorrência de PAVs em pacientes hospitalares com ventilação mecânica. Assim, a higiene bucal associada ao uso da clorexidina, assume um papel ainda mais importante no cuidado de pacientes em UTIs, destacando o papel fundamental do cirurgião dentista na composição da equipe multidisciplinar dos hospitais.

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¹Discente do Curso Superior de Odontologia da Afya Faculdade de Ciências Médicas, Palmas, Tocantins, Brasil
²Docente do Curso Superior de Odontologia da Afya Faculdade de Ciências Médicas, Palmas, Tocantins, Brasil