A IMPORTÂNCIA DA LIBRAS PARA O ATENDIMENTO AO SURDO NO SUS: O PRINCÍPIO DA EQUIDADE NA PRÁTICA

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11624469


Angélica Gonzaga Olegário da Silva1
Cirlene Ribeiro da Silva2
Juliana Ferreira de Assis3
Thailana Silva Araújo4
Orientador: Anderson Scherer


RESUMO

Como parte do trabalho de conclusão do curso de Enfermagem, este estudo objetivou discutir a importância da LIBRAS no atendimento ao Surdo baseado no princípio da equidade do SUS, através de uma revisão bibliográfica de textos e artigos que tratam do assunto. A análise da perspectiva histórica da concepção de surdes e cultura surda, juntamente com a percepção dos próprios Surdos em relação ao atendimento recebido, levou ao entendimento que as maiores barreiras encontradas dizem respeito à dificuldade de comunicação e interação com os profissionais de saúde. Já esses reconhecem que necessitam estar mais bem preparados para estabelecer um diálogo que proporcione um atendimento de qualidade e atenda a pessoa surda nas suas necessidades. Faz-se ainda necessário a ação do poder público e dos equipamentos de saúde no cumprimento das leis que garantem o acesso e o cuidado integral e igualitário aos surdos, fazendo com que o SUS reforce o valor de ser a referência em saúde pública do Brasil. 

PALAVRAS-CHAVE: Cultura Surda; Libras; Profissionais da saúde; SUS; Equidade.

ABSTRACT

As part of the completion of the Nursing course, this study aimed to discuss the importance of LIBRAS in the care of the Deaf based on the principle of equity of the SUS, through a bibliographical review of texts and articles dealing with the subject. The analysis of the historical perspective of the concept of the deaf and deaf culture, together with the perception of the deaf themselves in relation to the care they receive, led to the understanding that the biggest barriers encountered relate to the difficulty of communication and interaction with health professionals. They recognize that they need to be better prepared to establish a dialogue that provides quality care and meets the needs of deaf people. There is also a need for action by the public authorities and health facilities to comply with the laws that guarantee access and full and equal care for deaf people, so that the SUS can reinforce its value as the benchmark for public health in Brazil. 

KEYWORDS: Deaf culture; Libras; Health professionals; SUS; Equity.

INTRODUÇÃO

O Ministério da Saúde preconiza que um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), que diz respeito à igualdade e justiça social, é a equidade, que significa segundo Vicente Junqueira Moragas, em texto publicado no site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), “dar as pessoas o que elas precisam para que todos tenham acesso às mesmas oportunidades” (MORAGAS, 2022). Dessa maneira, desde que o SUS foi instituído em 1990, e apesar das dificuldades conhecidas, tem trabalhado para superar as desigualdades na assistência à saúde das pessoas.

Na história da construção do Brasil é impossível não perceber o surgimento das desigualdades sociais, e a consequente dificuldade de acesso que os grupos minoritários como as pessoas com deficiência têm aos seus direitos, como o de acesso à saúde. Dentre esses grupos, as pessoas com deficiência auditiva ou surdas encontram maiores barreiras para acessar serviços básicos do dia a dia, gerando diversas formas de exclusão (BARROSO; FREITAS; WETTERICH, 2020, p. 132), tornando a efetivação de um atendimento humanizado e igualitário pelo SUS um processo lento e difícil, algumas vezes devido ao preconceito e desconhecimento, outras pela escassez de profissionais que tenham um conhecimento básico da Língua Brasileira de Sinais.

Evidencia-se a necessidade de se fazer valer as leis existentes, por meio de políticas públicas que promovam o entendimento e conhecimento dos profissionais da saúde, para a comunicação inclusiva e segura, que forneça a assistência adequada aos usuários. Em São Paulo, a Lei nº 17.754/2022 confere à instituição de saúde a obrigatoriedade de:

disponibilizar a todas as pessoas com deficiência, em especial aquelas com deficiência auditiva, os meios de comunicação adequados e acessíveis para a sua devida informação e esclarecimentos sobre a sua condição de saúde e as circunstâncias existentes durante os procedimentos e serviços prestados (Lei 17.754, de 24 de Janeiro de 2022, Câmara Municipal de São Paulo). 

Da mesma forma, o direito à saúde é assegurado na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, onde também é citado que deve ser garantida a capacitação inicial e continuada aos profissionais que prestam assistência à pessoa com deficiência (Lei 13.146, de 06 de julho de 2016, Dos Direitos Fundamentais, Capítulo III, Art. 18, parágrafos 1 e 3).

O objetivo do presente estudo é contextualizar o problema da comunicação entre os profissionais da saúde pública no atendimento do surdo, bem como trazer a importância do conhecimento e uso da Libras por esses profissionais, sejam eles médicos, enfermeiros ou aquele que realiza o primeiro atendimento à pessoa surda na unidade de saúde, considerando que a comunicação inclusiva proporcionará um melhor acolhimento e segurança ao indivíduo que necessita do cuidado.

METODOLOGIA

Esse trabalho visa estruturar uma pesquisa bibliográfica de textos e periódicos que registram a trajetória da compreensão da cultura surda na sociedade com suas interpretações, e quais os fatores que geram a exclusão social e enfrentamento das barreiras para a garantia do direito ao cuidado da saúde da pessoa surda no sistema público. Destaca-se a análise e comparação de entrevistas feitas com os profissionais da saúde e Surdos onde foram registrados os relatos das percepções de cada um sobre as dificuldades e também os casos exitosos no atendimento em equipamentos de saúde.

Para tanto, foi feito levantamento dos trabalhos existentes sobre o tema da concepção de surdez na história da sociedade e do entendimento dos surdos em relação ao atendimento recebido na assistência à sua saúde. Os artigos analisados foram pesquisados em busca eletrônica na Scientific Eletronic Library Online – SciElo, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – IF e na Biblioteca Virtual em Saúde – BVS. Também foram utilizados os livros: Libras – Conhecimento além dos sinais (PEREIRA, Maria Cristina da Cunha et al., 2014) e o Livro Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais: Desvendando a comunicação usada pelas pessoas com surdez (HONORA, Márcia e FRIZANCO, Mary L. E., 2012), para contextualizar o cenário histórico do uso da Libras. Observaram-se juntamente as leis e decretos pertinentes ao tema, disponibilizados no site do Governo Federal (https://www.gov.br/planalto/).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

1 Perspectiva histórica sobre a concepção de surdez e da Cultura Surda

Para compreender o processo de luta pela inclusão social, é necessário entender o contexto histórico das diferentes concepções de surdez consideradas para o tratamento da pessoa surda na sociedade. PEREIRA et al. (2014), afirma que desde a antiguidade “por não ouvirem, os surdos eram considerados desprovidos de razão”, sendo comum que crianças com alguma deficiência na Grécia e Roma antiga, fossem abandonadas, tratadas como indignas e até assassinadas. 

A surdez era considerada como um desvio da normalidade e os primeiros professores dos surdos acreditavam que somente “aprendendo a fala articulada eles conseguiriam uma posição na sociedade ouvinte” (PEREIRA et al., 2014, p. 09). Sendo assim, eles deveriam adequar-se ao meio social e não o contrário. Foi um período de maior segregação e exclusão social (CHAVEIRO e BARBOSA, 2005).

Até 1970 os Surdos viveram um período de isolamento cultural, isso porque por grande influência de Graham Bell, o uso da língua de sinais foi proibido. A oralização era o principal objetivo dos instrutores e as pessoas surdas deveriam falar a fim de se tornarem normais e assim ser incluídas na sociedade. As comunidades surdas usavam os sinais apenas quando não estavam na presença de ouvintes. Segundo HONORA e FRIZANCO (2012): “O uso de sinais só voltou a ser aceito como manifestação linguística a partir de 1970, com a nova metodologia criada, a Comunicação Total, que preconizava o uso da linguagem oral e sinalizada ao mesmo tempo”.

O oralismo deixava uma defasagem no desenvolvimento da pessoa surda e a comunicação total, conforme referido por PEREIRA et al. (2014), na “prática se tornou um método simultâneo que se caracterizava pelo uso concomitante da fala e da sinalização na ordem sintática da língua da comunidade ouvinte”. Foi um período de luta da Comunidade Surda na tentativa de abolir o preconceito que considerava o Surdo como inferior na sociedade e desprovido de quaisquer direitos como cidadão. Nesse sentido, o uso da Língua de Sinais constituía-se o elemento de identificação da sua cultura e a possibilidade do desenvolvimento da potencialidade linguística e dos processos cognitivos dos Surdos.

Após a fase da oralização e do insucesso da Comunicação Total como método usado para a educação dos surdos, HONORA e FRIZANCO (2020), citam o reconhecimento do Bilinguismo como melhor abordagem, permitindo o aprendizado de duas línguas, a de sinais, considerada a língua natural dos Surdos e uma segunda, a majoritária do local onde se vivia preferencialmente na modalidade escrita. Continuando com PEREIRA et al. (2014):

Na década de 1980, os Surdos, na condição de minoria, passaram a exigir o reconhecimento da língua de sinais como válida e possível de ser usada na educação de crianças surdas, a reivindicar o direito de ter reconhecida sua cultura e de transmitir essa cultura às crianças surdas. Saíram de uma situação de passividade, em que tinham uma vida decidida pelos ouvintes, e iniciaram um movimento que exigia respeito a seus direitos de cidadão (Pereira et al. 2014, p. 12).

Estudiosos da língua se dedicaram ao ensino dos Surdos e muitas escolas foram importantes para a sua educação no Brasil e no Mundo. No ano de 1857, o professor Hernest Huet havia trazido para o Brasil a Língua Francesa de Sinais, a pedido do Império, sendo que ela foi grande influenciadora na origem da Língua Brasileira de Sinais (HONORA e FRIZANCO, 2020). Entretanto, a Língua Brasileira de Sinais – Libras – apenas foi reconhecida em abril de 2002, pela Lei Federal n. 10.436:

Art. 1º – É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados.

Parágrafo único: Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil (BRASIL, 2002).

À medida que a Libras é reconhecida como língua torna-se definidora da identidade social dos Surdos, possibilitando sua interação com o mundo. Paulatinamente as instituições foram sendo obrigadas a garantir o cumprimento do direito linguístico e da acessibilidade da pessoa surda, como a presença do intérprete, considerado como um dos elementos que garante a acessibilidade, tendo assim sua profissão valorizada e regularizada. A doutora Ronice Quadros, do Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos, apresenta um cronograma dos acontecimentos até a regulamentação do intérprete da Língua Brasileira de Sinais, como o “profissional capaz de possibilitar a comunicação entre Surdos e Ouvintes através da Libras (Língua Brasileira de Sinais) para o português e vice-versa; ou entre outras línguas de sinais e línguas orais” (QUADROS, 2004, p. 42). 

Conforme PEREIRA et al. (2014), por se tratar de uma língua de modalidade visual-espacial, a Libras envolve a configuração das mãos, movimento do corpo e a expressão facial. Encontra-se aí a compreensão das particularidades da comunicação efetiva com o surdo, o contato visual e as expressões do rosto e do corpo. Ainda para facilitar a interação entre Surdo e Ouvinte pode-se fazer uso da leitura labial, embora nem todos dominem essa modalidade, mas o fundamental é que as pessoas se façam entender umas às outras.

Esse percurso de análise dos registros históricos busca compreender o processo de inclusão social do surdo até os dias de hoje, destacando que as discussões são atuais e necessárias. Vencidas algumas etapas nessa trajetória, ainda há de se fortalecer a garantia dos direitos adquiridos da Comunidade Surda, tendo como desafio despertar a sociedade para conviver e acolher as diferenças e nessa discussão a comunicação deve ser sem preconceito e com qualidade em todos os equipamentos públicos incluindo os estabelecimentos de saúde. 

2 Importância da comunicação no estabelecimento do vínculo do paciente Surdo com o profissional da saúde

Conhecer o processo histórico da luta pela inclusão da pessoa surda no meio social considera-se o início do percurso para entendimento do patamar em que essa discussão se encontra atualmente (BARROSO, 2020). Como parte importante da inclusão, tanto os surdos, como outras pessoas com alguma deficiência, buscam a efetivação do direito de receber um atendimento humanizado e de qualidade. Para isso necessitam ser compreendidos nas suas necessidades.

Nesse contexto, o ponto principal para a mudança de paradigma é que a sociedade precisa adequar-se à necessidade do surdo e da pessoa com deficiência auditiva e não o contrário, como foi imposto durante anos.  Através da comunicação inclusiva o Surdo pode desenvolver e exercer a sua cidadania com autonomia e liberdade numa sociedade de direitos e deveres (CHAVEIRO e BARBOSA, 2005).

A Lei Brasileira de inclusão da Pessoa com deficiência considera no seu Capítulo I, Artigo 3º, Inciso IV d, o que são barreiras na comunicação e informação: “qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação” (BRASIL, 2015). A má comunicação pode colocar em risco a segurança do paciente e impedir a compreensão sobre o próprio cuidado (COSTA et al., 2009). Evidencia-se nos artigos analisados para essa pesquisa de revisão bibliográfica, a relevância da comunicação entre os Surdos e os profissionais de saúde e a importância do vínculo que é estabelecido quando o profissional consegue comunicar-se com o Surdo.

Após o estudo do tratamento histórico que os Surdos receberam, seguiu-se para a leitura criteriosa dos relatos dos artigos fontes da pesquisa, com evidências fiéis da percepção do atendimento recebido por eles na visão dos próprios Surdos. Há também algumas avaliações de profissionais de saúde sobre suas interações com pessoas com surdez ou deficiência auditiva. Grande maioria dos relatos refere à dificuldade na comunicação principalmente devido à falta de preparo dos profissionais dos serviços públicos para lidar com as pessoas surdas (COSTA et al., 2009).

O primeiro ponto em comum nos relatos dos artigos analisados diz respeito à falta de conhecimento por parte dos profissionais de saúde do sistema público sobre a cultura surda e sobre a LIBRAS, o que inviabiliza a comunicação e o bom atendimento: “A comunicação é um grande obstáculo para o surdo cuidar da saúde. O bloqueio de comunicação prejudica o vínculo entre profissionais da saúde e surdos, comprometendo o atendimento” (CHAVEIRO e BARBOSA, 2005). 

Alguns pacientes relataram sentir a existência de preconceito por parte do profissional em relação à pessoa surda, tratando-os como se fossem pessoas sem entendimento. Referem à dificuldade encontrada quando os profissionais não falam olhando para eles, principalmente no caso dos que usam a leitura labial para a compreensão da informação. Falar de forma clara e pausada é muito importante. Ainda sobre o mesmo tema, as principais considerações foram: o respeito à língua dos Surdos; desconhecimento, descaso e falta de paciência dos profissionais; dificuldade na interação e necessidade de explicação antes, durante e depois dos procedimentos (COSTA, 2009). 

A falta de conhecimento em LIBRAS recebe destaque. O Decreto Nº 5.626 de 2005, do Direito à Saúde das Pessoas Surdas ou com Deficiência Auditiva dispõe como deve ser o:

atendimento às pessoas surdas ou com deficiência auditiva na rede de serviços do SUS e das empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde, por profissionais capacitados para o uso de Libras ou para sua tradução e interpretação (Decreto Nº 5.626, de Cap. VII, Art. 25, IX. Brasília, 2005).

Embora existam leis que garantam a capacitação dos profissionais para prestar o melhor atendimento ao Surdo, os autores das pesquisam em questão notam que na prática a concretização dessa garantia está muito distante. Não só os Surdos têm essa percepção como os profissionais que confirmam a dificuldade no processo de comunicação para atender o paciente visto seu despreparo:

os profissionais da  saúde  relataram  ter  sentimentos  de  incapacidade,  impotência, insegurança, constrangimentos, dentre outros; sentem a necessidade  de  se  capacitarem  para  proporcionar  um  melhor atendimento  ao  surdo,  com  equidade  e  qualidade (BARROSO El al. Pág. 143. 2020).

Segundo BARBOSA (2003) uma das deficiências identificadas pelos profissionais da enfermagem encontra-se no fato de que “conteúdos de comunicação nem sempre são abordados nos processos de formação nos seus diversos níveis, ou são parcos em disciplinas mais abrangentes”. Isso também é fato para a grande maioria dos médicos. Instrumentalizar os profissionais para a comunicação efetiva e inclusiva é garantir a excelência no cuidado em saúde:  

Ao humanizar a assistência em saúde, todos os envolvidos serão beneficiados no processo, principalmente usuários e profissionais, que receberão um tratamento digno e poderão resgatar o sentido e valor de sua prática, respectivamente, mas ganhará também o Sistema Único de Saúde, a sociedade brasileira e a cidadania (CEMBRANELLI apud BARBOSA, 2003).

O entendimento baseado nesses primeiros relatos reconhece que os estabelecimentos e profissionais de saúde devem garantir formas de interagir com os Surdos para prestar uma assistência de melhor qualidade. Importa além da postura ética no tratamento com a pessoa surda, o princípio da equidade, para ofertar a todas as pessoas um atendimento humanizado. O Artigo 196 da Constituição Brasileira garante que a saúde é direito de todo cidadão e que o acesso deve ser igualitário independente da condição. CHAVEIRO e BARBOSA (2005) trazem em seu estudo a seguinte reflexão:

Não se concebe instituições que não ofereçam ao surdo, intérpretes e profissionais capazes de comunicar-se com eles, da mesma forma que não se concebe instituições que não tenham rampas ou elevadores. Não adaptar às necessidades dos grupos minoritários é um fator de exclusão social (CHAVEIRO e BARBOSA, 2005).

Outro ponto importante que foi observado nessa análise é que os surdos valorizam a presença do intérprete da Libras, embora alguns citam ficar constrangidos com a exposição. Normalmente quem se responsabiliza para acompanhar esse paciente é um familiar e mesmo nesse caso, alguns pacientes temem em tratar de assuntos mais confidenciais. A segurança e confiança são cruciais para que a pessoa surda busque por atendimento, caso contrário ela pode retardar a procura pela consulta fazendo com que seu problema venha a se agravar.

A essa altura vale ressaltar o disposto na Lei que regulamenta a profissão de tradutor, intérprete e guia-intérprete da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS:

O tradutor, o intérprete e o guia-intérprete devem exercer a profissão com rigor técnico e zelar pelos valores éticos a ela inerentes, pelo respeito à pessoa humana e, em especial: 

I – pela honestidade e discrição, protegendo o direito de sigilo da informação recebida (Lei Nº 12.319, de 1º de setembro de 2010, Art. 7º, Inciso I. Brasília 2010).

  Diante dessa realidade, nota-se a importância da conquista da regulamentação do profissional intérprete para a comunidade surda, entretanto sua responsabilidade para fazer com que a comunicação aconteça de forma precisa e apropriada envolve humanização e ética para assim contribuir com a efetivação da inclusão e do direito à participação social do Surdo (QUADROS, 2004).

O resultado da análise dos depoimentos registrados pelos autores trás a percepção nítida das dificuldades de comunicação vivenciadas pelos Surdos como a maior barreira para o bom atendimento: quando não conseguem compreender as orientações médicas ou o que está descrito na sua receita; quando se sentem envergonhados pela sua condição evitando fazer perguntas ou interagir; quando não lhes é disponibilizado o acompanhamento do intérprete e quando há, o quando se sentem seguros e confiantes com a sua presença, Faz-se necessário ouvir a comunidade surda para garantir formas de interagir e os assistir com melhor qualidade de maneira global, respeitando suas crenças, valores e diferenças (CHAVEIRO e BARBOSA, 2005).

3 Estratégias que podem ser utilizadas para melhorar o acesso e qualidade dos serviços públicos de saúde para as pessoas Surdas

Conforme pesquisa do Ministério da Saúde realizada em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 71% dos brasileiros têm os serviços públicos de saúde como referência (Ministério da Saúde, 2020). Nos seus 33 anos de existência, o SUS tem sido via de acesso à saúde para as pessoas em situação de vulnerabilidade e desigualdade social.

Ainda, segundo informação mais atual disponibilizada pelo IBGE, aproximadamente 2.330.442 da população brasileira era composta por pessoas surdas ou com alguma deficiência auditiva (IBGE, 219). Sendo cidadãos de direitos, o atendimento inclusivo na área da saúde é garantido pelos princípios humanitários. Isso é claramente preconizado entre os fundamentos na Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, no âmbito do SUS: 

– Respeito aos direitos humanos, com garantia de autonomia, independência e de liberdade às pessoas com deficiência para fazerem as próprias escolhas; 

–  Promoção da equidade; 

– Promoção do respeito às diferenças e aceitação de pessoas com deficiência, com enfrentamento de estigmas e preconceitos; 

– Garantia de acesso e de qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar; 

–   Atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas (Portaria Nº 2.073, de 28 de setembro de 2004. Ministério da Saúde, 2004).

Todas essas informações corroboram a importância da discussão e elaboração de estratégias para qualificar o atendimento aos surdos, concretizando a inclusão e a comunicação efetiva, direito adquirido da Comunidade Surda. 

Nesse sentido, BARROSO et al. (2020), apresenta em sua pesquisa a importância de “incluir informações sobre as pessoas surdas: características, dificuldades e diferenças, nos cursos de graduação da área da saúde”. Os profissionais necessitam estar preparados para compreender o paciente e as particularidades da pessoa surda, a fim de viabilizar a comunicação, seja ela verbal ou não-verbal.

Costa et al. (2009), apresenta em levantamento feito nas suas pesquisas diretamente com o público surdo e registradas em seu estudo, algumas sugestões para melhorar a comunicação entre os profissionais de saúde e as pessoas surdas, de modo a ofertar um atendimento equitativo e de qualidade aos pacientes:

  • Falar olhando para o paciente, pensando que alguns Surdos usam a leitura labial para se comunicar;
  • Não escrever enquanto estiver falando e procurar saber se o Surdo é bilíngüe, uma vez que nem todos têm o domínio da Língua Portuguesa como segunda língua, o que pode dificultar o entendimento de algumas palavras;
  • Simplificar os termos e explicar antes, às vezes e durante algum procedimento.
  • Ter paciência.

Outra colocação importante é que o poder público e os estabelecimentos de saúde precisam trabalhar para cumprimento da Lei Nº 10.098/98, que assegura em seu Capítulo VII, Artigo 18 a presença de profissional intérprete da LIBRAS para assistência ao Surdo (DAMÁZIO, 2007).

Atualmente muito se fala em inclusão e fazendo a comparação com alguns anos atrás, já houve avanço nesse assunto. O reconhecimento da LIBRAS, a regulamentação da profissão de Intérprete e as demais políticas de garantia de acesso para os surdos nos estabelecimentos de saúde são confirmações disso. Contudo, ainda é preciso continuar a fortalecer a Cultura Surda e valorizar a sua identidade, fazendo com que a saúde e a informação sejam acessíveis a todos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo bibliográfico permitiu a análise do percurso da Comunidade Surda e suas lutas pela inclusão na história da sociedade. No Brasil, com o reconhecimento da LIBRAS em 2002, como a Língua de Sinais natural dos Surdos, formou-se a base não somente para sua identificação como membros de uma cultura, como transformou o indivíduo outrora rejeitado em um membro participante da sociedade, possibilitando uma comunicação completa e fácil (Pereira et al., 2014).

Conclui-se que governos e instituições precisam encontrar meios de atender as políticas em relação ao atendimento equitativo e qualitativo da pessoa surda, bem como os profissionais de saúde em todas as áreas precisam conhecer as formas adequadas de comunicação com os Surdos, baseados numa mudança de paradigma que estabeleça o respeito pela diversidade e a humanização como princípios para o atendimento do indivíduo. Dessa forma não haverá barreiras para o estabelecimento de vínculo entre o profissional e o paciente no que tange ao cuidado à saúde com excelência.

AGRADECIMENTOS

Queremos expressar nossa gratidão a todos os professores que nos acompanharam durante nossa trajetória acadêmica, em especial ao Professor Anderson Scherer, nosso orientador, pela contribuição na elaboração desde TCC

REFERÊNCIAS

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BARROSO, Hélida Cristine Santos Mendes et al. A comunicação entre surdos e profissionais da saúde: uma revisão bibliográfica. Educação Profissional e Tecnológica em Revista, v. 4, nº 1, 2020. ISSN: 2594-4827.  

MORAGAS, Vicente Junqueira. Diferença entre Igualdade e Equidade. In: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/acessibilidade/publicacoes/sementes-da-equidade/diferenca-entre-igualdade-e-equidade> Acesso em: 27 de abril de 2024.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2019. Disponível em: <https://sidra.ibge.gov.br/tabela/8217#resultado>. Acesso em 27 de abril de 2024.

SÃO PAULO. Lei 17.754, de 24 de Janeiro de 2022. Assegura às pessoas com deficiência auditiva ou surdas, que estejam gestantes ou sejam vítimas de violência doméstica ou sexual, o direito a acompanhante ou atendente pessoal, bem como estabelece a obrigatoriedade das instituições de saúde localizadas no âmbito do Município de São Paulo disponibilizarem os meios adequados para a garantia do acesso à informação durante o atendimento. Diário Oficial da Cidade de São Paulo, 2022. Disponível em: https://app-plpconsulta-prd.azurewebsites.net/Forms/MostrarArquivo?TIPO=Lei&NUMERO=17754&ANO=2022&DOCUMENTO=Atualizado. Acesso em: 03 de maio de 2024.

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BRASIL. Decreto Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília, 2005. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 29 de maio de 2024.

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1 RA 12524134527
2 RA 12524128691
3 RA 12524128771
4 RA 12524120840