REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202411251538
Clara Farias Smith Oliveira Maron¹
Roberta de Melo Roiz²
RESUMO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) frequentemente envolve atrasos no Desenvolvimento Neuropsicomotor (ADNPM) e demanda intervenção precoce para um prognóstico mais positivo. Embora o autismo não tenha cura, intervenções terapêuticas, como a fisioterapia, auxiliam no desenvolvimento de habilidades de comunicação, interação social e motricidade. Este estudo revisa a importância da Intervenção Precoce (IP) nos primeiros mil dias de vida (do nascimento até os dois anos) e como a atuação do fisioterapeuta contribui para o desenvolvimento motor, cognitivo e sensorial de crianças com sinais de TEA. Realizou-se uma revisão bibliográfica qualitativa, buscando artigos nas bases SciELO, BVS e PubMed, com os descritores “Fisioterapia”, “Intervenção Precoce”, “Estimulação Precoce” e “Transtorno do Espectro TEA”. Apenas artigos completos, em português e inglês, de 2014 a 2024, foram incluídos. A pesquisa destacou a importância de intervenções fisioterapêuticas nos primeiros anos, principalmente para habilidades motoras e sensoriais, promovendo a independência funcional. Contudo, a escassez de estudos sobre IP antes dos dois anos levanta questões sobre o início tardio das intervenções, devido ao diagnóstico clínico ocorrer geralmente após os dois anos. Assim, a pesquisa ressalta a necessidade de mais estudos sobre IP precoce e políticas públicas que ampliem o acesso ao diagnóstico precoce, para intervenções preventivas desde o nascimento.
Palavras-chave: Intervenção Precoce, Autismo, Fisioterapia, Transtorno do Espectro Autista.
ABSTRACT
Autism Spectrum Disorder (ASD) often involves delays in Neuropsychomotor Development (NPMD) and requires early intervention for a more positive prognosis. Although autism has no cure, therapeutic interventions, such as physiotherapy, support the development of communication, social interaction, and motor skills. This study reviews the importance of Early Intervention (EI) within the first thousand days of life (from birth to two years old) and how the work of physiotherapist contributes to the motor, cognitive, and sensory development of children showing signs of ASD. A qualitative literature review was conducted, searching for articles in the SciELO, BVS, and PubMed databases using the descriptors “Physiotherapy,” “Early Intervention,” “Early Stimulation,” and “Autism Spectrum Disorder.” Only full-text articles in Portuguese and English, from 2014 to 2024, were included. The research highlighted the importance of physiotherapeutic interventions in the early years, especially for motor and sensory skills, promoting functional independence. However, the scarcity of studies on EI before two years of age raises questions about the delayed start of interventions, as clinical diagnosis typically occurs after two years. Thus, the study emphasizes the need for further research on early EI and public policies that expand access to early diagnosis, enabling preventive interventions from birth.
Keywords: Early Intervention; Autism; Physiotherapy; Autism Spectrum Disorder.
INTRODUÇÃO
A Intervenção Precoce (IP) vem sendo largamente utilizada no acompanhamento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), pois elas comumente apresentam atraso no Desenvolvimento Neuropsicomotor (ADNPM), quando não alcançam marcos esperados para sua idade, gerando um crescimento atípico. A importância da intervenção precoce em crianças com TEA é um assunto interessante para que possamos entender como o desenvolvimento desse paciente apresenta-se desde o início (Morais; Moreira; Costa, 2019).
O predomínio do TEA no Brasil é uma questão muito discutida entre profissionais da saúde. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), dados recentes mostram que há 2 milhões de pessoas no país com o diagnóstico. Pelo avanço científico na compreensão do transtorno, a OMS identifica um aumento no número de casos nos últimos anos, em nível global, afetando cerca de 1% da população mundial. Atualmente, o parâmetro mais utilizado, como referência para medir a prevalência do autismo é o do Center for Disease Control and Prevention (CDC), sediado em Atlanta, Geórgia, com estimativa de 1 em cada 36 crianças diagnosticadas com TEA nos Estados Unidos (Rocha et al., 2019). A rede de monitoramento do CDC também identificou que o transtorno ocorre em todos os grupos raciais, étnicos e socioeconômicos, sendo 4 vezes mais comum em meninos do que em meninas.
O diagnóstico do TEA é clínico, baseado em evidências científicas quanto aos critérios estabelecidos pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), publicação da American Psyquiatric Association, atualmente em sua quinta edição, sendo também conhecido como DSM-5 e pela Classificação Internacional de Doenças (CID-11) da OMS. Diante desse contexto, não se tem um exame específico que identifique o TEA (Morais; Moreira; Costa, 2019).
O estudo de Salgado et al. (2022) propõe que o TEA decorre de uma complexa interação entre fatores genéticos, não genéticos e ambientais. Pesquisas examinam a influência do tipo de parto, ordem de nascimento e idade dos pais no desenvolvimento do autismo, mas, apesar da predisposição genética, a manifestação do transtorno e sua intensidade variam. Fatores epigenéticos e ambientais, sobretudo nos estágios iniciais do desenvolvimento do sistema nervoso, como os períodos perinatal e pós-natal, parecem ser desencadeantes potenciais; nessas fases, a neuroplasticidade desempenha papel essencial.
Certamente, a dificuldade em realizar o diagnóstico é obstáculo para o tratamento e desenvolvimento da criança com TEA. Observa-se que alguns fatores contribuem para esse entrave, como a variabilidade na manifestação dos sintomas, a escassez de profissionais capacitados para identificar essas alterações e a carência de serviços especializados para essa condição. Sabe-se que atualmente é comum que o autismo seja diagnosticado após os três anos de idade. No entanto, ao fazer uma análise retrospectiva dos principais sintomas do espectro autista, é possível perceber que alguns sinais já estavam presentes nos primeiros meses de vida da criança (Martins et al., 2019).
Por isso se faz necessário um tratamento baseado numa intervenção precoce. A avaliação precoce tem se mostrado importante, levando em consideração que quanto antes o diagnóstico, melhor o prognóstico das crianças com TEA. Os dados mostram que a procura pelo serviço dos usuários que se encontram nos quatro primeiros anos de idade foi predominante, compondo 45,6% (n=313) da população. Uma avaliação e diagnóstico precoce é importante tanto para melhor intervenção e manejo dos sintomas, mas também no que tange ao fortalecimento da rede de apoio, que é composta pela família. Além disso, uma intervenção precoce auxilia em um melhor desempenho acadêmico por parte das crianças que possuem TEA (Rocha et al., 2019).
Embora o autismo não tenha cura, existem intervenções que contribuem para melhorar habilidades de comunicação, interação social e funções motoras dos indivíduos diagnosticados. Nesse contexto, o diagnóstico precoce torna-se essencial para um prognóstico mais positivo. Pesquisas indicam que intervenções aplicadas antes dos 36 meses de vida apresentam resultados mais efetivos no desenvolvimento, devido à maior plasticidade cerebral nesse período, aumentando as chances de modificar o curso do desenvolvimento infantil (Freitas et al., 2019).
Freitas e colaboradores (2019) ainda afirmam que o cérebro tem seu desenvolvimento mais acelerado entre a concepção e os três anos de idade, fase ideal para a implementação de programas que estimulem o desenvolvimento da criança. Quando há atraso no diagnóstico e no início das terapias necessárias, os sintomas tendem a se consolidar, com comprometimentos cognitivo e psicossocial. Assim, as intervenções precoces são essenciais para favorecer o crescimento saudável da criança.
Nesse contexto, este estudo propõe-se a investigar a importância da intervenção precoce no desenvolvimento de crianças com possíveis sinais de Transtorno do Espectro Autista (TEA), englobando os mil dias de nascimento até completar dois anos de idade. O foco está em analisar como a atuação de profissionais, especialmente fisioterapeutas, pode influenciar o desenvolvimento motor, cognitivo e sensorial, melhorando habilidades de comunicação e interação social. Pela relevância do diagnóstico clínico e da compreensão da neuroplasticidade, o trabalho busca fornecer evidências sobre a eficácia da estimulação precoce como ferramenta para minimizar os impactos do TEA e mudar o curso do transtorno, ressaltando o papel da intervenção interdisciplinar (Morais; Moreira; Costa, 2019).
METODOLOGIA
A metodologia deste trabalho baseou-se em uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa, com o objetivo de compreender a importância da intervenção precoce em crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Para isso, foram consultadas as bases de dados SciELO, Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e PubMed, entre fevereiro e abril de 2024. A pesquisa foi realizada utilizando os descritores em ciências da saúde “Fisioterapia”, “Intervenção Precoce”, “Estimulação Precoce’’ e “Transtorno do Espectro TEA’’, utilizando o Operador Booleano AND, bem como suas correspondentes em inglês: “Physiotherapy”, “Early Intervention” e “Autism Spectrum Disorder”, observar a tabela 1. A inclusão de artigos seguiu critérios de elegibilidade específicos: somente foram selecionados artigos completos, disponíveis online, publicados entre 2014 e 2024, nos idiomas português e inglês, que abordassem temas como fisioterapia, diagnóstico de TEA e estimulação precoce.
Foram eleitos como critérios de exclusão: artigos publicados antes de 2014, que não cumpriam o recorte temporal de 10 anos e os que se referiam acerca da intervenção precoce em crianças com traços de TEA. Inicialmente, a pesquisa resultou em 373 artigos, incluindo alguns que se repetiram entre as diferentes bases de dados. A seleção dos artigos ocorreu por meio de uma análise criteriosa dos títulos e resumos, assegurando a relevância e qualidade das informações. Após essa triagem, foram selecionados 109 artigos para leitura dos resumos, e, entre esses, foram excluídos aqueles que tratavam do autismo associado a outras condições neurológicas, resultando em um total de 16 artigos para leitura integral.
Por fim, após leitura, apenas 5 artigos foram selecionados, conforme o Fluxograma 1.
O estudo levou ao acesso de múltiplas publicações relevantes, gerando uma compreensão aprofundada sobre intervenções precoces no TEA. Com a abordagem foi possível explorar novas áreas de estudo e descobrir diferentes enfoques terapêuticos. Os dados coletados oferecem base sólida para conclusões inovadoras e baseadas em evidências, com potencial de contribuir para o aprimoramento das práticas de intervenção e melhoria da qualidade de vida de crianças diagnosticadas com TEA.
Tabela 1. Fontes e descritores em ciências da saúde utilizados para busca dos artigos
RESULTADOS
O fluxograma abaixo demonstra as etapas do esquema de inclusão e exclusão utilizados.
Fluxograma 1. Etapas do esquema de inclusão e exclusão utilizados para seleção e análise dos artigos.
Fonte: Autoria Própria, 2024.
A tabela abaixo traz a seleção de estudos utilizados após a identificação dos elementos de pesquisa. Foram elegíveis para composição dos resultados, os estudos que relatassem sobre intervenção ou estimulação precoce associado a fisioterapia e TEA. Ficando claro a importância da fisioterapia dentro dos primeiros mil dias de vida, do nascimento até dois anos de idade, fase de maior plasticidade para a aquisição de habilidades. Justifica-se assim, que a intervenção fisioterapêutica de forma precoce, junto a equipe multidisciplinar, irá interferir de forma positiva no curso do TEA, melhorando o desenvolvimento motor, cognitivo e sensorial, além das habilidades de comunicação e interação social, com repercussão futura da melhora da qualidade de vida das crianças com TEA.
Quadro 2. Distribuição dos estudos mais relevantes para a pesquisa organizados quanto à autoria/ano, objetivo, métodos e resultados.
AUTOR | OBJETIVO | MÉTODOS | RESULTADOS |
Guedes; Uvo, 2021 | Realizar uma pesquisa na literatura sobre a importância da intervenção precoce em crianças com transtorno do espectro autista, a partir da revisão sistemática. | Trata-se de uma revisão sistemática da bibliografia, realizada por meio da busca nas bases de dados da Lilacs, SciELO e Pubmed no período de outubro de 2021. | Os artigos selecionados neste estudo indicam resultados positivos na evolução dos pacientes após intervenção precoce, com melhorias no desenvolvimento da fala, comunicação e na interação e comportamento social. Os achados sublinham o valor da intervenção precoce personalizada às necessidades de cada criança e da atuação de equipe multidisciplinar no tratamento. O estudo também reforça a importância da família no processo. |
Salgado et al. 2022 | O objetivo central desta revisão sistemática foi reunir os estudos mais recentes voltados ao cuidado e atenção primária das crianças com TEA e realizar uma breve análise sobre a crescente incidência e suas associações significativas. | Trata-se de uma revisão sistemática, realizou-se uma busca nas bases de dados da USA National Library of Medicine (PubMed) e da Virtual Health Library (BVS). | Na pesquisa nota-se uma maior incidência de TEA. Evidenciou-se que o diagnóstico ainda é prioritariamente baseado na identificação de sinais clínicos comportamentais, ainda que tenham surgido alguns avanços na área da neurobiologia e genética. Por isso, segue sendo difícil a determinação de taxas de prevalências precisas devido a necessidade de consistência no diagnóstico clínico de um distúrbio complexo por sua heterogeneidade. |
Santos et al. 2022 | Abordar sobre os efeitos da Fisioterapia precoce na reabilitação de crianças com TEA: uma revisão sistemática. | Foram utilizadas as seguintes bases de dados – Lilacs, MEDLINE, SciELO e Periódicos CaPES, no período de 2009 a 2021; nos idiomas inglês, português e espanhol. | A fisioterapia precoce permite às crianças com TEA alcançarem maior independência em atividades diárias e progresso no desenvolvimento neuropsicomotor. O tratamento antecipado é uma prática essencial da fisioterapia em crianças com TEA, isolada ou em conjunto com uma equipe multidisciplinar, corrigindo cedo os |
atrasos no desenvolvimento e promovendo, melhor qualidade de vida. | |||
Pires; Grattão; Gomes, 2024 | O objetivo central desta revisão sistemática é estabelecer quais são os desafios ainda presentes na implementação efetiva da intervenção precoce (IP) e quais são os seus efeitos no prognóstico do TEA. | Revisão sistemática com a metodologia Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta Analyses (Prisma). Foi realizada nos bancos de dados Pubmed e ScienceDirect em janeiro de 2023. | A intervenção precoce pode influenciar e melhorar o prognóstico do TEA, reduzindo sintomas. Crianças diagnosticadas aos dois anos têm melhores resultados em comparação às diagnosticadas aos três, por causa de intervenções que beneficiam a cognição verbal e a expressão na idade escolar, reduzindo a necessidade de suporte contínuo. Fatores como sintomas leves, dificuldades de comunicação para a idade, falta de monitoramento regular e ambientes sociais desafiadores contribuem para diagnósticos tardios. |
Rigoni, 2022 | Avaliar a eficácia do programa de estimulação precoce no desempenho funcional de crianças de risco na faixa de zero a três anos. | Foi realizada uma pesquisa do tipo quase experimental, com amostra composta por 14 crianças de risco, de ambos os sexos, incluídas nos grupos de estimulação precoce. Os dados foram coletados entre os meses de setembro de 2020 a janeiro de 2021. | Este estudo mostra o efeito positivo de um programa de estimulação precoce em grupo no desempenho funcional de crianças de risco; melhora suas habilidades funcionais e diminui a dependência do cuidador nas tarefas. Fortalece a ideia da estimulação precoce centrada na família, com os cuidadores como principais responsáveis. Sugere-se novos estudos abordando essa temática, em diferentes populações, com amostras expressivas e homogêneas. |
Fonte: Autoria Própria, 2024.
DISCUSSÃO
A discussão sobre a intervenção precoce (IP) em crianças com transtorno do espectro autista (TEA) tem ganhado crescente relevância nas pesquisas, devido aos benefícios que essa abordagem pode proporcionar ao desenvolvimento das crianças. No estudo de Pires, Grattão e Gomes (2024) têm mostrado que, embora qualquer intervenção traga melhorias, a intervenção precoce é particularmente eficaz para mitigar os sintomas do TEA e facilitar o desenvolvimento mais saudável e independente.
No estudo de Guedes e Uvo (2021) onde trata sobre intervenção fonoaudiológica precoce em crianças com TEA, afirma que a presença da equipe multidisciplinar é fundamental, uma vez que ela permite avaliar de maneira mais holística o desenvolvimento da criança, intervindo em diferentes áreas simultaneamente. Além disso, o envolvimento da família no processo terapêutico é destacado como uma prática eficaz, pois possibilita uma intervenção indireta que complementa a ação direta dos profissionais, resultando em melhores resultados. Essa afirmativa corrobora com o estudo de Santos et al. (2022) onde afirmam que a Fisioterapia na IP em crianças com TEA é de suma importância que ocorra juntamente com equipe multidisciplinar, para melhor benefício dos resultados.
Rigoni e colaboradores (2022) demonstraram que a introdução de programas de estimulação precoce exerceu um impacto positivo no desenvolvimento funcional das crianças, especialmente na área da mobilidade. Esses autores destacaram que a intervenção fisioterapêutica foi essencial para promover melhorias em diversos aspectos motores, como motricidade ampla, fortalecimento muscular, coordenação, modulação sensorial, e integração de reações de proteção, equilíbrio e retificação. Tais melhorias favoreceram o desenvolvimento da independência funcional, respeitando as potencialidades individuais de cada criança, desde as posturas iniciais em decúbito até a aquisição da marcha.
Rigoni el al. (2002) ainda afirma que a fisioterapia, incluiu atividades específicas, como transferência de posições, locomoção em diferentes ambientes – internos e externos – e uso de escadas, o que contribuiu para a autonomia no deslocamento. Estes achados corroboram com outros estudos que também apontaram uma evolução significativa no desenvolvimento motor das crianças mediante orientação e estimulação domiciliar, destacando o valor de intervenções contínuas e contextualizadas para fortalecer a independência e a mobilidade infantil.
Salgado et al. (2022) aprofundam a análise sobre o aumento da incidência de TEA e as disparidades no diagnóstico precoce, especialmente em comunidades vulneráveis socioeconomicamente.
Os autores trazem dados que evidenciam um aumento significativo dos diagnósticos de TEA nos Estados Unidos, na Europa e na Espanha. No entanto, destacam que, apesar desse aumento, ainda existem lacunas nos processos de triagem, o que pode resultar em diagnósticos tardios e, consequentemente, em atrasos nas intervenções. A triagem, apesar de ser uma prática recomendada, apresenta taxas de variação que dificultam a identificação precoce do TEA, com índices que variam entre 8% e 60%. Isso implica em uma falha potencial em detectar o transtorno de forma eficaz e oferecer a intervenção adequada e de forma precoce. O estudo também sugere que um diagnóstico precoce, aliado a uma intervenção especializada, é crucial para melhorar a qualidade de vida das crianças com TEA, e enfatiza a necessidade de investimento em pesquisas e políticas públicas para garantir uma triagem mais eficaz.
Santos et al. (2022) abordam o papel da fisioterapia no tratamento precoce de crianças com TEA, destacando sua importância na reabilitação e na promoção de maior independência. A fisioterapia contribui para melhorar a cognição, a afetividade e as habilidades motoras das crianças com TEA, atuando em aspectos fundamentais como o controle postural, a simetria do corpo e o desenvolvimento motor básico. A técnica Bobath, citada pelos autores, é apresentada como uma das principais abordagens para melhorar a postura, o equilíbrio e o tônus muscular de crianças com TEA. Além disso, a fisioterapia é descrita como uma ferramenta importante na promoção da autonomia das crianças, ajudando na interação social, na comunicação e na inserção no ambiente escolar. O estudo também ressalta que a intervenção fisioterapêutica, quando realizada precocemente, pode ativar funções cognitivas, melhorar as habilidades motoras e minimizar déficits comunicativos, proporcionando uma melhor qualidade de vida e maior independência nas atividades diárias.
Por fim, Pires, Grattão e Gomes (2024) identificam os principais desafios para a implementação da intervenção precoce no tratamento do TEA, abordando as dificuldades em garantir que todos os casos sejam diagnosticados a tempo. Embora existam diversos protocolos para o diagnóstico precoce, muitos casos continuam sendo negligenciados, o que afeta diretamente o desenvolvimento das crianças. Os autores apontam que, além dos desafios no diagnóstico, fatores como a gravidade dos sintomas e as barreiras sociais contribuem para diagnósticos mais tardios. Crianças diagnosticadas mais tardiamente enfrentam desafios adicionais, como a necessidade de maior suporte na escola e no ambiente social. Por outro lado, a detecção precoce permite um acesso mais rápido a intervenções, favorecendo o desenvolvimento da cognição verbal e social, e reduzindo a necessidade de suporte contínuo. O estudo enfatiza a importância da triagem universal e da formação contínua de profissionais de saúde para garantir que a intervenção precoce seja acessível a todas as crianças com TEA.
CONCLUSÃO
O presente estudo evidenciou a importância da intervenção precoce (IP) no Transtorno do Espectro Autista (TEA), destacando o papel do fisioterapeuta em uma equipe interdisciplinar. A literatura revisada aponta que intervenções aplicadas nos primeiros anos de vida promovem benefícios significativos no desenvolvimento cognitivo, social e motor das crianças com TEA. No entanto, um dos principais desafios encontrados durante a pesquisa de revisão foi a escassez de estudos que abordem a IP dentro dos primeiros mil dias de vida, do nascimento até completar 2 anos de idade da criança. Essa limitação levanta questionamentos sobre a indicação de profissionais como fisioterapeutas e fonoaudiólogos apenas após o diagnóstico clínico de TEA, geralmente estabelecido entre os 2 e 3 anos de idade.
A ausência de dados que explorem a intervenção desde o início da vida pode refletir a falta de protocolos clínicos e de triagem universalmente adotados para o TEA em bebês. Assim, a dificuldade de um diagnóstico precoce pode ser um fator limitante para a implementação de uma IP antes da manifestação de sinais clínicos visíveis. Com um diagnóstico geralmente mais tardio, muitos profissionais de saúde são inseridos apenas a partir do momento em que os sintomas já estão estabelecidos, o que pode impactar a eficácia de intervenções que poderiam ser iniciadas muito antes.
Essas questões ressaltam a necessidade de mais estudos que investiguem a eficácia da IP nos primeiros meses de vida para crianças com alto risco de TEA. Ampliar o acesso ao diagnóstico precoce e promover a capacitação profissional para identificar sinais de risco desde o nascimento são passos essenciais para o desenvolvimento de novas abordagens que fortaleçam a IP. Conclui-se, portanto, que políticas públicas e pesquisas futuras devem focar em métodos para o reconhecimento e manejo do TEA desde o nascimento, possibilitando assim, um tratamento mais preventivo e eficaz desde os primeiros momentos da vida.
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¹Discente do curso de Fisioterapia da Faculdade Madre Thaís – FMT
²Doutora em Ciências Médicas pela Unicamp e docente do curso de Fisioterapia da Faculdade Madre Thaís – FMT