A IMPORTÂNCIA DA ATENÇÃO PRIMÁRIA NA ORGANIZAÇÃO DO CUIDADO EM SAÚDE: UMA REVISÃO DE LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8433270


Edioneise Dantas de Souza1
Elias Costa Monteiro2


RESUMO

Os sistemas de saúde têm a responsabilidade de propiciar acesso universal à atenção à saúde e buscar respostas às necessidades das populações. Estas se expressam nas diversas situações de saúde que demandam cuidados e requerem uma organização de serviços inclusivos e resolutivos, com integração entre os pontos de atenção do sistema de saúde. Este estudo tem por objetivo discutir acerca da importância da atenção primária na organização do cuidado em saúde. Trata-se de uma revisão narrativa da literatura, onde buscou-se analisar as evidências científicas mais atuais acerca da temática.  Os resultados mostram que a Atenção Primária à Saúde (APS) é considerada o ponto de comunicação da Rede de Atenção à Saúde (RAS) e possui a função de coordenar o cuidado. Nos sistemas com barreiras de acesso aos serviços, evidenciam-se a perda de continuidade da atenção e a falta de coerência entre os serviços prestados e as necessidades de saúde. Portanto, a forma de organizar os sistemas de saúde só pode ser eficaz se estiver centrada na pessoa. Assim, a APS é caracterizada como ordenadora do cuidado, pois organiza e racionaliza o uso de todos os recursos básicos e especializados direcionados para a promoção, manutenção e melhora da saúde. Conclui-se que as modificações introduzidas na nova PNAB apontam para muitas direções e entre elas estão a carência de conhecimento que a população tem a respeito de seus direitos a saúde como cidadãos e a própria falta de conhecimento que muitos profissionais da saúde têm com relação a mudanças constitucionais. Além disso, em muitas localidades falta uma rede de atenção à saúde clara e desenhada para os profissionais, evidenciados pela má qualidade da gestão macrorregional.

Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Saúde Coletiva; Sistema Único de Saúde; Cuidado em saúde.

ABSTRACT

Health systems have the responsibility to provide universal access to health care and seek responses to the needs of populations. These are expressed in the various health situations that demand care and require an organization of inclusive and resolute services, with integration between the health system’s points of care. This study aims to discuss the importance of primary care in the organization of health care. This is a narrative review of the literature, which sought to analyze the most current scientific evidence on the topic. The results show that Primary Health Care (PHC) is considered the communication point of the Health Care Network (HCN) and has the function of coordinating care. In systems with barriers to accessing services, there is a loss of continuity of care and a lack of coherence between the services provided and health needs. Therefore, the way health systems are organized can only be effective if it is centered on the person. Thus, PHC is characterized as organizing care, as it organizes and rationalizes the use of all basic and specialized resources aimed at promoting, maintaining and improving health. It is concluded that the changes introduced in the new PNAB point in many directions and among them are the lack of knowledge that the population has regarding their rights to health as citizens and the lack of knowledge that many health professionals have regarding constitutional changes. Furthermore, in many locations there is a lack of a clear health care network designed for professionals, evidenced by the poor quality of macro-regional management.

Key words: Primary Health Care; Collective Health; Health Unic System; Health Care.

INTRODUÇÃO

As mudanças demográficas e a sobreposição de perfis epidemiológicos observadas em vários países destacaram as limitações dos sistemas de saúde. Eles não conseguem atender adequadamente às necessidades da população devido à fragmentação dos serviços, inicialmente concebidos para lidar com condições agudas (Mendes, 2011). No Brasil, essa situação foi antecipadamente abordada pelas leis e regulamentos do Sistema Único de Saúde (SUS), que estabeleceram redes de atenção à saúde em níveis variados, integrando diferentes tipos de assistência, para enfrentar esse desafio (Albuquerque et al., 2019).

Essas medidas foram pragmaticamente reintroduzidas em 2010, com a definição de diretrizes, princípios conceituais e operacionais, após um período em que a municipalização foi priorizada (Brasil, 2010). Por meio das redes de atenção, às ações e serviços de diversas complexidades tecnológicas são organizados para proporcionar assistência contínua e integral. Para fortalecer essas redes, é essencial consolidar a atenção primária à saúde (APS), capacitando-a a coordenar o cuidado e facilitar o acesso aos demais serviços da rede (Bousquat et al., 2019).

Conexões sólidas entre os serviços de APS e atenção especializada (AE) asseguram aos pacientes a continuidade dos cuidados no momento certo e garantem que recebam assistência de saúde adequada às suas necessidades (Tesser; Poli Neto, 2017). Quando a coordenação do cuidado é enfraquecida, isso compromete a integralidade da assistência e transforma a APS em uma entrada meramente administrativa para o sistema de saúde (Almeida et al., 2021).

Nesse contexto, a coordenação dos cuidados pela APS resulta em melhorias na qualidade dos serviços, superando barreiras de acesso aos diferentes níveis de assistência e integrando ações e serviços em um mesmo patamar do sistema de saúde e no território (Mcdonald; Schultz; Albin, 2014).

Na literatura internacional, foi identificada uma variedade de definições para a coordenação do cuidado, que englobam elementos de integração tanto vertical quanto horizontal entre ações, serviços e profissionais de saúde diversos. Isso envolve o uso de mecanismos e instrumentos específicos para planejamento da assistência, estabelecimento de fluxos, intercâmbio de informações sobre e com os usuários, acompanhamento dos planos terapêuticos e das necessidades de saúde. O objetivo é facilitar a prestação de cuidados contínuos e integrais, no local e momento adequados (Aleluia; Medina; Almeida, 2017).

Essa definição foi em grande parte inspirada no modelo conceitual proposto por McDonald et al. (2014), que parece capturar com precisão o significado atribuído à coordenação do cuidado: “qualquer coisa que preencha lacunas”. Nesse contexto, coordenar implica estabelecer conexões de maneira a alcançar o objetivo principal de atender às necessidades e preferências dos usuários na oferta de cuidados, com alto valor e qualidade. O ato de coordenar envolve a organização intencional de atividades que incluem duas ou mais pessoas (incluindo o usuário do serviço/sistema de saúde) e a gestão de recursos para proporcionar uma oferta adequada de cuidados (Mcdonald; Schultz; Albin, 2014).

A coordenação do cuidado ocupa uma posição central nesse processo, conectando recursos comunitários, assistenciais, farmacêuticos e outros. Quanto maior a diversidade de pessoas e serviços envolvidos na prestação do cuidado e quanto mais complexa for a intervenção para resolver um determinado problema, maior será o nível de coordenação necessário para alcançar o resultado desejado (Mcdonald; Schultz; Albin, 2014; Almeida et al., 2018).

De acordo com Mendes (2012), a Atenção Primária à Saúde, na perspectiva das redes de atenção à saúde, deve desempenhar três funções essenciais que a caracterizam como uma estratégia de organização dos sistemas de saúde: resolver 85% dos problemas de saúde mais comuns; coordenar os fluxos de pessoas, produtos e informações nas redes; e assumir a responsabilidade pela saúde da população usuária inscrita nas equipes de cuidados primários nas redes de atenção à saúde.

Portanto, a organização do SUS em redes de atenção à saúde é viável somente se a Atenção Primária à Saúde estiver adequadamente habilitada para cumprir essas três funções. Somente assim ela poderá coordenar as redes de atenção à saúde e se tornar a estratégia fundamental para o reordenamento do SUS (Mendes, 2012). Desta forma, este estudo tem por objetivo discutir acerca da importância da atenção primária na organização do cuidado em saúde.

METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão narrativa da literatura, onde buscou-se analisar as evidências científicas mais atuais acerca da temática. O objetivo principal dessa abordagem é obter um conhecimento aprofundado sobre um determinado assunto, utilizando estudos anteriores sobre a temática em questão por meio de uma análise crítica, o que permite sintetizar várias pesquisas bibliográficas em um único artigo, tornando os resultados mais acessíveis e práticos (Grant; Booth, 2009).

Foram analisados textos publicados nos últimos dez anos (2013 a 2023), indexados nas bases de dados de acesso aberto da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), LILACS, SciELO e Google Acadêmico, disponíveis gratuitamente, na íntegra, no idioma português. Utilizou-se na busca, os descritores “Atenção Primária à Saúde”, “Saúde Coletiva”, “Sistema Único de Saúde” e “Cuidado em saúde”. As informações extraídas dos estudos foram organizadas, categorizadas e apresentadas na seção de resultados e discussão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O cenário histórico da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB)

A Atenção Básica (AB) ou Atenção Primária à Saúde (APS) tem suas bases estabelecidas na conferência internacional sobre cuidados primários de saúde, realizada de 6 a 12 de setembro de 1978, na cidade de Alma-Ata, onde foi proclamada a Declaração de Alma-Ata. Essa declaração fundamental introduziu uma visão mais abrangente de saúde, estabelecendo a meta de promovê-la para todas as pessoas até o ano 2000, com os cuidados primários de saúde sendo a principal estratégia para alcançar esse objetivo. Além disso, definiu a APS como o primeiro ponto de contato das pessoas, famílias e comunidades com os serviços nacionais de saúde, enfatizando seu caráter preventivo (Declaração de Alma-Ata, 2001).

Seguindo esses princípios, o Brasil implementou na década de 1990 o Programa Saúde da Família (PSF), atualmente conhecido como Estratégia Saúde da Família (ESF), que se tornou a principal iniciativa para expandir e solidificar a AB no país. Essa estratégia alcançou significativa cobertura da população brasileira, em parte devido ao seu papel central na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), um documento crucial que estabeleceu as diretrizes operacionais para os três níveis de governo: municipal, estadual e federal (Morosini et al., 2018).

O Ministério da Saúde (MS) define a AB como um conjunto de intervenções de saúde que engloba ações individuais, familiares e comunitárias. Estas incluem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde. Estas práticas são realizadas por meio de cuidado integrado e gerenciamento qualificado, sendo conduzidas por uma equipe multiprofissional. A AB é direcionada à população em uma área geográfica específica, na qual as equipes assumem a responsabilidade sanitária (Brasil, 2017a).

A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) foi inicialmente estabelecida pela Portaria GM nº 648, em 28 de março de 2006. Posteriormente, foi reformulada pela Portaria GM nº 2.488, em 21 de outubro de 2011, e mais recentemente pela Portaria GM nº 2.436, em 21 de setembro de 2017 (Brasil, 2006; Brasil, 2011; Brasil, 2017a).

A partir de 2011, o Ministério da Saúde empreendeu uma série de iniciativas para aprofundar e aprimorar a PNAB, o que efetivamente reposicionou o papel e a relevância da AB dentro do conjunto das políticas do governo federal. Duas evidências significativas desse reposicionamento incluem o substancial aumento no financiamento federal para a AB repassado aos municípios (mais de 100% entre 2010 e 2014) e o investimento sem precedentes na expansão e qualificação da infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde (UBS), destacado pelo lançamento do programa Requalifica UBS em 2011 (Pinto; Magalhães Junior; Koerner, 2012).

Além disso, a criação do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica (PMAQ) em 2011 e a formulação e regulamentação legal do Programa Mais Médicos em 2013 mobilizaram diversos recursos para superar os obstáculos críticos que limitavam a expansão e o desenvolvimento da AB no país (Pinto; Sousa; Ferla, 2014).

Finalmente, uma série de regulamentações, tanto da Presidência quanto do MS, reforçaram o papel e a posição da AB dentro das redes de saúde e no SUS. O Decreto nº 7.508, emitido em 28 de junho de 2011 (Brasil, 2011b), que regulamentou a Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990, estabeleceu que a AB deve ser um componente essencial e indispensável na configuração da região de saúde. Além disso, definiu a AB como o ponto de entrada no sistema de saúde e como responsável por coordenar o acesso ‘universal e igualitário’ às ações e serviços de saúde na rede. As diversas portarias que estabeleceram as Redes de Atenção à Saúde (RAS), emitidas após o decreto, reafirmaram esse papel da AB como porta de entrada e ponto de primeiro contato preferencial no sistema (Pinto; Sousa; Florêncio, 2012).

Um olhar sobre a nova PNAB 

A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), revisada e publicada em 2011 (Brasil, 2011c), redefine a AB como um conjunto de intervenções de saúde voltadas para proporcionar uma assistência abrangente, melhorar a saúde das pessoas, aumentar a autonomia dos usuários e lidar com os fatores determinantes da saúde das comunidades. Esta abordagem deve integrar práticas de cuidado e gestão, realizadas por meio de trabalho em equipe, direcionadas a populações pelas quais a AB assume a responsabilidade sanitária. Além disso, a AB deve utilizar diversas tecnologias de cuidado complexas, adequadas para lidar com as demandas e necessidades de saúde mais frequentes e relevantes em seu território.

A última revisão da PNAB introduziu várias mudanças nessa política. Estas incluem o reconhecimento das equipes de AB, sem a obrigatoriedade da presença dos profissionais Agentes Comunitários de Saúde (ACS), dentistas e auxiliares ou técnicos de Enfermagem. Além disso, houve a ampliação das atividades dos ACS, a criação do papel do gerente de AB e a possibilidade para os usuários de se vincularem a mais de uma UBS. A revisão também permitiu a formação de equipes de saúde da família e equipes de atenção básica com população adscrita a partir de 2.000 pessoas ou menos dentro do território. Estas mudanças geraram diversas críticas, vindas de organizações como o Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) e a Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde (CONACS), entre outras (Batalha; Lavor, 2017).

Apesar das controvérsias, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) e o MS consideram essas mudanças como avanços significativos na organização da AB nos municípios brasileiros, proporcionando maior autonomia na gestão dos serviços básicos de saúde (Mathias, 2017).

A PNAB prevê que a AB seja implementada com um alto grau de descentralização e capilaridade, próxima à vida das pessoas. Ela reforça os princípios de ser o ‘contato preferencial dos usuários’, a principal ‘porta de entrada’ e o ‘centro de comunicação’ das RAS. Além disso, destaca a importância da ‘gestão do cuidado’, coordenando o cuidado dos usuários dentro de toda a RAS, mesmo quando eles precisam ser atendidos em outros Pontos de Atenção (PPAA) (Magalhães Júnior; Pinto, 2014).

Nesse cenário, para garantir a estabilidade da ESF, é fundamental contar com uma equipe multiprofissional composta por médico generalista ou especialista em saúde da família, enfermeiro generalista ou especialista em saúde da família, técnico de Enfermagem e ACS. A equipe também pode ser complementada, quando necessário, por profissionais de saúde bucal, como cirurgiões dentistas e auxiliares ou técnicos em saúde bucal (Fonseca et al., 2019).

A Estratégia Saúde da Família se fundamenta em UBS que são encarregadas de atender uma população específica em seu território de referência. Cada UBS assume a responsabilidade sanitária por sua área anexa, e os profissionais seguem um método de trabalho orientado para melhorar o acesso, fortalecer relações, assegurar continuidade, coordenar e ampliar o cuidado (Geus et al., 2011).

À medida que houve expansões em âmbito municipal e os resultados atuais se tornaram mais evidentes, a ESF ganhou maior reconhecimento. Assim, ela se consolidou como uma estratégia prioritária nos métodos organizativos da AB, tornando-se o ponto central de investimento do MS para fortalecer o SUS no país (Savassi, 2012).

As propostas apresentadas na nova PNAB suscitaram diversas dúvidas, preocupações e potenciais benefícios entre os profissionais de saúde. Questões sobre integração, a não obrigatoriedade de certos profissionais na equipe, a inclusão de gerentes na AB e a possibilidade de os profissionais se vincularem a mais de uma UBS, entre outras, causaram confusão na adaptação dos profissionais a essas mudanças. De acordo com um estudo recente, a maioria dos profissionais não tinha uma compreensão clara das transformações propostas (ABRASCO et al., 2017).

Apesar dos avanços observados, ainda persistem vários desafios na AB, como destacado em um estudo de Cavalcanti et al. (2015), que identificou os 10 principais desafios enfrentados no Brasil. Estes incluem a necessidade de expandir o acesso da população aos serviços de saúde, reduzir os tempos de espera e oferecer atendimento de qualidade, especialmente para grupos mais vulneráveis, além de melhorar a qualidade dos serviços. Um estudo conduzido por Faria (2013) também revelou as opiniões e considerações de profissionais da saúde que trabalham na ESF. Eles perceberam a expansão dos vínculos com as UBS como uma oportunidade prática para orientar e ampliar os recursos de saúde, sugerindo melhorias nos métodos de registro territorial dos serviços e nos meios de acesso.

O cuidado em saúde sob a ótica da APS

Os sistemas de saúde têm a responsabilidade de garantir acesso universal aos serviços de saúde e atender às necessidades das populações em diversas situações de saúde. Isso requer uma organização de serviços inclusiva e resolutiva, com integração entre os diferentes pontos de atenção do sistema de saúde (Brehmer; Verdi, 2010).

A Atenção Primária à Saúde é vista como o ponto central na RAS e desempenha o papel de coordenar o cuidado. Em sistemas onde existem barreiras de acesso aos serviços, há falta de continuidade na assistência e falta de alinhamento entre os serviços oferecidos e as necessidades de saúde. Portanto, a eficácia na organização dos sistemas de saúde só é possível quando eles são centrados na pessoa (Cecílio et al., 2012).

Assim, a APS é reconhecida como a responsável por coordenar o cuidado, organizando e otimizando o uso de todos os recursos básicos e especializados destinados à promoção, manutenção e melhoria da saúde (Bousquat et al., 2019).

No contexto brasileiro, a APS se destaca como uma proposta abrangente para reorganizar o modelo de assistência à saúde, com o marco principal sendo a implementação do Programa Saúde da Família, posteriormente reconhecido como ESF após avaliações positivas do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) (Freire et al., 2021).

No entanto, surgem desafios quando a APS prioriza atendimentos programáticos em detrimento do acolhimento e assistência às pessoas com condições agudas de baixa complexidade, levando a encaminhamentos para unidades de pronto-atendimento (UPA) que realizam tratamentos sintomáticos, prejudicando assim a integralidade da assistência (Bousquat et al., 2019).

Atualmente, os serviços de urgência e emergência no Brasil enfrentam uma sobrecarga, com uma mistura de pacientes em situações reais de urgência e emergência, juntamente com aqueles de baixa complexidade, todos no mesmo ambiente. Essa situação tem impactado negativamente no trabalho das equipes e na qualidade do cuidado oferecido (Ribeiro et al., 2022).

Devido à fragmentação do cuidado, às dificuldades em estabelecer a Atenção Primária à Saúde (APS) como a porta de entrada preferencial e à falta de integração dos serviços, torna-se essencial adotar estratégias que ajudem a reorganizar os serviços, expandir o acesso e garantir a integralidade do cuidado. Essa abordagem também é proposta por um estudo conduzido no Canadá, que envolve a integração de unidades especializadas com hospitais universitários. Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi analisar a integração entre a unidade de saúde (US) e a UPA, com a APS desempenhando um papel central na coordenação da Rede de Urgência e Emergência (RUE) (Almeida; Fausto; Giovanella, 2011).

Portanto, Duncan, Goldraich e Chueiri (2013) enfatizam que a coordenação do cuidado a partir da AB implica no planejamento dos recursos financeiros, na necessidade de formação profissional e na organização das ações e serviços que compõem as RAS. Isso deve ser feito considerando as necessidades de saúde da população, que são identificadas principalmente na AB. Além de conhecer o perfil demográfico, epidemiológico e socioambiental da população, a AB identifica as necessidades por meio da análise da demanda, do conhecimento do território, da comunidade, do estabelecimento de vínculos e da relação contínua com a população.

A coordenação do cuidado, conforme definido por Starfield, Shi (2002), McDonald (2010) e pela PNAB (Brasil, 2011), refere-se a uma organização deliberada do cuidado individual, centrada na pessoa, com o objetivo de integrar e dar continuidade às diversas ações de saúde oferecidas por diferentes profissionais ou em diferentes serviços da rede. Essa coordenação visa garantir que o usuário receba o cuidado de que necessita e engloba parte dos conceitos de acesso e integralidade (Magalhães Júnior; Pinto, 2014).

CONCLUSÃO

Neste estudo, foi possível discutir as mudanças e desafios introduzidos pela nova PNAB em 2017 para as Estratégias de Saúde da Família no Brasil. Em resumo, as alterações na nova PNAB apontam para várias questões, incluindo a falta de conhecimento por parte da população sobre seus direitos à saúde como cidadãos e a falta de compreensão de muitos profissionais de saúde em relação às mudanças constitucionais.

Além disso, em muitas localidades, falta uma rede de atenção à saúde clara e bem definida para os profissionais, evidenciada pela má qualidade da gestão em nível macrorregional. São necessários estudos mais aprofundados sobre o tema, com o objetivo de explorar as diversas realidades e organizações da Atenção Básica, juntamente com as opiniões dos profissionais nos municípios do país. Essas pesquisas mais detalhadas podem levar a resultados significativos e trazer benefícios para a promoção da saúde.

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1Enfermeira. Pós-graduada em enfermagem obstétrica e ginecologia. Coordenadora da CME do hospital de retaguarda Dom Vicente Zico.

2Enfermeiro pela /Faculdade Pan Amazônica (FAPAN). Pós-Graduado em Ginecologia e Obstetrícia (ESAMAZ). Graduação em Educação do Campo – Ciências Naturais (UFPA).