A IDENTIFICAÇÃO CORRETA DO USUÁRIO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE VISANDO A META DA SEGURANÇA DO PACIENTE

CORRECT USER INDENTIFICATION IN PRIMARY HEALTH CARE WITH THE GOAL OF PATIENT SAFETY

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202412231009


Adriana Ribas Barcelos1
Co-orientadora: Profa. Miria Elisabete Bairros de Camargo2
Orientadora: Profa. Maria Renita Burg3


Resumo 

O objetivo desta pesquisa foi de averiguar se a meta de identificação correta do paciente é realizada pelos enfermeiros da APS no município de Canoas/RS. Como metodologia utilizou-se pesquisa descritiva com abordagem quantitativa. Participaram 102 enfermeiros que trabalham na atenção primária em saúde do município de Canoas/RS. A coleta de dados deu-se pelo questionário eletrônico no Google Forms, e posterior tabulação e análise. Os resultados mostraram que 57,8% dos participantes solicitam documentos oficiais para realizar o atendimento do usuário; 69,6% dos usuários possuíam documentos oficiais com fotos ao serem solicitados; 81,4% dos enfermeiros já haviam atendido algum usuário com mesmo nome; a data de nascimento do usuário foi conferida por 62,7%; e o nome da mãe por 54,9%. Os resultados deste estudo indicam uma necessidade de padronizar os procedimentos de identificação do usuário, melhorar a integridade dos dados nos prontuários eletrônicos, fortalecer o treinamento da equipe de saúde e para gerir informações de saúde de forma eficaz. A adoção dessas medidas é essencial para garantir a segurança do paciente e a qualidade do atendimento na atenção primária. Recomenda-se a qualificação profissional, seja por meio da educação permanente ou continuada em enfermagem visando à atualização profissional, sobre segurança do paciente, iniciando pela meta um.

Palavras-chave: Segurança do paciente; APS, identificação, enfermeiro.

Abstract

The objective of this research was to determine whether the goal of correct patient identification is achieved by PHC nurses in the city of Canoas/RS. As a methodology, descriptive research with a quantitative approach was used. 102 nurses who work in primary health care in the city of Canoas/RS participated. Data collection took place using an electronic questionnaire on Google Forms, and subsequent tabulation and analysis. The results showed that 57.8% of participants request official documents to provide user assistance; 69.6% of users had official documents with photos when requested; 81.4% of nurses had already treated a user with the same name; the user’s date of birth was checked by 62.7%; and the mother’s name for 54.9%. The results of this study indicate an immediate need to standardize user identification procedures, improve data integrity in electronic medical records, and strengthen healthcare staff training and management to manage health information effectively. The adoption of these measures is essential to ensure patient safety and the quality of care in primary care. Professional qualification is recommended, whether through permanent or continuing education in nursing aimed at professional updating, on patient safety, starting with goal one.

Keywords: Patient safety; APS, identification, nurse.

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente em 2004. Iniciou entre os países membros que se comprometeram em desenvolver políticas públicas e condutas focadas para a segurança do paciente, incluindo o Brasil (CAPUCHO; CASSIANI, 2013). Já a Assembleia Mundial da Saúde em 2021, decidiu adotar o Plano de Ação Global para a Segurança do Paciente 2021-2030 (ONU, 2021).

O Ministério da Saúde instituiu pela Portaria nº 529 de 1º de abril de 2013 o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) conduzindo para metas específicas com a necessidade de construir, estruturar e transmitir conhecimentos sobre segurança do paciente e ampliar o acesso da sociedade aos dados referente a esse tema. As metas definidas foram as seguintes: Identificação correta do paciente; melhorar a comunicação, melhorar a segurança na prescrição no uso e administração de medicamentos; assegurar procedimento em local de intervenção e pacientes corretos; higienizar as mãos para evitar infecções; reduzir o risco de queda (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013).

A identificação correta do paciente é o processo pelo qual se garante ao usuário que ele é destinado ao tipo de assistência para atendimento, procedimento ou tratamento, evitando a ocorrência de erros e falhas que possam lesar (CONSÓRCIO BRASILEIRO DE ACREDITAÇÃO, 2011).  Erros de identificação do paciente podem ocorrer, desde a admissão até a alta do serviço, em todas as fases do diagnóstico e do tratamento (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2022).

Mesmo à frente da implantação do PNSP, o estímulo à segurança do paciente e consumação da cultura de segurança na Atenção Primária de Saúde (APS) só foram manifestados na atualização da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) do país, pela Portaria 2.436 de 2017. A referida Portaria destaca a carência neste tema e a necessidade da implantação de ações de segurança do paciente no âmbito da APS, para a promoção de cuidados seguros e ao estímulo da cultura de segurança do paciente entre profissionais atuantes na atenção básica (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). Sabe-se que a assistência à saúde do paciente nesses estabelecimentos é prestada por uma equipe multiprofissional, mas que a equipe de enfermagem é responsável pelo maior número de procedimentos realizados, sendo o enfermeiro o responsável pela supervisão dos mesmos, execução dos de maior complexidade, capacitação da equipe, planejamento e execução das atividades ali realizadas (SILVA et. al, 2022) (BRASIL, 2017).

O Conselho Nacional de Secretários de Saúde salienta o apoio a todos os estados brasileiros na adoção da Segurança do Paciente (SP) em todos os serviços de saúde, inclusive na APS e faz uma alerta de pontos primordiais para a garantia da SP: capacitação permanente de todos os profissionais; envolvimento da gestão; diretrizes orientadoras das condutas profissionais e assistenciais por meio da implantação e implementação dos protocolos; corresponsabilidade do paciente; além do trabalho em equipe, de modo a promover inovações e compromissos (ROCHA; VIANA; VIEIRA, 2021).  

A cultura de segurança é estabelecida por um conjunto de ações, que envolvem eficiência no atendimento e condutas que definem o comprometimento com a gestão da segurança, substituindo o processo de punição pela oportunidade de o profissional e a equipe capacitarem-se com as falhas e aperfeiçoar a assistência à saúde exercida. Significa trabalhar com humanização, aptidão, compromisso e engajamento com a segurança do paciente, desejando oferecer atendimento criterioso com segurança, com integralidade, resolutividade e limitação de riscos/danos aos pacientes (CONSELHO REGIONAL ENFERMAGEM de SÃO PAULO, 2022).

Na vivência como Residente e durante a disciplina de Segurança do paciente, o tema foi despertando a consciência da pesquisadora da importância da meta 1 da segurança do paciente na APS.  Essas vivências práticas motivaram a pesquisar essa temática como uma necessidade de construir, estruturar e transmitir informações sobre segurança do paciente e assim poder contribuir para evitar erros na identificação do paciente. 

Nesse contexto, o estudo tem como objetivo geral averiguar se a meta de identificação correta do paciente é realizada pelos enfermeiros da APS no município de Canoas/RS.

 METODOLOGIA

O desenho metodológico proposto se constituiu de uma pesquisa descritiva quantitativa, realizada no município de Canoas/RS, localizado na região metropolitana de Porto Alegre e possui 347.657 habitantes (IBGE, 2002). 

 A rede de atenção primária é composta por unidades básicas de saúde, distribuída nos quatro quadrantes. Nestas referidas UBS atuam 116 enfermeiros concursados pela Fundação Municipal de Saúde de Canoas. Participaram desta pesquisa 102 enfermeiros lotados nas UBS do município.

Foram definidos como critérios de inclusão: enfermeiros que atuam na atenção primária à saúde pertencente ao quadro da Fundação Municipal da Saúde. E como critérios exclusão: em licença médica; licença maternidade e ou em período de férias durante a coleta de dados.

Para avaliar as associações entre o escore de conhecimento sobre a correta identificação do usuário na atenção primária e as características da amostra, foi utilizado o teste One-way ANOVA para amostras independentes. Este teste permitiu a comparação entre os grupos, determinando se as médias observadas diferiam significativamente em termos estatísticos.

A verificação da normalidade dos dados, um pressuposto fundamental para a aplicação do teste ANOVA, foi realizada através do teste de Shapiro-Wilk. Este teste específico é sensível à detecção de desvios da normalidade, mesmo em amostras de tamanho moderado, garantindo a validade das inferências estatísticas realizadas. A coleta de dados foi efetuada através do preenchimento de um questionário através do Google Forms , com  15 perguntas fechadas. 

A coleta de dados ocorreu no período de agosto a outubro de 2023. Os dados para este estudo foram coletados com eficiência por meio de uma planilha do Google Forms, uma ferramenta que facilita a entrada de dados pelos participantes e a coleta em tempo real. Posteriormente, os dados foram exportados e analisados no software SPSS versão 23.0, um programa amplamente reconhecido por sua capacidade de executar uma gama extensa de procedimentos estatísticos, permitindo uma análise rigorosa e detalhada dos resultados.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em seres Humanos, CAAE: 68136322.9.0000.5349 e Parecer n. 6.181.684, após o aceite do Núcleo Municipal de Estudos em Saúde Coletiva (NUMESC) da Secretaria Municipal de Saúde do Município de Canoas/RS, e conduzida dentro dos padrões exigidos pela Resolução nº 466/12, que trata das exigências éticas e científicas fundamentais com os seres humanos, da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, visando assegurar os direitos e deveres que dizem respeito aos participantes da pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram analisados 102 participantes no estudo intitulado “A Identificação Correta do Usuário na Atenção Primária Visando a Segurança”, coordenado pelo Programa de Residência Multiprofissional em Saúde – Saúde Comunitária, na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). O principal objetivo desta pesquisa foi de averiguar se a meta de identificação correta do paciente é realizada pelos enfermeiros da APS no município de Canoas/RS.  

Este estudo se destaca pela sua relevância no contexto da segurança do paciente, um tema de crescente importância no cenário da saúde pública. Ao focar na identificação adequada dos usuários dos serviços de saúde, busca-se minimizar erros, otimizar o atendimento e melhorar a qualidade geral dos serviços prestados.

A Tabela 1 proporciona uma visão detalhada sobre os participantes da pesquisa. Ela engloba informações cruciais que vão desde aspectos demográficos até variáveis específicas relacionadas ao atendimento em saúde. Esses dados são vitais para uma compreensão aprofundada dos desafios enfrentados na atenção primária e servem como base para futuras iniciativas de melhoria e inovação na área.

Tabela 1 – Perfil da Caracterização dos Enfermeiros Atuantes na Atenção Primária de Canoas:

Fonte: Dados da pesquisa (2023). Resultados expressos através de análises de frequência.

Ao considerar o conjunto de dados apresentados na Tabela 1 percebe-se um total de 102 participantes, a maioria é do sexo feminino (87,3%), refletindo a distribuição de gênero tradicionalmente vista na enfermagem. A distribuição etária é ampla, com maior concentração nas faixas de 31 a 45 anos, o que indica um corpo de enfermagem relativamente experiente.

Em relação à formação, a maioria dos enfermeiros possui de 10 a 15 anos de formação (44,1%), seguido por aqueles com 5 a 9 anos (20,6%). Isso sugere que a maioria dos enfermeiros tem um nível considerável de experiência profissional. Apenas 1% dos participantes tem mais de 25 anos de formação, indicando um perfil de renovação profissional contínua na instituição.

Quanto ao tempo de atuação na Fundação Municipal de Saúde de Canoas, há uma divisão quase igual entre aqueles com 1 a 3 anos (47,1%) e 7 a 9 anos (42,2%) de serviço. Isso pode indicar um ciclo de renovação da força de trabalho, bem como um núcleo de profissionais altamente experientes que fornecem estabilidade e conhecimento institucional.

Conforme Machado (2016), o setor saúde é, estrutural e historicamente, feminino, já de muitas décadas.  A enfermagem, por tradição e cultura, sempre contribuiu para essa feminilização da saúde. Estudos realizados pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) apontam para um contingente hegemonicamente feminino, porém, já se visualiza um discreto aumento da mão de obra masculina na profissão (MACHADO et al., 2016).

A faixa etária predominante é correspondente à faixa etária de 31 a 45 anos totalizando 65,7% dos participantes, os quais variaram de 22 a 60 anos. Os estudos mostram que o grupo da faixa etária citada como prevalecente quando comparado com os estudos encontrados nos artigos de Maristela Marinho (2022) e Maria H. Machado (2016) onde foi apresentado que a enfermagem é 40,6% do seu contingente com idade entre 36-50 anos (MARINHO et al. 2022;  MACHADO et al.2016). 

No que diz a respeito ao tempo de atuação profissional, observou-se que a maioria dos profissionais já é formado há algum tempo, entre 11 e 15 anos, com 33,3%; seguidos de 6 a 10 anos com 25,4% e de 1 a 5 anos representados por 21,5%. Evidências semelhantes foram os resultados de Garbin (2019), no qual 40,2% dos entrevistados atuam na profissão entre 8 e 14 anos. 

Em relação à instituição de vínculo dos participantes, a Fundação Municipal de Saúde de Canoas (FMSC), foi criada conforme a Lei nº 5565, de 30 de dezembro de 2010 (CANOAS, 2010). O primeiro chamamento do concurso ocorreu no ano de 2014. Nesta pesquisa 31,4% são oriundos desta primeira seleção. Já, 42,1% tem entre 1 e 2 anos de atuação no município. O enfermeiro tem destaque na criação e manutenção de vínculo com o usuário, à adesão ao plano de continuidade dos cuidados, à satisfação dos mesmos (FERREIRA, 2018).

A Tabela 2 apresenta os resultados referente a identificação correta do usuário na atenção primária visando a segurança. 

Tabela 2 – Resultados referentes à identificação correta do usuário na atenção primária visando a segurança.

Fonte: Dados da pesquisa (2023). Resultados expressos através de análises de frequência.

Observa-se que 59 (57,8%) solicitam um documento oficial ao atender um usuário, enquanto 43 (42,2%) não adotam essa prática, o que levanta questões sobre a padronização dos procedimentos de identificação. A garantia da identificação correta do paciente é um desafio em todos os serviços de saúde em âmbito internacional. A identificação correta possui como objetivo identificar com segurança a pessoa a quem o tratamento se destina. (COREN SP, 2022) A identificação incorreta pode resultar em eventos adversos tais como erro de medicação, realização de procedimentos como testes rápidos, coleta de citopatológico, solicitação de exames (COREN SP, 2022).

O número de enfermeiros que atenderam usuários com nomes idênticos a outros é significativo, com 83 (81,4%) relatando tal experiência. Isso demonstra a importância de mecanismos de verificação de identidade, pois apenas 64 (62,7%) sempre conferem a data de nascimento e 46 (45,1%) verificam o nome da mãe do usuário.

Conforme Costa (2019) se ao atender um usuário com o mesmo nome de outro, a conferência de data de nascimento e o nome da mãe ocorressem de forma correta, evitaria o erro, pois, a barreira de proteção seria respeitada, conhecida como a Teoria do Queijo Suíço. Na década de 90, James Reason teve a brilhante ideia de criar uma das teorias mais utilizadas na análise de erros e incidentes, relacionados à segurança do paciente. Ele retrata as não conformidades como “buracos no queijo”, as fatias do queijo representam as barreiras (processos) e suas fraquezas. O tratamento das barreiras pode reduzir significantemente os riscos de danos nos pacientes (COSTA, 2019).

Como afirma Neto, (2021) em 2000 foi implantado o Cadastro Nacional de Usuário do SUS (Cadsus), e nesse período inicial ocorreu a duplicidade de números do Cartão Nacional de Saúde (CNS) para o mesmo usuário, gerando cadastros duplicados. Essa situação da duplicidade à nível federal implicou em erros nas esferas municipais.

Os desafios na gestão de prontuários são evidenciados pelo fato de que 81 (79,4%) dos enfermeiros já receberam uma agenda com nomes incorretos ou semelhantes, e 41 (40,2%) admitiram ter evoluído um prontuário errado. Essas falhas apontam para a necessidade de um sistema mais robusto e à prova de erros. Segundo o Plano de Ação Global Para a Segurança do Paciente 2021-2030, até hoje, os sistemas e instalações de saúde oferecem níveis muito variáveis de desempenho na segurança do paciente. Isso pode ser visto em todo o mundo, dentro dos países, entre regiões e localidades, em todos os campos de atenção. Erros provocados por sistemas falhos são comuns e continuam a causar danos às pessoas (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2021). 

Em relação à correção de equívocos, 48 (47,1%) dos enfermeiros sabem como retificar uma evolução equivocada no prontuário, mas 54 (52,9%) não estão seguros sobre o procedimento. Isso destaca a necessidade de educação contínua e treinamento em práticas de gestão de saúde.

Morais (2021) nos traz a importância da evolução correta dos prontuários médicos, os quais, ao ocorrer qualquer erro, devem se retificada a evolução equivocada no prontuário de um usuário ou erro evoluído sobre esse usuário. O autor ainda enfatiza que por ser uma documentação do histórico clínico/médico do paciente, os dados precisam ser anotados com cuidado e precisão, pois somente com as informações passadas de forma correta aos outros profissionais será possível garantir a continuidade do tratamento do paciente. A interpretação correta do prontuário é importante, pois evita a repetição desnecessária de exames, além de conclusões e diagnósticos imprecisos, provenientes de uma leitura equivocada por parte dos profissionais de saúde devido à falta de precisão do documento.

Um erro na evolução do paciente pode, por exemplo, colocar uma medicação ou dosagem errada para administração ao usuário, que pode ser alérgico e ter complicações graves e até ir a óbito. Evoluções erradas também podem resultar em diagnósticos errados ou imprecisos, pela falta de informações corretas sobre seu caso. O avanço da área da segurança do paciente nas condições de saúde da população potencializa as implicações sérias no seguimento do cuidado necessitando de uma reorganização dos processos de trabalho (DALCIN; et.al, 2020).

É importante que, na rotina de trabalho da APS, os trabalhadores sejam corresponsáveis pelo diagnóstico de erros no processo de trabalho e contribuam no planejamento de estratégias e organização de protocolos para que se sintam parte do processo como um todo e não somente da implementação e prática de ações mais seguras. Com o estímulo dos trabalhadores à prática da segurança do paciente na atenção primária e seu consequente aperfeiçoamento, espera-se, além de produzir uma assistência segura à saúde, aumentar a confiabilidade e efetividade dos serviços e, ainda, que se intensifique o vínculo do usuário com os profissionais (MACEDO, et al.2020).

A fotografia do usuário no cadastro do prontuário eletrônico é vista como um elemento chave por 94 (92,2%) dos enfermeiros, sugerindo um consenso sobre a sua utilidade na melhoria da identificação do usuário. No entanto, o atendimento a usuários com prontuários duplicados ainda é uma realidade para 88 (86,3%) dos enfermeiros. Os resultados vêm ao encontro do Procedimento Operacional Padrão do município de Ribeirão Preto (2023) para a atenção primária. O documento orienta que a identificação deve ser realizada comparando os dados dos 2 identificadores (nome completo e data de nascimento), além dos dados do cadastro e documento de identificação com foto (BRITO, 2023).

A questão da frequente falta de documento oficial dos usuários é outro ponto crítico, com 71 (69,6%) dos enfermeiros encontrando-se nessa situação, o que pode complicar o processo de identificação e aumentar o risco de erros. Segundo a Secretaria da Saúde do Distrito Federal (2023), é obrigatório para ser atendido nas Unidades Básicas de Saúde, o documento oficial com foto bem como o cartão nacional do SUS. Já os moradores em situação de rua, caso não tenham nenhum documento, podem ser atendidos sem os mesmos, apenas coletando o máximo de informações possíveis no primeiro atendimento. 

Ainda, para Semus (2019), ao realizar o atendimento nas Unidades de Pronto Atendimento ou ainda nos Centros de Saúde da Comunidade, os usuários do SUS devem apresentar documento oficial com foto e CPF. Outro documento exigido é o cartão do SUS, obrigatório para qualquer tipo de atendimento na rede pública de saúde em todo País.

Toda a equipe de saúde, principalmente o Agente Comunitário de Saúde precisam ajudar a esclarecer a população do seu território da importância de comparecerem nas UBS munidos de documento oficial para a sua identificação correta. 

Segundo Marchon, (2015) os erros de identificação do usuário podem ocorrer desde a chegada à recepção de uma UBS até sua conclusão do atendimento neste local, em todas as fases do atendimento como triagens, consultas, curativos, administração de medicações e imunobiológicos entre tantos outros procedimentos realizados na atenção primária. Observa-se que alguns fatores podem potencializar os riscos na identificação do cliente como: estado de consciência do cliente, mudanças de setor ou profissional dentro dos serviços instituição e outras circunstâncias como deslocar as equipes por motivo de reforma da unidade saúde, um profissional atender em outra UBS por solicitação da gestão para cobrir algum enfermeiro em atestado médico. Tal conjuntura de processo de trabalho coopera para a fragilidade a essa população, podendo ocasionar risco a sua integridade (SILVA; et.al, 2023).

A Tabela 3 consolida as pontuações acumuladas para as interrogações que abordam a temática da identificação de usuários com o perfil dos participantes, uma continuidade do delineamento exposto na Tabela 2. Para a atribuição de pontos, utilizou-se um sistema binário onde respostas corretas foram pontuadas com 1 e incorretas com 0, resultando em uma escala de pontuação que varia de 1 a 10. Uma pontuação mais elevada, aproximando-se de 8, indica um maior número de identificações corretas efetuadas pelos respondentes em relação ao tema em questão. Este compêndio de dados, em formato agregado, proporciona uma perspectiva quantitativa sobre as respostas coletadas, possibilitando uma inspeção detalhada e criteriosa das tendências e padrões que emergem das práticas de identificação implementadas pelos profissionais de saúde participantes do estudo. 

Tabela 3- Associação entre o escore de conhecimento sobre o tema com as variáveis de caracterização dos enfermeiros. 

Resultados expressos através de média ± desvio padrão. Teste One way para amostras independentes 

A análise estatística das variáveis relacionadas ao escore de conhecimento dos profissionais de saúde revela uma distribuição que merece atenção detalhada. Ao examinar o sexo atribuído ao nascimento em relação ao conhecimento, observa-se que há uma ligeira diferença entre os gêneros, com um valor-p de 0,56, sugerindo que essa diferença não é estatisticamente significativa. Os indivíduos masculinos apresentaram uma média de escore de 4,23 (± 2,02), enquanto os femininos mostraram uma média ligeiramente superior de 4,52 (± 1,62).

No que tange à faixa etária, é notável a variação nos escores de conhecimento. Participantes entre 41 e 45 anos alcançaram a média mais alta de 5,54 (± 1,61), enquanto aqueles entre 26 e 30 anos tiveram a média mais baixa de 3,94 (± 1,53). Interessantemente, a consistência aumenta com a idade, como evidenciado pelos participantes de 51 a 60 anos, que tiveram uma média de 5,2 (± 0,84), indicando uma variação menos dispersa nos escores de conhecimento.

A variável temporal desde a formatura em enfermagem, com um valor-p de 0,33, não demonstrou diferenças estatisticamente significativas. No entanto, há uma tendência de crescimento no escore de conhecimento conforme o aumento da experiência, com profissionais formados há 21-25 anos ou mais atingindo uma média de escore de 5,4 (± 1,79), sugerindo que a experiência acumulada pode estar correlacionada com o aumento do conhecimento.

Quando se considera o tempo de atuação na Fundação Municipal de Saúde de Canoas, o valor-p de 0,16 aponta para uma ausência de significância estatística na variação dos escores de conhecimento. No entanto, destaca-se que enfermeiros com 7 a 9 anos de experiência apresentaram uma média de escore de 4,58 (± 1,72), enquanto aqueles com 4 a 6 anos registraram uma média inferior de 3,91 (± 1,51). Isso pode refletir um acúmulo de competência e familiaridade com os protocolos institucionais ao longo do tempo.

Os resultados deste estudo indicam uma necessidade de padronizar os procedimentos de identificação do usuário, melhorar a integridade dos dados nos prontuários eletrônicos e fortalecer o treinamento dos enfermeiros para gerir informações de saúde de forma eficaz. A adoção dessas medidas é essencial para garantir a segurança do paciente e a qualidade do atendimento na atenção primária. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo avaliou o fluxo de identificação do usuário nos serviços de atenção primária à saúde no município de Canoas/RS. Identificou-se ser necessária uma padronização nos fluxos de atendimento nos serviços de APS no município, via educação permanente, relacionados aos atendimentos, identificação correta dos usuários não solicitando documento oficial com foto; falta de conferência na data de nascimento e nome da mãe. 

Como limitação deste estudo, podemos elencar a participação de somente uma categoria profissional, mas permitiu o município identificar algumas das suas fragilidades bem como as potencialidades na segurança do paciente.   

No Brasil, ainda há poucas publicações abordando este tema na APS. Entretanto, observa-se vasta produção científica com abordagem na área hospitalar. A identificação do paciente é a primeira meta da segurança do paciente que deve ser seguida como um dispositivo de proteção aos usuários. Observa-se que essa meta ainda é pouco debatida na APS.

Acredita-se que a identificação inicial correta, através de documento oficial com foto, conferência na data de nascimento e nome da mãe bem como foto atualizada do usuário em seu prontuário eletrônico colaboram de forma significativa a chance de novas falhas e erros nos atendimentos desses usuários. Desta forma, se estabelece a segurança do paciente, a partir de um ambiente favorável a uma cultura de segurança, na qual os valores, as atitudes e comportamentos seguros são compartilhados no processo de trabalho de todos os profissionais da APS.

Como a segurança é um desafio permanente na saúde, recomenda-se ao município a padronização dos serviços prestados na identificação correta dos usuários com a criação de um protocolo de identificação de pacientes na APS, com monitoramento de eventos adversos devido às possíveis falhas na identificação do paciente a partir da implantação de uma comissão de segurança do paciente na APS.

Sugere-se ainda a realização de mais estudos referentes à identificação dos usuários na APS, com os profissionais de toda a equipe para poder comparar os achados da presente investigação, e acompanhar as melhorias advindas da educação permanente ao instituir a cultura de segurança do paciente na meta um, nesse nível de atenção. 

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1Enfermeira, R2 da Residência Multiprofissional na Saúde Comunitária da Ulbra. Email: adriana.barcelos@rede.ulbra.br
2Enfermeira, professora Curso Enfermagem e Medicina da Ulbra, Ms em Educação. miria.camargo@ulbra.br.
3Enfermeira, professora Curso Enfermagem e Medicina da Ulbra, Tutora do Núcleo da Enfermagem, Ms em Saúde Coletiva. maria.burg@ulbra.br