A GINÁSTICA NO ENCANTAR DA INFÂNCIA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202503311806


Camile Baldoni de Oliveira1


Resumo

Este artigo teve como objetivo descrever as características e história da Ginástica Para Todos associada aos desafios do contexto escolar. A Ginástica Para Todos é uma modalidade ginástica demonstrativa que valoriza a inclusão, trabalho coletivo e resgate das práticas culturais, sendo a ginástica presente no Banco Nacional Curricular Comum a ser desenvolvida no contexto escolar dos anos iniciais. Assim, entre os desafios foram apontados a falta de equipamentos, instalações inadequadas, insegurança com o conteúdo, formação inicial insatisfatória.

Palavra-chave: Ginástica Escolar. Ginástica Para Todos. Ginástica.

Introdução

Os festivais ginásticos com diversas possibilidades de manifestações corporais eram recorrentes em países europeus para a divulgação, socialização, experimentação e demonstração das ginásticas (Nunomura,2024). Estas manifestações corporais podem ser entendidas como expressão de um posicionamento por meio do uso do corpo como jogos, danças, brincadeiras e cantigas de roda que constituem um fator de identidade cultural (Neira, 2007). Santos (2005) compreende a Ginástica Para Todos como a base histórica e cultural de todas as atividades da Federação Internacional de Ginástica que aborda aspectos folclóricos e propostas criativas com expressão multicultural sem qualquer tipo de limitação.

Entre as atividades da Federação Internacional de Ginástica estão as ginásticas competitivas como a Ginástica Rítmica, Ginástica Artística, Ginástica de Trampolim, Ginástica Acrobática e Ginástica Aeróbica. A Ginástica Para Todos não possui caráter de competição, sendo uma modalidade demonstrativa que engloba a ludicidade, a inclusão, a cooperação e o encantar. Esta que se faz presente no âmbito das escolas constando na unidade temática “Ginásticas” da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) nos anos iniciais do ensino fundamental (1° ao 5° ano).

Ginástica Para Todos

As identidades são múltiplas e fragmentadas, cada ser carrega experiências pessoais e visões de mundo diversas, que são construídos pela interação formadora de subjetividade entre sistemas simbólicos e diferentes práticas culturais (Neira, 2007). De acordo com Nunomura (2024), a Ginástica Para Todos é uma prática cultural símbolo de cooperação que possibilita uma identidade coletiva caracterizada pelo seu destaque no trabalho em equipe e nas construções sociais e culturais do ambiente que estão inseridos. Os objetivos desta modalidade é uma prática acessível a qualquer indivíduo, incentivo ao prazer pela atividade física e resgate das práticas culturais e festivais (Nunomura; Tsukamoto, 2009).

Patrício e Borboleto (2015) entendem que os festivais têm como essência o intercâmbio de experiências no trabalho coletivo do fomento à prática das ginásticas bem como a valorização da criação livre, diversidade e inclusão. Os festivais são uma maneira de “prestar contas” à sociedade, apresentando o que cada ginasta, grupo ou país há de melhor.  Aproxima a ginástica da sociedade, desperta interesse e traz mais visibilidade à modalidade em um contexto que outras práticas estão sobrepondo-se a ela.

Nunomura e Tsukamoto (2009), refletem que a Ginástica Para Todos não é competitiva, este fator a diferencia das outras modalidades gímnicas e favorece a inclusão com o incentivo a participação de todos. A composição coreográfica pode ser entendida como um produto final da ginástica, considerando o processo de desenvolvimento um fator motivacional para os praticantes com a relação direta da exposição das suas realizações para o público (Nunomura, 2024). Na Ginástica Para Todos o processo é tão importante e valorizado quanto o momento de apresentação, em que o contexto de convivência focado na socialização proporciona uma formação humana democrática, cidadã e com espírito de coletividade em um desenvolvimento da prática gímnica inclusiva e criativa (Nunomura; Tsukamoto, 2009).

“A riqueza da GPT também está nos seus praticantes, fazendo com que ela seja sempre mutante, adaptável. Podemos dizer que isso é um dos seus trunfos, pois sua plasticidade permite a inclusão de diferentes faixas etárias, tipos de corpos, gêneros em espaços sociais diversos e apresenta soluções    para    a    prática    corporal vencendo desafios, seja o de realizar uma parada de mãos com o auxílio de um colega de grupo até o   de   expressar-se   em   público, dentre   tantas outras situações que assistimos, seja em suas aulas ou em suas apresentações. Isso também demonstra o poder do trabalho coletivo e, antes, sem isso, a GPT não teria a força que tem” (Toledo; Silva 2020).

História da Ginástica Para Todos

No ano de 1939, em Estocolmo, aconteceu a primeira “Lingíada” festival de ginástica em homenagem ao criador do método ginástico sueco Per Henrik Ling (Patrício e Borboleto, 2015) Johannes Heinrich François Sommer a partir da ideia das “Lingíadas” propôs para a Federação Internacional de Ginástica a organização do 1° “Ginastrada” Mundial (World Gymnaestrada) em 1953 que ocorreu na Holanda e até hoje acontece a cada quatro anos, sendo o único evento sem caráter competitivo oficializado no calendário da FIG (Nunomura, 2024).

O Grupo Unido de Ginastas liderado por Ilona Peuker fez a primeira participação de grupo brasileiro na II “Ginastrada” Mundial em 1957 e os primeiros festivais nacionais de Ginástica Para Todos foram organizados pelo professor Carlos Roberto Alcântara de Rezende chamados de FEGIN, Festival Nacional de Ginástica, com a primeira edição em 1982 (Nunomura, 2024) De acordo com Santos (2005) durante as sete edições do FEGIN foi o evento que centralizou o desenvolvimento da Ginástica Para Todos e foi um referencial da modalidade no país. Em 1992, a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) incluiu no seu calendário o “Torneio Gymbrasil” de realização anual que substituiu o FEGIN, que em 2012 foi alterado o nome para “Festival Gymbrasil” ainda o único festival reconhecido oficialmente pela CBG. (Patrício; Borboleto, 2015)

O Fórum Internacional de Ginástica Para Todos (FIGPT) ocorre no Brasil, um evento de grande importância acadêmica com conferências, mesas temáticas, apresentações de trabalhos científicos, relatos de experiência, lançamento de livros e festivais. Que aborda os três eixos fundamentais da área: científico, artístico e pedagógico. Sendo o maior evento americano de Ginástica Para Todos, organizado desde 2001 pela Universidade Estadual de Campinas. O Congresso Brasileiro de Ginástica Para Todos (CONGPT) teve oito edições e foi ampliado de festival para congresso com características locais (Toledo; Silva, 2020)

Em 2006, o Comitê de Ginástica Geral da FIG realizou uma assembleia com participação de 90 países membros que decidiu mudar o nome desta modalidade para Ginástica Para Todos. A alteração do nome marca o papel fundamental da Ginástica Para Todos como base de todas as atividades da FIG e representa a compreensão que a ginástica é para todas as idades, todos os gêneros, todas as culturas, todas as pessoas interessadas na prática. O movimento Esporte Para Todos na Europa, teve grande influência nesta decisão (Nunomura; Tsukamoto, 2009).

Ginástica na escola

Na unidade temática “Ginásticas” da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é proposto as práticas de Ginástica Geral, ginásticas de condicionamento físico e ginásticas de conscientização corporal. A Ginástica Para Todos é uma ferramenta de democratização da ginástica no contexto escolar, a Base Nacional Curricular Comum recomenda o desenvolvimento desta modalidade nos anos iniciais do ensino fundamental (1° ao 5° ano). Já nos anos finais a recomendação é iniciar com a ginástica de condicionamento físico (6º e 7º anos) e acrescentar a ginástica de conscientização corporal no 8º e 9º anos.

“A ginástica geral, também conhecida como ginástica para todos, reúne as práticas corporais que têm como elemento organizador a exploração das possibilidades acrobáticas e expressivas do corpo, a interação social, o compartilhamento do aprendizado e a não competitividade. Podem ser constituídas de exercícios no solo, no ar (saltos), em aparelhos (trapézio, corda, fita elástica), de maneira individual ou coletiva, e combinam um conjunto bem variado de piruetas, rolamentos, paradas de mão, pontes, pirâmides humanas etc. Integram também essa prática os denominados jogos de malabar ou malabarismo” (BNCC, 2018).

Mariano et al. (2019) aponta que os elementos gímnicos estão presentes no brincar das crianças e que a educação física escolar deve proporcionar a ampliação desses saberes ao fazer uso dos elementos identificados na própria cultura ginástica infantil. O conteúdo de ginástica deve ser abordado de modo lúdico desmistificando a ideia de que a ginástica é apenas para competição. Gomes (2004) explica que as práticas culturais não são lúdicas por si próprias, mas a relação da interação entre sujeito e experiência vivida que permite o desabrochar da ludicidade.

A ludicidade pode ser compreendida como expressão humana na cultura referenciada no brincar consigo, com o outro e com o contexto que considera valores, tradições, costumes e contradições da sociedade. Normas políticas, normas sociais, princípios morais, regras educacionais, condições concretas de existência são fatores que influenciam a construção da ludicidade. A ludicidade também é vista pelo consenso comum como algo inútil, improdutivo e restrito a infância(Gomes, 2004).

Em contrapartida com a ginástica competitiva que é associada a rigidez e seriedade, muitas vezes abordado somente para crianças em um contexto de competição, a Ginástica Para Todos resgata as práticas culturais através do brincar, não tendo um número determinado de participantes nem de idade. (Nunomura, 2024).  Esta ginástica brincante favorece o aprendizado de forma significativa e prazerosa ao despertar a criatividade e expressividade das crianças. As experiências pedagógicas dentre o universo de possibilidade práticas no contexto das modalidades ginásticas propiciam o diálogo com questões éticas, de gênero e sociais na formação humana e cidadã (Maldonado et al. 2019).

Maldonado et al. (2019) compreende que o papel do profissional da Educação Física neste cenário de diálogo por meio da ginástica é colaborar no entendimento sociológico e processo de conscientização do sujeito a respeito de suas escolhas e sentidos. Ao trazer as crianças como protagonistas do trabalho realizado em toda aula, a Ginástica Para Todos valoriza o processo e o espaço de troca de vivências que possibilitam a apropriação dos fundamentos da cultura corporal importantes pelo grupo social. 

A construção coreográfica não é apenas uma reprodução de sequências de movimentos, mas sim uma proposta com significado de valores humanos, estimulo a criatividade, curiosidade, respeito às normas do grupo, leis da sociedade, critica, soluções de problemas, disponibilidade para o grupo e não a serviço individual. Além de desenvolver e aprimorar os recursos motores, força, flexibilidade, ritmo, lateralidade, resistência e permitir uma melhor interação com a comunidade que pertence. Assim, tendo benefícios para os domínios cognitivo, psicomotor e socioafetivo (Maldonado et al., 2019).

No estudo de Moreira et al. (2020) foi evidenciado que os professores de Educação Física afirmam encontrar dificuldades ao abordar o conteúdo de ginástica na escola, por falta de equipamentos, instalações adequadas, conhecimento e insegurança com o conteúdo, o que dificulta o desenvolvimento da ginástica escolar e explica a quase ausência neste espaço. Costa et al. (2016) também aborda a questão da falta de materiais e espaços para desenvolver a prática das ginásticas que compromete a segurança dos alunos. Além do grande número de estudantes que apenas um professor não consegue executar a atividade com a necessidade constante de acompanhamento para manter a segurança dos praticantes.

Diante do exposto, Mariano et al. (2019) corrobora a respeito da produção acadêmica de livros didáticos e materiais pedagógicos na temática de ginástica que apresenta muito da técnica da modalidade e pouco dos métodos de ensino nas aulas de educação física. Muitas vezes utilizada como uma estratégia a fim de ensinar outras modalidades e não como um conteúdo específico. Nesta perspectiva, Costa et al. (2016) afirma que a ginástica está presente como alongamento e aquecimento durante as aulas, mas não como conteúdo principal.

A ginástica não se torna uma protagonista no ensino das práticas na educação física, ficando restrita ao papel de coadjuvante devido ao déficit da formação inicial e continuada. No estudo de Mariano et al. (2019) explica que a ginástica é um conteúdo que os alunos relatam sentir dores e desconforto, a falta de preparação dos professores gera uma aula de baixa qualidade e dificuldade em despertar o interesse na modalidade. 

Outra dificuldade encontrada foi desenvolver as aulas de ginástica para a geração alfa, crianças nascidas entre 2010 e 2025 que são conhecidas como “nativos digitais”. Conforme Ramos et al. (2023), estas crianças possuem incapacidade de lidar com as frustrações, são imediatistas, ansiosas e impacientes com curtos períodos de atenção. As tecnologias digitais também interferiram no modo como interagem socialmente, na construção de identidade, no processo de aprendizagem com dificuldade em absorver e reter informações. A partir desses pontos, Ramos et al. (2023) buscou mecanismos para ensinar a ginástica como aumentar as tarefas para diminuir o tempo em fila de espera, orientações mais objetivas, filmar os movimentos para que o aluno se veja e compreenda melhor as correções, utilizar reforço positivo para incentivar a resiliência e a persistência.  

Conclusão

Este artigo intitulado “A ginástica no encantar da infância” teve como objetivo descrever as características e a história da Ginástica Para Todos associada aos desafios do contexto escolar. Este que apresentou a falta de equipamentos, instalações inadequadas, insegurança com o conteúdo e formação inicial insatisfatória como desafios e dificuldades da ginástica. Novas pesquisas são sempre bem-vindas para aprimorar a compreensão sobre o tema, assim como este artigo que ampliou os estudos realizados na área.

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 1Graduada em Educação Física Bacharelado pela Universidade Federal de Santa Maria