A FORMAÇÃO DA MULHER ATRAVÉS DOS LIVROS DE LEITURA NO COLÉGIO NOSSA SENHORA DAS VITÓRIAS EM ASSÚ/RN (1927- 1937)

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7117283


Autoria de:
Silvia Helena De Sá Leitão Morias Freire
Sergio Luiz Freire Costa


Pretendeu-se com esse estudo analisar os livros de leitura para a formação feminina, no Colégio Nossa Senhora das Vitórias em Assú/RN, entre 1927 e 1937, a fim de compreender os valores e normas presentes nessa educação, por meio dos livros Lições das Coisas: Historias para Crianças, de Marie Pape-Carpentier, editado pela Francisco Alves em 1858. Outra obra analisada Contos Pátrios: para crianças de Olavo Bilac e Coelho Neto, editado pela Francisco Alves em 1916. Os livros de leitura, forma identificados no documento intitulado Divisão do Material de Ensino do Colégio Nossa Senhora das Vitórias, entre os anos de 1927 a 1937, neste detectamos informações sobre os livros que fundamentavam as práticas educativas da referida instituição.

Conforme o registro do referido material, a leitura dos livros de leitura, aconteciam nas aulas de língua portuguesa e tinham como objetivo transmitir lições sobre valores morais e religiosos, além de destacar a educação concedida às meninas, enaltecendo a formação de uma boa esposa, mãe virtuosa e, consequentemente, a participação na educação de futuras gerações.

Destacamos os dos livros de leitura identificados durante a investigação e que foi adotado no Colégio Nossa Senhora das Vitórias, especificamente, os textos dos livros Lições das Coisas e Contos Pátrios. Esses livros de leitura foram encontrados no acervo da biblioteca do respectivo Colégio e representam importante papel na construção da cultura escolar. Corroboramos com Rodrigues (2007, p. 209), quando ressalta que “o livro faz parte e é instrumento da prática institucional escolar. A concepção educativa veiculada nos manuais didáticos estaria permeando a proposta de formação dos sujeitos por ser o livro portador de ideias privilegiadas […]”. i

Analisar os textos dos livros de leitura exige um olhar atento do lugar que ocupa nas práticas educativas do Colégio das Freiras1. O primeiro material que tivemos acesso fora Lições das Coisas: Historias para Crianças, de Marie Pape-Carpentier, editado pela Francisco Alves em 1858. O livro é composto 32 histórias que discute sobre os valores morais como a benevolência, o gosto pelo trabalho, à bondade, o respeito aos pais e ao próximo, o incentivo ao aprender a partir da prática.

Apresenta ainda, a relevância do papel da mãe na educação dos filhos, ensinando-lhes e guiando-lhes no caminho do bem, apresentando o real, de modo que possa produzir perfeitamente no seu espírito a impressão que se teve em vista, e não de forma que pouco se perceba. Nesse sentido, a criança deve tocar, distinguir, medir, comparar, enfim, conhecê-las, este é o objetivo das lições de coisas.

Marie Pape-Carpentier, autora da referida obra, popularizou o termo lições de coisas e foi empregado oficialmente durante suas conferências proferidas aos professores presentes na exposição universal de Paris, em 1867. Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), também é apontado como referência em lições de coisas, pelo fato deste ter captado os pontos essenciais da renovação pedagógica que as lições preconizavam. Na perspectiva de Pestalozzi a educação é concebida como processo que deve seguir a natureza e os princípios da liberdade, da bondade inata do ser e da personalidade individual da criança. Ainda o educador, compreendia a criança como um organismo que se desenvolve de acordo com leis definidas e ordenadas contendo em si todas as capacidades da natureza humana reveladas na unidade entre mente, coração e mãos. Defendeu a educação não repressiva, o ensino como meio de desenvolvimento das capacidades humanas, o cultivo do sentimento, da mente e do caráter. Seu propósito era descobrir leis que propiciassem o desenvolvimento integral da criança e para isso concebeu uma educação com as dimensões intelectual, profissional e moral, estreitamente ligadas entre si (FREITAS; ZANATTA apud PESTALOZZI, 1946).

Ao identificarmos o documento à divisão do material de ensino do Colégio Nossa Senhora das Vitórias, no qual detectamos o uso do livro Lições das Coisas, registrado no material estava a seguinte orientação: lição para o dia 15 março do ano 1928, leitura do texto A menina e o gatinho, página 13.

O texto A menina e o gatinho narra à história de uma menina que gostaria de fazer amizade, o gato se aproximou e acariciou e começaram a brincar. No entanto, a menina, praticou o mal puxando sua cauda e o gato não se agradou e arranhou a menina, deixando assim de ser seu amigo:

Era uma vez uma menina, que estava sentada no jardim. Á porta estava um gatinho realmente lindo. A menina chamou o gatinho: “Tareco, Tareco, anda cá, Tareco!” O Tareco veio para junto da menina, brincou com ela, acariciou-a fazendo: ron, ron, ron. E a menina estava contente a brincar com Tareco, e também lhe fazia festa. Nesse momento, queriam-se eram amigos. Mas a meninas, faze-se má. Puxou pela cauda do gatinho. Então o Tareco zangou-se, deixou de fazer ron, ron, ron , arranhou a menina e fez pff, pff! Então já não gostava um do outro, já não amigos. O gatinho não quis mais brincar com a menina, e foi-se embora. E a menina ficou sozinha. Os maus não têm amigos (CARPENTIER, 1858, p. 13-14).

Ao analisarmos a narrativa, percebemos o propósito do Colégio Nossa Senhora das Vitórias em trabalhar com o texto, ou seja, de transmitir aos alunos, o exemplo da bondade, mostrando-lhes quando fazemos o mal ao próximo, não conseguimos construir amizade sincera e nos tornamos pessoas más.

Outro texto trabalhado O ninho que está no alto da chaminé, apresenta a história de um ninho de pássaros e uma menina. A mãe dos passarinhos juntamente com o pai foi em busca de alimentos para seus filhos e, alertou sobre o perigo de sair do ninho. Porém, um dos filhos desobedeceu e por não saber voar, caiu dentro da chaminé. O pássaro foi acolhido pela menina, que o colocou em uma gaiola e cuidou até o dia em que conseguiu alçar voo. Mas, como gratidão ao zelo da menina, toda a noite o pássaro vinha lhe fazer companhia:

Era uma vez um ninho de pássaros no alto da chaminé. Neste ninho estavam os quatro ovinhos. Os ovinhos abriam-se e deles saíram quatro pássaros implumes. Mas a mãe tinha as penas e os aqueciam debaixo das asas. […] Depois, os passarinhos cresceram e nasceram-lhe as penas. Então a mãe podia deixa-los para ir procura-lhe alimentos. Mas como as asas dos passarinhos não estavam bastante fortes para voar a mãe, disse-lhe ao partir: Cuicui! Cuicui! Cuicui!, Isto significa: “Meus filhos, meus queridos, não deixem a, isto é não saiam do seu ninho”. Mas depois de a mãe partir, um dos passarinhos não foi obediente. Quis sair do ninho: foi até a beira: Oh! Que imprudente! Vai cair!…Ai lá vai cair… Caiu na chaminé! […] o pai e mãe tiveram um grande desgosto. Porque a desobediência de um único filho causa a infelicidade de toda a família! Havia uma menina que viva na casa da madrinha.[…] De uma vez, ouviram de repente na chaminé um barulho assim: frrru, frrru, frrru.[…] a pequenita veio docilmente. Olhou para cima, na abertura da chaminé, e viu um pobre passarito, que lhe caiu aos pés, batendo as asas. A pequenita pegou o passarinho e estava muito contente com ele, quando a madrinha lhe disse: “o passarito não é feliz porque está separado dos Pais. E os pais devem estar também muito tristes por ter perdido o seu filho. A pequenita, que tinha bom coração, disse à madrinha: “ Se pudéssemos manda-los para os pais!…[…] Meteram então o pássaro em uma gaiola aberta na janela, e daí a pouco se via o pai e a mãe voltarem de roda dele, depois entrar e dar com ternura o cipó ao filho achado. Depois, quando a visita já estava tão forte que podia voar, voou para longe. Mas quando chegou a noite e teve vontade de dormir, não voltou para o ninho, veio bater na janela da boa madrinha.[…] Porque se lembrou em toda sua vida do bem que lhe tinha feito (CARPENTIER, 1858, p16.).

A leitura que construímos dessa narrativa, nos possibilita perceber os valores morais e a educação destinada às meninas, tais como a obediência aos pais, o respeito à natureza, a gratidão, deixando ressaltar a relevância da mãe no cuidado e o amor com sua prole. Observamos no texto, a presença latente do destino da mulher à maternidade, seja na fala da mãe pássaro, seja na fala da madrinha e da pequenita menina.

Nesse sentido, Almeida (1998, p. 18-19), discutindo a condição da mulher para a maternidade, aborda que, “esse pensamento educativo, compreendia a mulher assumindo os papéis de mãe e esposa. Para quem o lar era o altar no qual depositava sua esperança de felicidade […]”.

No próximo texto intitulado A vinha, narra à história do menino Justino e seu padrinho vinhateiro. O menino Justino visita seu padrinho para ajudar-lhe a podar as vinhas e segue percorrendo as vinhas e observando cada videira e examinando com cuidado. Seu padrinho presenteou com três videiras e disse-lhe que cuidasse. No dia da colheita, as videiras de Justino estavam carregadas, cruzando-se sob um matagal de folhas e indagou, mas as uvas? Justino ficou desesperado e perguntou o tio Vicente o que deveria fazer? É preciso aprender a podar! Disse o tio:

Era uma vez um menino que se chamava Justino. Um dia veio o vinhateiro a casa do padrinho deste menino para podar a vinha; e Justino, a quem o padrinho tinha dado três videiras, seguiu o vinhateiro até ao cerrado para trabalhar com ele. E o vinhateiro percorria as vinhas, parava a cada videira, vendo, examinando com cuidado os rebentos novos. Depois cortava com o podão o que era preciso cortar. E deixava poucas vides nas vinhas. “para que tirar tudo isso”? Perguntou-lhe Justino. Se cortar os ramos, ficamos sem cachos. […] Justino não perguntou ao vinhateiro o que era preciso fazer para podar bem, e podou as suas três videiras como lhe pareceu, julgando fazer melhor que o vinhateiro. Chegou a primavera, e rebentou a vinha. Depois chegou o verão e amadureceu a uva. […] Justino nunca vira tantas uvas! E pensava: “quantas mais não ter a minha vinha”! […] Que triste surpresa! que desengano! As videiras de Justino estavam carregadas de uma floresta de vides, cruzando-se sob um matagal de folhas, mas as uvas?…nada![…] Justino aflito, confuso, compreendeu então que não tinha feito a poda como devia, e foi ter com o podador.” Tio Vicente, disse-lhe ele, peço-lhe que tenha a bondade de me dizer o que eu devo fazer para que a minha vinha produza uvas? Meu Justininho, respondeu o tio Vicente, é preciso aprender a podar”! (CARPENTIER, 1858, p. 46-47).

No final da narrativa, a autora Marie Pape-Carpentier, apresenta a moralidade da história: “Aprender a trabalhar para produzir, a produzir, para não ser inútil neste mundo, e para prestar ao nosso próximo, quanto em nós caiba, o auxílio e o apoio que ele nos dá” (CARPENTIER, 1858, p. 47). Percebemos a evidencia do valor do trabalho, do aprender fazendo e posteriormente conseguir uma profissão.

Para Pestalozzi a intuição não se limitava à mera visão passiva dos objetos, à contemplação das coisas. A educação profissional, por sua vez, refere-se ao aprender trabalhando, fazendo, relacionando conhecimentos e atividades práticas. Da mesma forma que a atividade intelectual requer o exercício especial da mente, o desenvolvimento de habilidades exteriores requer o exercício dos sentidos e dos membros (ZANATTA, 2012 apud PESTALOZZI 1946, p. 16).

No conto enfatiza o papel do homem no mundo do trabalho e não da mulher. Para Silvia (2007 a) a educação concedida mulher enfoca tradicionais funções sociais que a ela deveria exercer: o de esposa, de companheira, de mãe. Estes elementos, conforme analisa Silva, (2007 p. 1-2), “são marcas de um processo educativo, onde a partilha dos papéis sociais de homens e de mulheres é enfocada, deixando transparecer os espaços de atuação de cada um desses sexos, e as relações de poder existente”.

Outro livro de leitura em destaque Contos Pátrios foi amplamente divulgado e utilizado na escola primária brasileira, em particular na cidade de Assú/RN. Composto por 23 contos discute acerca dos valores morais, os quais pregam amor à pátria republicana, enaltecendo a construção de um cidadão que participasse da edificação de uma sociedade civilizada. Os autores também explicitam a educação concedida ao sexo feminino, enaltecendo a formação de uma boa esposa, mãe virtuosa e, consequentemente, a formação de mulheres que participassem da educação de futuras gerações.

Olavo Bilac e Coelho Neto, os autores de Contos Pátrios, tiveram participações relevantes na produção de livros escolares e na literatura brasileira. Suas produções foram lidas em todo o país. Olavo Bilac era jornalista, inspetor de ensino, teve intensa participação na política e em campanhas cívicas, fundou vários jornais, como A Cigarra, O Meio, A Rua.

Coelho Neto ocupou o cargo público de secretário do governo do estado do Rio de Janeiro. Foi professor de história das artes e literatura. Manteve sua atividade literária em revistas e jornais. Sendo um prosador brasileiro bastante lido nas primeiras décadas do século XX.

Segundo Vieira (2007, p. 3), “o livro de leitura Contos pátrios é correntemente lembrado como símbolo da produção didática destinada à formação cívica dos estudantes brasileiros”. Compõe o repertório dos livros de leitura destinados ao ensino primário que, no início do período republicano, projetaram Olavo Bilac e seu parceiro e Coelho Neto, enquanto expoentes de um nacionalismo engajado e que fizeram da educação lugar privilegiado para suas ações. Por eles, perfilaram algumas das mais representativas imagens que os adeptos do novo regime quiseram fixar sobre o seu próprio tempo.

Ainda Vieira (2007, p.3), “ressalta que verificou a preocupação republicana de formar cidadãos foi assegurada, muitas vezes, pelo enquadramento de textos e títulos ao imaginário republicano delineado por autores, editoras e Estado”.

No documento a divisão do material do ensino do Colégio Nossa Senhora das Vitórias, destaca a utilização do referido livro com os seguintes contos: o Mentiroso, A borboleta Negra, O Recruta. Possivelmente a utilização desse material, estava relacionada ao contexto da época. No primeiro conto ressaltado O Mentiroso vislumbramos o perfil de um menino, que costumava falar inverdades constantemente, no bairro onde morava, ninguém acreditava em uma palavra que dizia. Até que um dia, pagou um preço alto por suas mentiras, foi para o rio com um amigo e acabou se afogando, gritou pelo amigo pedindo socorro. No entanto, o amigo não acreditou e pensou que estava de brincadeira. O pobre menino se afogou e quando chegaram para resgatar já encontrava sem vida:

Podia jurar! Riam-se dele. Mentia tanto, que ninguém dava credito ao que dizia: Às vezes queixava-se de moléstias: e, longe de o tratarem carinhosamente, repreendiam-no, ameaçavam-no, quando não lhe dobravam os exercícios de escrita; e, pobrezinho! Muitas e muitas noites ardendo em febre, debruçado á carteira, copiava compridas descrições, e tudo porque mentia. Os mesmos companheiros repeliam quando ele aparecia contando um fato: – Ora, sai daqui mentiroso! Pensas, então, que somos tolos? Uma manhã desceu para o rio em companhia de outro. Chovera abundantemente dias antes, e o rio, assoberbado, transbordara. Os dois meninos hesitaram algum tempo antes de tirar a roupa. […]- Vamos a correnteza é insignificante e não precisamos ir para o meio do rio. Vamos! Animado, André (o mentiroso) atirou-se ao rio; a correnteza, porém conseguiu arrasta-lo, de sorte que, quando ele quis tomar pé, a água cobriu-lhe a cabeça. O outro boiava cantarolando. De repente ouviu um grito angustiado: – Ai!- Voltou-se, e, não vendo André, teve um sobressalto; logo, porém, considerando sorrio: – Pois sim! Pensas que me enganas! –E continuou a nadar tranquilamente. […] Vendo, porém, que não aparecia, correu aterrado para o Colégio, levando a tristíssima noticia. […] – Eu bem ouvi o seu grito, mas ele mentia tanto… (BILAC; NETO, 1916, p. 111-114).

O conto em destaque aborda, de modo trágico a mentira, deixando claro, a importância da verdade para a formação do indivíduo e sua convivência em sociedade. Percebemos além da mentira, a desobediência está sendo ressaltada, a junção desses dois elementos, conforme o foco do conto podem trazer sérios riscos a vida de uma pessoa. Os valores morais arraigados nesse conto apresentam o objetivo do Colégio Nossa Senhora das Vitórias de formar cidadãos com caráter inabalável de boa índole.

No conto, A Borboleta Negra, retrata a história de dois irmãos, Henrique e Leonor, e o cão Leão, que adoravam caçar borboletas no campo. Certo dia foram eles em busca de belas borboletas. Leonor ao longo do caminho maravilhava-se com a beleza desses pequenos animais. Quando os dois se aproximaram viram um embrulho e perceberam que alguma coisa agitava-se dentro dele, ecoando rumores. As crianças abrem o embrulho e encontram uma criança negra recém-nascida:

– Jesus! É uma criança recém-nascida que está dentro do embrulho de flanela; é uma criancinha preta, vagindo de manso, de manso, com os olhinhos fechados. Leonor sentada no chão põe no colo a criaturinha de pele negra, e começa a embalá-la, já com a seriedade de uma mulher feita: – Coitadinha! Coitadinha! […] Então Leonor tem uma ideia: – Henrique, vamos fazer uma surpresa à mamãe! Vamos levar-lhe esta pretinha! Henrique dá um salto de alegria: – Vamos, Leonor! E Leonor levanta-se, acomoda-se no colo o embrulho de panos e flanelas. […] E, enquanto o cão salta e late, Henrique exclama: – Mamãe! Mamãe! Venha ver uma borboleta negra que caçamos no mato! Quando a mãe chega à varanda, para à porta, espantada. É Leonor, com a voz tremula, pergunta: – Não é verdade, mamãe, que não podíamos deixar morrer de fome esta coitadinha? Que mãe malvada, mamãe! Que mãe malvada, que preta malvada a que abandonou assim esta filhinha! Não é verdade que mamãe também vai ser mãe dela? – É verdade, minha filha! – diz a mãe. – Foi Deus quem conduziu vocês… Fizeram bem! […] E tomou nos braços a criancinha negra, única borboleta que Henrique e Leonor e o Leão caçaram nesse dia (BILAC; NETO, 1916, p. 133-138).

Percebemos no conto que a maternidade é tratada como algo fundamental e necessária na vida de uma mulher. Além de apresentar o modelo de mulher mãe, educadora de futuros cidadãos, torna-se um referencial nos processos de educação feminina na escola. Nesse sentido, Pinheiro (2007, p. 4), afirma que “a relação entre maternidade e educação faz com que esse gênero passe a ser a referência na função de educar a sociedade para além do espaço educacional doméstico”.

Ao analisarmos o conto, percebemos o propósito no qual, foi utilizado pelo Colégio Nossa Senhora das Vitórias, desejava ressaltar o amor à Pátria, a formação do cidadão para servir a sua nação, com honra e glória. A leitura do conto apresenta hábitos de ordem, comportamentos, sentimentos patrióticos e deveres para com a pátria e com o próximo, características evidenciadas no contexto histórico da pesquisa.

É nesse sentido que Frago (1995, p. 68-69), ressalta que no interior da escola “produzem-se modos de pensar e de atuar que proporcionam a todos os sujeitos envolvidos, estratégias e pautas para desenvolver tanto nas aulas como fora delas, condutas, modos de vida e de pensar hábitos e ritos”.

A partir da análise dos textos dos livros de leitura Lições das Coisas e Contos Pátrios, vislumbramos o enfoque das práticas educativas do Colégio Nossa Senhora das Vitórias e do contexto histórico da época para a formação feminina formar os alunos embasados em valores morais inculcando os modos de ser e de fazer dentro e fora do espaço escolar, objetivando a formação sujeitos íntegros, fieis as orientações da igreja católica e com consciência da participação para a construção da sociedade civilizada conforme o contexto histórico da época.

As personagens femininas destacadas nas respectivas obras absorveram o perfil destinado a mulher na década de 1920 e 1930. O modelo de mulher mãe, educadora de futuros cidadãos, torna-se um referencial nos processos de educação feminina na escola e na vida privada. Nesse sentido, Pinheiro (2007, p. 4), afirma que “a relação entre maternidade e educação faz com que esse gênero passe a ser a referência na função de educar a sociedade para além do espaço educacional doméstico. ”

A condição da mulher e as maneiras de educá-las para as atividades do espaço privado e para a maternidade demonstram que esse pensamento educativo, compreendia a mulher assumindo os papéis de mãe e esposa. Conforme Almeida (1998, p. 18-19), que esse pensamento educativo compreendia a mulher assumindo os papéis de mãe e “Para quem o lar era o altar no qual depositava sua esperança de felicidade e, sendo o casamento sua principal aspiração, era indicada para ser a primeira educadora da infância, o sustentáculo da família e da pátria.”

Dentre esses papéis exigidos para uma moça adquirir respeito e representatividade, destacam-se, o trato social, as prendas do lar, as boas condutas, a doçura, a formação escolar e o empenho na arte de educar outros sujeitos.

Verificamos que as obras analisadas neste estudo produzida no início do século XX, revela um grande potencial como documento, não apenas por referir-se a uma determinada época, ou acontecimentos fundamentais na história brasileira, mas, por traçar o retrato de uma sociedade representada por homens, mulheres e crianças, brancos, negros, pobres, ricos, letrados e iletrados.

Referências

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