A FORMA ROMANESCA EM COMO SE ESTIVÉSSEMOS EM PALIMPSESTO DE PUTAS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7988165


Claudionor Ramalho Santana1


RESUMO

O romance enquanto forma artística é apontado, por Lukács (2009), como herdeiro das epopeias, caracterizado como problemático, reflexo do mundo em que surge. Outra contribuição é a ênfase dada à ação da narrativa, propondo que existem três tipos: primeiro, focado na ação, mas que deixa um pouco de lado a subjetividade da personagem, tornando o mundo mais vasto que a alma; segundo, narrativas mais focadas na subjetividade, que criam um espaço limitado, uma vez que o mundo intimo é mais amplo que o mundo objetivo; terceiro, que mantém um equilíbrio entre o mundo da personagem e o mundo objetivo. Dentro dessa perspectiva a pesquisa busca exemplificar a tipologia da forma romanesca na obra Como se estivéssemos em palimpsesto de putas (2016), de Elvira Vigna. Cabe salientar que a construção das personagens é importante para tal exemplificação, mas, como apontou Candido (2014), evitando colocar a personagem como mais essencial, pois para o autor a força e eficácia do romance são dadas pela construção estrutural. Para Watt (2010) a principal característica do romance em relação às narrativas anteriores é o realismo, porém, estabelecendo que o realismo literário não está na espécie de vida apresentada, mas na maneira como se apresenta. Partindo de pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa chega-se ao resultado de um romance subjetivo, caracterizado pelas possibilidades provenientes das deduções da narradora que se confunde com a construção do romance.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Romance. Representação. Realidade.

ABSTRACT

The novel as an artistic form is pointed out, by Lukács (2009), as an heir of the epics, characterized as problematic, reflection of the world in which it arises. Another contribution is the emphasis given to the action of the narrative, proposing that there are three types: first, focused on action, but which leaves aside a little the subjectivity of the character, making the world wider than the soul; second, narratives more focused on subjectivity, which create a limited space, since the intimate world is wider than the objective world; third, which maintains a balance between the world of the character and the objective world. Within this perspective the research seeks to exemplify the typology of the romanesque form in the work As if we were in a palimpsest of whores (2016), by Elvira Vigna. It should be noted that the construction of the characters is important for such exemplification, but, as Candido (2014) pointed out, avoiding placing the character as more essential, because for the author the strength and effectiveness of the novel are given by the structural construction. For Watt (2010) the main characteristic of the novel in relation to previous narratives is realism, however, establishing that literary realism is not in the kind of life presented, but in the way it is presented. Starting from bibliographical research, with a qualitative approach we arrive at the result of a subjective novel, characterized by the possibilities arising from the deductions of the narrator who is confused with the construction of the novel.

Key-words: Literature. Novel. Representation. Reality.

1 INTRODUÇÃO

O romance, tido com herdeiro da epopeia, traz certas características que reflete a realidade em que surge, longe de dizer que a literatura é mera cópia do real, mas uma construção artística com poder de envolver o leitor e convencê-lo de sua realidade ou verossimilhança.

A relação com o real é uma das problemáticas do romance, isto é, os limites da ficção. Dentro dessa perspectiva pode ser inserida a questão da forma do romance, pois ao estabelecer essas relações com o real, propõe-se uma análise também do fazer artístico.

Nesse sentido cabe mencionar relação entre a personagem e o ambiente, ou seja, a percepção da personagem em relação ao mundo (mundo subjetivo) e o mundo objetivo, isto é, como é dado às vivências da personagem. Sendo também uma relação entre interno e externo.

É nesse aspecto que a tipologia da forma romanesca de Lukács (2009) contribuiu para que esta pesquisa pudesse exemplificar uma das tipologias apontada pelo autor, em que o mundo subjetivo é maior que o objetivo, portanto a pesquisa deu-se por meio de consulta bibliográfica, incluindo autores como Candido (2014) que fala da personagem e sua construção, bem como dos ângulos que se encontra no romance: o interno e o externo, além das contribuições de Gagnebin (2009), Watt (2010), e Celso Frederico (1997) com seu livro sobre Lukács.

Tendo como objetivo analisar a obra Como se estivéssemos em palimpsesto de Putas, de Elvira Vigna (2016) para mostrar que o mundo fragmentado, bem como também a fragmentação das personagens caracteriza uma das tipologias da forma romanesca defendida por Lukács e questionando como essa fragmentação contribui para a discussão da individualidade do ser, criando um elo entre forma e conteúdo.

Tal fragmentação não só reflete a formação da obra, mas também o seu conteúdo pautado na visão limitada com relação às personagens, com o preenchimento de lacunas pela narradora e pelo aspecto subjetivo, enfatizando a redução e problemática das relações interpessoais do protagonista, que apaga a existência das outras personagens, apresentando um mosaico de características sobrepostas (como um palimpsesto), anulando, assim, a individualidade das pessoas que fizeram parte da sua vida.

2 TIPOLOGIA DA FORMA ROMANESCA

Contribuindo sobre como é o fazer artístico literário, a tipologia da forma romanesca encontrada no livro A teoria do romance, de Lukács (2009), faz elogio às epopeias gregas, apontado a relação do sujeito com o mundo que lhe é dado, isto é, construído por meio do texto, estabelecendo uma relação entre conteúdo e forma.

Nesse sentido Frederico (1997, p. 42) afirma que “Se para Lukács a obra de arte é uma unidade harmônica de conteúdo e forma, essência e aparência, qualquer ênfase unilateral romperia com a unidade levando ao fracasso o produto artístico.”.

Lukács (2009) defende que a epopeia é uma totalidade fechada em si mesma e que o romance é caracterizado pelo período em que surge, tornando-o fragmentário, ou seja, reflexo do mundo em que surge e que os heróis romanescos sempre buscam algo.

A respeito da fragmentação há também apontamentos de Candido (2014) ao falar da personagem do romance e sua relação com o enredo, pois:

Geralmente, da leitura de um romance fica a impressão duma série de fatos, organizados em enredo, e de personagens que vivem estes fatos. É uma impressão praticamente indissolúvel: quando pensamos no enredo, pensamos simultaneamente nas personagens; quando pensamos nestas, pensamos simultaneamente na vida que vivem, nos problemas que se enredam, na linha do seu destino – traçada conforme uma certa duração temporal, referida a determinadas condições de ambiente. O enredo existe através das personagens; as personagens vivem no enredo. (CANDIDO, 2014, p. 53).

Nota-se que também estabelece uma relação da personagem com o mundo que lhe é dado, afirmando que a personagem não é o elemento mais importante, pois a eficácia de um romance reside em sua estrutura global.

A obra de Lukács começa apresentando a epopeia e o romance como seu herdeiro, quanto à totalidade da primeira e a fragmentação do segundo. Apresentando as tipologias da forma do romance, a relação entre subjetividade (mundo subjetivo) e objetividade (mundo objetivo), que seria na verdade a psicologia da personagem em sua subjetividade e a relação com o mundo objetivo ou descrito, dado à vivência desse personagem.

Observe que, nesse caso, há distinção entre ação e descrição, isto é, não há uma suspensão da narrativa para descrever, como se o mundo fosse percebido juntamente com a ação da personagem, longe, claro, de dizer que não exista romance com digressões para a descrição do ambiente.

Assim para Lukács (2009) a tipologia da forma romanesca pode se apresentar de três tipos: primeiro, focado na ação, mas que deixa um pouco de lado a subjetividade da personagem, tornando o mundo mais vasto que a alma; segundo, narrativas mais focadas na subjetividade, que criam um espaço limitado, uma vez que o mundo íntimo é mais amplo que o mundo objetivo (mundo dado ao personagem); terceiro, que mantém um equilíbrio entre o mundo da personagem e o mundo objetivo.

Nesta perspectiva, busca-se demonstrar que o romance Como se estivéssemos em palimpsesto de putas, de Elvira Vigna, constitui-se como uma obra que se enquadra no segundo tipo, isto é, que o mundo da personagem é maior que o mundo objetivo. Utilizado como exemplificação de uma forma do romance, nesse caso não é uma proposta de modelo a ser seguido, mas sim a constatação de uma forma de um fazer artístico e que não é única e exclusivamente característica desse romance.

Narrado em primeira pessoa por uma personagem que conta a história de João e suas relações com prostitutas, sempre que viajava a trabalho, bem como sua relação com a esposa, Lola.

Sobre a fragmentação das personagens mencionada por Candido (2014) em comparação com o ser real, afirmando que nas vivências do mundo real a fragmentação é integrante de toda a relação humana, ou melhor, não se conhece a totalidade do ser, todo o conhecimento que se obtém do outro é fragmentário. No romance supracitado fica também evidente isso, mesmo em se tratando de um ser ficcional (que para Candido é mais coerente que o ser real), isto porque a narradora faz conjecturas sobre outros personagens e das histórias que João conta “e ele fala pouco, pela metade, menos que a metade” (VIGNA, 2016, p. 161) e ela que completa as lacunas.

A percepção que a narradora tem é parcial, nem mesmo a história é completa, ou melhor, poderia se afirmar que é uma narrativa de possibilidades, nem mesmo o ambiente em que ocorre algumas passagens ela tem acesso, portanto, até o ambiente em que se dá as histórias dos envolvimentos de João com as prostitutas é inventado.

O mais interessante é que a narradora afirma se tratar da história de Lola, que na verdade é sobre ela, mostrando um aspecto do romance que não é centrado na ação, mas sim na anulação ou não existência de Lola não só na narrativa, mas também na vida de João. E que a esposa de João passa de inexistente a uma pessoa que toma o controle, que faz com que seja percebida.

Lola começa a ter existência para João por conta deste não querer a separação, assim a narradora supõe que ela existe pelo negativo:

Pelo negativo é o único momento em que mamadeiras existem para bebês. Quando atrasam, quando faltam. Quando causam desconforto. Quando estão lá de jeito como devem estar, elas são apenas uma continuação do ambiente e do próprio bebê. Não existem. (VIGNA, 2016, p. 91).

João é, portanto, apresentado como egocêntrico e que nas suas relações ninguém existia, a própria narradora afirma que era apenas orelhas e que ele não aceitava que ela tivesse opinião ou que o interrompesse com objeções. E assim sobre a inexistência ou individualização das pessoas que se envolvem com ele, afirma mais uma vez que é como se estivessem em um palimpsesto, pois umas são sobrepostas às outras: “Vem por cima de todas as outras. Lola incluída aí. Eu também. Nenhuma de nós de fato com existência separada. Só traços sobrepostos, confusos, não claros. Como se estivéssemos, todas nós, num palimpsesto.” (VIGNA, 2016, p. 178).

3 RELAÇÃO COM O MUNDO

Lukács fala do herói da epopeia, mostrando um caráter coletivo, pois “O herói da epopeia nunca é, a rigor, um indivíduo. Desde sempre considerou-se traço essencial da epopeia que seu objeto não é um destino pessoal, mas o de uma comunidade” (LUKÁCS, 2009, p.67). E dessa forma fala da totalidade ao passo que contrapõe ao individualismo e fragmentação no romance.

Ainda sobre a epopeia menciona-se Gagnebin (2009) defendendo uma definição de cultura a partir da leitura de Odisseia, assim mostra aspectos voltados para hospitalidade dada aos estranhos e a relação dos homens com os deuses, falando da condição de mortais e o desejo de permanência pelas suas ações, ficando, portanto, na memória do povo. Desse modo fala da preservação da memória dos mortos para os vivos. A autora menciona que para Lukács na sua Teoria do romance aponta para a primeira alegoria da constituição do sujeito, realizada pela Odisseia.

Quanto ao romance aqui já foi mostrado as tipologias da forma do romance que reflete a relação do sujeito com o mundo, influenciando na própria construção da obra e nesse sentido:

Há no romance (mas de modo algum na poesia) dois ângulos principais que regem a visão do escritor, condicionando a sua arte de escrever: ou investiga a realidade como algo subordinado á consciência, – que envolve tudo e fica em primeiro plano, – ou põe a consciência a serviço de uma realidade considerada algo existente fora dela. Um ângulo de subjetivismo, outra de objetividade, que se combinam segundo os mais vários matizes mas não passam essencialmente de dois. (CANDIDO, 2008, p. 33).

Observa-se que corrobora a ideia de Lukács, uma vez que mostra a relação sujeito e objeto e que elege a grandeza de uma obra pela sua completude em relação aos ângulos, ou seja:

As obras mais completas são em geral as que manifestam simultaneamente os dois aspectos da realidade – o interior e o exterior – tratados, porém, como se o romancista houvesse estabelecido com o seu material uma relação de sujeito e objeto. Mais raramente (sobretudo mais dificilmente) a grandeza literária é alcançada no romance pela redução dos ângulos, como ocorre em Kafka. Quase sempre os escritores alcançam a plenitude quando são capazes de passar do subjetivismo adolescente – que faz da realidade um conjunto de impressões e emoções – para uma posição de análise objetiva, que reconhece a existência própria do mundo onde o sujeito se insere. Muitos críticos já enxergaram em certas formas superiores de realismo o ponto culminante do romance moderno. (CANDIDO, 2008, p. 33)

Evidencia-se que o realismo assim como para Watt (2010) é a principal característica do romance em relação às narrativas anteriores, porém, estabelecendo que o realismo literário não está na espécie de vida apresentada, mas na maneira como se apresenta.

Em Como se estivéssemos em palimpsesto de putas, mostra um realismo que parte da subjetividade da narradora que preenche as lacunas deixadas por João, mas que para manter um equilíbrio, isto é, para não tornar a obra somente subjetiva (sem ação), Lola passa a ter voz, deixando de ser passiva, contribuindo para o desfecho, tornando-se dentro desse fragmento uma das personagens principais. Ficando evidente que nesse romance o espaço dado é menor que o mundo subjetivo da personagem, ainda que a inserção da ação caracterize uma maneira de equilibrar o externo e o interno (mundo objetivo e o subjetivo).

O mundo que é demonstrado pela narradora funciona como uma representação mental, primeiro por se tratar de acontecimentos passados, pela ausência de detalhes, nos relatos de João, e por falta de conhecimento dos locais em que aconteceu a maioria das histórias.

O ato de narrar é a própria formação da história de João e as suposições da narradora demonstra o caráter fragmentário que ela tem da personagem, aliás, das personagens, já que ela faz conjecturas também das outras. O que se percebe é que a narrativa também fala dela, pois à medida que constrói sua visão em relação ao outro, mostra também suas características, inclusive julga que as histórias que João conta, são contadas, porque ele supõe que ela é lésbica e que por isso, embora seja nova, seja vivida.

O que a narradora tem são pistas ou fragmentos contados nos encontros que tem com João, no escritório da editora em que este trabalha e que esse trabalho é temporário, pois ele foi contratado apenas para cumprir uma cláusula de empréstimo com o BNDES, exigindo que a editora fosse informatizada.

O espaço é bem limitado, pois são encontros no escritório ou casuais na rua. No escritório ela tem meios de fuga das conversas de João, ela observa uma prateleira de livros e localiza alguns exemplares da Eneida, pela alternância ela estabelece uma relação como se estivesse brincando de amarelinha, uma vez que os exemplares encontram-se separados a grandes intervalos por outros livros, outro meio de fuga é a camisa branca de João que parece mudar de tonalidade devido à iluminação do ambiente.

A observação da narradora possui, em certo grau, mais excesso de detalhes que as experiências e narrações de João, logo a fragmentação diz respeito às pessoas não exatamente ao local.

3.1 João e o palimpsesto de putas

Nessa relação com o mundo entra em jogo o realismo ou a problemática da correspondência entre a obra literária e a realidade: “Os realistas franceses tivessem atentado para uma questão que o romance coloca de modo mais agudo que qualquer outra forma literária – o problema da correspondência entre a obra literária e a realidade que ela imita.” (WATT, 2010, p. 11).

Para Candido (2014) ao falar da construção de personagens ele afirma que, embora possa ter personagens com traços que podem ser associados a uma pessoa do círculo de vivências do autor, torna-se difícil delimitar como cópia fiel do real, apontando que nas vivências a observação não consegue perceber a totalidade do ser (pois isso é imanente da convivência humana). Prossegue dizendo que ao menos na literatura há uma construção mais coerente do ser ficcional do que do ser real, logo a construção é fragmentada, mas satisfatória para a verossimilhança da obra.

Dentro da obra aqui analisada é como se houvesse uma ficção dentro da ficção, pois ao iniciar a narrativa a personagem narradora diz “vou contar uma história que não sei como é. Não vivi, não vi. Mal ouvi. Mas acho que foi assim mesmo.” (VIGNA, 2016, p. 7). Portanto, muito do que se tem na narrativa são deduções da narradora que podem não coincidir com o que realmente aconteceu com as personagens, por isso é um romance de possibilidades, em que nada é totalmente concreto.

A narradora começa falando do casamento de João, mas ao narrar, o escritório em que ela o escutava já não existe mais, nem o próprio personagem, que já faleceu. E nessas visitas a João que parece se repetir sempre da mesma maneira tomando uísque em copos de plástico e escutando as conversas de João sobre suas viagens e seus envolvimentos em boates com prostitutas, histórias que parecem se repetir, em que praticamente nenhuma personagem é individualizada, ficando apenas fragmentos de cada uma delas como se formassem um palimpsesto.

Apenas uma delas ficou o nome, Loren, a única que é nomeada, portanto passando a ter existência para ele, a história surgiu quando a narradora falou de Lúrien que se tornou vizinho e amigo de João o que a narradora julgava ser mais que amizade, bem como no desfecho em que Lúrien tornou-se herdeiro, deixa claro que tinham um envolvimento maior do que teve com Lola.

Lola é construída como uma personagem não existente, como já mencionado que passa a existir pelo negativo, essa ausência de Lola é a sua constituição, como um ser que causa um antagonismo, pois João busca algo e o que ele parece buscar é o oposto de Lola, começando pelo envolvimento com prostitutas morenas, sendo que sua esposa é loira, ao passo que também não reconhece a existência das prostitutas, mas o que também busca é a transgressão, aquilo que não terá no casamento, mas que precisa dele (casamento) para que o ato se torne transgressor.

Separada de João, Lola se envolve com Cuíca ou Carlos Alberto, amigo do seu ex-marido, que não a reconhece, embora já tivessem sido apresentados, pois era uma prática comum nas reuniões, de trabalho da firma, os funcionários levarem as esposas, locais que ficavam mais evidentes a não existência. Ao se envolver sexualmente com Cuíca ela cobra um valor exorbitante, isso na presença da narradora que fica incrédula. Essa passagem é muito importante, pois algum tempo depois Lola e João indo a São Paulo resolvem passar na casa de Cuíca e nessa parte João tem um pouco de receio de tocar no assunto, pois uma mensagem de Cuíca sobre garotas de programa que foi o pivô da separação.

Ao se encontrarem Lola não é reconhecida de imediato por Cuíca, sendo que ela pergunta se ele ainda é sócio do clube, tal pergunta deixa João espantado, é a primeira vez que ele nota sua existência e não pelo negativo, nessa ocasião que Cuíca se afoga e que provavelmente Lola tenha visto tudo, o que causa mais espanto em João por ela não ter ajudado a salvá-lo.

Após o ocorrido João sai se sentindo mal e resolve voltar para seu apartamento, Lola quem vai deixá-lo, mas ele chega ao apartamento ainda pior e Lúrien ao ouvir o desespero de Lola desce correndo e pega um remédio em uma gaveta, Lola nunca soube da existência de algum problema de saúde de João. Desse problema João morre, recusando-se a engolir a pílula que Lúrien tenta desesperado fazê-lo engolir.

As histórias se passam no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e outros locais, sendo que alguns a narradora até conhece, mas uma minoria, pois grande parte é imaginada.

Embora sejam várias cidades, o espaço é limitado, pois o que se tem são trechos ou fragmentos dos lugares assim como das histórias, um mosaico de garotas de programa não identificáveis, que se misturam a outras pessoas que mantiveram alguma relação com João (esposa, filho, amigos), mas que são igualmente invisíveis ao olhar dele, com quem nunca estreitou laços. A vida de João fragmentada e limitada a pequenos acontecimentos, em que o maior foi a morte de Cuíca e sua própria morte, que parece o despertar de uma vida que sempre levou com indiferença.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise de um texto literário deve levar em conta as características linguísticas do texto e sua representação, no caso específico de como o mundo que é dado aos personagens pode influenciar diretamente no tipo de romance, com prevalência da subjetividade ou da ação. Como Lukács (2009) mencionou que quando a alma do personagem é maior que o mundo que lhe é dado, tem-se um tipo de romance centrado mais na psicologia da personagem que na ação, isto é, com prevalência da subjetividade.

Nesse aspecto o livro Como se estivéssemos em palimpsesto de putas é caracterizado por esse mundo subjetivo, criado por uma narradora a partir dos fragmentos do que lhe é relatado, nesse caso trabalhando mais a capacidade de preencher as lacunas, ou melhor, como capacidade criadora, isto porque a narração confunde-se com a criação.

Outro aspecto é que dentro da narrativa pode ser levantada a questão da representação do real, em outras palavras até que ponto, no mundo interno da obra, as conjecturas da narradora coincide com o que realmente aconteceu com as personagens? Embora seja um questionamento válido é tão difícil de responder quanto a própria relação da obra com o mundo externo (real), no caso porque é apresentado apenas a versão da narradora que apenas tem pistas e fragmentos da vida das personagens, e aqui reside que é um romance de possibilidades levantadas pela narradora.

REFERÊNCIAS

CANDIDO, Antonio. A compreensão da realidade. In: ______. O observador literário. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2008, p. 33-38.

______. A personagem do Romance. In: Candido, Antonio [et. al.]. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2014, p. 51-80.

FREDERICO, Celso. Lukács: um clássico do século XX. São Paulo: Moderna, 1997.

GAGNEBIN, Jeanne Marie. A memória dos mortais: notas para uma definição de cultura a partir de uma leitura da Odisseia. In ______. Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Editora 34, 2009, p. 13-27.

GAGNEBIN, Jeanne Marie. Homero e a Dialética do Esclarecimento. In ______. Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Editora 34, 2009, p. 29-37.

LUKÁCS, Georg. A teoria do romance: um ensaio filosófico sobre as formas da grande épica. Tradução: José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2ª ed. 2009.

WATT, Ian. O realismo e a forma romance. In. ______. A ascensão do romance: estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. Tradução: Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 9-36.

VIGNA, Elvira. Como se estivéssemos em palimpsesto de putas. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.


1 Graduado em Letras-Português – UESPI, Pós-graduado Lato Sensu em Estudos Linguísticos e Literários – NEAD-UESPI-UAB e Mestrando em Letras pela UESPI.