A FLEXIBILIDADE DO DIREITO NA VISÃO DE OLIVER WENDELL HOLMES JR

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12538399


Bruno Paiva Garcia


Resumo: o artigo aborda o tema da flexibilidade do direito, observando os ensinamentos de Oliver Wendell Holmes Jr, jurista norte-americano, que é considerado o maior expoente do realismo jurídico dos Estados Unidos. O realismo pode ser considerado uma superação do positivismo (concepção formal do direito) e do jusnaturalismo (concepção ideal do direito) e propugna que o direito deve ser observado na prática, na realidade social. O direito surge e se desenvolve em sintonia com a sociedade. Ao final do artigo, pondera-se que o maior legado deixado por Oliver Wendell Holmes Jr é a demonstração da indeterminação da lei e a importância de fatores extrajurídicos nas decisões judiciais. 

Palavras-chave: Realismo Jurídico. Positivismo. Jusnaturalismo. Pragmatismo. Flexibilidade do direito. 

1. INTRODUÇÃO

OLIVER WENDELL HOLMES JR (março de 1841 – março de 1935) foi um jurista norte-americano que integrou a Suprema Corte dos Estados Unidos, por indicação do presidente Theodore Roosevelt, entre os anos de 1902 e 1932, tendo se aposentado aos 90 anos como o Justice mais velho a compor o tribunal – um recorde ainda não superado. Anteriormente, havia atuado na Corte de Massachussetts e lecionado em Harvard. HOLMES também lutou na guerra civil norte-americana, quando foi várias vezes ferido e feito prisioneiro entre os confederados.

HOLMES é um dos maiores nomes do pensamento jurídico e do realismo norte americano, tendo levado o pragmatismo jurídico ao extremo, com frequentes discordâncias de opiniões formalistas, que lhe valeram o título “the great dissenter”.

2. REALISMO JURÍDICO

O realismo jurídico pode ser visto como uma superação do positivismo (concepção formal do direito) e do jusnaturalismo (concepção ideal do direito). O direito, segundo essa corrente, não é meramente a norma posta e, tampouco, pode se resumir a questões morais. O direito é algo que deve ser verificado na prática, na realidade social, “onde o direito se forma e se transforma, nas ações dos homens que fazem e desfazem com seu comportamento as regras de conduta que os governam” (BOBBIO, 2003 n.p.).

A questão central para os realistas, portanto, é a eficácia da norma e não apenas a validade ou a justiça da lei. O direito real, de acordo com o realismo, não pode ser substituído por uma “aspiração ideal à justiça” e, tampouco, por normas que, embora válidas, “são vazias de conteúdo” (BOBBIO, 2003 n.p.).

Segundo Bobbio, podem ser identificados no século XIX três principais momentos de emergência do realismo. Em primeiro, a escola histórica do direito, de Savigny, segundo a qual o direito não se deduz de princípios racionais, mas se trata de fenômeno histórico e social que nasce espontaneamente do povo, daí que os direitos são tão diversos como são os povos e o direito consuetudinário é a fonte primária direito. Em segundo, a concepção sociológica do direito, surgida na Europa no final do séc. XIX, com a ideia de superação de uma defasagem existente entre o direito codificado e a realidade social advinda após a revolução industrial. Segundo a escola sociológica, evoca-se não tanto o direito consuetudinário, mas sobretudo o direito judiciário, a jurisprudência: o direito se forma no entrelaçamento das relações sociais e no conflito de interesses contrapostos absorvidos pelo juiz.

O terceiro momento, que Bobbio apontou como a reação mais violenta e mais radical ao formalismo, surgiu nos Estados Unidos e teve como maior expoente Oliver Wendell Holmes Jr. 

2.1. REALISMO JURÍDICO NORTE AMERICANO

O direito, segundo o realismo norte americano, é aquilo que é encontrado nas decisões judiciais. A moral e as normas positivas, em termos positivistas e jusnaturalistas, são elementos que conformam a decisão judicial, que não se resume a nenhum desses aspectos. 

O realismo jurídico norte americano se utiliza de uma metodologia dupla: (a) análise empírica das decisões – verificação de como os juízes e tribunais decidem; (b) análise psicológica – entendimento de como os juízes decidem. Em termos práticos, o realismo jurídico propugna que os juízes primeiro decidem e, depois, buscam a legitimação (fundamentos jurídicos) para suas decisões. 

Com base nisso, o realismo busca entender e verificar as decisões judiciais passadas para predizer as decisões futuras. 

Em um sistema de common law, o direito é encontrado nos precedentes e o realismo busca compreender esse sistema a partir desse método empirista e psicológico. No sistema civil law, o realismo jurídico norte-americano está ligado ao que se denomina ideologia dinâmica da interpretação, que é uma forma de compreender a hermenêutica jurídica e explica o sistema de precedentes do Código de Processo Civil. 

Críticas ao realismo norte-americano: (a) a competência dos tribunais é estabelecida por lei, que limita a atuação do julgador; (b) não se pode conceder um poder ilimitados aos juízes; sob pena de um ativismo judicial desregrado, “que politiza e corrói o Judiciário” (STRECK; DELFINO, 2015); (c) leva ao decisionismo, ao permitir que os magistrados decidam com base, exclusivamente, no que entendem como justiça, isto é, “critérios de conveniência, cujas premissas jurídicas são buscadas só depois que a solução é intuída” (STRECK; DELFINO, 2015); (d) adúltera “limites hermenêuticos dos enunciados normativos, inclusive aqueles de calibre constitucional”  (STRECK; DELFINO, 2015).

2.2. REALISMO JURÍDICO ESCANDINAVO

O realismo jurídico escandinavo, diferentemente do norte americano, retira a ênfase da decisão judicial para buscar o direito na sociedade, no comportamento dos destinatários da norma. Existe, portanto, uma tentativa de desmistificar abstrações e ficções jurídicas.

O direito não é uma questão de eficácia, isto é, de produção de efeitos jurídicos, mas de efetividade, a possibilidade de produzir efeitos na realidade fática.

3. A INDETERMINAÇÃO JURÍDICA EM HOLMES JR.

“The prophecies of what the courts will do in fact, and nothing more pretentious, are what I mean by the law” (HOLMES, Jr).

Segundo Holmes Jr, a dedução silogística mecânica não é a melhor forma de compreensão do direito, devendo-se buscar a experiência, isto é: “as necessidades de cada época, as teorias morais e políticas predominantes, as instituições que inspiraram a ação política” (DINIZ, 2009, p. 61).  Nas palavras do próprio Holmes Jr:

A vida do direito não tem sido a lógica: tem sido a experiência. As necessidades do tempo, as teorias morais e políticas prevalecentes, as intuições das políticas públicas, assumidas ou inconscientes, até mesmo os preconceitos que os magistrados compartilham com os seus conterrâneos, mostraram-se muito mais influentes do que os silogismos na determinação das regras que devem governar o comportamento dos homens. O direito encarna a história do desenvolvimento de uma nação através de vários séculos, e por isso não pode ser abordado como se contivesse apenas axiomas e corolários de um livro de matemática. 

Segundo a proposição de HOLMES, primeiro decide-se o caso com base na experiência e, depois, determina-se a fundamentação, de sorte que não há um caminho lógico entre a lei e a decisão judicial. Apenas depois de uma série de decisões judiciais sobre um mesmo assunto, apresenta-se, por indução, um princípio que estava oculto e então é possível extrair uma regra geral. 

A atividade judicial, nesse contexto, é sempre criativa, devendo levar em conta o contexto social, que se modifica continuamente. O juiz (e todos os atores processuais) estão envoltos em valores que determinam sua “visão de mundo” e consequentemente a maneira como tratam os casos que são apresentados.

Existe, pois, um espaço temporal entre o contexto histórico de produção da norma e de sua aplicação. O juiz deve empreender, portanto, uma reconsideração de sentido da norma, no momento da aplicação, o que exige uma sensibilidade social refinada. 

A experiência, dessa forma, nos termos propostos por Holmes, é um conceito abrangente que engloba o manejo das normas, a composição de argumentos jurídicos, o reconhecimento dos precedentes, além de uma sensibilidade que contemple também as consequências e implicações produzidas pela decisão judicial no contexto social a que ela se dirige.

Essa perspectiva pragmatista de HOLMES o contrapõe diretamente às premissas teóricas do positivismo jurídico, que tem por fundamento uma demarcação precisa dos elementos que o constituem, enquanto modelo autônomo e independente.

Se o direito se traduz em “experiência”, não se pode conceituá-lo no singular, como a “lei”, mas como um processo social que abrange várias atividades distintas e em constante interação.

O modelo proposto por HOLMES, como ensina Kellogg, é um sistema endógeno: o direito surge e se desenvolve em sintonia com a sociedade, sendo impossível estabelecer fronteiras e elementos constitutivos dissociados dos demais processos sociais que o envolvem.

O positivismo jurídico, por outro lado, ainda segundo Kellogg, apresenta um modelo exógeno: a sociedade é objeto de intervenção do direito, são domínios distintos.

Para HOLMES, a decisão judicial é sempre criativa, “uma vez que os desejos e as inclinações do tempo, que constituem a fundamentação social mais ampla para a decisão, estão em contínua modificação” (ALMEIDA, 2021). A decisão judicial está enraizada “no desdobramento temporal dos eventos que marcam a comunidade cujo sistema jurídico se insere” (ALMEIDA, 2021). 

Para HART, que pode ser considerado um positivista, a lei é indeterminada, pois existe um limite inerente à linguagem. Algumas palavras têm significado preciso, mas existem penumbras em que não há precisão a respeito da extensão do significado. Nesses casos, os tribunais têm uma discricionariedade, pois não existe uma única resposta correta.

Para realistas, porém, a indeterminação da lei não reside na linguagem, mas na existência de cânones interpretativos, igualmente legítimos, que os tribunais podem usar para extrair diferentes regras do mesmo texto legal. O tribunal, por exemplo, pode interpretar uma lei de forma ampla ou restrita e pode extrair conclusões diferentes de um mesmo paradigma. Consequentemente, a indeterminação não está na lei, mas na verificação do conteúdo da lei. As leis ou precedentes permitem, desde sempre, uma manipulação.

Ambos (HART e os realistas) apontam a indeterminação da lei, mas diferem a respeito do grau de indeterminação. Para Hart, a indeterminação é marginal e para os realistas é uma questão central. 

O principal legado do realismo norte americano, que teve como maior expoente OLIVER WENDELL HOLMES JR é a demonstração da indeterminação da lei e a importância de fatores extrajurídicos nas decisões judiciais, o que permitiu que se estudasse, de forma clara, o impacto de fatores políticos, econômicos e sociais nas decisões judiciais.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Leonardo Monteiro Crespo de. Criatividade e Decisão Judicial: considerações a partir do pragmatismo jurídico de Oliver Wendell Holmes Jr e da filosofia vitalista de Henri Bergson. Revista Pensamento Jurídico. São Paulo – Volume 15, n. 03, set/dez. 2021.    

BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica [livro eletrônico]. 2ª Edição. EdiPRO, 2003.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 20ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009. 

GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. A trajetória de Holmes Jr., o herói do Direito dos EUA. Disponível em www.conjur.com.br/2013-fev-03/embargos-culturais-trajetoria-holmes-jr-heroi-direito-eua#author

_____ Introdução ao Realismo Jurídico Norte-Americano. Brasília: edição do autor, 2013.

HOLMES JR, Oliver Wendell. The path of the law [livro eletrônico]. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/gu002373.pdf.

JORGE, Claudia Chaves Martins. Realismo Jurídico e a indeterminação do direito – as decisões judiciais segundo Holmes Jr, Hart e Dworkin [livro eletrônico]. São Paulo: Dialética, 2022.

KELLOGG, Frederic R. Oliver Wendell Holmes Jr., Legal Theory, and Judicial Restraint [livro eletrônico]. Nova Iorque, Cambridge Press, 2007.   

LEITER, Brian. American Legal Realism. In The Blackwell Guide to the Philosophy of law and legal Theory [livro eletrônico]. Oxford, Blackwell Publishing, 2005.

NOJIRI, Sergio. Decisão judicial. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://bit.ly/3M4bIoF

STRECK, Lenio; DELFINO, Lucio. Novo CPC e decisão por equidade: a canabalização do Direito. Disponível em https://www.conjur.com.br/2015-dez-29/cpc-decisao-equidade-canabalizacao-direito. 

WACKS, Raymond. Philosophy of law: a very short introduction. Oxford, Oxford University Press, 2014.