REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8387234
Cristian Alves De Souza[1]
1. INTRODUÇÃO
O direito processual civil é uma ciência voltada aos resultados e sob esse parâmetro finalístico devem ser analisadas suas premissas e as respectivas disposições normativas. Entendido como instrumento do direito material, o processo visa solucionar um conflito entre a realidade dos fatos e o direito objetivo, quando este não é aplicado de forma espontânea.
A busca pela realização do direito objetivo ao caso concreto é a própria razão de ser do processo, com vistas a assegurar o efetivo acesso à ordem jurídica justa.
O processo assume, nesse contexto, função mais ampla que a de mero instrumento, constituindo o meio de propiciar à parte que possui razão, que teve ferida sua confiança na observância do Direito, a melhora específica da sua situação, em relação àquela que estava antes da demanda judicial. Diz-se específica aquela melhora que é apta a sanar a causa que levou o indivíduo a acionar o Judiciário e, exatamente por isso, os recursos processuais disponíveis devem ser adequados à tutela dos mais diversos direitos e à concessão das mais diferentes tutelas jurisdicionais.
A ideia de que os instrumentos capazes de possibilitar à parte a restauração de sua situação jurídica anterior devem ser efetivos, dotados e celeridade e aptos a modificar o mundo exterior é indissociável da compreensão do sentido de acesso à ordem jurídica justa.
Por muito tempo o objetivo principal do processo limitou-se a uma tutela comum, sem preocupações com o aspecto temporal, dissociado da ideia de efetividade como aspecto primordial do sistema. Na impossibilidade da tutela específica pretendida, buscava-se o equivalente financeiro, resolvendo o conflito jurídico com base nas perdas e danos.
Entre nós, o sistema processual delineado por Alfredo Buzaid no CPC de 1973 era a expressão desse panorama, não existindo uma preocupação genuína com a questão temporal, o que pode ser constatado pela ausência de técnicas de se abreviar o julgamento ou antecipar a tutela pretendida. Ao revés, a solução apresentada pelo sistema anterior era a resolução das crises jurídicas de inadimplemento pela indenização do equivalente econômico.
O aperfeiçoamento da técnica processual de resolução de conflitos e a garantia de efetividade em nosso ordenamento passa pela previsão da Carta Republicana de 1988 de princípios específicos do processo.
A partir daí, almejou-se o aperfeiçoamento de instrumentos processuais com o escopo de atingir a finalidade elementar do processo, sob a promessa constitucional de acesso à ordem jurídica justa, igualitária e tempestiva.
Foi a noção de tempo-inimigo, a que sempre se reportou Francesco Carnelutti, o móvel da adequação das tutelas jurisdicionais aos tempos em que a morosidade do Poder Judiciário tem perigoso agravamento, principalmente em função da sempre crescente judicialização dos conflitos na sociedade moderna.
Por esse motivo, isto é, pelos riscos que advêm da morosidade judicial, o tema a ser tratado neste trabalho possui especial relevância, na medida em que se debruçará sobre as formas de conter os efeitos nocivos que decorrem do tempo no processo, através da análise do instituto da estabilização da tutela antecipada como remédio processual a revigorar a aptidão do processo de realizar justiça efetiva.
Nesse sentido, corrobora o pensamento aqui manifesto a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.015/2015), que trouxe mudanças significativas na disciplina das tutelas de urgência, conforme será visto nos tópicos seguintes.
Assim, o objetivo deste artigo científico é apresentar uma das principais alterações empreendidas pelo Novo Código de Processo Civil em relação às tutelas de urgência: a estabilização da tutela antecipada.
Especificamente, busca-se constatar se foi possível resolver o problema da influência do tempo no processo, de modo a satisfazer as necessidades de celeridade e segurança jurídica de que careciam o ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse contexto, antes de adentrar no tema específico, será estabelecida a diferença entre tutela padrão e tutela diferenciada, para, a partir daí, traçar a estruturação da tutela de urgência no Novo CPC e, enfim, analisar a estabilização da tutela de urgência, em seu aspecto satisfativo.
2. Tutela padrão e tutela de urgência
Nesse título serão apresentadas noções introdutórias a respeito das tutelas de urgência, diferenciando-as da tutela jurisdicional padrão e discorrendo acerca de suas características principais.
O monopólio estatal da jurisdição impõe aos indivíduos, privados da autotutela, a necessidade de socorrer-se do Poder Judiciário para sanar ou evitar lesão a direito através do processo, constituído como meio institucional do Estado aplicar o direito ao caso concreto.
A aplicação do ordenamento normativo, contudo, depende de uma certeza jurídica a ser formada no decorrer do processo. Ou seja, a resposta estatal depende da constatação por agentes públicos investidos de atividade judicante da real ocorrência de violação do direito alheio.
Sem um grau de convencimento absoluto, o Estado, via de regra, não prestará a tutela jurisdicional, haja vista o risco à segurança jurídica que decisões temerárias podem ocasionar. Assim, somente após a ocorrência de inúmeros atos sequenciais com a participação das partes envolvidas no conflito, o Poder Público forma seu convencimento e apresenta a solução que melhor atende às normas previamente estabelecidas. Está é a tutela jurisdicional.
A tutela que decorre da certeza estatal é denominada pela doutrina como tutela padrão (ZAVASKI, 1999, p. 18-21), baseada em cognição exauriente, isto é, aquela que possibilita a ampla defesa e o contraditório de maneira plena.
A cognição exauriente, única capaz de produzir a tutela padrão, é dotada de maior grau de certeza no processo e, por isso mesmo, possui consequências mais sólidas, a exemplo da formação da coisa julgada material. Tem, assim, a vantagem de produzir risco mínimo de erro de juízo valorativo (BEDAQUE, 2003, p. 120). Por outro lado, sua desvantagem é o tempo necessário para se alcançar esse acentuado grau de convencimento.
É que é preciso tempo para a formação de convicção que seja dotada de alta probabilidade certeza, uma vez que há vários atos a serem praticados e provas a serem produzidas. Nem sempre, porém, a situação posta em juízo é susceptível de esperar pela formação dessa cognição especial. Em muitas situações, será necessário o sacrifício da segurança jurídica, advinda da tutela padrão, em nome do resguardo da própria utilidade do processo. Nesses casos, estaremos diante da tutela diferenciada.
A tutela diferenciada é uma tutela excepcional, fundada em cognição sumária, que foge à regra de segurança jurídica, sacrificando-a, em grade medida, para que se evite a perda do direito ou a acentuada dificuldade de seu restabelecimento.
Nas lições de Humberto Theodoro Júnior (2002, p. 28):
Múltiplos são os expedientes de que o direito processual se vale na luta em prol da efetividade do processo e na coibição dos efeitos do tempo sobre os resultados do processo, como a criação de títulos executivos extrajudiciais e a redução dos procedimentos (ritos sumários, ações monitórias, julgamento antecipado da lide etc.). Com todos esses caminhos especiais se intenta proporcionar as chamadas tutelas diferenciadas, que, além da sumarização dos procedimentos comuns, conduzem também àquilo que configura as modernas tutelas de urgência, de que o direito processual atual não pode prescindir para realizar o anseio de efetividade.
Dentre essas tutelas diferenciadas, temos a tutela de urgência, que mais interessa a este trabalho, caracterizada por ser proferida por cognação não exauriente e dirigida a evitar que a demora do processo, ainda que natural, dificulte a prestação da tutela jurisdicional.
No escólio de ZAVASKI (2007, p. 29),
Em situações de risco, de perigo de dano, de comprometimento da efetividade da função jurisdicional, será indispensável, por isso, alguma espécie de providência imediata, tomada antes do esgotamento das vias ordinárias. Daí a razão pela qual se pode afirmar que a tutela destinada a prestar tais providências é tutela de urgência.
A grande vantagem da utilização da tutela de urgência reside na abreviação do tempo necessário para o deferimento dela. Essa diminuição da fase de formação do convencimento, contudo, é o principal fator a gerar o cometimento de injustiças. Por ser muitas vezes concedida sem a realização de atos instrutórios de convencimento do magistrado, a tutela de urgência põe em risco a segurança jurídica, na medida em que impõe ao órgão julgador a necessidade de formação de juízo de valor sem esgotar a busca por subsídios decisórios (THEODORO JÚNIOR, 2008, p. 131-132).
Justamente em razão dessa natural limitação cognitiva, a tutela de urgência não é apta a prover definitividade sobre o interesse sob o qual incide, não formando coisa julgada (GRECO, 2015, p. 186).
Sob a óptica do CPC/1973, além de não ser apta à formação da coisa julgada, a cognição sumária não tinha força, por si só, para decidir definitivamente a questão levada à juízo, na medida em que havia a necessidade do sequenciamento da atividade jurisdicional para a obtenção da decisão de cognição plena (art. 273, § 5º, CPC/73).
O Novo Código de Processo Civil, a seu turno, buscou quebrar ou atenuar o caráter acessório da cognição sumária em relação à cognição exauriente, por meio da técnica da estabilização da tutela de urgência, tornando autônoma a primeira como meio hábil a tutelar, por si mesma, o direito material, ainda que continue sem formar coisa julgada, conforme se verá mais adiante.
3. Tutela de urgência no Novo Código de Processo Civil
O Código de Processo Civil de 2015 introduziu em nosso sistema significativa mudança na disciplina da tutela provisória, optando o legislador pela unificação dos pressupostos para sua concessão, sejam elas de caráter cautelar ou satisfativo.
Nesse contexto, ambas foram alocadas em livro próprio, denominado “Da tutela provisória”, podendo ser subdividida em tutela provisória de urgência ou tutela provisória de evidência.
Enquanto a tutela provisória de urgência pode ser de natureza cautelar ou satisfativa, exigindo os mesmos requisitos, a tutela provisória de evidência possuirá sempre caráter satisfativo. Nos limites desse trabalho, discorreremos apenas a respeito das tutelas provisórias de urgência.
Segundo o art. 300 do NCPC, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Discorrendo a respeito dos requisitos, Daniel Neves (2016, p. 431) assevera:
O Novo Código de Processo Civil preferiu seguir outro caminho, já definido por parcela da doutrina, ao igualar o grau de convencimento para a concessão de qualquer espécie de tutela de urgência. Segundo o art. 300, caput, do Novo CPC, tanto para a tutela cautelar como para a tutela antecipada exige-se o convencimento do juiz acerca da existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito. A norma encerra qualquer dúvida a respeito do tema, sendo a mesma probabilidade de o direito existir suficiente para a concessão de tutela cautelar e de tutela antecipada.
A avaliação da oportunidade da concessão da tutela de urgência continua condicionada, mesmo com o Novo CPC, a um juízo acerca da existência do direito do requerente, consubstanciado na necessidade de “elementos que evidenciem a probabilidade do direito” (art. 300 do NCPC), e da inevitabilidade do dano iminente, assim como a um juízo de ponderação favorável à prioridade da tutela do direito alegado pelo requerente sobre o eventual direito do requerido que será sacrificado e sobre o direito ao contraditório e à ampla defesa, cuja postergação constitui sempre uma violação (GRECO, 2015, p. 199).
A nova legislação não define textualmente tutela cautelar e tutela antecipada. Seus conceitos, portanto, são transportados da doutrina consolidada e da jurisprudência pretérita dominante, os quais entendem que a tutela antecipada corresponde sempre a uma decisão interlocutória de acolhimento provisório, no todo ou em parte, do pedido formulado pelo autor, tendo natureza satisfativa. Por outro lado, a tutela cautelar pode ter como objeto uma providência instrutória do processo em curso, como uma produção antecipada de provas, ou uma medida assecuratória de bens e de situações jurídicas para assegurar a eficácia da decisão final do processo principal (GRECO, 2015, p. 197).
Essa classificação entre tutela antecipada e cautelar leva em consideração o critério funcional da providência pleiteada. Quando a perspectiva é o critério temporal, esses provimentos liminares são divididos em antecedente e incidente, conforme seja requerida antes ou no curso da ação principal, respectivamente.
A tutela satisfativa provisória incidental é conhecida em nosso ordenamento desde a inovação legislativa promovida pela Lei 8.952/1994, tendo sido pouco alterada pelo Novo CPC.
Já em relação à tutela antecipada de caráter antecedente, podemos dizer que é uma novidade do legislador de 2015, que trouxe ao nosso ordenamento a possibilidade de a parte pleitear tutela jurisdicional satisfativa antes mesmo da propositura da ação principal.
Nos termos do art. 303 do NCPC:
Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.
No sistema anterior, a possibilidade de concessão de tutela antes do ajuizamento da demanda principal se circunscrevia aos casos de cautelares, limitadas a assegurar a efetividade do processo principal.
Agora a perspectiva é outra. Diante de perigo iminente ao próprio direito material pleiteado, existe a possibilidade de buscar a antecipação dos efeitos da tutela, desde que preenchidos os requisitos legais, transferindo, assim, o ônus da morosidade do Poder Judiciário ao réu (GRECO, 2015, p. 198).
Portanto, a tutela provisória antecedente é aquela que deflagra o processo em que se pretende, no futuro, pedir a tutela definitiva. É requerimento anterior à formulação do pedido de tutela definitiva e tem por objetivo adiantar seus efeitos. Primeiro, pede-se a tutela provisória; só depois, pede-se a tutela definitiva (DIDIER JR., 2016, p. 586).
Ao receber o requerimento inicial, abrem-se ao juiz algumas possibilidades, a saber: (i) apreciar a medida liminar, inclusive, caso queira, após realização de audiência de justificação prévia (art. 300, § 2º, NCPC); (ii) indeferir o requerimento com base nas hipóteses do art. 330 do NCPC; (iii) determinar sua emenda; (iv) decretar a improcedência liminar do pedido (art. 332, NCPC).
Nos termos do art. 303, § 1º, inciso I, do NCPC, após a concessão da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, deverá o autor aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, no prazo de 15 (quinze) dias ou outro prazo maior determinado pelo juiz, sob pena de ver extinto o processo sem resolução do mérito (NEVES, 2016, p. 448).
Ao mesmo tempo, o réu será citado e intimado para audiência de conciliação (art. 303, § 1º, II), começando daí a correr o prazo para eventual interposição de agravo de instrumento, recurso cabível da decisão que concede tutela antecipada (art. 1.015, NCPC).
Não interposto o recurso, a decisão que deferiu a tutela antecipada será estabilizada, consubstanciado esse efeito na mais avançada mudança de paradigmas adotada pela nova legislação processual brasileira em tema de tutelas de urgência.
4. A estabilização da tutela antecipada antecedente
O Novo Código de Processo Civil, ao tratar da tutela de urgência antecipatória requerida em caráter antecedente, passou a prever a hipótese de regulação da crise de direito material que deu causa ao processo através de uma decisão de cognição não exauriente que mantém seus efeitos mesmo após a extinção de eventual processo principal.
Cuida-se a estabilização da tutela antecipada de técnica processual importada dos ordenamentos jurídicos francês e italiano, conforme confessado pela própria Exposição de Motivos do Anteprojeto do Novo CPC:
Também visando a essa finalidade, o novo Código de Processo Civil criou, inspirado no sistema italiano e francês, a estabilização de tutela, a que já se referiu no item anterior, que permite a manutenção da eficácia da medida de urgência, ou antecipatória de tutela, até que seja eventualmente impugnada pela parte contrária.
Dispõe o art. 304 do CPC/2015 (BRASIL, 2015) que “a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso”. Em outras palavras, a decisão que concede a tutela antecipada, se não impugnada por meio de agravo de instrumento dirigido ao tribunal (art. 1015, inciso I, do NCPC), será estabilizada, dirimindo a crise de direito material.
Como consequência da omissão do réu, o processo será extinto sem resolução do mérito, na forma do art. 304, caput, e § 1º, do NCPC (BRASIL, 2015).
Sob a ótica do Novo CPC, a interposição desse recurso é o único meio de evitar a estabilização, pois, não se irresignando o réu, a decisão que concedeu a tutela antecipada se estabilizará, nos termos do que dispõe o art. 304 do NCPC e o processo será extinto.
Há doutrina, entretanto, no sentido de que não é somente a interposição de recurso que terá o condão de evitar a estabilização da decisão.
Marcelo Pacheco Machado, por exemplo, defende que qualquer sorte de resposta fornecida pelo demandado em relação ao pedido de tutela de urgência, ainda que não signifique a interposição do recurso cabível, será suficiente para impedir a estabilização dos efeitos da tutela de urgência (MACHADO, 2011, p. 263).
Esse também é o entendimento de Daniel Neves (2016, p. 452):
Tenho um entendimento ainda mais amplo, admitindo que qualquer forma de manifestação de inconformismo do réu, ainda que não seja voltado à impugnação da decisão concessiva de tutela antecedente, é o suficiente para se afastar a estabilização prevista no art. 304 do Novo CPC. O réu pode, por exemplo, peticionar perante o próprio juízo que concedeu a tutela antecipada afirmando que embora não se oponha à tutela antecipada concedida não concorda com a estabilização, e que pretende a continuidade do processo com futura prolação de decisão de mérito fundada em cognição exauriente, possível de formação de coisa julgada material.
Assim, havendo a interposição do agravo de instrumento pelo réu, estará afastada a estabilização da tutela antecipada concedida de forma antecedente independentemente do resultado do recurso (NEVES, 2016, p. 453).
A doutrina enumera determinados pressupostos para a ocorrência da estabilização da tutela antecipada. FREDIE DIDIER, RAFAEL ALEXANDRIA e PAULA SARNO defendem a existência dos seguintes: (i) requerimento de tutela provisória satisfativa em caráter antecedente; (ii) ausência de manifestação, na petição inicial, de intenção de dar prosseguimento ao processo principal; (iii) prolação de decisão concessória da tutela antecipada antecedente; (iv) ausência de impugnação por parte do réu, litisconsorte passivo ou assistente simples (DIDIER JR., 2015, p. 606-610).
A norma legal que prevê a estabilização restringe sua incidência aos casos de deferimento de tutela antecipada antecedente, não sendo aplicável à tutela cautelar, à tutela de evidência, nem mesmo à tutela antecipada incidente.
Nesse sentido, Fredie Didier Jr. assevera (DIDIER, 2016, p. 618-619):
É preciso que o autor tenha requerido a concessão de tutela provisória satisfativa (tutela antecipada) em caráter antecedente. Somente ela tem aptidão para estabilizar-se nos termos do art. 304 do CPC. A opção pela tutela antecedente deve ser declarada expressamente pelo autor (art. 303, § 5º, CPC). Um dos desdobramentos disso é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada, caso o réu seja inerte contra a decisão que a conceda (art. 304, CPC). Os arts. 303 e 304 formam um amálgama. Desse modo, ao manifestar a sua opção pela tutela antecipada antecedente (art. 303, § 5º, CPC), o autor manifesta, por consequência, a sua intenção de vê-la estabilizada, se preenchido o suporte fático do art. 304.
A inaplicabilidade à tutela cautelar decorre da ausência de lógica em estabilizar decisão instrumental. Ou seja, tendo natureza meramente acautelatória, a decisão que defere a tutela cautelar não resolve conflito jurídico, dando apenas a possibilidade de discuti-lo, eficazmente, por meio do processo (NEVES, 2016, p. 449). Daí a razão de não se sujeitar à estabilização.
Essa decisão estabilizada, por sua vez, produzirá efeitos até a sua eventual modificação por decisão de mérito proferida em ação autônoma, nos termos do que dispõe o art. 304, § 3º, do NCPC.
Dentre os efeitos a serem produzidos pela decisão estabilizada está sua ampla executividade e eficácia, sendo ela plenamente apta a desencadear medidas de execução provisória (art. 297, NCPC).
O fundamento ontológico da estabilização diz com a necessidade de dar efetividade ao comando constitucional que elegeu à categoria de direito fundamental do indivíduo, a duração razoável do processo.
A esse respeito, Eider Avelino (2013, p. 277-278) assevera que a duração razoável do processo não decorre apenas do princípio do devido processo legal ou da inafastabilidade da jurisdição, mas é consequência inexorável do Estado Democrático de Direito, ao qual incumbe a função de entregar “uma prestação jurisdicional justa e no menor prazo possível, sem dilações desnecessárias e excessivas, contrárias às expectativas mínimas dos cidadãos em relação à solução dos conflitos”.
O instituto busca modificar a cultura jurídica de desinteresse pelo processo, quando a tutela antecipada é deferida em favor de uma das partes. Há, assim, uma redução abrupta do curso do processo, dispensando-se uma análise mais aprofundada do mérito, que seria proferida em cognição exauriente, sob a presunção de que as partes, inertes diante da decisão liminar, estão satisfeitas com a tutela concedida (OLIVEIRA NETO, 2015, p. 639). Privilegia-se, assim, os princípios da eficiência e efetividade.
Há, assim, através do instituto da estabilização, uma aproximação entre a cognição sumária e a exauriente. Destarte, a estabilização da tutela antecipada permite a solução do conflito por meio de uma decisão que, apesar de fundada em cognição sumária, é dotada de possível caráter definitivo, bastando, para isso, que o réu não se irresigne contra a decisão que a concedeu. É a decisão sumária que regulará a questão posta em juízo, por conta própria e sem a necessidade de uma decisão posterior que a confirme ou revogue.
Isso não impede as partes, contudo, de provocar a instauração de procedimento de cognição plena, desde que observado o prazo de dois anos para tanto, conforme inteligência do art. 304, § 5º, NCPC, segundo o qual: “O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º”.
Esse efeito processual, contudo, não se confunde com a coisa julgada, na medida em que o próprio texto legal impediu a produção desse efeito pela estabilização:
Art. 304. (Omissis)
§ 6º. A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo. (BRASIL, 2015)
Isso porque não faria sentido atribuir à decisão de estabilização o efeito da coisa julgada, mesmo após passado o prazo para sua revisão, na medida em que baseada ela foi em cognação sumária e, como visto, essa difere em muito da cognição exauriente. Assim, se se pretende atribuir à decisão baseada em cognição sumária a eficácia de coisa julgada, não há mais espaço no ordenamento jurídico para a própria existência de procedimento que resulte em decisão de cognição exauriente, o que, em última análise, vulnera os princípios constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e contraditório (ANDRADE, 2016, p. 85).
Por outro lado, o fato de não ser dotada do efeito jurídico decorrente da coisa julgada, não significa que a decisão estabilizada não possa regular definitivamente o conflito jurídico que deu origem ao processo, dado que a característica de definitividade não é exclusiva da coisa julgada.
Há inúmeros institutos processuais que possuem como consequência a resolução definitiva dos conflitos, impedindo a propositura de ações, a exemplo do decurso de tempo (prescrição e decadência) que é capaz de trazer definitividade à situação jurídica sem que, com isso, se alegue que ocorreu res judicata.
É exatamente isso que ocorre quando da estabilização da tutela antecipada após o decurso do prazo para sua revisão (art. 304, § 5º, NCPC).
A impossibilidade de rediscussão da matéria estabilizada em sede de cognição exauriente não é consequência da coisa julgada, mas sim dos efeitos da decadência sobre o direito daquele que pretende rediscuti-la após o prazo de dois anos.
Nesse sentir, Cavalcanti Neto (2016, p. 214) considera que “a partir da consumação da decadência, os efeitos da decisão provisória são estabilizados de forma soberana, não sendo cabível outra ação para infirmar a antecipação de tutela”.
Em outras palavras, ultrapassados os dois anos previstos para revisão da decisão estabilizada, eventual ajuizamento de ação com vistas à instaurar procedimento de cognição exauriente não será rejeitado com base no pressuposto negativo da coisa julgada (art. 485, V, NCPC), conduzindo à extinção do processo sem resolução do mérito, mas sim a partir da análise dos institutos da prescrição e da decadência, o que reclamará a extinção do processo com resolução do mérito, na forma do art. 487, II, do NCPC.
5. Conclusão
Por todo o exposto, percebe-se que a sociedade contemporânea necessita de instrumentos alternativos de solução das crises de direito material sem que seja necessário submeter-se ao prolongado procedimento judicial ordinário para tanto.
A solução para esse dilema, reside na sumarização dos procedimentos existentes, na busca pela garantia da ordem jurídica justa e célere.
Nesse contexto, o movimento advindo da Europa, no sentido de necessidade de voltar-se os olhos para uma necessária mudança na configuração da tutela sumária, tem produzido institutos, dos quais é exemplo a estabilização da tutela antecipada, com a missão de não somente resolver situações de urgência, mas também desestimular a parte que já possui a percepção de que seu direito não é forte o suficiente, de prolongar a discussão da matéria.
A técnica da estabilização, assim, advém de experiências estrangeiras positivas. Assim, por meio dela, é possível a abreviação de processos, desafogando a máquina judiciária e contribuindo no combate à morosidade, que se agrava a cada dia pela quantidade cada vez maior de demandas submetidas ao Poder Judiciário.
Sua aplicação busca, também, contribuir para a efetividade da prestação jurisdicional, munindo aquele que foi lesado em seu direito, de procedimento célere para fazer cessar a lesão, o que coaduna com a moderna visão de acesso à ordem jurídica justa.
Por outro lado, a ausência de formação da coisa julgada nos casos de estabilização da tutela antecipada, diz com a necessidade de manter-se a mínima segurança jurídica, sem riscos de estabilização total da situação jurídica.
Além disso, a não formação da coisa julgada decorre da manutenção da distinção entre os provimentos jurisdicionais baseados em cognição sumária e em cognição exauriente, qualificados, cada um, com efeitos jurídicos diversos.
Apesar do nítido fortalecimento das tutelas diferenciadas, a promissora estabilização necessita de profunda reflexão pelos operadores do direito, de modo a possibilitar avanços na resolução da crise de direito material sem que se ponha em risco a necessária segurança jurídica.
6. REFERÊNCIAS
ANDRADE, Érico; NUNES, Dierle. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência antecipatória no novo CPC e o mistério da ausência de formação da coisa julgada. In DIDIER JR., Fredie; FREIRE; Alexandre; MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi (Orgs.). Procedimentos especiais, tutela provisória e direito transitório, Coleção Novo CPC – Doutrina Selecionada – vol. 4. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência (tentativa de sistematização). 3ª ed. Malheiros: São Paulo, 2003.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.
_______. Código de Processo Civil. Lei 13.015, de 16 de março de 2015. Brasília, DF: Senado Federal.
CAVALCANTI NETO, Antônio de Moura. Estabilização da tutela antecipada antecedente: tentativa de sistematização. In COSTA, Eduardo José da Fonseca; DIDIER JR., Fredie; GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos; PEREIRA, Mateus Costa (Orgs.). Tutela provisória. Coleção Grandes Temas do Novo CPC – vol. 6. Salvador: Juspodivm, 2016.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. 11ª ed. Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2016.
GRECO, Leonardo. Novo CPC Doutrina selecionada. v. 4. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
MACHADO, Marcelo Pacheco. Simplificação, autonomia e estabilização das tutelas de urgência: análise da proposta do projeto de novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, vol. 202, ano 36. São Paulo: RT, dezembro/2011.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Vol. Único. 8 ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2016.
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Concepções sobre Acesso à Justiça. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 82, p. 43 a 53, jan. 2010.
SILVA, Eider Avelino. A razoável duração do processo e o projeto de novo Código de Processo Civil: uma constante preocupação. Revista de Processo, vol. 216, ano 38. São Paulo: RT, fevereiro/2013.
THEODORO JR, Humberto. Curso de direito processual civil. 49. ed., v. II. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
______________________. Tutela antecipada. Evolução. Visão comparatista. Direito brasileiro e direito europeu, RePro 157/2008.
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
1Graduando em Direito pela Universidade Potiguar. Analista Processual do Ministério Público Federal, cristianalves@mpf.mp.br;