A ESPIRITUALIDADE E A PRÁTICA DE MINDFULNESS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12682404


   Thaíse Rocha Figueiredo Tempone*


 Resumo

A espiritualidade está relacionada ao transcendente por questões relativas ao significado e ao propósito de vida. A religião é um processo dinâmico de crenças e práticas, enquanto a religiosidade envolve práticas ritualísticas e símbolos sem descartar a presença da espiritualidade. O mindfulness é ainda pouco comum na cultura ocidental, porém de fácil aplicação. Auxilia no ganho de saúde física e mental, trazendo o foco da atenção para o momento presente, controlando as características negativas dos indivíduos e valorizando as positivas. Buscou-se fazer uma interrelação entre espiritualidade e mindfulness, e para isso foram utilizadas obras de diferentes autores, pesquisadas na plataforma Google Scholar, realizando-se uma revisão de literatura e uma pesquisa básica e exploratória. Como principais resultados, tem-se a correlação positiva entre espiritualidade e mindfulness, que podem ser associados com sucesso no tratamento de enfermidades físicas e mentais, de forma que aceleram a recuperação, diminuem o sofrimento e aumentam o bem estar do paciente. Destaca-se a necessidade de mais estudos a respeito da relação entre espiritualidade e mindfulness, de maneira que os profissionais de saúde tenham maior embasamento científico sobre o tema e a população se beneficie desta associação tão promissora.

Palavras chave: espiritualidade, saúde, mindfulness.

Abstract

Spirituality is related to the transcendent through issues relating to the meaning and purpose of life. Religion is a dynamic process of beliefs and practices, while religiosity involves ritualistic practices and symbols without discarding the presence of spirituality. Mindfulness is still uncommon in Western culture, but it is easy to apply. It helps to gain physical and mental health, bringing the focus of attention to the present moment, controlling the negative characteristics of individuals and valuing the positive ones. We sought to establish an interrelationship between spirituality and mindfulness, and for this, works by different authors were used, researched on the Google Scholar platform, carrying out a literature review and basic and exploratory research. As main results, there is the correlation positive relationship between spirituality and mindfulness, which can be associated with success in the treatment of physical and mental illnesses, in a way that accelerates recovery, reduces suffering and increases the patient’s well-being. The need for more studies on the relationship between spirituality and mindfulness is highlighted, so that health professionals have a greater scientific basis on the topic and the population benefits from this promising association.

Keywords: spirituality, health, mindfulness.

INTRODUÇÃO

Para Santos, Toth e Junior(2023) a espiritualidade não precisa estar entrelaçada a uma religião específica, significando o modo de viver do indivíduo. Após muitas discussões sobre seu conceito, hoje é integrada à natureza humana e faz parte da vida da maioria das pessoas. Diferenciando-se os conceitos de espiritualidade, religião e religiosidade, a espiritualidade está relacionada com o transcendente, com questões relativas ao significado e propósito da vida e com a ideia de que há mais vida do que aquilo que pode ser visto ou entendido. A religião não é um conjunto imóvel, mas sim um processo dinâmico de crenças e práticas, no qual ocorre uma revelação do significado que motiva as pessoas a cultivarem seu envolvimento através de rotinas religiosas. Já a religiosidade diz respeito a um culto ou doutrinas que retrata uma dimensão social e cultural praticada, envolvendo práticas, rituais e símbolos, sem descartar a presença da espiritualidade.

Segundo Rocha et al (2023) a Organização Mundial de Saúde (OMS) define espiritualidade como o conjunto de todas as emoções e convicções imateriais que expressam mais a realidade da vida do que pode ser plenamente compreendido. Remete o indivíduo ao sentido e significado da vida, não necessariamente envolvendo a prática religiosa.

No contexto do mindfulness, de acordo com Damasceno, Miranda e Safieh (2023) essa é uma prática eficaz para iniciantes na área da meditação. É um estilo de vida pouco comum na cultura ocidental, porém de fácil aplicação, principalmente quanto aos exercícios em casa e à facilidade de se observar ganhos em qualidade de vida pelo próprio paciente, fato que o mantém realizando as meditações propostas. Na meditação mindfulness, o praticante não deve  julgar seus sentimentos, pensamentos  e sensações, mas apenas observá-los e voltar o foco para o ponto inicial da meditação. 

Não há um objetivo definido, ou seja, um estado ou local em que se deseja alcançar, e sim o foco no momento presente.

O Mindfulness é cada vez mais procurado com o objetivo de trazer mais saúde física e mental para as pessoas. Requer a atenção ao momento presente, auxilia no controle das características negativas e na valorização dos aspectos positivos individuais (Antunes,2024).

Discutir a respeito deste tema se faz pertinente devido à importância que a prática de mindfulness tem alcançado no campo da meditação e à possível associação desta com o desenvolvimento de uma espiritualidade mais saudável, o que se traduz na hipótese deste trabalho. Desta forma, espera-se que este estudo beneficie a população e a comunidade científica ao produzir dados a respeito da espiritualidade e do mindfulness, abordando cada um deles de forma individual, e posteriormente unindo ambos os conceitos. Para tanto, os capítulos deste artigo baseiam-se nos respectivos objetivos específicos, conceituando e abordando a espiritualidade e o mindfulness e depois apontando a relação entre eles em Resultados e Discussão, tendo-se como problema de pesquisa “Qual é a relação entre espiritualidade e mindfulness?” Trata-se de uma pesquisa básica, exploratória e qualitativa, consistindo numa revisão bibliográfica através da qual foi possível atender aos objetivos propostos.

METODOLOGIA

O presente estudo consiste em uma pesquisa básica e de caráter exploratório que visa compilar dados a fim de que o conteúdo possa favorecer a transformação da realidade.

Nesse sentido, os resultados serão apresentados de forma qualitativa, a partir da coleta de informações de fontes secundárias no formato de uma revisão bibliográfica.

Os dados serão obtidos através de artigos científicos pesquisados na plataforma Google Scholar, totalizando 20 artigos científicos pesquisados, com conteúdos que atendem à demanda desta pesquisa. Como critérios de inclusão tem-se os aspectos da espiritualidade que se relacionam ao mindfulness e as potenciais interrelações entre ambos.

A análise será realizada no contexto dos objetos de estudo, de modo que se cumpra os objetivos propostos.

Conceituando espiritualidade

Apesar do grande número de evidências, o conceito de espiritualidade ainda não é consensual. A espiritualidade pode ser compreendida como a busca pelo sentido da vida, pelo entendimento de seu fim, pelo estabelecimento de relações com o sagrado ou transcendente que podem ou não culminar no desenvolvimento de práticas ou de uma comunidade religiosa. A espiritualidade diferencia-se da religião por apresentar sentido mais amplo. A religião é uma expressão da espiritualidade, enquanto esta é algo pessoal que estimula o interesse por si e pelos outros, trazendo um significado à vida capaz de fazer suportar os sentimentos mais negativos. A religiosidade representa uma dimensão social e cultural da existência humana, uma vez que envolve características comportamentais, sociais e doutrinárias específicas de um grupo. Portanto, a religiosidade e a espiritualidade estão relacionadas, porém não são sinônimas (Da Silva Thiengo et al,2019).

Já para De Almeida (2023) a religião está associada a doutrinas, práticas e leis que direcionam à salvação, enquanto religiosidade se traduz na busca pela transcendência sem estar necessariamente associada a uma religião. A espiritualidade apresenta conceito abstrato, pouco claro, mas bastante útil, carregando um significado próprio para cada pessoa, demonstrando uma ligação com o divino ou características mais universais. Traz o propósito de vida, força e motivação para o cotidiano, resultado da busca pelo autoconhecimento e construção do autocuidado.

Segundo Rohr (2011) refletir sobre a espiritualidade requer levar em consideração a integralidade do ser humano. A espiritualidade é uma das dimensões do ser e não pode ser vista de forma isolada, e portanto se interrelaciona com outras dimensões humanas: a dimensão física, no sentido físico-biológico, a dimensão sensorial, que representa as sensações físicas, a dimensão emocional, que envolve os estados emocionais e a dimensão mental, que inclui o racional e o lógico num 

sentido mais restrito, mas também a capacidade de reflexão, imaginação, memória e intuição. Para o autor, a dimensão espiritual é a mais difícil de se identificar, e, seguindo essa escala das dimensões humanas de acordo com seu grau de densidade material, é possível questionar a divisão radical imposta pela filosofia ocidental entre matéria e espírito.

Na atualidade, é possível medir fluxos de pensamento eletromagneticamente, o que torna essa dicotomia matéria/espírito cada vez mais difícil de ser mantida. De certa forma, todas as dimensões mencionadas são matéria, não necessariamente matéria física. Então, é possível constatar que não é possível interferir, por exemplo, na dimensão espiritual, sem que se interfira nas outras. Cada uma deve ser atendida de acordo com suas necessidades, e o desequilíbrio de uma dimensão leva ao desequilíbrio da outra (Rohr,2011).

Desse modo, a espiritualidade vem se tornando cada vez mais objeto de estudo nos campos biológico, psicológico e social, sendo vista como algo positivo na vida das pessoas, realizando-se a devida distinção em relação ao conceito de religião. O conceito de saúde migrou para o modelo biopsicossocial espiritual, tendo a Organização Mundial de Saúde (OMS) acrescentado a espiritualidade, religiosidade e práticas religiosas como integradoras da qualidade de vida e do conceito de saúde, no qual também estão inseridos o domínio psicológico, a independência e autonomia, as relações sociais e o ambiente de vida do indivíduo (De Moura et al,2023).

Existe um método psicoterápico que considera o homem como ser ontológico e espiritual, denominado Logoterapia, de autoria de Viktor Frankl. Nesse método, realiza-se uma distinção entre espiritualidade e religiosidade, sendo que a religiosidade abarca valores e regras morais provenientes de instituições, é mais objetiva e distancia-se do sagrado, enquanto a espiritualidade é uma dimensão eminentemente humana e existencial, aberta e transcendente, que sugere o exercício da consciência  da responsabilidade (De Moura et al,2023).

Para Viktor Frankl, toda pessoa tem necessidade de encontrar seu sentido existencial e isso diz respeito a seu propósito em determinada situação. Sendo assim, para realizar-se pessoalmente, é necessário encontrar esse sentido, que precisa ser descoberto pela própria pessoa, e não formado a partir de uma ideia pré-concebida. Porém, encontrar sentido não significa viver sem sofrimento, pois o sofrimento faz parte da vida em si. Todo esse processo envolve um exercício constante da espiritualidade (De Moura et al,2023).

A fim de se compreender a importância da espiritualidade, vale mencionar que a medicina e a psiquiatria têm se afastado de preconceitos nos últimos anos e buscado inserir a psicologia no entendimento de questões relativas à saúde mental. A espiritualidade é não é meramente se fazer presente em uma religião, no entanto está mais ligada à transcendência, consistindo na busca pela mesma e não necessariamente o contato com algo divino. Entende-se como transcendência tudo aquilo que leva o indivíduo a outro nível de concentração e promove sua paz interior, como, por exemplo, uma atividade artística (Matuchak,Herbert Vitorino et al,2018).

De acordo com Egg-Serra, Holanda e Scaduto (2023) a espiritualidade vem evoluindo historicamente para incluir aspectos religiosos, ou até mesmo excluir de fato a religião de seu conceito. No caso da prática clínica em saúde, propõe-se a utilização de uma concepção mais ampliada, flexível e inclusiva que remete à busca pelo sentido e propósito da existência, inerente a cada pessoa. Em termos de pesquisas científicas, utiliza-se o conceito de espiritualidade mais interligado ao de religião, incluindo expressões religiosas não tradicionais e a busca pela transcendência, mas sempre em conexão com a religião ou o sobrenatural. Portanto, em meio a esta diversidade de definições, é imprescindível que os profissionais de saúde procurem ampliar sua compreensão a respeito do tema, a fim de melhor atender àqueles a quem prestam seus serviços. 

Matuchak, Herbert Vitorino et al (2018) também abordam a importância da equipe multidisciplinar na escuta do paciente, a fim de entender sua crença, a forma como ela afeta sua vida e sua relação com Deus, de modo a tratar esse paciente da melhor maneira possível. Discorrem também sobre o trabalho de capelania para pacientes sob cuidados paliativos como forma de transcendência pra indivíduos não-religiosos, ou seja, a espiritualidade pode ser trabalhada fora dos padrões de crenças religiosas, mas trazendo sentido à vida da mesma forma, sendo encontrada em atividades como a arte e a música.

Desse modo, a espiritualidade pode ser dita como intrínseca ao ser humano, e embora haja crescente produção científica a respeito do tema, há incertezas com relação ao seu significado, devido à dificuldade de uniformizá-lo e ao fato de depender da vivência pessoal de quem o enuncia (Caldeira,Castelo Branco,Vieira,2011).

Para este trabalho, fica definido como conceito de espiritualidade a busca pelo sentido da vida, pelo contato com o transcendente, de forma a encontra o próprio propósito neste mundo (De Almeida,2023;Matuchak,Herbert Vitorino et al,2018;Egg-Serra,Holanda e Scaduto,2023)

Fica claro que, em alguns momentos, o conceito de espiritualidade se aproxima mais do significado de religião, como citado por Da Silva Thiengo (2019) e também abordado por Egg-Serra, Holanda e Scaduto (2023), que define a espiritualidade como mais semelhante à religião quando se trata de pesquisas científicas. No geral, a tendência é a separação e a distinção destes conceitos, como novamente citado por Egg-Serra, Holanda e Scaduto (2023), a tendência é a exclusão da religião do conceito de espiritualidade. E vale ressaltar, como mencionado por esse autor e por Matuchak, Herbert Vitorino et al (2018), a importância de os profissionais de saúde abraçarem a causa da espiritualidade, tratando a respeito do tema com seus pacientes a fim de obter uma visão mais holística do indivíduo e fornecer um tratamento de melhor qualidade.

Conceituando Mindfulness

Nesta seção serão abordados conceitos sobre o mindfulness e a prática deste tipo de meditação. O termo mindfulness tem o significado de “atenção plena” e tem sido bastante utilizado nos estudos da psicologia. Tem origem nas práticas budistas, que passaram a fazer parte da clínica contemporânea a partir da década de 1970. O mindfulness vem se mostrando como alternativa no desenvolvimento de habilidades úteis no tratamento de quadros clínicos como depressão e ansiedade, podendo ser descrito como uma maneira particular de prestar atenção (Girard e Feix,2016).

Pode-se entender o mindfulness como a capacidade de atentar-se ao momento presente, com aceitação e sem julgamento, sem tentar fixar-se aos pensamentos muito valorizados e nem desfazer-se dos negativos. Quando se desenvolve a habilidade mindfulness, o indivíduo torna-se menos reativo, mais efetivo e consciente diante das circunstâncias. Ou seja,  proporciona um despertar para o momento presente de forma amistosa através do desenvolvimento de qualidades positivas, como concentração, sabedoria e compaixão, excluindo-se o julgamento de pensamentos e sentimentos e produzindo um estado de consciência refinado (Girard e Feix,2016).

Segundo Castro et al (2014) o mindfulness tem sido utilizado em diferentes grupos para diferentes propósitos, como na redução da tensão na dor crônica e redução do estresse para pessoas com câncer, fibromialgia, e ansiedade social. Tem sido utilizado no tratamento de várias condições, como depressão, trauma, abuso de substância, transtorno de estresse pós traumático, transtornos alimentares, entre outros.

Além disso, o mindfulness tem sido associado a sentimentos como autocompaixão e bondade, relacionando-se a uma melhora no bem-estar e na saúde, assim como melhor regulação das emoções, menor reatividade, aumento da flexibilidade e melhora nos relacionamentos intra e interpessoais. Tem se difundido para o ambiente do trabalho e também no tratamento familiar, de forma que há estudos revelando o surgimento de instrumentos para captar mindfulness. No entanto, apesar de ser um tema de interesse internacional crescente, é preciso ter cautela para sistematizar o conhecimento através dos estudos, destacando-se os conceitos e aplicabilidade desta técnica. Ainda há poucas referências no Brasil, sendo necessária a ampliação das publicações para que se tenha o entendimento da forma como o mindfulness pode ser utilizado e contribuir para a saúde da população (Castro et al ,2014).

Assim, o mindfulness pode ser definido pela criação contínua de novas categorias para que se interprete as experiências, considerando a atenção plena à situação e seu contexto. Resulta da abertura a novas informações e foco sobre processos complexos. Porém, não se trata de simplesmente acatar novas informações, pois muitas podem ser interpretadas erroneamente e se encaixar em velhas regras. O mindfulness disponibiliza técnicas conscientes para que tal erro não ocorra. Uma observação importante é a de que a capacidade de enxergar uma mesma situação sob diferentes pontos de vista é uma fonte importante de mindfulness. 

Por exemplo, pacientes que sofrem de dor crônica pós cirúrgica e que conseguem reenquadrar a dor podem reduzir o uso de medicação e acelerar sua recuperação (Vandenberghe e Assunção,2009)

O conceito de mindfulness, segundo os ensinamentos orientais, consiste em voltar a atenção para momento presente, para vivência atual e sem julgamentos. Para ser adquirido, precisa de intensa prática e para alcançar-se essa meta é necessário concentrar-se nos dados sensoriais do presente, como já mencionado, sem julgamentos ou conceitos prontos. O tratamento de mindfulness consiste em práticas de meditação formal e informal baseadas no ensino dos mestres budistas. As primeiras atividades formais incluem exercícios de varredura corporal (body scan) e respiração consciente, em que o paciente busca focar sua atenção no momento imediato e aceitar as vagarias de seu pensamento durante o exercício. São realizados ainda exercícios de respiração para iniciantes, além dos exercícios informais que consistem em executar algo com atenção plena, sem julgamentos e atividade intelectual, estando presente no próprio ato em si. Começa com práticas simples, como comer uma uva passa, com atenção a todos os seus aspectos sensoriais e, posteriormente, a pessoa, pode treinar mindfulness durante uma caminhada, enquanto escova os dentes ou conversa ao telefone. Não importa a atividade e sim a maneira de realizá-la (Vandenberghe e Assunção,2009)

Bottoni (2020) também aborda o mindfulness como capacidade de desenvolver atenção plena ao momento presente, com ausência de julgamentos e desligando-se do piloto automático, para entrar em contato com a própria sabedoria interna. Dentro de um contexto histórico, foi na década de 1970 que o mindfulness foi estudado, proposto e veiculado por Jon Kabat-Zinn, professor emérito de medicina que estudou zen-budismo e realizou uma integração entre budismo, ioga, ciência e medicina ocidental, dando vida ao mindfulness. Atualmente já existem evidências de que o mindfulness influencia mecanismos inflamatórios e epigenéticos (modificações químicas na molécula de DNA) do organismo, que são relevantes no caso de transtornos de humor e estresse. As pessoas adeptas do mindfulness têm menor resposta inflamatória após estresse, além de melhoras nos níveis de cortisol e glicose sanguíneos, diminuição da ansiedade e compulsão alimentar. Sendo assim, a prática meditativa é uma nova ferramenta de promoção de saúde e um grande desafio é tornar essa abordagem útil a indivíduos que tiveram experiências negativas no início da vida e que os predispõe a problemas de saúde cognitiva, física e mental.

Para Costa e De Lara Soczek (2021) o conceito de mindfulness faz parte da evolução da Terapia Cognitivo Comportamental. Devido a ser uma prática meditativa, possibilita melhor percepção do corpo e da mente e proporciona maior capacidade de lidar com pensamentos negativos, com a ansiedade e o sofrimento. O indivíduo desenvolve sua resiliência, sua habilidade de lidar com as dificuldades da vida e de perceber o corpo, pensamentos, emoções e sentimentos.

É importante mencionar a necessidade de os praticantes desenvolverem uma atitude mindful, que consiste numa curiosidade, abertura para as práticas do método. Essa atitude também possui um aspecto afetivo, ou seja, a observação precisa ser dirigida ao objeto com atitude de amor ou carinho, sem a qual não se pode considerar uma atitude com mindful. Essa atitude se faz necessária para as práticas de mindfulness porque a intenção é levar esses sentimentos de bondade, amor, carinho e compaixão a todas as áreas da vida do indivíduo, desde relacionamentos até situações da vida cotidiana (Costa e De Lara Soczek,2021).

Ainda segundo Costa e De Lara Soczek (2021) alguns elementos são essenciais para a prática meditativa do mindfulness, que seriam a consciência; concentrar-se nos pensamentos e sentimentos, sem tentar controlá-los; o momento presente, que requer foco no aqui e agora e a aceitação das coisas tal como elas são, sejam elas prazerosas ou dolorosas. Esses são elementos fundamentais para a prática correta do mindfulness, de maneira a trazer verdadeiros benefícios para os pacientes. Associa-se a prática de mindfulness a benefícios no tratamento de doenças fisiológicas, como dor crônica, doenças cardiovasculares, câncer e portadores de vírus da imunodeficiência. Nas doenças psiquiátricas, essa prática pode auxiliar no tratamento de depressão, ansiedade, dependência química e transtornos obsessivos, podendo prevenir o estresse e promover o bem estar psicológico.

Portanto, o mindfulness pode ser utilizado na prática clínica de várias formas, porém antes da utilização deste método, é interessante compreender seus conceitos, princípios fundamentais e a atitude mindful, que deve acompanhar as práticas, tanto em relação ao paciente quanto para o terapeuta, trazendo a ambos todos os benefícios possíveis (Costa e De Lara Soczek,2021).

Para este trabalho, e como mencionado por diversos autores, o mindfulness requer o foco da atenção ao momento presente, tornando o indivíduo menos reativo, mais eficaz e consciente diante das situações (Girard e Feix,2016). Dessa forma, finaliza-se este capítulo após a abordagem dos conceitos sobre mindfulness, sua utilidade na prática clínica e sua importância no tratamento de diversas patologias, verificando-se uma convergência entre os conceitos dos diversos autores citados, porém sendo necessária investigação muito mais ampla sobre o tema.

Resultados e Discussão

Este capítulo se inicia com a recapitulação das seções anteriores deste artigo. O presente estudo consiste em uma revisão bibliográfica que contém dados obtidos a partir da plataforma Google Scholar, direcionados aos interesses e objetivos desta pesquisa. Espera-se descobrir que a espiritualidade e o mindfulness exerçam mutuamente uma correlação positiva, de forma que a indicação dos principais resultados e análise dos dados poderá conduzir a uma resposta para a hipótese em questão. Os capítulos anteriores tiveram os objetivos de abordar e conceituar espiritualidade e mindfulness e cabe a este capítulo fazer a correlação entre ambas as variáveis.

Como resultados encontrados, tem-se, no primeiro capítulo, as distinções entre os conceitos de espiritualidade, religião e religiosidade (Da Silva Thiengo,2019;De Almeida,2023), além da constatação da espiritualidade como uma dimensão do ser humano que não pode ser visualizada de forma isolada, pois está unida às dimensões física, sensorial, emocional e mental que constituem o indivíduo (Rohr,2011).

Houve a migração do modelo de saúde para o modelo biopsicosocial espiritual e a integralização da espiritualidade, religiosidade e das práticas religiosas, por parte da Organização Mundial de Saúde (OMS), aos conceitos de qualidade de vida e saúde (De Moura et al,2023).

Abordou-se a Logoterapia de Viktor Frankl, para quem toda pessoa tem necessidade de encontrar seu sentido existencial e realizar-se pessoalmente (De Moura et al,2023). Mencionou-se que a medicina e a psiquiatria têm se afastado de preconceitos e buscado inserir a psicologia nas questões relativas à saúde mental (Matuchak,Herbert Vitorino et al,2018).

 Um fato importante é que o conceito de espiritualidade tem evoluído tanto no sentido de inserir aspectos religiosos quanto para excluir de vez a religião de seu ideal, que em pesquisas científicas utiliza-se o conceito de espiritualidade mais próximo ao de religião (Egg-Serra,Holanda,Scaduto,2023).

Há grande dificuldade de uniformizar o conceito de espiritualidade (Caldeira, Castelo Branco,Vieira,2011), assim como há necessidade de os profissionais de saúde abordarem o tema sobre espiritualidade com seus pacientes, escutá-los, entenderem suas crenças e sua relação com Deus, a fim de prestar um atendimento mais holístico e de melhor qualidade (Matuchak, Herbert Vitorino et al,2018).

Já no segundo capítulo, foi abordado o conceito de mindfulness como atenção plena, capacidade de prestar atenção ao momento presente, despir-se de julgamentos e aceitar os próprios pensamentos e sentimentos, o que leva a menor reatividade, maior efetividade e consciência do indivíduo (Girard e Feix,2016).

Tem-se o mindfulness como ferramenta para lidar com diversas enfermidades, como dor crônica, estresse, câncer, ansiedade e fibromialgia, além de auxiliar no tratamento de transtornos mentais e alimentares. Sua prática é capaz de regular as emoções e repercutir na qualidade de vida e saúde, por isso também está se difundindo para o ambiente familiar e de trabalho (Castro et al,2014).

Uma forma importante de mindfulness é enxergar situações sob múltiplos pontos de vista, o que é capaz de reduzir medicamentos e acelerar a recuperação de pacientes (Vandenberghe e Assunção,2009).

A prática de mindfulness consiste em vários tipos de exercícios e níveis, desde o formal ao informal, com alongamentos e exercícios de respiração para iniciantes (Vandenberghe,Assunção,2009), havendo atualmente evidências de que esse tipo de meditação influencia mecanismos inflamatórios e epigenéticos do organismo, sendo capaz de melhorar níveis de glicose e cortisol sanguíneos, aliviar a ansiedade, estresse e a compulsão alimentar. Enfim, constatou-se que é uma prática que traz melhora significativa na saúde cognitiva, física e mental (Bottoni,2020). Ressalta-se que para desfrutar de tais benefícios, é necessária uma atitude mindfulness, que requer um olhar afetivo de amor ou carinho em relação ao objeto observado, de forma a estender tais sentimentos a todas as áreas da vida do indivíduo (Costa e De Lara Soczek,2021).

A partir da análise dos resultados encontrados, pode-se estabelecer uma relação positiva entre espiritualidade e mindfulness, visto que, sendo o mindfulness capaz de melhorar a saúde cognitiva, física e mental, e tendo a dimensão mental uma relação com a dimensão espiritual, o bem estar mental manifesta-se como bem estar espiritual (Bottoni,2020;Rohr,2011).

Uma característica fundamental do mindfulness que influencia na espiritualidade é a atenção plena, que permite desligar-se dos julgamentos e aceitar os próprios pensamentos e sentimentos, tornando o indivíduo mais consciente de seus atos, menos reativo e mais assertivo em suas atitudes (Girard e Feix,2016).

Fica claro que, ao tornar-se útil no tratamento de diversas enfermidades físicas, assim como transtornos mentais e alimentares, o mindfulness influencia positivamente o campo espiritual, pois, como dimensão constituinte do indivíduo, é necessário que esta esteja de forma harmônica com as outras dimensões para que o indivíduo venha a reduzir medicamentos, acelerar sua recuperação, assim como alcançar outros benefícios na saúde física, como já mencionado (Castro et al,2014;Rohr,2011,Bottoni,2020).

De acordo com Puntel e Adam (2021) o papel do mindfulness está não em alterar o pensamento, mas sim o modo como se pensa, possibilitando a capacidade de livrar-se de pensamentos disfuncionais em favor de pensamentos funcionais ou de ajuda. Portanto, ao se praticar o mindufulness, também ocorre a prática da espiritualidade. Porém, pode-se perceber que os exercícios de mindfulness são mais focados em regulação emocional e cognitiva, enquanto quando se praticam exercícios espirituais, o foco está no acalento do sofrimento. A combinação das duas práticas mostra-se muito positiva para o repertório de entendimento e no combate a situações estressoras.

Para Antunes (2024) para se obter hábitos de vida saudáveis e satisfação com a vida é necessário um equilíbrio entre corpo e mente, que pode ser atingido através da prática da espiritualidade e de mindfulness. Percebe-se que os objetivos das duas modalidades se entrelaçam, uma vez ambas favorecem um equilíbrio emocional, físico e mental, maior controle dos aspectos negativos, aceitação e foco nos aspectos positivos. Um exemplo de virtude que pode ser influenciada tanto pela espiritualidade quanto pelo mindfulness é o perdão, uma vez que requer deixar de lado sentimentos, pensamentos e comportamentos negativos em relação ao ofensor, mas que também pode envolver responder de forma positiva a esse ofensor.

Ainda Segundo Antunes (2024) devido à espiritualidade satisfazer necessidades que contribuirão para o aumento da satisfação com a vida, como maior equilíbrio e controle das situações, é possível relacionar a espiritualidade e o nível de satisfação com a vida à prática de mindfulness, visto que este consiste numa meditação associada à prática espiritual da consciência plena, que auxilia os indivíduos a alcançar a saúde física e mental, reduzindo o sofrimento e aumentando o bem estar.

O estudo de Marangon, De Lima e Conceição (2024) retrata a eficácia das técnicas de espiritualidade e mindfulness no tratamento de pacientes oncológicos. Tais técnicas técnicas foram úteis no manejo da dor e da insônia, diminuição da ansiedade, depressão e do estresse, ou seja, mostraram eficiência no tratamento de sintomas emocionais desadaptativos, segundo a maioria dos artigos consultados. Portanto, é evidente a associação positiva entre espiritualidade e mindfulness, pois ambos proporcionam melhoras na qualidade de vida nas mais diversas situações (Puntel e Adam,2021;Antunes,2024;Marangon,De Lima e Conceição,2024). Destaca-se que ainda há pouca literatura e bibliografia sobre o tema, tendo sido encontrados poucos estudos que abordam a relação entre espiritualidade e mindfulness. Corrobora-se, assim, a interrelação positiva entre ambas as variáveis.

Conclusão

A partir deste estudo, pretendeu-se ampliar os conhecimentos a respeito da espiritualidade e da prática de mindfulness, contribuindo-se para a abordagem da interrelação entre ambos, que ainda carece de muitos estudos no meio acadêmico, ou seja, acredita-se que foi possível dar maior visibilidade ao tema para a comunidade científica.

Como principais resultados, tem-se a evolução do conceito de espiritualidade e migração para o modelo de saúde biopsicossocial espiritual, a Logoterapia de Viktor Frankl e a dificuldade de uniformização do conceito de espiritualidade. Pode-se citar ainda a abordagem do mindfulness como meio de atenção plena, com foco no momento presente, sem julgamentos e com aceitação dos próprios pensamentos e sentimentos, sendo útil no tratamento de diversas enfermidades físicas e transtornos mentais e alimentares. A prática de mindfulness está alinhada com a da espiritualidade, uma vez que há convergência entre seus objetivos, como o equilíbrio emocional, físico e mental, maior controle dos aspectos individuais negativos, aceitação e ênfase aos aspectos positivos.

Dessa forma, conforme dito em Resultados e Discussão, a hipótese de que a espiritualidade e mindfulness estabelecem uma relação positiva é corroborada, apesar de ainda haver poucos estudos em relação ao tema. Pode-se sugerir que haja novas pesquisas em relação ao assunto, de forma a difundir os benefícios da associação das duas práticas e aprofundando-se as ideias a esse respeito, permitindo aos profissionais de saúde maior respaldo científico no momento de lidar com seus pacientes, auxiliando-os de forma mais holística e humanizada.

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*Graduada em Biomedicina pela Universidade Estácio de Sá e Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Ivy Enber Christian University