RESUMO
A espasticidade talvez seja uma das piores conseqüências de lesões do
motoneurônio superior. Sua teoria já é muita conhecida e discutida, porém o seu
tratamento fisioterápico é muito mais complicado e controverso. Este artigo
visa reunir informações e evidências já publicadas do treinamento resistido
como alternativa para a reabilitação motora da espasticidade.
ABSTRACT
The spasticity maybe is one of worst sequel of upper motoneuron lesions. The
theory is very known and debated, but the treatment is very complicated and
controversus. This article aims meet informations and evidences published of
resistive training like alternative to motor rehabilitation of spasticity.
PALAVRAS-CHAVE: reabilitação; espasticidade; treinamento resistido.
KEY-WORDS: rehabilitation; spasticity; resistive training.
INTRODUÇÃO
Com a evolução das ciências médicas a sobrevida dos pacientes que sofrem algum
tipo de lesão do motoneurônio superior tornou-se muito grande, contudo as
seqüelas associadas ainda estão presentes. Destas a espasticidade merece
destaque.
A espasticidade é uma entidade clínica presente nas lesões piramidais do SNC
(lesão medular, AVC, paralisia cerebral, esclerose múltipla,…), mais
especificamente da via córtico-retículo-bulbo-espinal inibitória [1]. É
definida como hipertonia elástica estando associada à exacerbação dos reflexos
que utilizam o arco miotático [2, 3].
Sem cura, mas com tratamentos que podem atenuá-la, uma certa espasticidade pode
ser útil ao paciente [3, 4]. Dentre os tratamentos disponíveis a fisioterapia é
primordial e indispensável a qualquer reabilitação motora. Muitos são os
recursos fisioterápicos, contudo só um será abordado: treinamento resistido.
O treinamento resistido não tem sido amplamente utilizado na reabilitação dos
pacientes espásticos em razão do receio, não comprovado cientificamente, de
exacerbação da restrição imposta pelo músculo espástico e de reforço de padrões
anormais de movimento [5].
DESENVOLVIMENTO
Manifestações clínicas
A espasticidade é considerada um fenômeno de liberação positiva, causando
aspectos característicos como: maior reflexo de estiramento; postura anormal e
padrões de movimento em massa; co-contração inadequada e incapacidade de
fragmentar padrões e desempenhar movimento isolado de uma articulação; exagero
dos reflexos exteroceptivos dos membros [6, 7]. Pode ser afetada por dor,
fatores ambientais e psicológicos, e contraturas musculares e articulares [1,
4, 8].
Os músculos antigravitacionais são predominantemente afetados, levando a
fraqueza, propensão à fadiga, reduzido recrutamento de unidades motoras,
destreza reduzida. Com a atrofia e o desuso os músculos sofrem encurtamento com
redução no número de sarcômeros e aumento do colágeno [9]. Também tendem a ter
proporções decrescentes de fibras musculares tipo II [10]. A fraqueza muscular
tem sido por si só reconhecida como fator limitante na reabilitação motora e
também há evidências de déficit de força no membro não-afetado no caso de
hemiplégicos. A diminuição da capacidade de realizar AVD’s limita a
independência e a qualidade de vida, levando à baixa auto-estima e suas
conseqüências [5].
Treinamento resistido
Treinamento resistido (TR), exercícios com pesos, exercícios resistidos, ou
outros sinônimos, definem a atividade de contração muscular contra uma força
externa. O uso terapêutico de resistência leva o músculo a mudanças adaptativas
já que a capacidade metabólica é progressivamente sobrecarregada [11],
melhorando a força, potência e resistência à fadiga.
Os benefícios do TR em indivíduos sadios são muito bem estabelecidos, mas em
lesados neurológicos havia controvérsias. Estes exercícios foram
desencorajados pelos discípulos do método Bobath, já que achavam que isso
aumentava a co-contração, espasticidade e reações associadas [12, 13].
Trabalhos recentes têm comprovado que é possível obter ganhos no desempenho
motor e funcional sem alteração da espasticidade. Vários estudos surgiram nos
quais o fortalecimento muscular foi realizado em pacientes com disfunção
neurológica [14].Treinamento isocinético de força foi realizado em adolescentes
com paralisia cerebral submetidos a treinamento musculares excêntricos e
concêntricos; houve ganhos significantes na força muscular e na função motora
grosseira, mas não houve alteração na espasticidade de acordo com a escala
modificada de Ashworth e no clônus de tornozelo na escala de quatro pontos
durante ou após o treino [15].
Teixeira-Salmela et al [5] pesquisaram o treinamento resistido e o
condicionamento físico em 30 hemiplégicos pós-AVC que resultou em ganhos de
torque de até 53,20% nos grupos musculares do membro inferior afetado com média
de 35,85%. Os ganhos da musculatura do joelho afetado foram de 51,06% para os
flexores e 153,40% para os extensores. Não houve diferença significativa para
as medidas de tônus muscular dos flexores de cotovelo e punho, extensores de
joelho e flexores plantares de tornozelo. Em outro estudo foi mostrado que
pacientes hemiplégicos crônicos submetidos a treinamento de força muscular e
condicionamento aeróbico apresentam melhora da velocidade da marcha, maior
capacidade de geração de força, aumento do VO2 máximo, melhora da performance
funcional e da qualidade de vida, sem, entretanto, alterar o tônus [16].
Vinte e quatro indivíduos com paralisia cerebral diplégica espástica foram
submetidos ao TR para o quadríceps femoral; os resultados não mostraram aumento
da espasticidade imediatamente após o exercício quando comparados com crianças
sem paralisia cerebral; isto refuta a premissa de que TR resultaria no aumento
da espasticidade [12]. Estudos demonstraram que os exercícios de fortalecimento
em pacientes com paralisia cerebral aumentavam o rendimento muscular [17,18].
Exercícios isométricos [17], isotônicos [17,19] e isocinéticos [20, 21] e
também aparelhos de musculação [18], foram usados. Estes programas foram feitos
geralmente 3x/semana por períodos de 6-8 semanas. Os benefícios funcionais,
como aumento da performance muscular, foram confirmados usando análise da
marcha [22] e Gross Motor Function Measure [21].
As medidas de força são indicativas do nível funcional após o AVC. Elas têm
sido estabelecidas como determinantes do desempenho da marcha em hemiplégicos.
Não há dúvidas de que o torque produzido pelos extensores do joelho seja
determinante do desempenho da marcha desses indivíduos, correlacionando-se com
variáveis como velocidade, cadência, independência, distância percorrida e
padrão da marcha [23, 24, 25].
Discussão
Os efeitos deletérios da espasticidade já são bem conhecidos. As limitações
físicas se tornam cada vez mais incapacitantes caso não haja intervenção. Todos
os autores pesquisados foram unânimes no uso do treinamento resistido como
recurso na reabilitação de pacientes com espasticidade. A especulação de que o
TR aumentaria a espasticidade não foi comprovado pelos estudos aqui presentes.
Conclusão
O treinamento resistido tem se mostrado uma alternativa eficaz, segura e de
fácil aplicação. Porém como toda conduta deve continuar sendo cada vez mais
pesquisado.
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