A EDUCAÇÃO PERMANENTE COMO PRÁTICA DE FORTALECIMENTO DA ATUAÇÃO DO SANITARISTA RESIDENTE NO PROCESSO DE TRABALHO DE UMA EQUIPE DE ATENÇÃO BÁSICA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10248291501


Juliana Clementino Pimentel1
Jéssica Niale Braga Do Nascimento Maciel2
Hyla Danniele Mendonça Silva3
Daiane Batista França4
Andressa Géssica Silva Pachêco Freitas5
Veitihan Mahara Oliveira Da Silva6
Mariana Louise Silva Gomes7
Pamela Carvalho Dos Santos8
Thawny Bezerra Da Silva9


RESUMO

A Saúde Coletiva possibilita uma formação transdisciplinar envolvendo conhecimento em práticas e intervenções em saúde, e não na doença, além da atuação na promoção, prevenção e recuperação da saúde de indivíduos. A residência multiprofissional em saúde da família tem como objetivo a formação do trabalhador de saúde através de vivências práticas inter e multiprofissionais.A educação permanente em saúde envolve a vivência e experiência dos trabalhadores de saúde em relação a seu território de atuação e cotidiano, desconsiderando o modelo de aprendizagem tecnicista, e fortalecendo a importância da troca de experiências entre o educador e educando.Este trabalho teve como objetivo descrever a formação de um grupo de educação permanente em uma unidade básica de saúde do município de Caruaru, Pernambuco, a fim de ressaltar a importância da atuação do sanitarista como detentor de conhecimento e experiência em saúde pública, e tornar necessária a participação de todos os profissionais da equipe de saúde, visando a prática de educação permanente como importante estratégia de desenvolvimento e melhoria da assistência à saúde.O grupo de educação permanente, idealizado em conjunto pela sanitarista residente e enfermeira da equipe de saúde, trouxe mudanças positivas no processo de trabalho da equipe de saúde da família.

Palavras-chave: educação permanente, saúde coletiva, residência multiprofissional, atenção básica.

ABSTRACT

Collective Health enables transdisciplinary training involving knowledge in practices and interventions in health, and not in the disease, in addition to acting in the promotion, prevention and recovery of the health of individuals. The multiprofessional residency in family health aims to train health workers through inter and multiprofessional practical experiences. Continuing health education involves the experience of health workers in relation to their work territory and daily life, disregarding the technical learning model, and strengthening the importance of exchanging experiences between educator and student. This work aimed to describe the formation of a permanent education group in a basic health unit in the city of Caruaru, Pernambuco, in order to emphasize the importance of the sanitarian’s role as a holder of knowledge and experience in public health, and to make the participation of all professionals in the health team necessary, aiming at the practice of permanent education as an important strategy for the development and improvement of health care. The permanent education group, jointly conceived by the resident sanitarian and the health team nurse, brought about positive changes in the work process of the family health team.

Keywords: permanent education, public health, multidisciplinary residency, primary care.

1  INTRODUÇÃO

O Sistema Único de Saúde (SUS) possui como princípios doutrinários a universalidade, integralidade e equidade. Logo, é preciso que haja um trabalho em conjunto de uma variedade de profissionais das diversas áreas de saúde. Essa junção recebe o nome de interprofissionalidade, ou seja, o cuidado integrado entre profissionais, e é muito presente na Saúde Coletiva, uma vez que se incorpora uma variedade de áreas profissionais, como enfermagem, odontologia, fisioterapia, nutrição, fonoaudiologia, psicologia, entre outros, possibilitando uma formação transdisciplinar envolvendo conhecimento em práticas e intervenções em saúde, e não na doença, além da atuação na promoção, prevenção e recuperação da saúde de indivíduos (NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2010).

Além de todas as classes supracitadas, ainda destacamos o profissional graduado em saúde coletiva, chamado de sanitarista, que possui formação que contempla competências gerais e específicas como: análise e monitoramento da situação de saúde; planificação, programação, gestão e avaliação de sistemas e serviços de saúde; promoção da saúde e prevenção de riscos e agravos à saúde; gerenciamento de processos de trabalho coletivo em saúde; ética em saúde coletiva (BOSI & PAIM, 2010).

A residência multiprofissional em saúde da família tem como objetivo a formação do trabalhador de saúde através de vivências práticas inter e multiprofissionais, associadas ao conhecimento teórico adquirido na academia, preparando-o para atuar conforme os preceitos do SUS (NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2010). No município de Caruaru-PE, o Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica e Saúde da Família da Associação Caruaruense de Ensino Superior – ASCES teve seu início em 2015, ofertando vagas nas áreas de enfermagem, biomedicina, farmácia, fisioterapia, nutrição, odontologia, educação física, saúde coletiva, psicologia e serviço social.

Esses profissionais, para atuar em conjunto, constituem aquele que, a partir da nova Política Nacional da Atenção Básica de 2017, passou a ser intitulado Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB), constituindo-se como um dispositivo estratégico para a melhoria da qualidade da Atenção Básica (AB), que é a porta de entrada dos usuários no SUS, ampliando o seu escopo de ações e sua capacidade de resolutividade clínica (BRASIL, 2017).

Entre as ações da residência em Saúde Coletiva, por meio do Nasf-AB, está a educação permanente em saúde, que envolve a vivência e experiência dos trabalhadores de saúde em relação ao seu território de atuação e cotidiano, desconsiderando o modelo de aprendizagem tecnicista e fortalecendo a importância da troca de experiências entre o educador e educando. Faz parte de uma estratégia do SUS para a formação e desenvolvimento dos trabalhadores de saúde, considerando, prioritariamente, as situações do cotidiano da rede de serviço referentes à atenção à saúde e à organização do trabalho (FERREIRA et al., 2019).

Segundo a Portaria GM/MS nº 1.996/2007, “a ‘educação permanente em saúde’ precisa ser entendida, ao mesmo tempo, como uma ‘prática de ensino-aprendizagem’ e como uma ‘política de educação na saúde’. Ela se parece com muitas vertentes brasileiras da educação popular em saúde e compartilha muitos de seus conceitos, mas enquanto a educação popular tem em vista a cidadania, a educação permanente tem em vista o trabalho” (BRASIL, 2007).

A EPS se caracteriza como sendo uma prática educativa inovadora, uma vez que incorpora o ensino-aprendizagem no cotidiano dos serviços de saúde, tendo como objetivo a promoção de modificações nas estratégias educativas nas quais o processo de trabalho é revalorizado como centro privilegiado da aprendizagem, colocando-se o profissional como ator reflexivo e ativo no processo de construção de saberes, além de possibilitar que ele trabalhe de forma interprofissional, abrindo o leque de uma assistência em saúde completa e eficaz para o usuário (GIGANTE & CAMPOS, 2016).

Partindo do pressuposto da importância e necessidade de uma prática de educação permanente, além de estratégia de gestão, visando, principalmente, atualização técnica de profissionais da atenção básica, este estudo teve como objetivo descrever a formação de um grupo de educação permanente em uma unidade básica de saúde do município de Caruaru, Pernambuco, vislumbrando a importância da atuação do sanitarista enquanto detentor de conhecimento e prática em saúde coletiva frente à realização de ações de educação permanente em uma unidade básica de saúde. O objetivo foi criar reflexão crítica entre os profissionais da equipe de saúde, para que o enfoque das ações de saúde seja baseado nas necessidades coletivas da população e na promoção à saúde.

2  METODOLOGIA

Trata-se de um relato de experiência de um grupo de intervenção educativa realizado entre os meses de abril e dezembro de 2018 em uma Estratégia de Saúde da Família (ESF) do município de Caruaru/PE. A ESF São João da Escócia II está localizada na área urbana do Loteamento Fernando Lyra, tendo sido fundada em novembro de 2003. A equipe é composta por 16 profissionais, sendo 12 profissionais de nível médio, um profissional de nível técnico e três profissionais de nível universitário, além de ser campo de prática de residência multiprofissional em Saúde da Família da Associação Caruaruense de Ensino Superior – ASCES, e campo de estágio para curso de enfermagem e técnico em enfermagem, odontologia e medicina.

A rede de atenção básica do município de Caruaru, Pernambuco, é a porta de entrada prioritária na rede de saúde do SUS. Atualmente, possui 69% de cobertura de Equipes de Saúde da Família (ESF) e 79% de cobertura de Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Composta por 55 Unidades Básicas de Saúde (UBS) na Zona Urbana e 18 UBS na Zona Rural, além de 04 centros de saúde, 06 Programas de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), ambulatórios multiprofissionais (AME), centros de atenção psicossocial (CAPS), centros de testagem e aconselhamento (CTA), hospitais municipais, laboratórios, unidades de pronto atendimento (UPA), unidade de saúde auditiva, unidade de fisioterapia, centro de imagem, serviço de atendimento móvel de urgência (SAMU).

A residência multiprofissional em atenção básica e saúde da família teve seu início na referida unidade a partir de março de 2017, contemplando as áreas de fisioterapia, serviço social, psicologia, farmácia, nutrição, biomedicina, educação física e saúde coletiva. Os residentes envolvidos formaram o NASF-AB, tendo como preceptores trabalhadores de saúde do município de Caruaru, das áreas de fisioterapia, psicologia, serviço social, educação física, além da enfermeira da estratégia de saúde da família da UBS, que ficou responsável, especificamente, pela preceptoria da sanitarista residente. No decorrer do primeiro ano de atuação da residência multiprofissional, foram realizadas atividades de territorialização, atendimentos individuais, coletivos e compartilhados, atendimentos e visitas domiciliares compartilhadas, além de atividades na instituição de ensino.

Ainda neste período do primeiro ano da atuação da residência na UBS em questão, foi idealizada a formação de um grupo de educação permanente sob a coordenação da sanitarista residente, visto as dificuldades encontradas no processo de trabalho da equipe, a necessidade de qualificação e atualização, o processo de trabalho desorganizado e a desmotivação de profissionais, principalmente agentes comunitários de saúde. A iniciativa contou com apoio e preceptoria da enfermeira da unidade, envolvendo a equipe da unidade e abrangendo temas vistos como fragilidades da equipe, buscando, assim, mudanças e melhorias no processo de trabalho da mesma. A partir do segundo ano da residência multiprofissional, o grupo de educação permanente na UBS São João da Escócia II teve seu início.

A coleta de dados foi realizada através da análise dos registros da unidade básica sobre a realização dos encontros, datas, número de participantes e temas abordados, feita em livro ata e de anotações criado pela enfermeira da UBS.

A população de estudo foi composta pelos profissionais da equipe, de nível médio, técnico e universitário, que participaram dos grupos de educação permanente. Não participaram dos encontros do grupo aqueles profissionais que se encontravam em período de férias, licença ou se recusaram.

Concomitantemente, para a discussão, utilizou-se artigos e trabalhos bibliográficos utilizando as palavras-chave: educação permanente, saúde coletiva, residência multiprofissional, Nasf-AB e atenção básica.

3  RESULTADOS E DISCUSSÃO

Até o ano de 2018, não havia atuação de profissionais residentes na unidade, o que resultou, para alguns componentes da equipe, em desconhecimento do que era a residência e das atribuições dos novos profissionais inseridos na unidade. Percebendo esse fato, e observando muitas outras deficiências da equipe, os profissionais residentes, decidiram, a partirda iniciativa do residente graduado em Saúde Coletiva, criar um grupo de educação permanenteenvolvendo os profissionais da equipe da Unidade Básica de Saúde São João da Escócia II emconjunto com os profissionais residentes.

Entre as deficiências ou dificuldades identificadas pelos residentes, as principais foram:

  1. a falta de atualização em relação às políticas de saúde e aos sistemas de informaçãoutilizados em atenção básica;
  2. à falta de estímulo da equipe para buscar mudanças de práticas e rotinas realizadas naUBS, e principalmente;
  3. os fluxos de trabalho e atendimento ao usuário na unidade.

Baseados nessas dificuldades, foram determinados os temas para cada reunião, em conjunto entre a sanitarista residente, coordenadora do grupo, e a enfermeira da UBS, levando em consideração as necessidades apresentadas pelos demais profissionais da equipe, e visandoa melhoria no processo de trabalho da UBS.

Tabela 01 – Descrição das datas de realização e temas abordados no grupo de educação permanente.Caruaru-PE, 2018.

Os encontros do grupo de educação permanente, como se pode perceber na Tabela 1, aconteceram entre abril e dezembro de 2018, utilizando o espaço da própria UBS, realizados mensalmente, com exceção dos meses de julho e outubro, pois foram períodos

de férias da equipe de residentes e da enfermeira da UBS, respectivamente. As reuniões do grupo ocorreram em datas e horários pré-agendados para que todos os profissionais que compõem a equipe estivessem presentes, sem prejuízos às suas funções laborais e após cada reunião do grupo, realizavam-se relatórios contendo os assuntos abordados, a metodologia utilizada e as assinaturas dos participantes, além do preenchimento da ficha de atividade coletiva do E-SUS.

Na primeira reunião teve como tema a Reformulação da Política Nacional de Atenção Básica, esse tema surgiu diante da análise dos sistemas de informações, onde visualizou-se que, a população cadastrada na UBS é de 3.335 pessoas, segundo informações coletadas no sistemade informação E-SUS Atenção Básica até o momento da coleta de dados, essa população está dividida em 8 microáreas, sendo 7 microáreas de zona urbana e uma microárea de zona rural, que é subdividida, ainda, em 4 sítios e 1 assentamento. No entanto, segundo dados coletados noantigo sistema de informação da atenção básica, SIAB, o número de população adscrita ultrapassa 8 mil pessoas, desse modo, percebe-se que ainda existem muitos cadastros a serem realizados e isso se deve ao atraso na realização/atualização da ficha de cadastro individual. O cadastro individual é um mecanismo do Sistema de Cadastramento de Usuários do Sistema Único de Saúde (CadSUS), visando complementar as informações, através do número do Cartão Nacional de Saúde (CNS) do cidadão, com a função de dar apoio às equipesde Atenção Básica no mapeamento do território adscrito a ESF e as características sociais, econômicas e de saúde da sua população (BRASIL, 2021).

O atraso de registros nos cadastros se dá por diversos fatores, como por exemplo a nãoimplantação do Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC), de forma resumida, o PEC do Sistemae-SUS Atenção Básica, é um software onde são armazenadas todas as informações clínicas e administrativas do paciente na UBS, essas informações passam então a ser acessadas por qualquer funcionário, a partir da ficha eletrônica deste paciente (MACEDO et al., 2019). Objetivando a informatização dos fluxos utilizados nos cuidados aos pacientes pelos profissionais de saúde, entre suas vantagens estão a otimização do cuidado do cidadão realizadopelas equipes de Atenção Básica e apoiar o processo de coordenação do cuidado do cidadão, além de acesso rápido às informações de saúde e redução dos custos devido a otimização dos recursos (OLIVEIRA, 2013; LAHM; CARVALHO, 2014).

No entanto, mesmo com as vantagens listadas acima, muitas unidades não possuem o PEC, assim como a Unidade que é local deste estudo. Dentre os empecilhos na implantação desse software, os mais citados são o alto custo para sua implementação e a necessidade de capacitação (SOUZA, 2014). O primeiro é de responsabilidade dos órgãos de gestão em saúde,e o segundo, embora precise do apoio da gestão, é possível se realizar através da Educação Permanente, assim, o sanitarista residente em saúde coletiva, organizou os dois primeiros momentos para capacitar toda a equipe sobre o preenchimento correto da ficha de cadastro individual e a importância dessa atualização na Reformulação da Política Nacional de AtençãoBásica (PNAB).

Essa associação entre o cadastro individual na reformulação da PNAB se dá pelo fator que é o cadastramento é a base para todas as informações do e-SUS AB e o preenchimento deste cadastro é de responsabilidade principal dos ACS, mas todos os outros profissionais que possuam Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES), podem também atualizar esses cadastros (MACEDO et al., 2019). Assim, foi realizado, em todos os momentos de reunião do grupo de educação permanente, capacitações da equipe com temas distintos, conforme demonstrado na Tabela 1, embora distintos se conectam no objetivo de trazer uma melhor qualidade na assistência oferecida à população adscrita à Unidade.

Para que esses momentos de reuniões fossem eficazes, duas ações precisaram ser implantadas como introdução do saber dos profissionais participantes. A primeira ação foi a apresentação de toda a equipe, tanto a que trabalha na unidade, quanto a equipe dos residentesem saúde coletiva, essa apresentação foi seguida pela descrição de suas funções na assistência em saúde, esse fato colaborou para que todos entendessem a importância de cada um dos profissionais inseridos.

E a segunda ação realizada, foi a realização de uma dinâmica de integração da equipe para estimular a confiança e maior integração entre os profissionais, essa segunda ação foi necessária, pois a unidade conta, em sua maioria, com os mesmos profissionais agentes comunitários de saúde desde sua inauguração, em 2003, e uma constante rotatividade de profissionais de ensino universitário (médico, enfermeiro e dentista), médio e técnico (técnico de enfermagem, auxiliar de saúde bucal, recepcionista e auxiliar de serviços gerais), o que podeinterferir nos vínculos profissionais e consequentemente na assistência oferecida. E, só então depois disso, foi trabalhado detalhadamente o tema dos dois primeiros encontros: A Reformulação da Política Nacional da Atenção Básica, possibilitando que a partir do conhecimento detalhado da PNAB, os próprios profissionais foram levantando outros temas para os encontros mensais, como foi o caso do tema do terceiro encontro: Acolhimento e Escuta Qualificada.

A escolha deste tema se deu por causa dos diversos conflitos entre a comunidade e a equipe de Saúde da Família, uma vez que existia a rotina de agendamentos de atendimento baseado em fichas entregues por ondem de chegada na UBS, impedindo que, aqueles usuáriosque não conseguiam chegar a tempo, devido a distância ou as rotinas de trabalhos, fossem atendidos naquele momento. Percebendo isso, o profissional sanitarista no momento do encontro, trouxe os conceitos de acolhimento e escuta qualificada, possibilitou uma discussão ampla sobre o tema, foi traçado um processo de trabalho para que todos os profissionais da equipe pudessem acolher os usuários.

Porém, esse processo de trabalho não foi iniciado imediatamente, pois, era necessário informar a população a respeito de conceitos básicos da estratégia de saúde da família e atençãobásica, dessa forma, antes da implantação das decisões tomadas a partir do grupo de educação permanente, também fosse trabalhado a educação em saúde com a comunidade acompanhadapela ESF, utilizando o espaço da sala de espera, onde se encontravam pessoas que estavam na unidade buscando atendimento e orientações, com o objetivo de sensibilizar e esclarecer a necessidade de mudanças no processo de trabalho, buscando favorecer, principalmente, as próprias pessoas atendidas no serviço. Aproveitou- se essa oportunidade de diálogo entre equipede saúde e comunidade, para ouvir opiniões, entender necessidades e esclarecer dúvidas das pessoas. Após um mês trabalhando a educação em saúde com a comunidade, com ênfase na implantação do acolhimento, escuta qualificada e classificação de risco, a implantação dessas práticas foi iniciada pela equipe de saúde.

Assim, a rotina de agendamentos de atendimento baseado em fichas entregues por ondem de chegada na UBS passou a ser substituída pelo acolhimento de todas as pessoas que chegam à UBS, realizado por todo e qualquer profissional que compõe a equipe, independentemente do nível de escolaridade, podendo ser realizado todos os dias e em qualquerhorário do funcionamento da unidade, além de escuta qualificada e classificação de risco realizadas por profissionais de nível universitário, baseadas em queixas e sintomatologia. Essamudança possibilitou que os atendimentos não fossem apenas com dias e horários agendados, e sim, que a equipe tivesse espaço para atendimentos de urgência e emergência, que os atendimentos fossem agendados de acordo com a necessidade de cada usuário atendido, além de descentralizar a assistência à saúde pelo profissional médico, visto que durante a escuta qualificada, algumas questões apresentadas pelas pessoas usuários do serviço eram resolvidas pelos próprios profissionais que a realizavam, ou direcionadas a outros profissionais, como, por exemplo, enfermeiras, dentista e profissionais do NASF, fazendo com que as pessoas percebessem a importância e as atribuições de cada profissional inserido na equipe de saúde.

Essas reações foram se aprimorando a cada nova realização dos encontros de educaçãopermanente, sendo trabalhado todos os outros temas da mesma forma, primeiro trazendo a discussão em equipe, depois orientando a população e após isso, colocando as mudanças em práticas na Unidade, e em cada encontro posterior do grupo de educação permanente da UBS, discutia-se a execução das novas práticas realizadas na unidade, a fim de avaliar os resultados,ouvir sugestões para melhorias do processo e realizar novos acordos entre a equipe, o que possibilitou mudanças no processo de trabalho da equipe de saúde da família da unidade em questão, o que refletiu na forma como a comunidade passou a entender os objetivos e funções da estratégia de saúde da família, e possibilitou trabalho mais equânime e universal, cumprindoos fundamentos do SUS.

Todos os profissionais da UBS – de nível universitário, médio e técnico, além de estudantes de graduação de enfermagem que, no período de realização do grupo, estavam cumprindo estágio curricular obrigatório em atenção básica – foram convidados a participar dosencontros do grupo, visando atualização de informações, construção de conhecimentos e reflexões, compartilhamento de necessidades, resolução de problemas e melhorias do processode trabalho.

As reuniões do grupo de educação permenente foram agendadas com frequência próxima a uma vez por mês, contando com a participação de 8 a 13 profissionais nas suas oito edições. O profissional enfermeiro e o sanitarista, assim como 4 dos 7 agentes comunitários foram os que estiveram presentes em todas as reuniões. O médico e um dos agentes comunitários estiveram ausentes em todas as ocasiões, enquanto o odontólogo parece ter desistido do processo visto que só esteve presente nos primeiros encontros.

Apesar da turma de residência multiprofissional em saúde da família preconizar um trabalho em equipe e valorizar a educação permanente, apenas dois outros residentes da turmado sanitarista participaram das duas primeiras reuniões e não mais compareceram. Acadêmicoe técnico de enfermagem tiveram uma ótima frequência em todo o processo.

Tabela 2 – Frequência dos profissionais nas reuniões do grupo de educação permanente. Caruaru-PE,2018.

Percebeu-se que, mesmo fazendo parte do cronograma de atividades do mês e da liberação de outras atividades laborais no momento do grupo, apenas o profissional médico e um ACS apresentaram resistência e negação em participar do grupo, alegando que o trabalho desempenhado no grupo não teria relevância no processo de trabalho da

equipe, sendo esta a principal dificuldade apresentada para a realização dos encontros, bem como para a execução de todas as mudanças e implantações propostas. Esses reflexos também foram observados por Cardoso et al. (2017), onde analisou que as capacitações ainda são separadas e direcionadas às categorias específicas de trabalhadores, principalmente àquelas no extremo da valorização social, como os agentes comunitários de saúde e médicos, estes que, por sua vez, dificilmente aceitam participar de propostas de atividades multidisciplinares.

O profissional de atenção básica ainda precisa se reconhecer como agente fundamental na promoção à saúde, e entender a educação permanente como prática necessária para sua formação (XAVIER,2016).

Para Ceccim e Feuerwerker (2007), a formação em saúde deve ser baseada no quadrilátero ensino – gestão – atenção – controle social, a fim de não restringir o serviço desaúde apenas às noções de práticas de atenção. Torna-se necessária a participação de profissionais de saúde e estudantes na construção de novas políticas de assistência e educação,baseadas nas necessidades das pessoas e das populações, da gestão setorial e do controle social.Assim, para que a educação permanente ocorra, se faz necessário não apenas transformar questões técnicas, é preciso haver alterações nas relações interpessoais e coletivas. A educação permanente deve ser utilizada para construir pensamento e reflexões críticas e não, apenas, como estratégia de gestão envolvendo conteúdos programáticos e formativos, comocursos de atualização, capacitação, ou até mesmo, especialização, não baseados na realidadedas pessoas e das populações envolvidas no processo (XAVIER et al., 2016; CARDOSO et al., 2017).

Desse modo, a educação se caracteriza pela sua continuidade, pois há necessidade da manutenção da prática da educação permanente, buscando cada vez mais integrar a equipe multiprofissional, valorizando de forma igualitária cada componente da equipe, seus saberes, sentimentos e percepções sobre saúde e coletividade.

4  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Faz-se necessário entender e adotar a prática de educação permanente como meio de promover saúde baseada não mais na doença e na individualidade, e sim, na prática coletiva e baseada em experiências reais vividas na rede de serviço. O residente sanitarista traz consigo o conhecimento teórico aprofundado sobre o funcionamento do SUS, as políticas de saúde, gestão, controle social e pode, portanto, atuar nas ações de educação permanente, inserindo todos os profissionais da equipe de saúde da família, visando a descentralização do processo, compartilhando saberes e construindo reflexões e pensamentos críticos.

O grupo de educação permanente idealizado em conjunto pela sanitarista residente e enfermeira da equipe de saúde, trouxe mudanças positivas no processo de trabalho da equipe de saúde da família, como, por exemplo, a realização da prática de acolhimento e escuta qualificada, antes inexistente na unidade, a construção de protocolos de atendimento e fluxograma da unidade. Além de aproximação dos integrantes da equipe de saúde com os demais residentes, fortalecendo vínculos, compartilhando experiências e saberes e buscando oferecer uma assistência interdisciplinar à população assistida na UBS. Concluindo que a educação permanente se torna essencial nos processos de saúde, qualificando ainda mais os profissionais para que eles prestem uma assistência de qualidade aousuários.

REFERÊNCIAS

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1 (Enfermeira. Especialista em Educação na saúde, com ênfase na formação de preceptoria de residências)

2 (Enfermeira. Mestre em Saúde Pública. Especialista em Gestão em Saúde)

3 (Enfermeira. Especialista em Saúde Mental, Neuropsicologia e Docência)

4 (Enfermeira. Especialista em Saúde Pública, com ênfase em Saúde da Família, Saúde da Mulher e Docência)

5 (Enfermeira. Mestre em Ciências da Saúde. Especialista em Saúde da Mulher)

6 (Enfermeira. Especialista em Saúde Pública e Autismo)

7 (Graduada em Enfermagem)

8 (Enfermeira. Especialista em Urgência e Emergência)

9 (Enfermeira. Especialista em Saúde da Mulher)