A DIFICULDADE DE ACESSO AOS SERVIÇOS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA NO ESTADO DE ALAGOAS

THE DIFFICULTY OF ACCESSING ASSISTED REPRODUCTION SERVICES IN THE STATE OF ALAGOAS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10084733


Claudia Clemente Nascimento da Silva 1
Livya Ramos Sales Mendes de Barros 2


RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo, discutir a dificuldade de acesso aos serviços de reprodução humana assistida, em especial no estado de Alagoas. Para tal, foi realizada uma revisão de literatura sistêmica, com vistas a levantar informações, procedimentos e dados estatísticos sobre essa atividade. As desigualdades sociais e econômicas no Brasil, são superlativas, em temas como a reprodução humana. No Brasil, há apenas 193 Centros de Reprodução Humana Assistida, onde aproximadamente um terço está instalado no estado de São Paulo e somente 10% deles são públicos. Apesar do baixo percentual de unidades públicas, que reflete em um quantitativo insuficiente, a situação tem sua criticidade majorada, pois limita-se a quatro o número de centros públicos que oferecem o tratamento gratuito em sua totalidade. A maioria exige das famílias a compra de medicamentos necessários para os procedimentos e posteriores a esses. A má distribuição geográfica dessas unidades de saúde, inflige a necessidade de deslocamentos, gastos como moradias temporárias e alimentação. No Nordeste, há apenas um Centro de Referência, instalado no estado do Rio Grande do Norte. Os montantes necessários para arcar com as custas diretas e indiretas, do tratamento, associados às dificuldades logísticas, impactam e excluem o direito ao planejamento familiar aquelas famílias fragilizadas e socialmente vulneráveis. A adoção de estruturas descentralizadas e o desenvolvimento de políticas públicas inclusivas devem ser providenciados como estratégia garantidora do direito à geração de filhos. Um estudo com a identificação dos perfis das alagoanas que necessitam acessar os serviços de reprodução humana assistida, incluindo as que se deslocam, as que acessam à rede privada e as que frustram seus sonhos maternos, deve ser realizado, a fim de se identificar formas disruptoras dessa realidade antagônica ao que rege a Carta Magna.

Palavras-chave: Desigualdade. Infertilidade. Reprodução Assistida. Direito. Saúde Coletiva.

ABSTRACT

This research aimed to discuss the difficulty of accessing assisted human reproduction services, especially in the state of Alagoas. To this end, a systemic literature review was carried out, with a view to gathering information, procedures and statistical data on this activity. Social and economic inequalities in Brazil are superlative, on topics such as human reproduction. In Brazil, there are only 193 Assisted Human Reproduction Centers, approximately one third of which are located in the state of São Paulo and only 10% of them are public. Despite the low percentage of public units, which reflects an insufficient number, the situation is even more critical, as the number of public centers offering free treatment in its entirety is limited to four. Most require families to purchase medications necessary for and subsequent procedures. The poor geographic distribution of these health units results in the need for travel and expenses such as temporary housing and food. In the Northeast, there is only one Reference Center, located in the state of Rio Grande do Norte. The amounts necessary to cover the direct and indirect costs of treatment, associated with logistical difficulties, impact and exclude the right to family planning for fragile and socially vulnerable families. The adoption of decentralized structures and the development of inclusive public policies must be provided as a strategy to guarantee the right to have children. A study identifying the profiles of women from Alagoas who need to access assisted human reproduction services, including those who move, those who access the private network and those who frustrate their maternal dreams, must be carried out in order to identify disruptive forms of this reality that is antagonistic to what governs the Magna Carta.

Keywords: Inequality. Infertility. Assisted reproduction. Right. Public Health.

1 INTRODUÇÃO

O Brasil é um país onde a desigualdade social e econômica é acentuada e, em função dessa característica, direitos sociais não são acessíveis a parcela significativa da população. Segundo Sadek (2009), o Brasil não é um país pobre, mas um país com muitos pobres. A desigualdade de renda produz efeitos perversos nas oportunidades de inclusão econômica, social e nos bens culturais. Os acessos à educação, lazer, serviços de saúde e alimentação de qualidade, garantidos por lei e de responsabilidade do estado, na prática, não se constituem em uma realidade universalizada aos brasileiros. É notória a não prestação, a má qualidade e a prestação precária desses serviços às famílias de baixa renda e população em situação de vulnerabilidade. Segundo Gomes e Pereira (2005): parte da população é atingida diretamente pela ineficácia ou inexistência de políticas públicas, como hospitais sem condições de atendimento; escolas públicas funcionando em condições precárias, com professores mal remunerados e famílias desassistidas.

A constituição nacional garante que o acesso, permanência e conclusão com êxito à educação de qualidade, são direitos constitucionais, de responsabilidade das famílias e do estado. A educação de qualidade, deve compreender os conhecimentos necessários para a vida civil, inclusive. Ferramentas e conhecimentos para que os cidadãos possam ter vidas saudáveis, sob os aspectos biológicos, psicológicos, financeiros e seus descendentes possam ser gerados em ambiente propício, com condições adequadas ao seu crescimento. Segundo (BOTELHO & DA COSTA, 2023), para que isso ocorra é preciso fomentar uma constante integração entre o Estado, comunidade e família, para juntos, articularem-se na construção de políticas de proteção à infância e adolescência, que sejam capazes de auxiliá-los no desenvolvimento de suas capacidades e consequentemente, da sua condição de agente.

O direito à reprodução, é garantido ao casal. Porém, atualmente, estudos e pesquisas expõem altos índices de infertilidade, incluindo a infertilidade feminina. A infertilidade é um problema de saúde pública global, que afeta milhões de pessoas em idade reprodutiva, e, segundo pesquisa realizada em 2007, estima-se que no mundo 72,4 milhões de mulheres são inférteis (Boivin et. al, 2007). A fim de preservar o direito do planejamento reprodutivo às famílias, o governo por meio de suas ações no Sistema Único de Saúde, oferta programas de reprodução assistida ao público. Porém, a oferta e distribuição desses serviços é realizada de forma desigual pela extensão do território nacional. Segundo SOUZA (2023), cerca de um terço das unidades públicas com programas de reprodução humana assistida, estão concentradas na região sudeste. No nordeste do país, apenas 01 dessas unidades se encontra instalada, no estado do Rio Grande do Norte. As alagoanas, que porventura queiram fazer uso de seu direito à reprodução assistida, através de técnicas in vitro como a inseminação artificial, necessitam acessar aos mercados privados, quando possuem recursos para tal. No caso da população vulnerável, há a necessidade de se deslocar para uma unidade federativa atendida por esse serviço e arcar com os custos financeiros, logísticos e psicológicos para poder realizar seus tratamentos, em diversos casos, sem acompanhamento de familiares e parceiros. A respeito do acesso às técnicas de reprodução assistida, Corrêa e Loyola expõem que no Brasil a principal exclusão do acesso à reprodução assistida é de base econômica (Corrêa; Loyola, 2015).

Esse artigo tem por objetivo, discutir sobre o acesso aos serviços de reprodução assistida, por pessoas economicamente vulneráveis. Assim como, expor as desigualdades de acesso às tecnologias de reprodução assistida, entre pacientes da rede pública, em especial, alagoanas. Descrever as estruturas de reprodução assistida existentes no Brasil e suas localizações regionais. Relatar as dificuldades de acesso por parte da população de baixa renda (deslocamentos, estadia, compra de medicamentos, continuidade no tratamento). E propor soluções como estratégias para adoção de políticas públicas.

O artigo foi dividido em 9 seções. Resumo, 1 Introdução, onde foi realizada uma explanação geral sobre o tema. 2 Planejamento Familiar, tratado sobre as características das famílias, seu direito à geração de herdeiros e os impactos ante a impossibilidade de produzir filhos. 3 Sistema Único de Saúde, foram exploradas as características gerais e direcionadas à reprodução humana assistida. 4 Infertilidade, um breve debate sobre o tema, expondo suas características, efeitos psicológicos e a vitimização feminina. 5 Direito Fundamental à Reprodução Humana Assistida no Brasil, 6 Materiais e Métodos, nesta seção foram esclarecidos os critérios científicos da pesquisa. 7 Resultados e discussões, com base no levantamento literário e no regionalismo, realizou-se análises sobre os principais aspectos que dificultam o acesso aos serviços de reprodução assistida no Brasil e em especial, Alagoas e 8 Conclusão, o trabalho foi finalizado com a exposição das percepções da autora, ante ao debate e resultados obtidos, realizando-se sugestões para a continuidade da pesquisa.

2 PLANEJAMENTO FAMILIAR

O planejamento familiar é uma importante ferramenta para a saúde biológica, mental, social e financeira dos componentes de uma família e da sociedade em geral. Segundo (CONCEIÇÃO & FERNANDES, 2015; (REZEL-POTTS et at. 2020), o planejamento familiar impacta de forma positiva nos índices de mortalidade materna e infantil, previne gravidez na adolescência, aumenta o tempo entre uma gravidez e outra. Estes aspectos, implicam, também, na redução no número de abortos. Ele deve ser realizado de tal forma que permita às famílias, o direito à reprodução responsável, com acesso às devidas ferramentas necessárias, a fim de garantir a segurança, saúde e a longevidade de seus sucessores.

Em análise da BRASIL (1996), depreende-se que o planejamento familiar é direito de todo cidadão e tem como escopo dar liberdade à mulher, ao homem ou ao casal, de escolher a quantidade de filhos e o momento mais oportuno de tê-los, com a garantia de que terão toda a assistência necessária para tal e, integralmente. Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.

A educação para o planejamento familiar é facilmente percebida como importante, ao se observar que famílias com menor poder econômico, costumam gerar maior número de filhos, apesar de, comumente não serem capazes de oferecer condições adequadas para seus desenvolvimentos. Segundo dados extraídos do site oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2020), em Alagoas, o acesso ao ensino curricular, fundamental, tem sido reduzido ao longo dos anos, apesar da evolução de habitantes no estado. É possível observar este comportamento ao se observar a Figura 1, exposta a seguir:

Figura 1: Gráfico – Matrículas efetuadas, por nível de escolaridade em Alagoas

Fonte: IBGE

Segundo BRASIL (1988), baseada no princípio da dignidade humana e da paternidade responsável, explicita que: os casais, por livre iniciativa e decisão, devem ter condições para realizar o planejamento familiar, de forma autônoma e com a garantia estatal de acesso à educação e aos recursos científicos adequados. Logo, percebe-se que o estado deve prover meios, através da assistência à saúde, estruturas e equipamentos tecnológicos, profissionais, produtos e tratamentos medicamentosos aquelas famílias que deliberadamente desejarem gerar filhos.

Ainda conforme à BRASIL (1996), no que tange ao exercício do direito ao planejamento familiar, há a garantia da faculdade de preferência e a atenção integral à saúde em termos de concepção e contracepção, estes cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas. Demonstra-se: Art. 9º Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção (BRASIL, 1996).

3 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS), mantido e gerenciado pelo governo, através do Ministério da Saúde, de onde se extrai que é um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo, abrangendo desde atendimentos de baixa complexidade, até transplantes de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país. A criação do SUS proporcionou o acesso universal ao sistema público de saúde, sem discriminação. A atenção integral à saúde, e não somente aos cuidados assistenciais, passou a ser um direito de todos os brasileiros, desde a gestação e por toda a vida, com foco na saúde com qualidade de vida, visando a prevenção e a promoção da saúde (BRASIL, 2023). Segundo a Constituição Brasileira, a saúde é um direito de todos e dever do estado. Por tal especificidade, esta é solidária aos poderes públicos em suas diversas esferas, municipais, estaduais e federais.

O CNS (2023), tem como compromisso representar a sociedade brasileira na formulação, no acompanhamento e na fiscalização das políticas públicas de saúde, participar deste movimento e trabalhar constantemente para que o SUS supere os desafios e continue garantindo o direito à saúde de todos os brasileiros.

4 INFERTILIDADE

Infertilidade é estabelecida como a incapacidade de um casal conseguir uma gravidez espontânea após doze meses de relações sexuais regulares e frequentes – cerca de duas a três relações por semana, excluindo – se o uso de qualquer método de anticoncepção, sendo a inexistência de ovulação a causa mais comum de infertilidade relacionada à mulher (Vila, 2007)

A infertilidade é hoje apontada como um importante problema de saúde, diferentemente de outras épocas, em que a “reprodução humana era uma manifestação exclusiva da vontade de Deus e, portanto, seria inadmissível sua discussão pelo homem, pois a interferência humana no processo reprodutivo constituía uma agressão à vontade de Deus” (Neto & Júnior, 1998).

A capacidade de ter filhos está intrinsecamente associada com a saúde reprodutiva, o planejamento familiar e a proteção à maternidade, que são direitos assegurados constitucionalmente, no que aponta Moraes (2010).

As causas para a infertilidade são diversas e englobam desde aspectos de natureza física, a doenças crônicas, psicológicas e psiquiátricas, Carneiro et at. (2023).

Conforme (FARINATI, RIGONI & MÜLLER, 2006), a situação de infertilidade é capaz de acarretar efeitos devastadores tanto na esfera individual como conjugal e desestabilizar as relações do sujeito com seu entorno social, podendo ocasionar um declínio na qualidade de vida.

Segundo Eduardo de Oliveira Leite (1995), a esterilidade atinge de forma considerável o casal, haja vista afetar a organização psíquica tanto do homem quanto da mulher. Da mulher, por sentir-se privada do sonho de ser mãe e do homem por não conseguir conceder à sua mulher o sonho da gravidez, bem como sentir-se frustrado em relação a sua virilidade. A infertilidade, não raro, implica em conflitos, que podem levar até ao rompimento do casamento. (Braz, M., & Schramm, F. (2005).

As repercussões sociais negativas da infertilidade trazem à luz questões relacionadas à desigualdade de gênero, tendo, por consequência, a vitimização da mulher. Apesar da infertilidade ser uma doença conjugal, é comum culturalmente, e até mesmo dentro da comunidade médica, que a mulher seja identificada como a principal responsável pela incapacidade reprodutiva, mesmo quando não tem problema de fertilidade (Leite e Frota, 2014).

No tocante à desigualdade de gênero, Hochschild, Dickens e Manzur (2014) relatam que os efeitos negativos da infertilidade atingem de forma mais gravosa as mulheres pois, embora os homens possam ter a sua masculinidade afetada pela incapacidade de conceber um filho, estes podem se redimir de outras formas aos olhos da sociedade.

Contudo, em relação às mulheres, em um contexto social e cultural frisado pelo machismo estrutural e ostensivo, que é ainda muitas vezes reforçado pelos estereótipos religiosos, a maternidade é vista como uma tarefa indispensável à mulher adulta, de modo que a infertilidade ceifa a sua principal ou única forma de estima na família e na sociedade (Azevedo, 2022).

Conforme a Fiocruz. (2022), estatísticas internacionais faz o alerta acerca do aumento da infertilidade nos últimos anos. De acordo com a OMS (2023), a infertilidade é tida como um problema de saúde global que afeta entre 48 milhões de casais e 186 milhões de pessoas no mundo, representando 15% da população total do planeta.

Segundo a SBRA (2019), no Brasil, cerca de 8 milhões de pessoas podem estar na condição de inférteis. De acordo com dados do relatório do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais (Desa) (ONU, 2019), alerta sobre a baixa da taxa global de fertilidade nos últimos anos. A pesquisa mostra uma queda de 3,2 nascimentos por mulher, em 1990, para 2,5, em 2019, projetando a continuidade da baixa da natalidade para 2,2 nascimentos por mulher, em 2050, sendo que é necessário um nível de fecundidade de 2,1 nascimentos por mulher para evitar o declínio da população.

Segundo o responsável pelo Ambulatório de Infertilidade do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Luiz Fernando Dale, “Temos a possibilidade de tratar os casos de infertilidade clínica, assim como os casos cirúrgicos, mas, infelizmente, hoje na esfera pública do país, os serviços que trabalham com reprodução assistida nos laboratórios são muito poucos…” (Fiocruz, 2022).

Diante do que foi apresentado, verifica-se que a infertilidade traz consequências não apenas para a saúde física da pessoa infértil, mas reverbera na possibilidade de alcançar o desejo da procriação e de concretizar o planejamento familiar da pessoa infértil e de sua família. A infertilidade gera ainda impactos psicológicos complexos, além de impactos sociais, como estigmatização e isolamento social e desigualdade de gênero. E, neste contexto, as Técnicas de Reprodução Humana Assistida surgem como meios legítimos de tratamento da infertilidade e de concretização do desejo de ter filhos (Azevedo, 2022).

5 DIREITO FUNDAMENTAL À REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA NO BRASIL

A Reprodução Humana Assistida (RHA) equivale à intervenção do homem no processo de procriação natural, gerando condições para que as pessoas inférteis ou estéreis consigam satisfazer o desejo da maternidade ou paternidade (Freitas et al., 2008).

A consumação desse objetivo envolve a aplicação de um conjunto de técnicas, tecnologias, equipamentos, procedimentos médicos e biomédicos que dependem das técnicas do tratamento indicado a cada caso em específico (Corrêa; Loyola, 2015).

Em meio as técnicas que compõem o conjunto da reprodução assistida, ressalta-se a fertilização in vitro (FIV) e suas versões; a inseminação artificial; a doação de óvulos, sêmen e embriões; o “empréstimo” de útero; o congelamento de embriões; o diagnóstico genético pré- implantatório; o e as pesquisas com embriões (Corrêa, 2009).

Constata-se que a Resolução nº 2.320/2022 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que disciplina a utilização das técnicas de reprodução assistida no Brasil, ratifica o entendimento de que as técnicas de reprodução assistidas podem ser utilizadas como meios de tratamento à infertilidade, quando considera que tais técnicas têm o papel de auxiliar no processo de procriação e podem ser remédios eficazes contra a infertilidade (BRASIL, 2022).

Nos dias de hoje, as clínicas particulares de reprodução assistida exercem, salvo poucas exceções, o monopólio na disponibilização desse serviço no Brasil (Aldrovandi, 2006). Diante disso, “as pessoas já frustradas em seus projetos reprodutivos diante da indisponibilidade de técnicas de alta complexidade no setor público, têm sua situação de vulnerabilidade moral e social agravada” (Corrêa; Loyola, 2015).

Nota-se que o projeto de procriação, em se tratando de acesso à reprodução humana assistida, das famílias economicamente vulneráveis está muito limitado. Um estudo executado com dados de todo país revelou que apenas 5% das demandas por tratamento de reprodução assistida são efetivadas no setor público; e que os poucos hospitais que oferecem esses serviços na maioria das vezes não custeiam integralmente todas as fases do tratamento, sendo muitas vezes necessária a participação financeira do paciente (Corrêa; Loyola, 2015).

Conforme relatório fornecido pelo Sistema Nacional de Produção de Embriões – Sisembrio (ANVISA, 2023), em todo o país, existem 193 Centros de Reprodução Humana Assistida (CRHAs), a maioria está na Região Sudeste, sendo que 66, 34,2% deles, se concentram no estado de São Paulo. Segundo SOUZA (2023), há apenas dez CRHAs que ofertam tratamento pelo SUS. Entre eles, apenas quatro oferecem o tratamento de forma inteiramente gratuita. Na Figura 2, é exposto o gráfico de distribuição das unidades CRHAs, públicas e privadas, no Brasil:

Figura 2: Distribuição dos Centros de Reprodução Humana Assistida pelas Unidades Federativas

Fonte: SisEmbrio (ANVISA, 2023).

Os tratamentos oferecidos pelo SUS não são suficientes para abarcar a população como um todo, em razão dos poucos serviços existentes, e as amplas filas de espera para usufruir das tecnologias reprodutivas. Além do mais, não se pode contar com o apoio dos planos e seguros privados de saúde, pois, em regra, esses não cobrem os tratamentos preditos (Branco, Silva e Ferreira, 2023). Assim sendo, em função da pouca oferta de serviços de reprodução medicamente assistida no SUS, e a inexistência de cobertura por planos e seguros de saúde, os procedimentos retromencionados são predominantemente pagos, e acessíveis apenas pelos interessados que possuem alto poder aquisitivo (Corrêa; Loyola, 2015).

A Carta Magna de 1988 reservou inteiramente o Título II aos Direitos e Garantias Fundamentais, nele, os direitos fundamentais, foram classificados em cinco espécies, quais sejam: direitos e deveres individuais; direitos e deveres coletivos; direitos sociais; direitos à nacionalidade e direitos políticos. Acontece que, o rol do Título retromencionado não é taxativo, apenas exemplificativo pois o art. 5º, § 2º, da própria Constituição Federal deixa ressalvado que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (Resende, Meireles, 2015).

No tocante aos direitos fundamentais, estes não são apenas os que estão aclamados e declarados formalmente na Carta Magna de 1988, uma vez que, como dito anteriormente, a Constituição aceita a existência de outros direitos não incluídos no rol do Título II, admitindo, dessa forma, a existência dos chamados direitos materialmente fundamentais (Resende, Meireles, 2015).

Os direitos fundamentais podem ser considerados, resumidamente, como efetivações do princípio da dignidade da pessoa humana. Por essa razão, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco orientam que “os direitos e garantias fundamentais, em sentido material, são, pois, pretensões que, em cada momento histórico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana” (Mendes, Branco, 2013).

A grandeza da dignidade da pessoa humana passou a ser contemplada como pressuposto e fonte dos direitos humanos, afinal “a dignidade humana e os direitos humanos (ou fundamentais) são intimamente relacionados, como as duas faces de uma mesma moeda” (Rocha, 2014).

Destarte, pode-se afirmar que a dignidade da pessoa humana não é, a própria, um direito humano ou fundamental (Sarlet, 2012), mas, no tempo em que princípio estruturante e fundamental do Estado e da ordem internacional, é a fonte e o fundamento dos direitos fundamentais e dos direitos humanos (Sarlet, 2012).

Em BRASIL (1988), mais precisamente no art. 5º, inciso X, estão reconhecidos os direitos à vida privada e à intimidade.

O Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, aprovado no Cairo em 1994, foi muito valoroso para aspectos da saúde reprodutiva. Nos termos do Princípio 8 do referido programa, toda pessoa tem direito ao gozo do mais alto padrão possível de saúde física e mental, diante disso, os estados devem providenciar assegurar, baseados na igualdade de homens e mulheres, o acesso universal aos serviços de assistência médica, inclusive os relacionados com a saúde reprodutiva, que inclui planejamento familiar e saúde sexual (ONU, 1994).

Diante do exposto, conclui-se que o direito de à reprodução assistida é direito fundamental da pessoa humana inserido implicitamente na Constituição Federal de 1988 porque decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos à vida privada, à saúde e ao planejamento familiar, exercitável, primariamente, em razão da eficácia vertical dos direitos fundamentais (Resende, Meireles, 2015). Dessa forma, com o cenário já demonstrado, evidente se dá que muitas pessoas com problemas de fertilidade e vulneráveis economicamente, mesmo tendo seus direitos à reprodução assistida reconhecidos na lei nacional, acabam por não exercê- los devido a estes serem violados pelo Estado.

6 MATERIAIS E MÉTODOS

Para o desenvolvimento dessa pesquisa, foi realizada uma revisão de literatura, sistêmica, através das bases de dados: periódicos CAPES, Google Acadêmico, Agências de vigilância Sanitária, Ministério da Saúde e jornais e revistas científicas.

7 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Foram realizadas análises e interpretações das informações pesquisadas e elucidadas ao longo deste artigo, tendo como base o regionalismo e o foco na população feminina no estado de Alagoas, que deseja ou necessita acessar os serviços da rede pública de Reprodução Humana Assistida. No processo de revisão de literatura, não foram encontrados dados estatísticos como índices, tabelas, gráficos ou outro que identifique o perfil de acesso das alagoanas aos serviços de reprodução assistida. A ausência destes dados, foi considerado um dos indícios da dificuldade enfrentada pelas alagoanas que, porventura, necessitaram de serviços de fertilização assistida.

É certo que o direito à reprodução como estratégia para o planejamento familiar responsável, é garantido por lei. Porém, com os atuais índices de infertilidade entre os casais brasileiros, a necessidade de acessar os serviços de reprodução assistida, vem assumindo papel importante nesse processo reprodutivo. Conforme SOUZA (2023), cerca de 15% dos casais brasileiros em idade reprodutiva, apresentam infertilidade e necessidade de procedimentos médicos para gerar herdeiros. Essa realidade atinge parcela significativa da população, uma vez que a rede de Centros de Reprodução Humana Assistida, no Brasil, é de pequeno porte e conta com apenas 193 unidades. Porém, a parcela mais pobre da população é mais impactada, pois apenas 10 dessas unidades, se caracterizam como Centros Públicos de Referência. Ressalta-se ainda que apenas 4 dessas unidades, conforme SOUZA, (2023), garantem assistência integralmente gratuita. Nas demais unidades, as pacientes e suas famílias devem arcar com os custos com medicamentos. Atualmente, os custos dos medicamentos são de aproximadamente R$ 5.000,00 (SOUZA, 2023). A Rede Pública de assistência à reprodução humana, se concentra majoritariamente nas regiões sudeste e sul. No Nordeste, há apenas 1 instalada em Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte.

A realidade das mulheres inférteis alagoanas é agravada, em relação ao quadro nacional, pois o estado possui um único Centro de Reprodução Assistida, privado e instalado na capital, Maceió. Para que essas mulheres possam acessar esse serviço por meios públicos, devem se deslocar para a Federação mais próxima com a devida cobertura, que está situada a uma distância superior a 500 km. Estes deslocamentos inviabilizam, em grande parte, a tentativa de realizar esse desejo reprodutivo. Eles impõem despesas com transporte, alimentação, moradia temporária e dificuldades logísticas significativas, ante a realidade local. Segundo o IBGE, Alagoas ocupa apenas o 26º lugar em renda mensal domiciliar per capita, entre as 27 unidades federativas, como se pode observar na Figura 3:

Figura 3: Trabalho e Rendimento – Alagoas

Fonte: IBGE

A baixa escolaridade e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, no estado, associadas ao pequeno poder econômico, em geral, impactam na frustração de casais que possuem como desejo, a geração de filhos. A baixa e má distribuição dos Centros públicos de referência, também impactam diretamente, neste resultado que demonstra o não respeito ao que garante a constituição nacional.

A fim de garantir às famílias, o direito de um planejamento familiar conforme suas vontades, de forma responsável e assistida pelo estado, investimentos em educação, estruturas tecnológicas, tecnologias e formação profissional são necessários.

8 CONCLUSÃO

Concluiu-se, nesta pesquisa, que as estruturas existentes para a Reprodução Humana Assistida, são insuficientes para atender de forma eficiente à população brasileira e, em particular a alagoana. Estas estruturas consistem em centros de atendimento, que são insuficientes em número e aproximadamente 90% destas são de natureza privada, o que impede o acesso das comunidades carentes e vulneráveis, por demandarem despesas significativas a essa parcela da população. Há apenas 10 Centros de Referência públicos no país. E, mesmo sendo públicos, 60% destes não garantem as despesas com medicamentos necessários à realização dos procedimentos e após estes. A má distribuição das Unidades de Assistência à Reprodução Humana, impõe àqueles que desejam acessar os serviços – deslocamentos, residência temporária, desembolso financeiro para alimentação e gastos extras em locais distantes de suas residências, como ocorre com as alagoanas que precisam recorrer a esses serviços.

A fim de garantir os desígnios estabelecidos na Carta Magna, é necessário o investimento público, ou através de parcerias público/privadas, para a construção de novas instalações, descentralizadas. O desenvolvimento de políticas públicas para a qualificação, capacitação e oferta de profissionais para atuarem neste contexto. Assim como a criação e disponibilização de lares temporários aos casais ou mulheres que precisam se deslocar para acessar os serviços de assistência médica necessários.

Este estudo limitou-se à análise dos dados levantados na revisão de literatura, não sendo realizados estudos de caso, análise procedimentais ou de campo. Não foram avaliados os critérios de exclusão, como idade, estado de saúde, ou outro que porventura limitem ou impeçam o acesso de mulheres aos serviços de reprodução assistida. Foi levado em consideração apenas a existência dos Centro de assistência e o perfil geral da população acessante, baseados na revisão de literatura.

O desenvolvimento de uma pesquisa para realizar o censo das mulheres que são atendidas por cada Centro de Reprodução Humana Assistida, deve ser realizado, a fim de identificar o perfil social, econômico e regional daquelas que conseguem realizar o planejamento familiar, a fim de estudar a descentralização dos serviços ofertados. Assim como avaliar os critérios de inclusão e exclusão de mulheres aos serviços de reprodução assistida.

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1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Mario Pontes Jucá – Endereço: Av. Muniz Falcão, 1200, Barro Duro, Maceió – AL, CEP: 57045-150 – E-mail: claudiaclemente1@hotmail.com.br
2 Professora orientadora. Docente do curso de Direito do Centro Universitário Mario Pontes Jucá – Endereço: Av. Muniz Falcão, 1200, Barro Duro, Maceió – AL, CEP: 57045-150. Mestra em Sociologia (PPGS/UFAL). E-mail: livya.sales@umj.edu.br