REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202410301430
Nina Gomes Ferreira
RESUMO
Este trabalho aborda o impacto da desigualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro, com foco nas barreiras enfrentadas pelas mulheres, especialmente em termos de acesso a cargos de liderança e na disparidade salarial. Através da análise de conceitos de gênero, desigualdade social e de gênero, buscou-se compreender como essas questões afetam diretamente a inserção e progressão das mulheres no mercado de trabalho. O estudo também examinou o feminismo como movimento fundamental na luta pelos direitos das mulheres e destacou as políticas e medidas adotadas no Brasil para reduzir essa desigualdade. Por fim, foram discutidas as consequências econômicas dessa desigualdade, como o impacto negativo na produtividade e no crescimento econômico, ressaltando a importância da equidade de gênero para o desenvolvimento sustentável do país.
Palavras-chave: desigualdade de gênero, mercado de trabalho, disparidade salarial.
ABSTRACT
This paper addresses the impact of gender inequality in the Brazilian labor market, focusing on the barriers faced by women, particularly regarding access to leadership positions and wage disparity. Through the analysis of concepts such as gender, social inequality, and gender inequality, it seeks to understand how these issues directly affect women’s entry and progression in the labor market. The study also examines feminism as a fundamental movement in the fight for women’s rights and highlights the policies and measures adopted in Brazil to reduce this inequality. Finally, the economic consequences of this inequality are discussed, including its negative impact on productivity and economic growth, emphasizing the importance of gender equity for the country’s sustainable development.
Keywords: gender inequality, labor market, wage disparity.
1. INTRODUÇÃO
A desigualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro é uma realidade que, apesar de alguns avanços, persiste como um obstáculo significativo para a plena integração e desenvolvimento das mulheres. Estudos mostram que as mulheres, em média, enfrentam desafios desproporcionais, principalmente no que diz respeito ao acesso a cargos de liderança e à disparidade salarial em relação aos homens. De acordo com Hirata e Kergoat (2007), a desigualdade de gênero está profundamente enraizada nas relações sociais e estruturais, refletindo a divisão sexual do trabalho, onde as mulheres são muitas vezes sub-representadas em posições de poder e tomadas de decisão.
No contexto do mercado de trabalho, a desigualdade de gênero não se limita apenas às diferenças salariais, mas também às barreiras invisíveis que impedem o avanço das mulheres nas hierarquias organizacionais. Segundo Costa (2020), as mulheres são frequentemente submetidas a práticas discriminatórias que resultam no fenômeno conhecido como “teto de vidro”, uma barreira simbólica que dificulta seu acesso a cargos de liderança. Além disso, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que, apesar de serem maioria em alguns setores, as mulheres continuam a ganhar, em média, 22% a menos que os homens (IBGE, 2021).
Este trabalho se propõe a investigar o impacto dessas desigualdades no mercado de trabalho brasileiro, com foco nas barreiras enfrentadas pelas mulheres em termos de ascensão profissional e disparidade salarial. Para tal, será realizada uma análise conceitual dos termos “gênero” e “desigualdade”, com ênfase na desigualdade social e de gênero, e como essas questões se inter relacionam. De acordo com Scott (1995), gênero deve ser compreendido como uma construção social que influencia profundamente as relações de poder e o acesso às oportunidades no ambiente de trabalho.
A metodologia utilizada neste trabalho é de caráter qualitativo, uma vez que busca compreender o fenômeno da desigualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro através de análises interpretativas e descritivas de fontes teóricas e documentais. De acordo com Minayo (2001), a pesquisa qualitativa é apropriada quando o foco do estudo está nas relações, crenças e percepções, ao invés de dados mensuráveis e numéricos. Portanto, a pesquisa qualitativa visa compreender os significados sociais e culturais atribuídos aos fenômenos observados, oferecendo uma visão mais profunda dos processos que geram e perpetuam a desigualdade de gênero no mercado de trabalho.
Os critérios de seleção das fontes basearam-se na relevância dos autores e documentos que discutem temas como desigualdade de gênero, mercado de trabalho, feminismo e políticas públicas voltadas para a igualdade. Foram utilizadas obras acadêmicas, relatórios institucionais, pesquisas de organizações como a ONU Mulheres, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, foram incluídos estudos que trazem discussões contemporâneas sobre as barreiras enfrentadas por mulheres no ambiente de trabalho, particularmente em relação à ascensão a cargos de liderança e à disparidade salarial.
A técnica de análise adotada foi a análise de conteúdo, que, segundo Bardin (2011), envolve a categorização de informações e a identificação de padrões e temas recorrentes dentro do material coletado. A análise de conteúdo permite a interpretação dos dados de forma sistemática e objetiva, o que facilita a identificação de discursos e práticas que contribuem para a perpetuação das desigualdades de gênero.
Assim, este trabalho utiliza a pesquisa qualitativa para investigar os impactos e implicações da desigualdade de gênero no mercado de trabalho, com foco em estudos que contextualizam o problema dentro da realidade social e econômica brasileira.
2. CONCEITOS DE GÊNERO E DESIGUALDADE
O entendimento dos conceitos de gênero e desigualdade é fundamental para a análise das relações de poder e das barreiras enfrentadas por diferentes grupos sociais, especialmente as mulheres, no mercado de trabalho. Este capítulo tem como objetivo apresentar as definições e interpretações desses conceitos, com ênfase na desigualdade de gênero, e discutir como essas desigualdades afetam a inserção das mulheres no mundo profissional, sua ascensão a cargos de liderança e a disparidade salarial em relação aos homens.
2.1 Gênero
O conceito de gênero, historicamente, foi compreendido como sinônimo de sexo biológico, o que gerou a ideia de que papéis sociais e comportamentos masculinos e femininos estavam diretamente ligados a características biológicas imutáveis. No entanto, o termo “gênero” passou a ser reinterpretado a partir das teorias feministas e de estudos sociais na segunda metade do século XX. De acordo com Joan Scott (1995), gênero não deve ser entendido apenas como uma categoria biológica, mas como uma construção social que influencia as relações de poder, posições sociais e expectativas de comportamento.
Scott argumenta que o gênero é uma ferramenta analítica que ajuda a desvendar como as diferenças entre homens e mulheres são culturalmente construídas e como essas diferenças são usadas para justificar relações desiguais de poder. Gênero, portanto, refere-se não apenas às distinções entre homens e mulheres, mas à forma como essas distinções são valorizadas socialmente. Essa construção influencia diretamente a divisão sexual do trabalho e as desigualdades que surgem no ambiente de trabalho (SCOTT, 1995).
2.2 Desigualdade
A desigualdade é um conceito amplo que pode ser observado em diferentes esferas da vida social, como a econômica, a política e a cultural. Ela refere-se à distribuição desigual de recursos, oportunidades e direitos entre os indivíduos ou grupos sociais. No campo da sociologia, desigualdade social é frequentemente compreendida como a disparidade entre diferentes grupos em termos de acesso à educação, saúde, emprego e poder, resultando em diferentes níveis de qualidade de vida.
Segundo Piketty (2014), a desigualdade é um fenômeno dinâmico, perpetuado por sistemas econômicos e políticos que favorecem determinados grupos em detrimento de outros. No Brasil, por exemplo, a desigualdade social está fortemente relacionada a fatores como raça, gênero e classe, sendo as mulheres e as pessoas negras as mais afetadas pelas barreiras estruturais que limitam seu acesso a oportunidades.
A desigualdade de gênero é uma forma específica de desigualdade que se manifesta nas esferas social, econômica e política, e diz respeito às diferenças de poder, oportunidades e remuneração entre homens e mulheres. Essas desigualdades são mantidas e reproduzidas por meio de normas sociais, expectativas culturais e estruturas institucionais que favorecem os homens em detrimento das mulheres. De acordo com Hirata e Kergoat (2007), a desigualdade de gênero se expressa na divisão sexual do trabalho, onde funções e responsabilidades são atribuídas a homens e mulheres de maneira diferenciada e hierárquica.
No contexto do mercado de trabalho, essa desigualdade é evidenciada pela segregação ocupacional, a concentração das mulheres em cargos de menor prestígio e poder, e a disparidade salarial. No Brasil, embora as mulheres representem uma parcela significativa da força de trabalho, elas continuam ganhando menos que os homens, mesmo quando ocupam cargos semelhantes. De acordo com dados do IBGE (2021), a diferença salarial entre homens e mulheres no Brasil é de aproximadamente 22%, refletindo a persistente desvalorização do trabalho feminino.
Além disso, as mulheres enfrentam barreiras adicionais no acesso a cargos de liderança, fenômeno que é frequentemente descrito como o “teto de vidro”. Esse termo, cunhado por feministas e sociólogos, refere-se às barreiras invisíveis, mas sólidas, que impedem as mulheres de progredir em suas carreiras, mesmo quando têm qualificações iguais ou superiores às dos homens (COSTA, 2020). Essas barreiras podem incluir preconceitos de gênero, falta de apoio institucional e práticas discriminatórias nas organizações.
A desigualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro tem profundas consequências para as mulheres e para a sociedade em geral. As limitações enfrentadas pelas mulheres em termos de ascensão profissional, acúmulo de capital e participação em decisões estratégicas empresariais são reflexo de uma estrutura que, historicamente, favorece os homens. Isso afeta a economia, pois o subaproveitamento da força de trabalho feminina resulta em uma perda de potencial produtivo e criativo (ELSON, 1999).
Além disso, a desigualdade de gênero reforça a reprodução de estereótipos e expectativas sociais que limitam as escolhas e possibilidades de carreira das mulheres. No caso da disparidade salarial, a desvalorização do trabalho feminino é um reflexo não apenas das estruturas organizacionais, mas também da divisão desigual das responsabilidades domésticas e familiares, que, em grande parte, recaem sobre as mulheres (HIRATA; KERGOAT, 2007).
Portanto, é fundamental que o combate à desigualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro inclua políticas públicas e ações institucionais que promovam a equidade, desde o acesso às oportunidades de trabalho até o tratamento equitativo no desenvolvimento de carreiras. Sem isso, as mulheres continuarão enfrentando barreiras que limitam seu pleno desenvolvimento profissional e pessoal.
3. O FEMINISMO E A LUTA POR IGUALDADE DE GÊNERO
O feminismo é um movimento social, político e cultural que busca promover a igualdade de gênero, combater a discriminação e a violência de gênero, e garantir os direitos das mulheres em todos os âmbitos da sociedade. Desde seu surgimento, o feminismo tem desempenhado um papel fundamental na luta pela equidade e justiça social, focando na eliminação das opressões impostas às mulheres pelo sistema patriarcal. Ao longo das décadas, o feminismo evoluiu em diferentes vertentes e ondas, cada uma abordando aspectos específicos das desigualdades enfrentadas pelas mulheres, mas todas com o mesmo objetivo: a igualdade de gênero.
Embora o feminismo seja um movimento unificado em torno do princípio da igualdade de gênero, ele não é homogêneo. Diversas vertentes do feminismo surgiram ao longo do tempo, cada uma com enfoques distintos. Entre elas, estão o feminismo negro, o transfeminismo, o feminismo católico e o feminismo marxista, que abordam diferentes formas de opressão que as mulheres enfrentam em suas interseções de identidade. Apesar das abordagens diversas, todas as vertentes feministas compartilham princípios centrais, como o combate à violência de gênero, a luta pela justiça reprodutiva, o empoderamento das mulheres e a busca pela igualdade salarial e de oportunidades (NARVAZ; KOLLER, 2006).
O feminismo negro, por exemplo, foca na intersecção entre raça e gênero, evidenciando que as mulheres negras enfrentam desafios particulares, que não são considerados pelo feminismo tradicional. Já o transfeminismo amplia a luta para incluir as questões enfrentadas pelas mulheres trans, ressaltando as discriminações específicas que elas sofrem em um mundo binário e cisnormativo.
Segundo Silva (2023):
O feminismo também tem outros objetivos, como combater a discriminação contra as mulheres e condenar a opressão imposta às mulheres pelo patriarcado.” Esse sistema de opressão é central nas discussões feministas, pois é nele que se alicerçam as práticas culturais e sociais que mantêm as mulheres em posições de subordinação.
No Brasil, o feminismo também desempenhou um papel crucial na conquista de direitos para as mulheres. A luta feminista ganhou força especialmente a partir da década de 1970, durante o regime militar, quando as mulheres se mobilizaram contra as opressões políticas e econômicas do período. Com o processo de redemocratização, as reivindicações feministas foram incorporadas na Constituição de 1988, que trouxe uma série de avanços em termos de igualdade de direitos e proteção às mulheres.
A criação de secretarias voltadas para as questões femininas e a implementação de leis, como a Lei Maria da Penha, são exemplos dos avanços conquistados pelo movimento feminista no Brasil. A ONU Mulheres (2016) destaca que, com a universalização de direitos e a ampliação da democratização, as mulheres desafiaram a forte desigualdade que caracterizava sua inserção social e produtiva. No entanto, apesar das conquistas, ainda existem muitos desafios a serem superados, especialmente no que diz respeito à violência de gênero, à sub-representação política e à desigualdade salarial.
De acordo com Carla Garcia (2015), o feminismo pode ser definido como:
A tomada de consciência das mulheres como coletivo humano, da opressão, dominação e exploração de que foram e são objeto por parte do coletivo de homens no seio do patriarcado.
O feminismo não é apenas um movimento social, mas também uma filosofia política que desafia as bases sobre as quais as sociedades patriarcais foram construídas. Ao questionar a distribuição desigual de poder e as normas de gênero, o feminismo busca transformar não só as estruturas políticas e econômicas, mas também as relações pessoais e o cotidiano das mulheres.
Além disso, como salienta Garcia (2015), o feminismo carrega uma ética e uma forma de estar no mundo, transformando a maneira como as mulheres enxergam suas próprias experiências e os mecanismos de opressão que enfrentam diariamente. Essa conscientização leva a uma postura crítica em relação às desigualdades de gênero e incentiva ações que visam a transformação social.
4. DESIGUALDADE DE GÊNERO NO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO
A desigualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro é uma questão estrutural que reflete não apenas as disparidades salariais, mas também o acesso desigual a oportunidades de liderança, promoção e desenvolvimento profissional. As mulheres continuam enfrentando desafios significativos no mercado de trabalho, especialmente no que diz respeito à discriminação, à segregação ocupacional e à sub-representação em cargos de decisão. Essa desigualdade tem consequências profundas, tanto no âmbito econômico quanto social, afetando o crescimento econômico, a produtividade e o bem-estar geral da sociedade.
A desigualdade de gênero no mercado de trabalho tem profundas implicações econômicas. Segundo o relatório da ONU Mulheres (2016), “a desigualdade de gênero no mercado de trabalho não apenas marginaliza as mulheres, mas também limita o crescimento econômico de um país”. Estudos indicam que se as mulheres tivessem igualdade de oportunidades, o Produto Interno Bruto (PIB) global poderia crescer significativamente. No Brasil, essa realidade não é diferente: a participação feminina no mercado de trabalho poderia alavancar o desenvolvimento econômico, ampliando o poder aquisitivo das famílias e contribuindo para a melhoria das condições sociais no país.
A desigualdade econômica entre homens e mulheres é visível em diferentes aspectos, desde a remuneração até a progressão nas carreiras. A diferença salarial de gênero, também conhecida como “gender pay gap”, reflete o fato de que, em média, as mulheres brasileiras recebem menos que os homens para desempenhar funções semelhantes. Segundo dados do IBGE (2020), as mulheres ganham cerca de 20,5% a menos do que os homens, uma diferença que se acentua em cargos de maior prestígio e liderança.
Além da questão salarial, há a segregação ocupacional, onde as mulheres tendem a ocupar posições em setores menos valorizados economicamente, como educação, saúde e serviços sociais, enquanto os homens dominam áreas mais bem remuneradas, como tecnologia, engenharia e finanças. Esse fenômeno, conhecido como “teto de vidro”, restringe o acesso das mulheres a cargos de chefia e à ascensão profissional em setores tradicionalmente dominados por homens (CAMPOS, 2019).
4.1 Consequências da desigualdade no crescimento e produtividade
A desigualdade de gênero não é apenas uma questão de justiça social; ela tem consequências significativas para o crescimento econômico e a produtividade de um país. Quando as mulheres enfrentam barreiras que limitam seu potencial de trabalho, a economia como um todo perde. McKinsey & Company (2015) destacou que a redução das disparidades de gênero poderia agregar até US$ 12 trilhões ao PIB global até 2025. No contexto brasileiro, estudos sugerem que a equidade de gênero no mercado de trabalho poderia elevar o PIB em até 30% (CAMPOS, 2019).
As barreiras enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho, como a dificuldade de conciliar a vida familiar com a profissional, a falta de políticas públicas de apoio à maternidade e a ausência de redes de cuidado, impactam diretamente sua produtividade. Muitas mulheres, por exemplo, são forçadas a optar por empregos de meio período ou em setores informais para acomodar suas responsabilidades familiares, o que compromete sua renda e limita seu desenvolvimento profissional (SOUZA, 2017).
A desigualdade de gênero no trabalho, portanto, é uma questão não apenas de justiça, mas também de eficiência econômica. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que a igualdade de gênero no mercado de trabalho pode aumentar a produtividade global em até 25%. Isso ocorre porque a inclusão de mulheres no mercado formal, especialmente em posições de liderança, traz novas perspectivas e habilidades, além de melhorar a inovação e a tomada de decisões nas empresas (OIT, 2020).
4.2 Conexão entre a desigualdade social e econômica
A desigualdade de gênero no mercado de trabalho é intrinsecamente ligada às questões sociais. As normas culturais, o machismo e os papéis de gênero tradicionais perpetuam a ideia de que as mulheres são responsáveis pelas tarefas domésticas e pelo cuidado dos filhos, o que impacta negativamente sua participação no mercado de trabalho formal. A falta de apoio governamental para a distribuição mais equitativa dessas responsabilidades, como a ausência de creches públicas suficientes e licenças parentais adequadas, agrava ainda mais esse cenário.
Silvia Souza (2017) destaca que:
A desigualdade de gênero no mercado de trabalho está enraizada nas construções sociais que associam as mulheres a papéis de cuidado, o que resulta em uma divisão desigual do trabalho doméstico e das responsabilidades familiares.
Essa divisão desigual cria um ciclo de exclusão que perpetua a desvantagem econômica das mulheres, impactando suas oportunidades de ascensão profissional e seus rendimentos ao longo da vida. Outro fator relevante é a discriminação direta e indireta que as mulheres enfrentam no ambiente de trabalho. Estudos indicam que as mulheres são menos propensas a serem promovidas a cargos de liderança, mesmo quando possuem qualificações e experiência semelhantes às dos homens. Esse fenômeno, muitas vezes relacionado a preconceitos inconscientes ou explícitos, contribui para a manutenção da desigualdade de gênero em posições de poder e decisão (CAMPOS, 2019).
No Brasil, o impacto da desigualdade de gênero no mercado de trabalho é particularmente preocupante. Embora as mulheres representem quase metade da força de trabalho, elas continuam sub-representadas em posições de liderança e em setores de alta remuneração. A presença feminina nos cargos executivos das empresas brasileiras, por exemplo, é inferior a 10%, o que reflete as barreiras invisíveis que limitam a ascensão das mulheres nas corporações (IBGE, 2020).
A falta de políticas de igualdade de gênero no trabalho também perpetua essa desigualdade. A ausência de medidas efetivas para combater a discriminação e promover a diversidade nas empresas mantém a divisão entre homens e mulheres, o que não só prejudica as mulheres, mas também limita o potencial de inovação e crescimento das organizações.
5. POLÍTICAS E MEDIDAS PARA REDUZIR A DESIGUALDADE DE GÊNERO NO BRASIL
A desigualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro é uma realidade reconhecida que necessita de intervenções urgentes e estruturadas. Ao longo das últimas décadas, diversas políticas públicas e medidas legislativas foram adotadas no Brasil para promover a equidade de gênero e reduzir as disparidades entre homens e mulheres. Essas iniciativas envolvem legislações trabalhistas, incentivos à educação e qualificação profissional, além de programas que buscam melhorar a representatividade feminina nos cargos de liderança. No entanto, apesar dos avanços, o país ainda enfrenta desafios consideráveis para alcançar a igualdade plena.
A Constituição Federal de 1988 é um marco importante na promoção da igualdade de gênero no Brasil. Ela assegura que homens e mulheres tenham direitos iguais em todos os aspectos, incluindo no âmbito trabalhista. O artigo 7º, inciso XXX, da Constituição, prevê que “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil” é um direito fundamental garantido. Esse princípio foi reforçado por legislações específicas que visam assegurar a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho.
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), embora seja mais conhecida por sua atuação no combate à violência doméstica, também tem implicações importantes no campo econômico. Ela busca garantir a integridade física e psicológica das mulheres, oferecendo meios para que as vítimas de violência possam se reabilitar socialmente e economicamente, facilitando o acesso ao mercado de trabalho e a programas de assistência social.
Outra política relevante é a Lei de Cotas para Mulheres (Lei nº 9.504/1997), que estabelece um percentual mínimo de candidaturas femininas em partidos políticos. Embora a lei tenha como foco a representatividade política, ela reflete o esforço de aumentar a visibilidade das mulheres em esferas de poder, o que tem impacto indireto na dinâmica do mercado de trabalho. Segundo Silva (2020):
A representatividade política feminina é um passo importante para influenciar a formulação de políticas públicas que promovam a igualdade de gênero em todas as áreas, incluindo o mercado de trabalho.
5.1. Política de igualdade no ambiente corporativo
Além das políticas públicas, muitas empresas brasileiras começaram a implementar iniciativas internas para reduzir a desigualdade de gênero no ambiente corporativo. Um exemplo significativo é a criação de programas de diversidade e inclusão, que buscam aumentar a representatividade de mulheres em cargos de liderança e em setores historicamente dominados por homens, como ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM).
De acordo com um estudo realizado pela McKinsey & Company (2021), empresas que adotam políticas de diversidade de gênero tendem a apresentar melhores resultados financeiros, com um aumento de até 21% na lucratividade em comparação com aquelas que não possuem tais políticas. Esse dado destaca a importância da igualdade de gênero não apenas como uma questão de justiça social, mas também como um fator de competitividade empresarial. “A promoção de políticas de igualdade de gênero no ambiente corporativo é fundamental para criar um ambiente de trabalho mais inclusivo e inovador” (MORAES, 2021).
Entre as medidas corporativas de maior impacto, destacam-se as políticas de equidade salarial, que visam garantir que mulheres recebam a mesma remuneração que os homens em cargos de igual responsabilidade. Além disso, algumas empresas têm implementado programas de mentoria e capacitação específicos para mulheres, preparando-as para assumir posições de liderança. Ações como essas contribuem para reduzir o chamado “teto de vidro”, a barreira invisível que impede as mulheres de ascenderem a cargos mais altos.
Souza (2006) define políticas públicas como:
[…] o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.
Nessa perspectiva, Roberto Pires (2017) define as políticas públicas como um dos principais recursos disponíveis para os governos no combate dos problemas relacionados às desigualdades sociais, entre diferentes grupos populacionais e nas diversas regiões de seu território. O autor ressalta que a relação entre as políticas públicas e a desigualdade é delicada, dado que algumas dessas iniciativas podem, inadvertidamente, intensificar as desigualdades existentes ou até gerar novas formas de desigualdade. Pires enfatiza dois riscos na busca da amenização da desigualdade: o primeiro seria o fato de as políticas públicas sociais poderem ser insuficientes, sub-financiadas ou desarticuladas; já o segundo risco, refere-se à possibilidade de reprodução das desigualdades durante a execução diária dessas políticas, o que evidencia as falhas nas práticas de implementação.
Embora o Brasil tenha avançado na implementação de políticas e medidas voltadas para a redução da desigualdade de gênero, os desafios ainda são consideráveis. A legislação existente, embora importante, precisa ser complementada por políticas públicas mais abrangentes e iniciativas corporativas que promovam a inclusão das mulheres em todos os setores e níveis hierárquicos. O fortalecimento de políticas de conciliação entre vida profissional e familiar, a promoção da equidade salarial e a inclusão de mulheres em setores estratégicos são passos fundamentais para alcançar uma sociedade mais justa e equitativa.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou analisar o impacto da desigualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro, com foco nas barreiras enfrentadas pelas mulheres no acesso a cargos de liderança e na disparidade salarial em relação aos homens. A partir da análise dos conceitos de gênero, desigualdade social e de gênero, foi possível compreender como essas questões estão profundamente enraizadas na estrutura social e econômica do Brasil, afetando a vida profissional das mulheres de maneira significativa.
Ao longo do estudo, verificou-se que as mulheres ainda enfrentam grandes desafios para acessar posições de poder e alcançar remunerações equivalentes às de seus pares masculinos. A chamada “segregação vertical” persiste, criando o conhecido “teto de vidro”, que limita a ascensão feminina a cargos de liderança. Além disso, a diferença salarial entre homens e mulheres, mesmo quando possuem qualificação similar e exercem funções equivalentes, permanece uma realidade injusta que mina os esforços em prol da equidade de gênero.
Entre os fatores que contribuem para essa disparidade, destacam-se questões culturais e estruturais, como a divisão sexual do trabalho, que historicamente associa a mulher ao espaço doméstico, e as responsabilidades familiares, que recaem desproporcionalmente sobre as mulheres. Esses elementos reforçam a discriminação de gênero e criam obstáculos adicionais à equidade no ambiente corporativo.
Por outro lado, é possível reconhecer que, nos últimos anos, houve avanços importantes nas políticas públicas e empresariais voltadas à redução dessa desigualdade. A implementação de legislações protetivas, programas de diversidade e inclusão, além de iniciativas que incentivam a presença feminina em setores de alta demanda econômica, são passos relevantes na promoção de maior igualdade de oportunidades.
Ainda assim, para que mudanças significativas ocorram, é essencial que as políticas de equidade de gênero sejam continuamente aprimoradas e expandidas, incluindo a promoção de uma cultura organizacional mais inclusiva e o fortalecimento de políticas de apoio à conciliação entre trabalho e vida familiar. O combate à disparidade salarial também precisa ser uma prioridade, exigindo maior fiscalização e transparência por parte das empresas e do governo.
Dessa forma, conforme analisado, a desigualdade de gênero no mercado de trabalho afeta diretamente o desenvolvimento econômico do Brasil, resultando em perda de produtividade e inovação. Políticas mais robustas são necessárias para garantir um ambiente de trabalho inclusivo e equitativo. A equidade de gênero não apenas promove justiça social, mas também fortalece a economia, já que a inclusão plena das mulheres no mercado de trabalho potencializa a produtividade e a inovação. Assim, é imprescindível que o tema continue sendo discutido e abordado com seriedade por governos, empresas e sociedade civil, na busca por uma sociedade mais justa e igualitária para todos.
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