A DELIMITAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DO PEDÁGIO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8335079


João Victor Lagustera Rigoldi1


RESUMO

A presente pesquisa objetiva delimitar a natureza jurídica do pedágio que, a depender da forma como é instituído e cobrado, pode assumir o caráter tributário ou tarifário. O tema é motivo de inúmeras discussões, consistindo o objeto deste trabalho apresentar uma análise dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do assunto, sobretudo o novo posicionamento emergido na seara acadêmica, que confere uma índole hídrida ao pedágio, a ser delimitada na apreciação de cada caso concreto. Neste estudo, utiliza-se o método dedutivo, desenvolvendo-o a partir de uma minuciosa pesquisa bibliográfica, científica e jurisprudencial a respeito do tema.

Palavras-chave: Pedágio. Natureza Jurídica. Tributo. Tarifa. Natureza Híbrida.

ABSTRACT

This research aims to delimit the legal nature of the toll which, depending on how it is instituted and charged, can assume a tax or tariff nature. The subject is the subject of numerous discussions, consisting of the object of this work to present an analysis of the doctrinal and jurisprudential understandings regarding the subject, especially the new position emerged in the academic field, which confers a hybrid nature to the toll, to be delimited in the protection of each concrete case. In this study, the deductive method is used, developing it from a thorough bibliographical, scientific and jurisprudential research on the subject.

Keywords: Toll. Legal Nature. Tribute. Fare. Hybrid Nature.

INTRODUÇÃO

Durante a década de noventa, observou-se, no Brasil, uma forte tendência à privatização das empresas e dos serviços públicos, buscando-se, com isso, desonerar a atuação estatal. A transferência da execução das obras e serviços públicos também atingiu o setor de infraestrutura e transportes, uma vez que, sob o argumento da ausência de recursos para custear tais encargos, o Estado optou por conceder a responsabilidade pela manutenção e conservação das rodovias à iniciativa privada, mediante contrato de concessão.

A partir de então, houve uma mudança de contexto, e a utilização das rodovias, antes gratuita, passou a ser remunerada mediante pedágio.

Diante disso, inúmeras questões a respeito do pedágio e da sua cobrança começaram a ser levantadas, principalmente no que tange à sua natureza jurídica que, delimitada, gera diferentes repercussões.

A presente pesquisa tem como objetivo apresentar uma análise sobre a natureza jurídica do pedágio, ainda motivo de discussões doutrinárias e não pacificada jurisprudencialmente.

Sabe-se que a discussão atinente à natureza jurídica do pedágio está longe de se esgotar, uma vez que há diversos posicionamentos, tanto doutrinários como jurisprudenciais, em sentidos opostos, ora assegurando o seu caráter tributário, ora atribuindo-o a natureza jurídica tarifária. Não se olvide, ainda, do novo posicionamento emergido na seara acadêmica, que confere uma índole híbrida ao pedágio, a ser delimitada na apreciação de cada caso concreto. 

Passa-se, pois, à análise de cada um dos argumentos que subsidiam as diversas determinações acerca da natureza jurídica do pedágio.

1. A DELIMITAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DO PEDÁGIO

1.1 O pedágio como taxa

Ao fazer referência ao instituto do pedágio, parte da doutrina reconhece a sua íntima relação com a definição de tributo do artigo 3° do CTN, uma vez que, para eles, o pedágio se configura em uma prestação pecuniária compulsória, em moeda, não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

O instituto atende, destarte, segundo os adeptos desse posicionamento, a todos os requisitos indispensáveis para a sua tipificação como tributo. Não constitui, a princípio, qualquer sanção de ato ilícito, pelo contrário, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 150, V, escolheu uma materialidade lícita para o instituto, qual seja, utilizar as vias conservadas pelo Poder Publico. Diga-se, ainda, que o pedágio é uma prestação pecuniária compulsória, exigida por força de previsão legal e dotada de compulsoriedade. À vista disto, o cumprimento de todos os requisitos explicitados no artigo 3° do CTN confere ao pedágio o caráter de figura tributária, conforme entendimento de parcela doutrinária.

De acordo com Harada, mostra-se incontestável a natureza jurídica tributária do pedágio, fundamentando-se na Constituição Federal de 1988:

Com relação ao pedágio, cobrado nas vias públicas, a sua natureza tributária ficou claramente estabelecida pelo inciso V, do art. 150 da Constituição Federal de 1988 de sorte que o posicionamento anterior da doutrina e jurisprudência deve ceder à nova realidade. Diz o referido texto que é vedado `União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. Portanto, a Carta Política de 1988 define, com solar clareza, que pedágio é tributo. Do contrário, a ressalva não teria sentido algum. No passado, já tivemos a taxa pela utilização efetiva ou potencial do serviço de conservação de estradas como a taxa rodoviária única e o selo pedágio. Agora, cobra-se apenas pela utilização efetiva do serviço de conservação de rodovias, ainda que sob o errôneo regime de direito privado, distorção que cabe ao Judiciário corrigir, se vier a ser provocado à luz do novo texto constitucional. (2000).

Com relação ao pedágio, cobrado nas vias públicas, a sua natureza tributária ficou claramente estabelecida pelo inciso V, do art. 150 da Constituição Federal de 1988 de sorte que o posicionamento anterior da doutrina e jurisprudência deve ceder à nova realidade. Diz o referido texto que é vedado `União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. Portanto, a Carta Política de 1988 define, com solar clareza, que pedágio é tributo. Do contrário, a ressalva não teria sentido algum. No passado, já tivemos a taxa pela utilização efetiva ou potencial do serviço de conservação de estradas como a taxa rodoviária única e o selo pedágio. Agora, cobra-se apenas pela utilização efetiva do serviço de conservação de rodovias, ainda que sob o errôneo regime de direito privado, distorção que cabe ao Judiciário corrigir, se vier a ser provocado à luz do novo texto constitucional. (2000).

No mesmo sentido, Volkweiss (2002) inclui o pedágio na espécie tributária “taxa” ao aduzir que se a norma constitucional desde logo deixa claro que o pedágio contraprestacional serviços públicos de conservação e manutenção de vias públicas, não há como conceber de modo diverso o instituto do pedágio, senão a partir do artigo 77 do CTN, que dispõe sobre a taxa. 

Savaris argumenta que a razão de incluir o pedágio como tributo está na sua localização topográfica, nestes termos:

Na atual Constituição, a referência à permissão da cobrança do pedágio se encontra no capítulo referente ao Sistema Tributário Nacional, especificamente na seção que rege as limitações constitucionais ao poder de tributar. Em face da acomodação topográfica do instituto, tem-se sustentado a natureza tributária. (2011, p. 88).

Para Amaro (2010), o critério da exigência do pedágio é análogo ao das taxas de serviço ou de polícia, ou seja, a atuação estatal, vinculada a um indivíduo ou a um grupo de indivíduos, deve ser financiada por tributos cobrados desses indivíduos e não de toda a coletividade. Ainda segundo o doutrinador, o fato gerador do pedágio é a utilização de via pública e não a simples conservação desta, devendo ser, portanto, efetiva, e não meramente potencial. 

Portanto, para o segmento da doutrina que entende o pedágio como taxa, na forma de uma contraprestação obrigatória pelo uso efetivo das vias conservadas pelo poder público, aplicam-se ao instituto todas as normas jurídicas aplicáveis aos tributos, bem como os princípios constitucionais tributários (legalidade, anterioridade, isonomia, vedação ao confisco, entre outros), revestindo-se o pedágio de todo o aparato normativo que limita o poder de tributar e confere garantias ao contribuinte perante o Estado.

1.2 O pedágio como tarifa

Relevante parcela da doutrina, em contrapartida, reconhece a natureza tarifária do pedágio. A tarifa, também denominada de preço público, é a contraprestação pela utilização de serviços públicos realizados de forma indireta pelo Estado. De modo geral, são serviços públicos não essenciais, que oportunizam a não utilização pelo indivíduo, sendo a tarifa, por isso, facultativa. Logo, o preço público constitui receita originária paga em moeda, decorrente da contraprestação por um bem, utilidade ou serviço, configurando, assim, uma relação negocial, em que se verifica a característica marcante da voluntariedade.

Para Carvalho, a tarifa pode ser assim definida: 

O preço público consiste na remuneração decorrente da prestação de serviço de interesse público, ou do fornecimento ou locação de bens públicos, efetivada em regime contratual e não imposta compulsoriamente às pessoas. Em suma, o preço público remunera o serviço público prestado, sob o regime de direito privado, por empresas concessionárias. Visto do ângulo daquele a quem onera, é o valor pecuniário que os usuários devem pagar à empresa concessionária toda vez que se utilizarem do serviço prestado; examinado pela óptica de quem desempenha, é a importância que a empresa concessionária está autorizada a cobrar, dos usuários, em função dos serviços públicos efetivamente realizados. (2008, p. 382).

Depreende-se, pois, que somente um contrato, ou seja, um acordo de vontades que cria, modifica ou extingue um direito, legitima a cobrança de uma tarifa, vez que a voluntariedade é atributo inerente à sua existência. Resta evidente, assim, o caráter privado e facultativo no estabelecimento do preço público.

O artigo 175 da Magna Carta prevê a descentralização da prestação dos serviços públicos por meio dos instrumentos da concessão e da permissão, ocasião em que assegura, também, os direitos dos usuários, a política tarifária e a obrigação de manter o serviço adequado. Sabe-se, pois, que um dos serviços públicos concedidos é o serviço de administração e conservação de rodovias e outras vias de tráfego. Neste sentido, pode-se citar a Lei Federal n° 10.233/01, a qual instituiu a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e regulamenta a exploração de vias terrestres por meio de concessão, cujo texto assinala, em diversos dispositivos legais, que a cobrança pela utilização do serviço se dará por tarifa.

Acerca da remuneração do concessionário de serviço público, destaca Mello (2013, p. 751):

Em geral, o concessionário de serviço público (ou da obra pública) explora o serviço (ou a obra pública) mediante tarifas que cobra diretamente dos usuários, sendo daí que extrai, basicamente, a remuneração que lhe corresponde. Isto não exclui a possibilidade de que sejam também previstas outras fontes de recursos para compor-lhe a remuneração. Entretanto, as tarifas constituem-se, de regra, na remuneração básica, já que as “provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados” têm por finalidade “favorecer a modicidade das tarifas’’. O mesmo se dirá quando as tarifas forem subsidiadas pelo concedente. Logo, a principal fonte da qual é sacada a remuneração do concessionário são as tarifas.

Diversos doutrinadores têm defendido a ideia de que, realizando-se a concessão de determinado serviço público e firmado o contrato administrativo, o valor contraprestacional a ser exigido do usuário pela utilização do serviço não pode ser definido como tributo. Com fulcro nessa teoria, tem sido propagada a afirmação de que o pedágio possui a natureza jurídica de tarifa quando a sua exploração é concedida a um terceiro. Dessa forma, cabendo à empresa concessionária de serviço público a cobrança do pedágio, este será caracterizado como tarifa.

Pereira Filho, por sua vez, ao tratar do assunto, define:

O pedágio-tarifa é a remuneração que perceberá a concessionária, em decorrência da celebração do contrato administrativo de concessão, no qual estipula-se,como dever da concessionária, a realização, de forma adequada e eficiente, do serviço de conservação da via. (2009, p. 223).

Na mesma esteira de entendimento, assevera Alexandre (2013, p. 129):

O pedágio tem sido cobrado por particulares em regime de concessão, permissão ou autorização. O regime inerente a tais formas de delegação a entidades de direito privado é o contratual. Também terá natureza contratual o pedágio cobrado, que, em tais casos, terá natureza de preço público ou tarifa. 

Em parecer sobre o tema, pontuou Meirelles (1971):

 

[…] o pedágio é um simples preço público (estranho à categoria dos tributos), que visa a remunerar a construção e manutenção de obras rodoviárias especiais, de utilização vantajosa e facultativa para os usuários. Não é taxa; não é imposição fiscal compulsória e dependente de autorização constitucional para sua fixação e arrecadação. É um preço público, de livre pagamento por quem utiliza o bem ou serviço oferecido aos interessados na sua fruição.

Acerca do posicionamento doutrinário que define o pedágio como tributo por estar localizado dentro do Sistema Tributário Nacional, Berti (2008) se mostra absolutamente contrário, considerando que a simples colocação dentro das limitações do poder de tributar não confere plena certeza quanto à natureza do instituto. 

Prossegue o doutrinador ao afirmar que, embora baseado numa lei legitimadora da sua cobrança, que pode fixar os limites mínimo e máximo da tarifa, o valor efetivo do pedágio constará do contrato de concessão da estrada, o que o distingue do caráter tributário. 

Aduz, ademais, que diferentemente das taxas, o pedágio como tarifa não está sujeito ao princípio da anterioridade tributária, constante do artigo 150, III, “b” da Constituição de 1988, nem para o início da sua cobrança, nem para o aumento do seu valor. 

Pondera, por fim, que por ser pago a uma pessoa jurídica de direito privado (concessionária de serviço público), e não diretamente para o Estado, o pedágio possui natureza jurídica de tarifa.

Berti, ainda, nega a noção do pedágio-taxa, fazendo-o com amparo na ausência de vinculação à Administração Pública, nestes termos:

Constata-se que para uma obrigação ser considerada tributo,deve efetivamente enquadrar-se em tal conceito, respeitando a todos os requisitos aí enumerados, inclusive a cobrança vinculada pela Administração Pública.Ora pois, se o pedágio é pago à concessionária da estrada, a qual foi escolhida mediante licitação prévia,por certo não há como entender que o pagamento se dá em benefício do Fisco, vale dizer, não é a Administração Pública, direta ou indireta (União, Estados, Distrito Federal, Município, autarquia, fundação pública etc.) quem faz a cobrança vinculada do valor devido.O valor do pedágio é sempre recolhido no caso em questão para uma empresa particular concessionária do serviço público relativo à conservação da rodovia. Como a cobrança é feita por um particular, não há que se falar em vinculação. Ao contrário da autoridade pública, a qual não pode dispor do interesse público relativo ao lançamento, cobrança e arrecadação das receitas tributárias, a concessionária pode, em algumas ocasiões, deixar de arrecadar o pedágio (2008, p. 178-179).

Assim, faz-se mister argumentar que a conservação legitimadora da cobrança do pedágio, não é efetivada pelo poder público, ao menos não diretamente. De fato, é uma empresa privada, desguarnecida de qualquer capital público, que responde pela prestação dos serviços inerente à conservação da estrada, tais como a preservação do asfalto, a pintura das faixas da via de rolamento, a colocação e reposição de placas de sinalização, a colocação à disposição dos usuários de serviços de atendimento médico, de informações, de sanitários, entre outros. 

Não é o poder público, portanto, quem atua diretamente na consecução dos benefícios e serviços disponibilizados na malha rodoviária, estando limitado, apenas, a fiscalizar a execução dos serviços e a alterar unilateralmente as cláusulas do contrato de concessão, o que corrobora com o entendimento daqueles que atribuem a natureza tarifária ao pedágio.

Assim, de todo o exposto, da mesma forma em que se observa forte inclinação no entendimento do pedágio como taxa, já analisado anteriormente, não pode ser olvidado a crescente compreensão da natureza tarifária do pedágio. 

O eixo justificador de tal entendimento se encontra na relação contratual e facultativa existente entre o usuário das vias públicas conservadas e o concessionário responsável pela manutenção das vias. 

Dessa forma, não se menciona a compulsoriedade na utilização do serviço, uma vez que, não sendo essencial à comunidade, mas de interesse de determinadas pessoas ou de certos grupos, deve ser oportunizada a alternativa da não utilização, característica inexistente no tributo é essencial ao conceito do preço público. 

Assim, na forma de contraprestação contratual do serviço prestado, os encargos tarifários somente oneram aqueles que efetivamente dele se valem.

1.3 Critério de delimitação da natureza jurídica do pedágio – obrigatoriedade

A distinção entre taxa e tarifa, sempre celeumática no âmbito doutrinário, foi abordada pelo Supremo Tribunal Federal, com o escopo de encerrar qualquer discussão sobre o assunto. 

Dessa forma, o Pretório Excelso editou a Súmula 545 que dispôs: “Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e tem sua cobrança condicionada a prévia autorização orçamentária, em relação a lei que as instituiu”.

 A partir de então, pois, afirmou-se o critério da compulsoriedade como o diferenciador entre os dois institutos, orientação que se estende à disciplina do pedágio, como se verá adiante. 

A obrigatoriedade na utilização do serviço prestado ou posto à disposição do indivíduo é, assim, critério delimitador entre as ideias de taxa e preço público. Caso o serviço público colocado à disposição do usuário se revista de compulsoriedade, a remuneração será designada como taxa, vez que a obrigatoriedade é atributo indispensável à caracterização de tributo, do qual, a taxa é espécie. Em contrapartida, inexistente a compulsoriedade na fruição do serviço, de modo que seja oportunizada ao usuário a facultatividade na sua utilização, a contraprestação devida no caso do efetivo uso se dará mediante pagamento de tarifa ou preço público.

Carrazza compreende que a utilização do serviço público pelo administrado pode, nos termos da lei, ser compulsória ou facultativa: 

 

Assim, a lei pode e deve obrigar os administrados a fruírem, dentre outros, dos serviços públicos de vacinação, de coleta de esgotos, de coleta domiciliar de lixo, de fornecimento domiciliar de água potável. Por quê? Porque, nestes casos, está em jogo a saúde pública, um dos valores que a Constituição brasileira prestigiou. Em contrapartida, a lei não pode obrigar os administrados a fruírem dos serviços públicos de telefone, de gás, de conservação de estradas de rodagem, etc. (2000, p. 360-361).

Distingue, destarte, os serviços públicos essenciais, que realizam valores constitucionalmente consagrados e por isso necessitam ser obrigatoriamente impostos aos usuários, dos serviços públicos de fruição facultativa, que, por não serem essenciais, permitem a escolha de utilização pelo usuário. No primeiro caso, a remuneração se dará por taxa, espécie tributária, enquanto no segundo caso, a contraprestação, de caráter contratual, será tarifária.

Meirelles, igualmente, diferencia a remuneração de serviços pró-cidadão da remuneração de serviços pró-comunidade, nestes termos:

Presta-se a “tarifa” a remunerar os serviços pró-cidadãos, isto é, aqueles que visam a dar comodidade aos usuários ou a satisfazê-los em suas necessidades pessoais (telefone, energia elétrica, transportes etc.), ao passo que a “taxa” é adequada para o custeio dos serviços pró-comunidade, ou seja, aqueles que se destinam a atender as exigências específicas da coletividade (água potável, esgoto, segurança pública, etc.) e, por isso mesmo, devem ser prestados em caráter compulsório e independentemente de solicitação do contribuinte. (1998, p. 152).

Carrazza (2011) progride ao salientar que a compulsoriedade da fruição do serviço público se origina da lei. Esta, contudo, não possui plena liberdade para impor a obrigatoriedade de utilização a todo e qualquer serviço público. Deve, sobretudo, fundamentar-se em valores constitucionais, sob o manto do interesse público.

Para Paulsen (2008), deve-se ter bem nítida a diferença entre taxa e preço público, vez que aquela é tributo, sendo cobrada compulsoriamente pelo Estado como remuneração por um serviço obrigatório, do qual, de qualquer modo, o indivíduo não possa abrir mão. 

A tarifa, em contrapartida, constitui receita originária oriunda da contraprestação por um bem, utilidade ou serviço não essencial, dotada, sobretudo, do elemento facultatividade. 

Parte da doutrina que entende o pedágio como tarifa se apoia, como consequência, na inexistência da compulsoriedade na sua cobrança, vez que o usuário somente se utiliza do serviço público colocado à sua disposição quando lhe convém, o que ressalta a natureza não tributária do pedágio, a qual prima pela facultatividade e voluntariedade na fruição do serviço.

Acerca do critério distintivo ente taxa e tarifa, Sabbag (2012, p. 268) afirma: “A compulsoriedade (ou não) do uso do serviço tem sido utilizada como critério para se distinguir taxa e tarifa. Havendo ao usuário opção entre o ‘usar’ e o ‘não usar’ o serviço despontaria tarifa; inexistindo a opção, exsurgiria a taxa”.

De acordo com Pereira Filho (2009, p. 134): 

Se o contribuinte puder optar por utilizar ou não determinado serviço público, deverá remunerar o ente público por meio de preço público, ao contrário das taxas, em que não há esta possibilidade de escolha para o indivíduo. Portanto, sempre que o cidadão dispuser da faculdade de usar o serviço público, estar-se-á perante a figura jurídica do preço público, enquanto que, se o usuário utilizá-lo, de forma compulsória, será cabível tão só a exigência de taxa. 

Na mesma esteira de entendimento, Machado (2010) explana que a caracterização da remuneração de um serviço público como taxa ou como preço público está na compulsoriedade, para a taxa, e na facultatividade, para o preço público ou tarifa.

Avança o doutrinador, ao ilustrar a respectiva linha de raciocínio:

 A título de exemplo, imaginemos a necessidade que se tem de energia elétrica. Se o ordenamento jurídico nos permite atender a essa necessidade com a instalação de um grupo gerador em nossa residência, ou estabelecimento industrial ou comercial, então a remuneração que o Estado nos cobra pelo fornecimento de energia é um preço público, pois não somos juridicamente obrigados a utilizar o serviço público para satisfação da nossa necessidade. Embora nos seja mais conveniente a utilização do serviço, do ponto de vista econômico ou por outra razão qualquer, do ponto de vista rigorosamente jurídico nada nos impede de, por outro meio, atender à necessidade de energia elétrica. A remuneração que pagamos pelo serviço de fornecimento de energia elétrica, portanto, não é compulsória. Por outro lado, se há norma jurídica proibindo a instalação de grupo gerador ou unidade de captação de energia solar em residências ou estabelecimentos comerciais ou industriais, de sorte que o atendimento da necessidade de energia elétrica por qualquer outro meio que não seja o serviço público torna-se impossível sem violação da ordem jurídica, tem-se que a utilização do serviço, e por isto mesmo o pagamento da remuneração correspondente, é compulsória. Neste caso, essa remuneração correspondente é taxa. (MACHADO, 2010, p. 456).

Isto posto, se a fruição de determinado serviço público for imposta pela ordem jurídica, não ensejando qualquer alternativa ao usuário e não podendo ser realizada de outra forma, a remuneração do serviço, em regra, essencial, será feita por taxa, sofrendo as limitações legais e principiológicas típicas dos tributos. Consequentemente, incidirão todas as garantias constitucionais concernentes às espécies tributárias. 

De outro modo, se a ordem jurídica não obriga a fruição de determinado serviço, facultando o seu uso ou permitindo a realização por outra forma, não há que se falar em compulsoriedade, uma vez que cabe ao usuário, ao seu alvedrio, dispor ou não do serviço.

Machado aborda a relação existente entre a liberdade na utilização do serviço público e a liberdade na fixação do valor a ser cobrado do usuário:

À liberdade que tem o Poder Público na fixação do preço público, sem a necessidade de lei a estabelecer os critérios para a determinação do valor devido,corresponde a liberdade do cidadão de utilizar, ou não, o serviço correspondente. De um lado, ao Poder Público é autorizado fixar o valor devido mediante ato administrativo vale dizer, ato de autoridade do Poder Executivo; e, do outro, o contribuinte é liberado para utilizar, ou não, o serviço, de acordo com suas conveniências. Se o contribuinte não tem essa liberdade, porque é compulsória a utilização do serviço, o Poder Público estará igualmente limitado pela ordem jurídica pertinente aos critérios para fixação do valor a ser cobrado, que será um tributo. (2010, p. 457).

Assim, a aferição da compulsoriedade na utilização de determinado serviço público é essencial para se delimitar a natureza jurídica do valor a ser exigido do usuário: se taxa ou tarifa. 

Da mesma forma, a liberdade na utilização do serviço, bem como a possibilidade da sua realização de outro modo, surgem, pois, como ideias inseparáveis à consecução de tal escopo. A natureza jurídica do pedágio, como já visto, não se aparta desta discussão, havendo quem defenda a sua natureza tributária, enquanto outros atribuem a natureza tarifária ao instituto. Não se olvide, portanto, que a definição concludente da sua natureza jurídica passa pelo exame do fundamental critério da compulsoriedade.

1.4 A natureza jurídica híbrida do pedágio

A controvérsia acerca da natureza jurídica do pedágio não se limitou às duas correntes doutrinárias já explanadas: a que o considera como taxa e a que o define como preço público.

A partir da compreensão da compulsoriedade da utilização do serviço como critério delimitador da natureza jurídica do pedágio, sem esquecer da forma como ele é cobrado, se diretamente pelo Estado, ou sob regime de concessão, permissão ou autorização, tem-se entendido que não há uma natureza assente para o pedágio, fazendo-se mister a análise concreta de cada caso, com a verificação dos critérios pertinentes, para defini-la.

Há de se compreender, dessa forma, que a depender do exame dos critérios mencionados, o pedágio pode assumir uma natureza jurídica híbrida, ora sendo taxa, ora preço público. 

Assim, se a via pública conservada for administrada diretamente pelo poder público, a exação tomará forma de taxa. Entretanto, caso seja explorada por particular, mediante concessão, permissão ou autorização, a cobrança terá natureza jurídica de tarifa, nos termos da Lei n° 10.233/01.

Importante argumento que não limita a natureza jurídica do pedágio à normatização tributária consiste na indiscutível incompatibilidade entre a sua natureza tributária e a sua cobrança por empresas privadas, vez que, sendo tributo, como sustenta parte da doutrina, não haveria de se falar na arrecadação por outro ente senão o estatal. 

Por isso, para se afirmar acertadamente se o pedágio assume a feição de taxa ou de tarifa, faz-se mister abordar, também, além do critério da compulsoriedade, a natureza do ente que o exige, em cada caso concreto.

Acerca desse novo posicionamento doutrinário, Mello (2000), Baleeiro (2006) e Coêlho (1991) consideram que o pedágio tanto pode ser tributo como preço público, a depender da forma como for estabelecido. Este último defende a flexibilização dos regimes jurídicos, afirmando a possibilidade da aplicação de um regime jurídico híbrido, ora legal (tributário), ora contratual (administrativo). 

Nestes termos, não se pode atribuir uma natureza jurídica exata ao instituto do pedágio, vez que a sua feição será determinada casuisticamente, havendo situações em que o pedágio cobrado será compreendido como taxa e outras em que se verificará a arrecadação por preço público. A questão somente será elucidada quando se abordar a compulsoriedade ou a facultatividade da exação.

Destarte, se o usuário da rodovia conservada e mantida pelo poder público tiver a opção de se utilizar ou não da via, isto é, em havendo uma via alternativa que o conduza ao mesmo destino sem o pagamento do pedágio, há que se falar na cobrança por tarifa ou preço público. Em contrapartida, não existindo escolha ao usuário, que se vê compelido a utilizar-se da via por não ser-lhe oferecida uma alternativa ao não uso, fala-se na cobrança por taxa, vez que a compulsoriedade é característica do tributo.

Nesse sentido, pontua Sabbag (2012, p. 260): “Não havendo a existência de via alternativa – rodovia de tráfego gratuito, localizada paralelamente àquela cujo uso se cobra pedágio, a exação se torna compulsória, sem liberdade de escolha, o que reforçaria a feição tributária, própria da taxa”.

Sobre o regime jurídico aplicável em cada caso, alega o doutrinador:

Assumindo a forma de exação tributária, o pedágio deverá avocar a aplicação das normas jurídicas aplicáveis aos tributos em geral, ou seja, os princípios constitucionais tributários (legalidade, anterioridade, isonomia, vedação ao confisco etc.). Por outro lado, se o pedágio for enfrentado como uma exação não tributária, não lhe estarão afetas as amarras constitucionais adstritas às limitações constitucionais ao poder de tributar. (SABBAG, 2012, p. 259).

Salienta-se, ademais, que ao lado do critério da compulsoriedade do serviço se encontra o critério do sujeito ativo da cobrança. Logo, caso o pedágio seja exigido pelos órgãos da Administração Pública direta, a cobrança terá natureza jurídica de taxa, desde que observados os requisitos do artigo 77 do CTN, compreendida a especificidade e divisibilidade do serviço, bem como a exigência da obrigatoriedade, típica dos tributos em geral. 

De outro modo, havendo a arrecadação por empresas privadas, concessionárias ou permissionárias de serviço público, fala-se na natureza tarifária do pedágio, nos termos da Lei n° 10.233/01.

Há de se falar, ainda, do princípio da legalidade, o qual permeia a noção de pedágio tributo. Nesse sentido, sendo tributo, o pedágio deverá obedecer ao mandamento legal e ser criado por lei. De outro modo, caso se mostre como tarifa, a obrigação de pagar a exação surgirá do próprio contrato celebrado, não havendo a obrigatoriedade de prévia edição normativa.

O pedágio, portanto, sob essa nova perspectiva que ganha força no domínio doutrinário, pode ser encarado tanto como taxa quanto como tributo, a depender da compulsoriedade do serviço público e da maneira e da forma como for exigido, aplicando-se a ele, pois, tanto os princípios tributários como os princípios administrativos. 

Assim, caracterizada a compulsoriedade do uso da via pública, tendo em vista a ausência de via alternativa que permita ao usuário dela não se valer, haverá a cobrança do pedágio por meio de tributo. 

Se, de outra forma, existir a facultatividade quanto ao uso da via pública, permitindo ao usuário a opção de escolha entre a via pedagiada e a não pedagiada, ainda que a primeira esteja em melhor condição, a arrecadação se dará por preço público.

Hodiernamente, tem sido considerada, então, a natureza jurídica híbrida do pedágio, sendo desvinculada a quaisquer predefinições e analisada em cada caso concreto.

1.5 O posicionamento da jurisprudência pátria

Assim como a doutrina, os Tribunais pátrios ainda não estabeleceram, em definitivo, um posicionamento uniforme acerca da natureza jurídica do pedágio. Dessa forma, sobre o tema, encontram-se decisões nos mais diversos sentidos, ora considerando o pedágio como taxa, ora reputando-o como tarifa. 

A tendência, entretanto, é a aferição da natureza jurídica do pedágio em cada caso concreto, a partir das suas peculiaridades, razão pela qual até o momento não se tem um reconhecimento pacificado e geral do instituto.

Arrojado em suas decisões, o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em numerosos julgados, entendeu e permanece declarando a natureza não tributária do pedágio, nestes termos:

PEDÁGIO. NATUREZA JURÍDICA. PREÇO PÚBLICO. A Constituição Federal em vigor de forma expressa, excepcionando a regra, autorizou a cobrança de pedágio pela utilização de rodovias conservadas pelo Poder Público. A natureza jurídica do pedágio é tarifária e não tributo, conforme o entendimento predominante da jurisprudência pátria. Tratando-se de preço público (tarifa), não está o pedágio sujeito aos requisitos constitucionais que disciplinam os tributos, não havendo em se falar em inconstitucionalidade. Precedentes da Corte. APELO PROVIDO.(Apelação e Reexame Necessário Nº 70000525071, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Teresinha de Oliveira Silva, Julgado em 27/11/2002, grifo nosso).

Na mesma esteira de entendimento, prossegue:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PEDÁGIO. RODOVIA ESTADUAL. DAER-RS. DECRETO ESTADUAL N° 35.112/94. CONSTITUCIONALIDADE. TARIFA OU TAXA. FACULTATIVIDADE. Tratando-se do pedágio, de remuneração por serviço público não essencial, não há que se falar em taxa, mas, sim, em preço público, como regra. A facultatividade do pagamento advém da circunstância de que devido pelo usuário que, voluntariamente, utiliza a rodovia, nada obstante disponha de vias alternativas para eximir-se daquele. Cuida-se de remuneração por serviço prestado ao cidadão e não à sociedade, podendo ser exigida por meio de decreto. APELAÇÃO DESPROVIDA POR MAIORIA. (Apelação Cível Nº 70006248827, Segunda Câmara Cível Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Janyr Dall’Agnol Júnior, Julgado em 24/09/2003, grifo nosso).

O Egrégio Tribunal, ao compreender a natureza tarifária do pedágio, não exclui, ainda, o reconhecimento do pedágio como taxa, condicionando a sua verificação à ausência de vias alternativas aos usuários:

TRIBUTÁRIO. PEDÁGIO. NATUREZA JURÍDICA. TRIBUTO OU PREÇO PÚBLICO. I- Após a Constituição de 1988 (Art. 150, V), é razoável o entendimento de que o pedágio tem natureza jurídica de taxa, somente podendo ser instituído através de lei. II- O pedágio preço público ou tarifa distingue-se do pedágio tributo (taxa) pela sua facultatividade (não compulsório). A compulsoriedade dos tributos decorre da potestade tributária. A facultatividade do preço público decorre da liberdade contratual. O pedágio-tarifa tem natureza contratual. Tem por essência a facultatividade, que se caracteriza pela voluntariedade do pagamento e se concretiza através da existência de uma rodovia alternativa. III- Ao largo da divergência doutrinária e jurisprudencial quanto à natureza jurídica do pedágio, certo é que, não havendo rodovias alternativas à disposição dos usuários, configura-se como taxa, espécie tributária que deve submeter-se ao princípio da legalidade. RECURSO DESPROVIDO E SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO. (Apelação e Reexame Necessário nº 598355485, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Julgado em 09/06/1999 grifo nosso).

Atualmente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem permanecido com a concepção não tributária do pedágio, conforme julgado:

AGRAVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDÁGIO. PREÇO PÚBLICO. TAXA. LEGALIDADE. LIMINAR.[..] O pedágio tem natureza jurídica de preço público, na medida em que se trata de cobrança pela prestação de serviço público dito impróprio, porquanto tanto pode ser prestado pelo Estado quanto pelo particular via delegação. É desnecessária, portanto, a edição de lei fixando o seu valor. Sua cobrança está restrita aos que efetivamente viajam pelas rodovias, não alcançando aqueles que, potencialmente, poderiam utilizá-las. Recurso desprovido. (Agravo Nº 70057806408, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 12/12/2013, grifo nosso).

No mesmo sentido, encontram-se acórdãos no Tribunal de Justiça de Minas Gerais e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “O pedágio constitui preço público, sendo necessário que haja a prestação de serviço em favor do usuário, consistente na conservação das vias, sob pena de se converter em tributo de barreira (art. 150, inc. V, da CR/88).” (Apelação Cível nº 1.0024.08.942414-7/002, 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Relator: Des. Edgard Penna Amorim, Julgado em 08/08/2013).

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDÁGIO. TARIFA OU TAXA. PLUS EMBUTIDO NO VALOR DESTINADO AO CUSTEIO DA DUPLICAÇÃO DA RODOVIA.LEGITIMIDADE. 1. O pedágio não se caracteriza como tributo, seja na modalidade de taxa, imposto ou contribuição de melhoria. Trata-se de tarifa, tem natureza de contraprestação contratual e visa remunerar o serviço público prestado pelas empresas concessionárias, trazendo embutida, inclusive, uma certa margem de lucro em seu valor. 2. Afigura-se legítima a cobrança de um plus embutido no valor do pedágio, destinado ao custeio da duplicação das rodovias, na medida em que a duplicação, diante do volume cada vez maior de veículos em nossas estradas, se insere no conceito de conservação e manutenção das estradas. (Apelação em Mandado de segurança 2000.04.01.143040-0/PR, TRF-4, Relator: FRANCISCO DONIZETE GOMES, Data de Julgamento: 26/11/2002, TERCEIRA TURMA, DJU de 04/12/2002, p. 443). 

Em sentido contrário, o Plenário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, na Apelação de Mandado de Segurança de n. 1.291/RN, reconheceu a natureza tributária do pedágio:

TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. SELO-PEDÁGIO. NATUREZA JURÍDICA DE TAXA. INEGÁVEL A SUA FEIÇÃO TRIBUTÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE.1- Em razão de como foi tratado na lei magna de 1988, avulta o pedágio como sendo taxa, não se lhe podendo negar a feição tributária [..](Apelação em Mandado de Segurança – AMS1291/RN. Relator: Desembargador Federal Jose Delgado. Julgamento: 08/08/1990. 2ª Turma. Publicação:Diário da Justiça (DJ) – 21/09/1990).

Em sintonia com o julgado anterior, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul arrolou:

ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. PEDÁGIO. COBRANÇA. DAER. NATUREZA JURÍDICA. TRIBUTO. TAXA. INSTITUIÇÃO POR DECRETO. ILEGALIDADE. Toda requisição de dinheiro promovida pelo Governo entre seus governados, diretamente ou por intermédio de pessoa jurídica de direito público descentralizada no caso, autarquia que não seja preço, multa, Indenização, botim de guerra em pecúnia, valores monetários vacantes ou jacentes, valores doados ou meras entradas de caixa, será juridicamente uma requisição tributaria e submete-se ao regime jurídico dos tributos. A Constituição Federal, ao caracterizar o pedágio como espécie tributária, em seu ad. 150, inciso V, estabeleceu, sem prejuízo de outras garantias asseguradas aos contribuintes, que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. Apesar de a cobrança de pedágio pela utilização de vias públicas conservadas pelo Poder Público ser delegável, é o próprio Estado, no caso dos autos, através do DAER mera entidade descentralizada que cobra o pedágio, sendo então taxa, e não preço público, devendo o Estado acatar as limitações impostas ao poder de tributar, pois o Estado não pode, por mera descentralização administrativa, travestir-se de entidade privada e desvestir-se de sua roupagem de ente tributante para cobrar tributo com apelido de preço, violando e contrariando o estatuto e garantias do contribuinte. Os pedágios têm como regra-matriz constitucional a utilização das vias, sendo os vocábulos “conservadas pelo Poder Público” a qualificação daquele elemento nuclear. Decorrendo o fato gerador dessa regra- matriz constitucional, o termo “utilização das vias” é o núcleo do fato gerador do tributo, cumprindo a mesma função do tipo em relação ao Direito Penal. Dai falar-se também em tipicidade tributária da via pelo autor-apelante é fato gerador do tributo taxa cobrado pelo pedágio, não podendo, assim, tal cobrança ser instituída por mero decreto, mas tão-somente por lei emanada do Poder Legislativo. As criações de pedágios por meros decretos violam, antes do ad. 5°, inciso II, combinado com o ad. 150, inciso 1, ambos da Constituição Federal, o disposto no art. 97, inciso 1, do Código Tributário Nacional, mostrando-se, antes de inconstitucional, ilegal a situação posta nos autos por contrariar Lei Complementar. Sendo ilegal a cobrança da taxa, corolário lógico é a sua repetição, com os acréscimos legais devidos. Voto vencido. Recurso provido. (Apelação Cível Nº 70003811999, Primeira Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angela Maria Silveira, Julgado em 28/05/2002).

Afirma-se, ademais, que a questão da natureza jurídica do pedágio ainda não está pacificada no Supremo Tribunal Federal, sendo possível, dessa forma, observar decisões nas duas esteiras de entendimento, ora compreendendo o pedágio como taxa, ora como tarifa.

No julgamento do RE 181.475-6/RS, o Ministro Carlos Velloso externou o seu entendimento, ocasião em que vinculou a disciplina tributária ao instituto do pedágio e o considerou taxa de serviço:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PEDÁGIO. Lei 7.712, de 22.12.88. I.-Pedágio: natureza jurídica: taxa: C.F., art. 145, II, art. 150, V. II.- Legitimidade constitucional do pedágio instituído pela Lei 7.712, de 1988. III.- R.E. não conhecido”. VOTO – “Primeiro que tudo, deixo expresso o meu entendimento no sentido de que o pedágio, objeto da causa, é espécie tributária, constitui-se numa taxa. O fato de ter sido o pedágio tratado no Sistema Tributário nacional exatamente nas limitações ao poder de tributar – CF, art. 150, V – é significativo. Ora, incluído numa ressalva a uma limitação à tributação, se fosse preço, a ressalva não teria sentido. É dizer, se está a Constituição tratando de limitações à tributação, não haveria sentido impor limitação a um preço (tarifa), que tem caráter contratual, assim incluído no regime de direito privado. O pedágio tem natureza jurídica de taxa (…) (RE 181.475-6/RS. Recurso extraordinário. Relator Min. Carlos Velloso. Julgamento: 04/05/1999. 2ª Turma. Publicação DJ 25/06/1999. Ementário Vol. 01956-0424). 

Em sentido contrário, o Plenário da Suprema Corte declarou, no julgamento da ADIn 800-5/RS, que o pedágio era preço público. Conduzido pelo voto do Ministro Ilmar Galvão, o colegiado asseverou a natureza tarifária do pedágio, uma vez que ele somente poderia ser cobrado em estradas que apresentassem condições especiais de tráfego, as quais deveriam oferecer possibilidade de alternativa ao usuário.

Com base nesse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça, inicialmente, assimilou o pedágio como tarifa, pois ele só poderia ser exigido em relação àquelas vias que apresentassem condições razoáveis de tráfego, sob pena de se estar exigindo verdadeiro tributo.

Assim, no que tange à natureza jurídica do pedágio, tem-se na jurisprudência pátria a mesma nebulosidade observada na seara doutrinária, vez que, atualmente, não existe a possibilidade de afirmar acertadamente a natureza jurídica do instituto sem a análise do caso concreto e das suas peculiaridades. 

Dessa forma, enquanto não houver a resolução definitiva da celeuma pelo Supremo Tribunal Federal, a insegurança jurídica permanecerá, e o direito, em cada caso, será definido, isoladamente, pelo Judiciário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com apoio no raciocínio desenvolvido, conclui-se que o pedágio pode assumir tanto a natureza jurídica tributária como a tarifária, a depender da forma como é instituído e cobrado, figurando-se, assim, como um instituto de natureza híbrida. 

Sendo instituído como tributo, o pedágio se caracterizará pela obrigatoriedade, ficando vinculado às limitações tributárias, expressas pelos princípios da anterioridade, legalidade, irretroatividade e todo o regime jurídico tributário. O fato gerador do tributo será a utilização efetiva da via pública conservada diretamente pelo Poder Público, sendo, o contribuinte, como consequência, o usuário da via.

Em contrapartida, sendo o serviço de conservação das vias públicas delegado, mediante concessão, à pessoa jurídica de direito privado, precedido de procedimento licitatório, o pedágio possuirá natureza jurídica de tarifa. Dessa forma, a sua natureza será contratual, ostentando, assim, caráter voluntário.

Para a sua precisa delimitação, pois, faz-se mister a análise de cada caso concreto, uma vez que se a via pública for administrada diretamente pelo Poder Público, a remuneração a título de pedágio se revestirá da natureza tributária, enquanto se for explorada por concessionárias ou permissionárias de serviço público, mediante contrato entre estes entes privados e o Poder Público, a remuneração será tarifária.

No Brasil, observa-se, comumente, a administração das vias públicas por empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público, que exigem uma contraprestação a título de tarifa pela utilização dos seus serviços pelo usuário, conforme dispõe a Lei 8.987/95. Nesse sentido, infere-se que grande parte dos pedágios nacionalmente cobrados, senão a maioria, possui natureza jurídica tarifária, permitindo-se aplicar a disciplina não tributária a todo esse conjunto. 

Nesses casos, tendo em vista a natureza contratual do pedágio, como rotineiramente se observa, é forçoso concluir pela sua instituição como preço público, aplicando-se ao instituto a ideia da facultatividade, própria da disciplina tarifária.

 Entretanto, não se pode atribuir uma natureza jurídica exata ao instituto do pedágio, uma vez que a sua feição será determinada casuisticamente, havendo situações em que o pedágio cobrado será compreendido como taxa e outras em que se verificará a arrecadação por preço público. A questão somente será elucidada quando se abordar a compulsoriedade ou a facultatividade da exação.

Logo, entende-se que o posicionamento mais adequado acerca da natureza jurídica do pedágio é o que contempla a sua natureza híbrida, visto ser o que melhor se adéqua à realidade fática a qual o pedágio se encontra atualmente, tendo em vista a flexibilidade do seu regime jurídico.

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  Graduado em Direito pela Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP1