A CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS APÓS A EC 15/96: UMA ANÁLISE EM BUSCA DA EFETIVIDADE DO TEXTO CONSTITUCIONAL

CREATION OF MUNICIPALITIES AFTER EC 15/96: AN ANALYSIS OF EFFECTIVENESS IN SEARCH OF CONSTITUTIONAL TEXT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8213192


Alex Pires Andrade¹


RESUMO

O artigo procurou compreender a luz da filosofia do Direito a possibilidade de criação de novos municípios após a edição da emenda constitucional 15/96. Nesse sentido, procurou-se a priori ponderar as teorias, positivista e pós-positivista, entendendo ser admissível a conjunção dessas teorias para melhor prestação do serviço jurisdicional em casos concretos de maior complexidade. Em segundo momento, foi elencado as opções que o Supremo Tribunal Federal detinha para julgar o mérito da ação direta de inconstitucionalidade 2240 que impugnou a criação de municípios após a EC 15/96. Por último, a pesquisa avaliou a lei 2.264/10 que criou o município de Extrema de Rondônia, assim como a inércia do Congresso Nacional ao não elaborar a Lei Complementar Federal regulamentando a criação de novos municípios, conforme previsão do artigo 18 §4º da Constituição da República Federativa do Brasil. Esta análise permitiu concluir que a criação de municípios pode ser feita mediante lei estadual, enquanto não elaborada a Lei Complementar Federal em razão da busca de efetividade da Carta Magna verificada na densidade normativa dos princípios correlatos a hard case estudada.

Palavras-chave: Municípios putativos. Técnicas de interpretação. Norma impugnada. Densidade normativa dos princípios. Constitucionalidade.

ABSTRACT

The article sought to understand the light of the philosophy of law and the possibility of creating new municipalities after the enactment of Constitutional Amendment 15/96. Accordingly, we sought to examine a priori theories, positivist and post-positivist understanding to be admissible in the conjunction of these theories to better service provision court in specific cases of greater complexity. Second time was part of the options that the Supreme Court had to judge the merits of direct action of unconstitutionality 2240 that challenged the creation of municipalities after EC15/96. Finally, the study investigated the 2.264/10 law that created the municipality of Extrema of Rondônia, as well as the inertia of Congress not to prepare the Supplementary Federal Law regulating the creation of new municipalities, as stipulated by Article 18 § 4 of the Constitution Federative Republic of Brazil. This analysis concluded that the creation of municipalities can be done by state law, while not elaborating Federal Complementary Law because the search effectiveness of the Magna Carta in density checked normative principles related to study hard cases.

Keywords: Municipalities putative. Interpretation techniques. Standard-density contested normative principles. Constitutionality.

INTRODUÇÃO

A criação de municípios, atualmente, é assunto que encontra-se em evidência no Direito da terra brasilis. Isto porque, após a edição da emenda constitucional 15/96 a competência para criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios passou a depender de Lei Complementar Federal, ainda não editada.

Contudo, muitos municípios foram criados às margens do texto constitucional, sendo preciso inclusive à edição da Emenda Constitucional 57/08 convalidando os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios ocorridos após a emenda constitucional 15/96 até o dia 31 de dezembro do ano de 2006. Hodiernamente, diante da inércia do Congresso Nacional em não elaborar a Lei Complementar Federal, percebe-se que diversos municípios continuam sendo criados às margens do artigo 18 §4º da Constituição da República Federativa do Brasil.

Nesse sentido, o artigo em tela tem o escopo de demonstrar à luz da filosofia do Direito que a criação de novos municípios após a edição da emenda constitucional 15/96 é possível, ainda que sem a Lei Complementar Federal regulamentando o artigo 18 §4º da CRFB e mesmo posterior a emenda constitucional 57/08. Para tanto, foi analisada a lei 2.264/2010 que criou o município de Extrema de Rondônia.

Sobeja dizer, que o artigo foi articulado em três tópicos: Em primeiro momento, uma análise filosófica em torno das teorias positivista e pós-positivista, responsáveis para dar sustentação aos argumentos apresentados em sede de conclusão.

Por sua vez, em segundo momento foi priorizada uma análise de um caso concreto, permitindo pelo método indutivo, concluir no sentido da possibilidade de realizar o controle incidental da norma paradigma de confronto antes de analisar o pleito principal. Por fim, foi perquirida a criação de novos municípios no cenário nacional, dando ênfase à criação do município de Extrema de Rondônia.

A adequada aplicação do Direito: A possibilidade de conjunção das teorias positivista e pós-positivista para a solução de casos difíceis em nosso ordenamento jurídico

A priori, podemos dizer que tanto a teoria positivista quanto a teoria pós-positivista apresentam argumentos e construções lógicas bastante sólidas. Para exemplificar, a teoria positivista é relevante pelo desenvolvimento do sistema escalonado e pelo fato do Direito está sempre positivado, diminuindo o espaço para alegar desconhecimento das normas, principalmente em um período em que grandes mudanças de valores acabam ocorrendo.

Por sua vez, a teoria pós-positivista é fundamental, uma vez que resta transparente que um sistema unicamente constituído sobre a égide de regras normatizadas acaba dificultando uma prestação jurisdicional adequada. Além disso, não há dúvida que pela conjuntura de organização da nossa sociedade a teoria positivista se mostra de difícil superação. Nesse sentido, explicita Antônio Alberto Machado no artigo “A superação do positivismo jurídico”:

Creio que a superação da metodologia e da ideologia jurídico-positivista, conforme apregoam algumas teorias do direito, é uma proposta ambiciosa demais. É muito difícil, talvez até impossível, superar os paradigmas do positivismo jurídico dentro do atual projeto sócio-cultural de modernidade capitalista e liberal (MACHADO, 2012, p.32).

Dessa maneira, o que parece correto hodiernamente seja conjugar as teorias, aplicando-as dentro de suas possibilidades e concomitante a um mesmo caso concreto, independentemente de estarmos inseridos no âmbito dos países de origem do Common Law ou do Civil Law.

Cabe dizer, que uma vez aceita essa posição, estamos por adotar o pós-positivismo no que tange a flexibilização dos princípios correlatos, mas por outro lado, conservando a teoria positivista no que se refere ao sistema escalonado das normas.

Uma solução alternativa para a criação de municípios após a EC 15/96: o desapego ao procedimento diante da sobreposição do direito material e a criação do município de extrema de Rondônia

No dia 06 de julho do ano de 2000, o Partido dos Trabalhadores ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma ação direta de inconstitucionalidade com pedido liminar, pleiteando a declaração de inconstitucionalidade da lei do Estado da Bahia n. 7.619, de 30.03.2000, publicada no Diário Oficial do Estado em 31.03.2000 que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães, até então, distrito do município de Barreiras.

O Partido dos Trabalhadores, legitimado universal para propositura de ações abstratas do controle de constitucionalidade, conforme artigo 103, VIII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, alegou em síntese, que a lei baiana violava o artigo 18, §4º da Carta Magna, uma vez que não existe Lei Complementar Federal regulamentando este dispositivo.

Diante da provocação formulada, o Supremo Tribunal Federal decidiu em 03.08.2007 que a norma impugnada era inconstitucional, pois afrontava o artigo 18 §4º da Constituição Federal, posto que diante da ausência de Lei Complementar Federal não poderia o Estado baiano criar o referido município.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal não declarou a pronúncia de nulidade da norma impugnada pelos próximos 24 (vinte quatro) meses, prazo este que o Congresso Nacional deveria sanar a omissão do artigo 18 § 4º da CRFB/88, conforme decisão em sede do MI n. 725.

Porém, diante da decisão, podemos tirar vários questionamentos, como por exemplo: o que ocorrerá com o município de Luís Eduardo Magalhães se o Congresso Nacional não elaborar a Lei Complementar Federal disciplinando a criação, a fusão, desmembramento e a incorporação dos municípios, consoante decisão no MI. n. 725? Além disso, para tornar a questão mais complexa, o Congresso Nacional publicou no Diário Oficial da União em 18.12.2008 a Emenda Constitucional 57/08 convalidando “os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação”. Diante deste ponto, é de se questionar se a referida Emenda Constitucional 57/2008, por si só, dispensaria a regulamentação do artigo 18 §4º para fins de declaração de constitucionalidade da lei baiana 7.619/2000.

Do leque de opções para decidir no mérito o caso dos “municípios putativos” e dos fundamentos que tornam equivocada a decisão tomada em sede da ADI 2240

Não há dúvidas de que o caso em tela é bastante interessante do ponto de vista da aplicação do Direito. Destarte, frente ao problema apresentado os Ministros do Supremo Tribunal Federal possuíam diversas maneiras de decidir a questão com fundamentos consistentes em cada uma delas.

Com efeito, em acordo a melhor hermenêutica sobre a matéria, torna-se pontual extrair as principais maneiras de decidir a hard case em estudo, o que sem dúvida nos leva, ao final, a coaduna com a possibilidade de inconstitucionalidade por omissão com redução de texto do paradigma de confronto da norma impugnada enquanto medida para suplantar a questão dos municípios putativos.”

Nesse sentido, a primeira decisão que poderia ter sido tomada refere-se a procedência do pedido formulado na ADI 2240, qual seja, a de declarar a lei 7619/2000 inconstitucional. Neste caso, a lei baiana seria declarada inconstitucional podendo receber efeitos ex tunc, em caso de pronúncia de nulidade.

Contudo, não parece muito acertado este posicionamento, muito embora o Ministro Marco Aurélio em seu voto de fls. 337 e 338 tenha se manifestado nesse sentido ao argumento de que “Solicitada a criação desse município ao arrepio do que contém na Constituição Federal, a porta ficará aberta para endossarmos, em conflito evidente com a Carta da República.” (ADI 2240, fls. 337-338).

Entendo que o equívoco dessa posição concentra-se, principalmente, no fato de utilizar uma interpretação literal do texto constitucional enquanto ferramenta única para aplicação do Direito. Sem mencionar o apego exacerbado ao modelo positivista. Não é porque a Constituição da República dispõe de necessidade de Lei Complementar Federal para criação de municípios que se pode desprezar os princípios intrínsecos à Constituição da República.

Ora, é necessária uma interpretação teleológica e sistemática da Constituição da República. Além do mais, uma decisão que anulasse desde o início a criação de todos os municípios criados às margens da Constituição da República poderia gerar verdadeira insegurança jurídica para os munícipes atingidos pela decisão.

Afinal, como ficaria a relação jurídica estabelecida em razão da elaboração de leis municipais aprovadas? E em relação à cobrança de tributos municipais, poderia o contribuinte reaver os valores pagos no período da putatividade do município? Enfim, quero ressaltar que esta decisão recairia na necessidade de um verdadeiro arsenal de disposições para regulamentar o período em que o município teve a aparência de legitimidade.

Ademais, estaria este posicionamento se eximindo de realizar a modulação de efeitos do controle de constitucionalidade, cuja previsão está expressa na lei 9868/99 em seu artigo 27. Portanto, considerando a peculiaridade do caso, beira a “insensatez” pensar no desfazimento do princípio da continuidade do Estado sem procurar outra medida que melhor se adequasse ao caso em análise.

Por outro lado, o argumento apresentado pelo Ministro Marco Aurélio não é dotado de solidez, uma vez que solicitada a criação do município este permanece em harmonia aos princípios constitucionais, como, por exemplo, os princípios da segurança jurídica e da continuidade do Estado.

Resta cristalino, nesses termos, que a declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc não se adequa ao caso concreto in fine. Do mesmo modo, com alicerce na mesma hermenêutica, não faz sentido pensar ainda na declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex nunc ou pro futuro.

Ora, nesta situação é compreensível e aceitável a modulação dos efeitos do controle de constitucionalidade nos termos da disciplina dada pela lei que regulamenta a ação direta de inconstitucionalidade. É ainda plausível, que nesta situação haja uma aproximação com o modelo pós-positivista, uma vez que há a valoração dos princípios em detrimento a norma, por meio do juízo de ponderação.

Porém, tornar os efeitos da inconstitucionalidade para o futuro não resolve a questão da segurança jurídica, uma vez que os “municípios putativos” necessitam ser extintos após a publicação da decisão. Nesse prisma, restaria à mesma insegurança jurídica, pois precisaria de normas regulamentando a incorporação do “município putativo” ao município-mãe. Assim, sobeja transparente que a segunda opção, declaração de inconstitucionalidade com efeitos pro-futuro, não logra êxito suficiente para superar a questão.

Ainda na linha da declaração de inconstitucionalidade, poderia o caso em tela ser decidido tal qual foi à posição majoritária adotada pela Suprema Corte brasileira no caso em tela, isto é, dando procedência ao pleito formulado na ADI 2240, porém dando uma sobrevida de 24 (vinte e quatro meses) para que o Congresso Nacional elaborasse a Lei Complementar Federal.

No entanto, com base na literatura jurídica adotada, não nos parece que a decisão de mérito tomada pelo Supremo Tribunal Federal seja a mais acertada em razão de sua ineficácia prática, posto que os municípios continuam em pleno desenvolvimento do mesmo modo que ocorria antes da pretória.

Ora, por mais que a decisão do Supremo Tribunal Federal tenha afastado a interpretação literal da norma, buscando compreender à luz dos princípios constitucionais e dos princípios peculiares da relação jurídica existente no caso dos “municípios putativos”, a mesma não possui efeito concreto capaz de oferecer segurança jurídica às pessoas atingidas pela decisão. Chamo a atenção que a atual condição dos “municípios putativos” ainda não está resolvida, o que reforça o argumento de que não houve eficácia prática na decisão.

Isso se justifica, pois a Lei Complementar Federal não foi elaborada dentro do prazo, motivo pelo qual a criação do município de Luís Eduardo Magalhães não se encontra consolidada. Nesse caso, ficou decidido que ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciar a nulidade pelo prazo de 24 meses, da Lei n. 7.619, de 30 de março de 2000, do Estado da Bahia (ADI 2240, GRAU, PP-00279).

Assim, pela decisão pode-se extrair que caso não tivesse sido aprovada a emenda constitucional 57/08, estaria o município de Luís Eduardo Magalhães hodiernamente extinto, posto que a pronúncia de nulidade tão somente não ocorreria se a Lei Complementar Federal fosse elaborada dentro do prazo concedido.

Contudo, já ficou claro que a emenda constitucional 57/08 padece de vício material, uma vez que “atalha” o texto constitucional e inaugura o fenômeno da constitucionalidade superveniente, o que ofusca o princípio da contemporaneidade no ato da realização do controle de constitucionalidade.

Ainda não se mostra adequada à decisão, pois o prazo concedido para o Congresso Nacional elaborar a norma omissa não vincula o Poder Legislativo, sob a pena de ofender o princípio da separação dos poderes e provocar o fenômeno da fossilização da Constituição.

Ante as ponderações formuladas, percebe-se claramente que a decisão não supera a questão, muito embora tenha sido construída de maneira inteligente do ponto de vista da modulação dos efeitos e da observância aos princípios da reserva do impossível, continuidade do estado e segurança jurídica.

Destarte, interessante delinear em seguida, a possibilidade de inconstitucionalidade por omissão com redução de texto do paradigma de confronto da norma impugnada enquanto medida para suplantar a questão dos “municípios putativos” que se verifica a partir da conjunção entre as correntes filosóficas acerca da teoria geral do Direito e da preservação da supremacia da Constituição.

Da decisão mais adequada para o in casu: A Possibilidade de inconstitucionalidade por omissão com redução de texto do paradigma de confronto da norma impugnada diante dos princípios da reserva do impossível e da situação excepcional consolidada enquanto medida para superar a questão dos “municípios putativos”

A hermenêutica do pós-positivista Ronald Dworkin nos ajuda a superar a questão dos “municípios putativos” conservando o sistema escalonado de normas desenvolvido por Hans Kelsen. Na linha de Dworkin, o apego à lei percebido no modelo positivista de Hans Kelsen ou na necessidade de uma norma de reconhecimento vislumbrado no entendimento de Hart, dificulta a aplicação do Direito por parte do magistrado em casos difíceis.

Isso se dá, segundo a sua interpretação, pois nos casos difíceis, hard case, o Direito é aplicado na base do “tudo ou nada”. Não existe um meio termo, ou uma ponderação feita entre a lei, princípios e diretrizes o que faz com que a decisão não seja a mais acertada.

Por amor a completude, aplicando esta interpretação, para exemplificar, a declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc da lei baiana diante do artigo 18 §4º da CRFB significaria o “nada” para Dworkin, uma vez que observaria exclusivamente a norma paradigma de confronto eximindo de observar as diretrizes e princípios correlatos a norma impugnada.

Além do mais, na lição de Ronald Dworkin o Direito é visto como integridade e no seu entendimento o princípio judiciário de integridade faz com que os magistrados observem, examinem e interpretem exaustivamente as leis, princípios e diretrizes, para ao final aplicar adequadamente o direito, cumprindo assim em sua visão, com o exercício regular de jurisdição. Não obstante, a densidade normativa dos princípios, preceitua que os princípios, ao realizarem a função normativa podem prover as lacunas da lei como fonte supletiva do Direito.

Com efeito, no caso da ADI 2240 o princípio judiciário de integridade poderia ter sido mais bem explorado. Ora, é incontroverso que a situação do município de Luís Eduardo Magalhães pairava em insegurança jurídica, pois poderia ser extinto tendo que se incorporar ao município de Barrinha (município-mãe).

Do mesmo modo, é claro que a situação deste município, assim como dos demais municípios em mesma situação configura uma situação excepcional que havia sido consolidada (do ponto de vista prático). Destarte, não resta dúvidas de que se deve buscar ao máximo a efetividade do princípio da continuidade.

Ademais, recorrendo a teoria tópica podemos registrar ainda que o pensamento jurídico acaba sendo fundado nos problemas que surgem da análise dos casos concretos, consistindo em uma forma de pensar casuística e problemática, motivo pelo qual o judiciário deve buscar dar efetividade na prestação jurisdicional.

Diante destes fatores, ao receber a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade e deferi-la, faltou ao Ministro relator o exame completo da questão, isto é, de analisar, primeiro, se a lei impugnada atendia ao princípio da contemporaneidade e, segundo, se o paradigma de constitucionalidade possui “presunção absoluta” de constitucionalidade.

É merecido dizer, que essa análise não seria necessária pelos mesmos motivos que dispensa a aplicação da cláusula reserva de plenário, isto é, quando houver precedente no Supremo Tribunal Federal. Havendo caso de ausência destes requisitos, tornaria imprescindível um julgamento incidental (artigo 18 §4º da CRFB X CRFB) antes do julgamento do pleito principal (lei baiana x artigo 18 §4º as CRFB).

Porém, esta análise não foi feita, pois no que tange a verificação da presunção absoluta da norma paradigma de confronto, isto é, do artigo 18, §4º do texto constitucional percebe que o mesmo foi introduzido na carta magna mediante emenda à constituição 15/96, razão pela qual havia, apenas, presunção relativa de constitucionalidade da norma constitucional.

Dessa maneira, poderia, em tese, por meio da ponderação dos princípios envolvidos, isto é, princípio do devido processo legal x princípios da continuidade do Estado e da reserva do impossível, verificar a constitucionalidade do artigo 18 §4 º da CRFB antes de apurar a harmonia entre a lei baiana e o paradigma de constitucionalidade do caso.

Com efeito, restaria claro que o paradigma de confronto (artigo 18 §4 da Constituição da República Federativa do Brasil) sofre da “síndrome da inefetividade da norma”, isto porque é “norma de eficácia limitada carecedora de regulamentação, razão pela qual sua aplicabilidade é indireta, mediata e reduzida”. (MORAES, 2003, p.41).

Assim, diante da inércia do Poder Legislativo poderia declarar a inconstitucionalidade por omissão com redução de texto do artigo 18 § 4º da Constituição da República Federativa do Brasil, suprimindo a expressão “dentro do período determinado por Lei Complementar Federal” e na “forma da lei.”.

A título de curiosidade, a proposta de inconstitucionalidade por omissão com redução de texto faria com que o artigo 18 §4º voltasse a ter os mesmos requisitos da época da promulgação da Constituição da República. É válido dizer, no que se refere aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da norma paradigma de confronto que estes seriam: vinculante, inter partes e ex tunc (podendo ser modulado).Seria vinculante, pois a decisão impediria o descumprimento por parte do Poder Executivo, assim como do Poder Judiciário neste caso analisado.

Por sua vez, sem margem para discussão, produziria efeitos inter partes, uma vez que a declaração da inconstitucionalidade da norma paradigma de confronto se dá de maneira incidental e exclusivamente na análise de um caso concreto. Porém, a nosso ver, em uma interpretação mais avançada e até aplicando a mesma linha de raciocínio já adotada pelo Supremo Tribunal Federal no caso da objetivação do Recurso Extraordinário, seria possível afirmarmos que a decisão de inconstitucionalidade da norma paradigma de confronto poderia provocar efeitos erga omnes.

Ora, é sabido que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem se inclinando no sentido de dilatar os efeitos das decisões proferidas no controle difuso para além das partes envolvidas no processo. Essa situação preceitua-se o que se denomina de objetivação do Recurso Extraordinário, isto é, o mecanismo usado pela Suprema Corte dispensando o Senado Federal (prerrogativa do art. 52, X da CRFB) de sustar os efeitos da norma declarada inconstitucional no controle difuso para que produza efeitos erga omnes.

Nesse prisma, Gilmar Ferreira Mendes no processo administrativo nº 318.715/STF que repercutiu na edição da emenda nº 12 ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF destaca que “o Recurso Extraordinário deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesses das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm adotando.” (MENDES, p. 71).

Diante deste cenário e por uma interpretação analógica, não há que se olvidar de que a declaração de inconstitucionalidade da norma paradigma de confronto pode produzir, pelas mesmas razões da objetivação do Recurso Extraordinário, efeitos erga omnes.

Por sua vez, no que se refere aos efeitos ex tunc, merecido dizer que a declaração de inconstitucionalidade por omissão com redução de texto da norma paradigma de confronto poderia ter no, in casu, os seus efeitos modulados, tomando por base o artigo 27 da lei 9868/99, ao ponto de conceder os mesmos 18 (dezoito meses) para que o Congresso Nacional venha elaborar a Lei Complementar Federal sob pena de conceder efeitos ex tunc à decisão.

A referida modulação, neste caso, poderia facilmente ser combinada com o artigo 12-H § 1º da própria lei, afastando assim qualquer receio de ofensa ao princípio da separação dos poderes. Neste caso, ao adotar a declaração de inconstitucionalidade por omissão com redução de texto sem pronúncia de nulidade seria possível a suspensão do processo no pleito principal.

Explica-se: suspenderá a ação direta de inconstitucionalidade com o objetivo de declarar a lei baiana inconstitucional pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses, que seria o tempo razoável dado ao Congresso Nacional para a elaboração da Lei Complementar Federal regulando o artigo 18 § 4º da CRFB e para que o Estado da Bahia e o município se adeque aos dispositivos regulamentados na lei complementar.

Contudo, caso o Congresso Nacional não elabore a lei no prazo dado aplicar-se-ia efeitos ex tunc à declaração de inconstitucionalidade incidental (análise da norma paradigma de confronto), passando o município imediatamente a figurar em estado de constitucionalidade, ou seja, em harmonia ao texto constitucional.

Por sua vez, caso o Congresso Nacional regulamentasse a omissão, teria o Estado e o Município o prazo de 6 (seis) meses para se adequar ao regramento contido na Lei Complementar Federal.

Importante dizer, que na decisão incidente, seria necessário que o Supremo Tribunal Federal fixou parâmetros para a elaboração da norma complementar, isto porque, evitaria que a norma elaborada pelo Poder Legislativo criasse obstáculos para a adequação da lei estadual baiana à Lei Complementar Federal.

Por consequência, a aplicação de decisão nessa natureza evitaria o “atalhamento Constitucional” por parte do Congresso Nacional, como ocorreu com a edição da EC 57/08. Ademais, é importante frisar que a solução apresentada nada mais representa que uma interpretação do processo constitucional à luz dos princípios da integridade, da economia processual, da finalidade do processo, da reserva do impossível e da situação excepcional consolidada.

Isso se justifica, pois ao receber a petição da ação direta de inconstitucionalidade e estando preenchido os requisitos do artigo 282 do Código de Processo Civil o juiz deve deferi-la, a partir desse momento, o que se propõe é uma análise geral do processo, analisando: primeiro o princípio da contemporaneidade e segundo se a norma paradigma de confronto é constitucional, para somente depois dar prosseguimento ao pleito principal.

Em outras palavras, caso não haja os pressupostos instalar-se-ia uma questão prejudicial para apurar a inconstitucionalidade da norma paradigma de confronto. Vale dizer, nesse prisma que essa medida poderia ser adotada em todas as ações do controle abstrato, uma vez que não ofusca o princípio do contraditório, pois ao analisar a norma paradigma de confronto poderia o Ministro relator, em tese, conceder prazo para Advocacia Geral da União defender a constitucionalidade da norma.

Por essa razão, o ângulo de análise da constitucionalidade recai sobre o paradigma de confronto e não sobre a norma impugnada, motivo pelo qual a lei baiana possui status constitucional em qualquer hipótese. É relevante pontuar, por outro lado, que a interpretação processual dada não “cega” o princípio da adstrição do pedido.

Isso porque, o pedido formulado na ação direta de inconstitucionalidade foi analisado, porém após superar o exame da inconstitucionalidade da norma paradigma. Destarte, não se apresenta contrário ao princípio do devido processo legal. Ora, em conformidade a Humberto Ávila (2010), o devido processo legal pode ser dividido em substancial (material) e formal. Pelo primeiro, busca-se por meio de um juízo de ponderação conceder uma tutela jurisdicional justa, proporcional e razoável, razão pela qual poderia facilmente ser justificada nesta situação.

Em mesmo sentido, a teoria perelmaniana concebe que a argumentação no julgamento é fundamental, uma vez que não se pode ficar preso ao formalismo existente no modelo positivista. Do mesmo modo, não ofusca o princípio da inércia do Poder Judiciário- o Poder Judiciário só pode atuar mediante provocação. Isso é facilmente superado, pois a norma paradigma deve ser analisada antes mesmo de se verificar a norma impugnada.

Este raciocínio é o inverso do conferido a declaração de perda de objeto da ação direta de inconstitucionalidade quando a norma paradigma é alterada, por exemplo. Por amor à argumentação, ainda que fosse entendido que a maneira adotada para suprir a questão dos “municípios putativos” ofendesse o princípio da inércia do poder judiciário, poderíamos mais uma vez recorrer ao juízo da ponderação das normas desenvolvido por Ronald Dworkin.

Com certeza ao balizar os princípios envolvidos: Princípio da Inércia do Poder Judiciário x Princípios da economia processual (poderia evitar uma demanda futura) e finalidade (atenderia a questão material pretendida), percebe-se maior importância em privilegiar o procedimento adotado para declarar constitucional a lei baiana, ainda que ofuscasse de algum modo o princípio da inércia do judiciário.

Diante destas pontuações em torno da (im)possibilidade de declarar inconstitucional a norma paradigma de confronto, podemos sem sombra de dúvidas afirmar que a medida para suplantar a questão dos “municípios putativos” conserva de maneira evidente o sistema escalonado elaborado por Hans Kelsen.

Na linha de raciocínio usada, portanto, é guardada a estrutura de organização das normas, ou seja, as normas estatais deparam-se organizadas em camadas normativas que se sobrepõem umas às outras tirando validade no texto constitucional. Em outras palavras, nessa proposta para suprir a questão dos “municípios putativos” a interpretação da teoria geral do Direito à luz da filosofia pós-positivista preserva a Supremacia do texto constitucional e, por conseguinte a natureza jurídica do nosso ordenamento jurídico.

Com efeito, é de se reconhecer que o ordenamento jurídico não deve ser analisado de modo estanque, em razão das constantes mudanças que ocorrem na sociedade, motivo que justifica a aplicação de novas linhas de interpretação como é o caso do modelo pós-positivista.

Porém, não significa abandonar o Direito positivo. Quero dizer, portanto, que a conjunção das linhas filosóficas (positivismo e pós-positivismo) pode oferecer resultados mais interessantes para o desenvolvimento da ciência jurídica. No caso apurado, por exemplo, é possível extrair que as normas procedimentais ou o formalismo processual Kelseniano, isto é, que se referem à condução do processo podem ser abrandadas se contrárias à aplicação material do direito, desde que em um juízo de ponderação o direito material se sobreponha.

O surgimento de novos municípios: Uma análise em torno da lei 2.264/2010 que cria o município de Extrema de Rondônia

Não obstante a questão já posta, diversas leis estaduais já foram produzidas após a Emenda Constitucional 57/08, no sentido de criar novos municípios. Nesse Sentido, verifica-se a tabela a seguir:

Com efeito, para exemplificação, a Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia publicou em 17 de março de 2010 a lei 2.264/2010 que cria o município de Extrema de Rondônia. É de se notar, que após a publicação da referida lei o Superior Tribunal Eleitoral conforme processo administrativo 672-53.2010.6.00.0000/RO deferiu o pedido para realização de consulta plebiscitária nos municípios envolvidos, com base no art. 5º da lei 9.709/98.

Já no dia 28/02/2010, o Senhor Ministro Hamilton Carvalho em sede de fl. 3, com fulcro no art. 10 da lei 9709/98, homologou o plebiscito ocorrido no município de Porto Velho (município-mãe que daria ensejo a criação de Extrema de Rondônia). Vale dizer, que na oportunidade compareceram 196.103 eleitores, sendo que destes 170.004 votaram favoráveis a criação do Município de Extrema de Rondônia.

Contudo, embora tenha sido publicada a lei 2.264/10 e homologado o resultado da consulta plebiscitária, o Tribunal Superior Eleitoral acompanhando o voto da relatora Nancy Andrighi negou possibilidade de ocorrência de eleições municipais no ano de 2012

Por enquanto, parece abortada a criação efetiva do Extrema de Rondônia. Porém, é oportuno lembrar que os municípios que haviam sido instituídos no ano de 2003, como são os casos de Pescaria Brava e Balneário Rincão (SC), Paraíso das Águas (MS), Mojuí dos Campos (PA) e Pinto Bandeira (RS), conseguiram realizar suas eleições tão somente agora no ano de 2012.

Ora, não nos parece acertada a decisão sob o prisma de uma adequada prestação jurisdicional. Ora, no caso da lei 2.264/10 que criou o município de Extrema de Rondônia, caso o Supremo Tribunal Federal tivesse adotado a opção de declarar a inconstitucionalidade incidental do artigo 18, §4º da Constituição da República Federativa do Brasil por sua omissão, no julgamento da ADI 2240, não haveria qualquer inconstitucionalidade com a lei do Estado de Rondônia.

Ainda que o Supremo Tribunal Federal não tenha decidido dessa maneira, nos parece clara a possibilidade de arguir a inconstitucionalidade por omissão do artigo 18, §4º da Constituição da República Federativa do Brasil pelo controle difuso ou abstrato.

Em caso de controle concentrado, a meu ver, parece cristalino a possibilidade de propor ação direta de inconstitucionalidade por omissão, pleiteando por analogia, efeito concretista, de tal forma como é concedido em diversos Mandados de Injunção.

Nesse sentido, Gilmar Mendes preceitua que “a omissão inconstitucional pressupõe um dever constitucional de legislar, que tanto pode ser derivado de ordens concretas contidas na Lei Fundamental quanto de princípios desenvolvidos mediante interpretação.” (MENDES, 2005, p. 274).

Nessa situação, caso o Congresso Nacional não venha elaborar a Lei Complementar Federal, o efeito concretista da ação direta de inconstitucionalidade por omissão ocorreria com a aplicação imediata das normas de competência dos Estados-Membros.

Cabe dizer, que os municípios que ambicionam a emancipação, desmembramento ou a incorporação, não merecem aguardar a inércia do Poder Legislativo que não elabora a Lei Complementar Federal. Ora, desde que cumprido os demais requisitos previstos na Constituição da República e ainda que fique claro que a criação de municípios pode resultar em ganhos para o interesse público, a inércia do Congresso Nacional ofusca as garantias fundamentais do indivíduo e a autonomia dos membros federativos.

Ainda nessa linha, o Congresso Nacional está a mais de 10 (dez) anos com a Lei Complementar Federal engavetada, inviabilizando a discussão quanto à criação de novos municípios. Destarte, o Poder Judiciário para conceder uma tutela jurisdicional adequada deve fazer uma interpretação conforme a Constituição, de modo que não haja prejuízos para a organização federativa

Além disso, não resta dúvida de que conceder efeito concretista à ação direta de inconstitucionalidade por omissão não afronta o princípio da separação de poderes. Nessa concepção, como apontado a partir da lição de Ronald Dworkin, em dias atuais deve haver a ponderação de princípios correlatos à demanda e neste caso, a ocorrência de efeito concretista não ofusca em malefício maior ao ordenamento jurídico do que a não concessão.

Não obstante a ponderação de princípios, em diversas outras oportunidades² A Suprema Corte já se manifestou no sentido da mora do Congresso Nacional em elaborar a Lei Complementar Federal. Portanto, conceder efeito concretista representaria tão somente fazer uma leitura sistemática do texto constitucional, permitindo uma prestação jurisdicional adequada e eficaz.

Ora, como já frisado, conceder uma prestação jurisdicional que preze a efetividade do texto Constitucional, como é o caso de decidir uma omissão legislativa impondo efeito concretista, não ofusca o princípio constitucional da separação dos poderes.

Muito pelo contrário. O disposto no artigo 2º da Constituição da República estabelece que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, infere-se que cada um possui função específica, considerando a sua independência. Do mesmo modo, o próprio texto Constitucional introduz a estrutura de controle mútuo entre os Poderes objetivando o estabelecimento de equilíbrio entre o Poder Legislativo, Executivo e Judiciário.

Assim, não há espaço para a inefetividade da Carta cidadã de 1988, como ainda acabamos vendo no in casu. Para se ter uma ideia, consultando o sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal em julgamentos de Mandado de Injunção e ações diretas de inconstitucionalidade ocorridos até o ano de 2009, percebe-se uma grande quantidade de matérias que ainda encontram-se omissas.

Percebe-se neste cenário, a inefetividade das decisões por consequência da inércia do Poder Legislativo. Nessa linha de discussão, mostra-se de maneira evidente que o Poder Judiciário não pode continuar às margens de decisões efetivas. Até mesmo porque, existe a partir da exegese do nosso ordenamento jurídico a possibilidade de sanar a questão. Ora, a criação de novos municípios é possível, diante das circunstâncias, ainda que sem lei Complementar Federal.

Isso se justifica, por algumas razões:

Primeiro, pois recorrendo a Ronald Dworkin, o direito não pode ser visto na base do “tudo ou nada”. Nesse sentido, é preciso realizar uma ponderação de valores que alicerça a criação de municípios em face a inércia do Poder Legislativo. Nessa análise, certamente será possível perceber que os motivos que balizam a criação de novos municípios são mais relevantes do que a tentativa clara do Poder Legislativo em não regulamentar a questão.

Segundo, pois tomando por base o tridimensionalismo jurídico de Miguel Reale ordenamento jurídico decorre da relação fato, valor e norma. E neste caso, a valoração seria no sentido da efetividade da norma, razão pela qual a norma esculpida no art. 18 §4º da CRFB não está em consonância ao escopo da promulgação da Constituição da República, qual seja; o de efetividade.

Terceiro, pois a possibilidade de criação de novos municípios, ainda que sem Lei Complementar Federal não causará nenhum prejuízo para a organização administrativa da Federação. Se assim não fosse, não teria o Poder Constituinte Originário pretendido a priori que a criação de municípios ficasse na competência dos Estados.

Quarto, pois a Carta Cidadã não veda a criação de novos municípios. Dessa maneira, ao passo que a Emenda Constitucional 15/96 foi elaborada atribuindo a competência do Congresso Nacional para elaborar a Lei Complementar Federal e diante da não elaboração da lei a mais de 14 ( quatorze) anos não, verifica-se uma tentativa legal de impedir a criação de novos municípios.

Por fim, a impossibilidade de criação de novos municípios poderia causar prejuízos ao interesse público, a partir do instante em que houvesse dificuldades da administração presente no município-mãe atender as especificidades da localidade que pleiteia a autonomia administrativa.

Assim, chega-se a conclusão à luz das Emendas Constitucionais 15/96 e 57/08 que é possível hodiernamente a criação de novos municípios, uma vez respeitado os pressupostos previstos nas Constituições Estaduais e da própria Constituição da República, ainda que sem lei complementar federal, consoante previsão do artigo 18 §4º da CRFB, desde que o Poder Judiciário declare a inconstitucionalidade por omissão do mencionado artigo.

Como pleitear a criação, fusão, incorporação e desmembramento de novos municípios?

Por todo o exposto, a meu ver, não resta nenhuma dúvida quanto à possibilidade de criação de novos municípios após a EC 15/96, ainda que sem a regulamentação feita por Lei Complementar Federal conforme dispõe o artigo 18 §4º da CRFB, pelas razões já apontadas.

Diante dessa assertiva, cabe aos interessados na criação, fusão, incorporação ou desmembramento de municípios pleitearem, com base nos argumentos já apresentados, as medidas necessárias para que sejam instituídos sob o prisma da legalidade.

Assim, embora não seja objeto da pesquisa, listo três maneiras de pleitear a criação, fusão, desmembramento, incorporação e fusão de municípios, quais sejam: controle concentrado, pedindo a inconstitucionalidade por omissão do artigo 18 §4º da CRFB, pedido administrativo dirigido ao TSE e impetração de Mandado de Segurança.

A primeira solução foi bastante discutida ao longo do trabalho e consiste em pedir a inconstitucionalidade por omissão do artigo 18 §4º da Constituição da República, uma vez que a norma constitucional é de eficácia limitada. Contudo, por tratar de ação do controle concentrado de constitucionalidade, somente as pessoas listadas no artigo 103 da CRFB possuem legitimidade para a propositura da ação.

A segunda solução consiste no pedido administrativo, como foi feito no caso de Extrema de Rondônia. Neste caso, após a homologação da consulta plebiscitária cabe o pedido dirigido ao TSE para a realização de eleições municipais. A terceira opção consiste em impetrar Mandado de Segurança pleiteando a criação, fusão, incorporação e desdobramento de municípios. Ora, o direito líquido e certo exigidos pela lei 12.016/09 resta presente quando há uma lei, ainda que estadual, criando, desmembrando ou incorporando determinado município e quando respeitado todo o procedimento necessário.

Para exemplificar, pode ser listado a lei 2.264/10 que criou o município de Extrema de Rondônia. Neste caso, houve uma lei estadual aprovada e sancionada nos termos do processo legislativo, além disso todos os demais requisitos previstos na Constituição da República que possuem eficácia plena foram superados, como é o caso da consulta plebiscitária que inclusive foi homologada.

No que tange a legitimidade para impetrar o Mandado de Segurança pleiteando a criação, fusão e incorporação de municípios não há problema. Ora, tomando novamente o caso de Extrema de Rondônia, após a homologação da consulta plebiscitária, qualquer pessoa diretamente interessada poderia impetrar o Mandado de Segurança individual. Isso porque, após a homologação todas as pessoas atingidas pela criação do município possuem o interesse que haja eficácia jurídica e eficácia prática na criação da lei que instituiu o município.

Nessa linha, seria perfeitamente possível que o legitimado a impetrar o writ constitucional, seja por exemplo uma associação nos termos da lei. Cabendo, assim, o Mandado de Segurança Coletivo, para o in casu, pois do mesmo modo, é parte interessada para que a norma de criação do município possua eficácia. Conclui-se assim que as três vias são perfeitamente possíveis para pleitear a criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios, diante das argüições formuladas neste trabalho de pesquisa.

CONCLUSÃO

Conforme foi possível verificar na pesquisa, a questão dos municípios criados sem a observância do artigo 18 § 4º da Constituição da República permanece hodiernamente incerta, em razão da ineficácia prática da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em sede da ação direta de inconstitucionalidade – ADI 2240.

Destarte, verifica-se que a Lei Complementar Federal não foi editada pelo Congresso Nacional dentro do prazo concedido pelo Supremo Tribunal Federal. Ao contrário, foi elaborado pelo Poder Legislativo a Emenda Constitucional 57/08 que convalidou os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento dos municípios sem a Lei Complementar Federal.

Contudo, não paira qualquer dúvida de que a Emenda Constitucional 57/08 deve ser declarada inconstitucional com pronúncia de nulidade, efeitos ex tunc, uma vez que o nosso ordenamento jurídico não permite a figura da constitucionalidade superveniente.

Além disso, em sede de decisão de mérito da ADI 2240 a Suprema Corte brasileira impediu a declaração de inconstitucionalidade, apenas, no período de 24 (vinte e quatro) meses, período em que o Congresso Nacional poderia regulamentar a Lei Complementar Federal, permitindo dessa maneira que os “municípios putativos” (criados as margens do texto constitucional) ficassem em harmonia a Carta Magna de 1988.

Com efeito, percebe-se que a decisão do Supremo Tribunal Federal não surtiu os efeitos que se esperam de uma adequada prestação jurisdicional, pois em caso da declaração de inconstitucionalidade da emenda constitucional 57/08 haverá uma nova insegurança jurídica em torno dos “municípios putativos”.

Por essas razões, podemos afirmar a priori, que a decisão do Supremo Tribunal Federal não foi a mais adequada para o caso concreto, embora tenha sido pautado na realização da modulação dos efeitos ao levar em consideração os princípios que balizam o município de Luís Eduardo Magalhães e dos demais “municípios putativos”.

Em mesmo sentido, podemos destacar que a Suprema Corte possuía um leque de opções para decidir a questão, podendo buscar uma pretória que se enquadra melhor ao modelo positivista (declarando a inconstitucionalidade com pronúncia de nulidade) ou pós-positivista (declarando a constitucionalidade diante dos princípios que norteavam a questão).

Neste prisma, podemos dizer que ao contrário de fazer a opção por uma corrente filosófica é plenamente possível e viável uma conjunção entre as teorias positivista e pós-positivista objetivando uma adequada prestação jurisdicional.

Além disso, a pesquisa em tela nos permite concluir que seria possível pela densidade normativa dos princípios a declaração de inconstitucionalidade incidental da norma paradigma de confronto antes da análise do pleito principal enquanto medida mais viável do ponto de vista jurídico e prático, capaz de findar a questão.

Não obstante, pelo método indutivo e pela densidade normativa dos princípios, é ainda permitido concluir que o processamento das ações do controle abstrato devem buscar analisar primeiro se há o princípio da contemporaneidade e segundo, se a norma paradigma de confronto é constitucional, isso claro, quando deferida a ação por preencher os requisitos do artigo 282 do Código de Processo Civil.

Nesse ângulo, portanto, não paira nenhuma dúvida de que a norma paradigma de confronto, após uma análise do caso concreto, pode vir a ser incidentalmente declarada inconstitucional produzindo efeitos vinculantes, ex tunc e erga omnes.

Por fim, mas não menos importante é mister dizer que as normas procedimentais podem ser abrandadas ou inaplicáveis para que haja uma tutela jurisdicional justa, proporcional e razoável, ou ainda, quando a norma de direito material se sobreponha, em uma análise de ponderação de valores, sobre a norma processual.

Por essas razões levantadas, a densidade normativa dos princípios constitucionais torna possível a declaração de inconstitucionalidade da norma paradigma de confronto e serve de medida adequada para superar a questão dos “municípios putativos” do ponto de vista prático e da efetividade da tutela jurisdicional.

No que tange a criação de municípios após as emendas constitucionais 15/96 e 57/08, como é o caso do município de Extrema de Rondônia instituído pela lei 2.264/10, a pesquisa em tela permite concluir, que é possível a criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios, ainda que sem a Lei Complementar Federal regulando o artigo 18 §4º da CRFB, sendo pleiteada de maneira administrativa, pelo controle concentrado ou por impetração de Mandado de Segurança.

Essa assertiva se justifica por uma série de razões. Em apertada síntese, podemos dizer que a criação de novos municípios atualmente permite a efetividade do texto constitucional, atende as especificidades de cada unidade federativa e vai ao encontro da vontade do constituinte originário. Não obstante, cessa a tentativa flagrante do Congresso Nacional de impedir a criação de novos municípios. Por outro lado, não contraria o texto constitucional desde que rematamos a uma análise filosófica a partir das teorias de Dworkin (ponderação de princípios correlatos ao caso) e Miguel Real ( tridimensionalismo do Direito).

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¹Graduado em Direito pela UNISEB e Doutorando em Direito Pelo CEUB. alxpires@hotmail.com
²Nesse sentido: ADI 2381-1/RS, ADI 1.616/PE , ADI 3.660/MS e ADI 2.1 01/MS.