A CONVERSÃO DO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA EM AUXÍLIO-ACIDENTE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102412091537


Cristiano Aparecido de Araújo Cruz1
Rafaela Cristina Ludvic da Costa2
Paulo César Neves3


RESUMO

Este artigo analisa a conversão do benefício por incapacidade temporária em auxílio- acidente no sistema previdenciário brasileiro. O auxílio-acidente é um benefício de natureza indenizatória, destinado a segurados que, após tratamento, apresentam sequelas permanentes que reduzem parcialmente sua capacidade de trabalho. Com base em revisão bibliográfica e análise normativa, o estudo discute a legislação vigente, os desafios operacionais do INSS e os impactos sociais para os beneficiários. Busca-se contribuir para a ampliação do debate sobre a necessidade de maior transparência e eficiência no processo de concessão, promovendo maior proteção aos segurados.

Palavras-chave: Auxílio-Acidente. Benefício. Conversão. Incapacidade. Auxílio- Doença.

ABSTRACT

This article examines the conversion of temporary disability benefits into accident allowance within the Brazilian social security system. The accident allowance is a compensatory benefit granted to insured individuals who, after treatment, exhibit permanent sequelae that partially reduce their work capacity. Based on a literature review and regulatory analysis, the study discusses the current legislation, the operational challenges faced by the INSS, and the social impacts on beneficiaries. It aims to contribute to the broader debate on the need for greater transparency and efficiency in the granting process, promoting better protection for insured individuals.

Keywords: Accident Allowance. Benefit. Conversion. Disability. Sickness Allowance.

INTRODUÇÃO

O sistema previdenciário brasileiro desempenha um papel essencial na proteção social dos trabalhadores que enfrentam incapacidade para o exercício de suas funções laborais. Dentre os benefícios existentes, destaca-se o auxílio-acidente, regulamentado pela Lei nº 8.213/91, Lei de Benefícios da Previdência Social, que tem como objetivo indenizar os segurados que sofreram redução parcial e permanente da capacidade laboral devido a acidentes.

Este benefício é precedido, na maioria dos casos, pelo benefício por incapacidade temporária, também conhecido como auxílio-doença, concedido em situações de incapacidade transitória. Contudo, a transição entre esses benefícios nem sempre ocorre de forma automática ou eficiente, como determina a legislação. Este artigo discute o processo de conversão, suas bases legais, as limitações na atuação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e os impactos dessa postura na vida dos segurados.

1.     A DEFINIÇÃO E DIRETRIZES DO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA

O Benefício por Incapacidade Temporária, anteriormente conhecido como Auxílio- Doença, é um benefício previdenciário concedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) aos segurados que, devido a doença ou acidente, ficam temporariamente incapacitados para exercer suas funções.

Este benefício encontra respaldo no Art. 59 da Lei 8.213/91, que estabelece os critérios para sua concessão, e, em seu caput, define em que circunstância o benefício é concedido, como é possível observar:

“Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.”

Como mencionado no caput, para a concessão deste benefício é necessário que seja determinada a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual, além de cumprir o período de carência exigido.

A incapacidade deve ser determinada pelo INSS, isso pode ocorrer mediante requerimento administrativo nos canais oficiais da Autarquia com a apresentação de documentos médicos. Caso os documentos médicos sejam insuficientes para determinar a incapacidade laborativa, será agendada perícia médica, onde o segurado será submetido a consulta médica com um perito para que seja avaliado seu quadro clínico e desta forma determinar a incapacidade ou não.

O período de carência é definido pelo Art. 24 da Lei 8.213/91, que determina:

“Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.”

Para a concessão do benefício por incapacidade temporária é exigido, conforme Art. 25, inciso I de mesma Lei, 12 contribuições mensais. Ou seja, para que o benefício seja concedido, além da incapacidade, é preciso que o segurado tenha feito no mínimo 12 contribuições ao INSS antes de ser acometido pela doença ou acidente que o incapacitou.

Porém há uma exceção a está regra, que está elencada no Art. 26, inciso II da Lei 8.213/91, que prevê:

“(…)

II – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada

3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado;

(…)”

Dessa forma, todos os segurados que se encontrarem em situação de incapacidade, seja por acidente ou doença que forem causados por doença profissional ou do trabalho, assim como aqueles acometidos por moléstias especificadas na lista atualizada pelo Ministério da Saúde, do Trabalho e da Previdência Social, estão dispensados da carência.

Todo e qualquer segurado que estiver dentro destas determinações, ou exceções, terá então direito a receber o benefício por incapacidade temporária. Em se tratando de um benefício temporário, como destacado por Antônio Lopes e Roberto Fleury (2016, p.71), a concessão dura enquanto o segurado estiver incapacitado, uma vez que houver alta médica, retorno ao trabalho ou abandono ao tratamento, o benefício é cessado.

1.1.  PEDIDO DE PRORROGAÇÃO DO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA

A Lei nº 8.213/91, que regulamenta os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, estabelece diretrizes claras para a concessão e manutenção de benefícios aos segurados. Dentre essas disposições, a prorrogação de benefícios, especialmente o benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), é um mecanismo que visa assegurar proteção ao segurado durante o período de incapacidade laboral.

Caso o segurado venha a entender que o prazo do período de incapacidade estipulado pela Autarquia seja insuficiente, lhe é dado a oportunidade de pedir a prorrogação deste prazo 15 dias antes da cessação do benefício.

Quando o segurado solicita a prorrogação de um benefício por incapacidade, cabe ao INSS realizar nova avaliação médico-pericial para determinar se a incapacidade laboral persiste e qual a sua natureza. Esse procedimento é essencial para definir o tipo de proteção a ser garantida ao segurado, de acordo com as condições de saúde e capacidade funcional apresentadas.

Caso a avaliação médica constate que a incapacidade é permanente e total, ou seja, que o segurado não possui condições de exercer qualquer atividade laboral que lhe garanta subsistência, o INSS deverá converter o benefício em aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez), conforme previsto no art. 42 da Lei 8.213/91.

Por outro lado, se a incapacidade for permanente, porém parcial, e for decorrente de um acidente de qualquer natureza, o INSS deve proceder à conversão do benefício para auxílio-acidente. Este benefício tem como finalidade compensar a redução da capacidade de trabalho, possibilitando que o segurado continue a exercer atividades compatíveis com sua limitação, recebendo uma indenização.

2.     A DEFINIÇÃO E DIRETRIZES DO AUXÍLIO-ACIDENTE

A origem do Auxílio-Acidente se encontra na legislação previdenciária brasileira, que tem como marco principal a Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, foi regulamentado pela Lei nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Esse benefício está vinculado ao INSS e, portanto, segue suas diretrizes e critérios para concessão.

O auxílio-acidente encontra respaldo legal no artigo 86 da Lei nº 8.213/91, que estabelece os critérios para sua concessão e, em seu caput, define em que circunstância o benefício é concedido, como é possível observar:

“Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.”

Para a concessão do auxílio-acidente, é imprescindível a verificação de que as lesões decorrentes do acidente resultaram em uma redução parcial e permanente da capacidade laboral do segurado, incapacitando-o para o pleno exercício das atividades anteriormente desempenhadas.

Essa incapacidade parcial deve ser constatada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por meio de avaliação médico-pericial, que avaliará se as lesões adquiriram caráter definitivo e comprometem a capacidade funcional do segurado. Tal constatação pode ocorrer durante o período de vigência de um benefício por incapacidade temporária ou no momento do pedido de sua prorrogação.

Nesse cenário, é dever do INSS proceder à conversão do benefício por incapacidade temporária em auxílio-acidente, independentemente de solicitação expressa por parte do segurado, uma vez preenchidos os requisitos legais para a concessão do benefício.

2.1.  A NATUREZA DO AUXÍLIO-ACIDENTE

Como destacado por Frederico Amado (2017, p. 872), o auxílio-acidente é o único benefício previdenciário de natureza exclusivamente indenizatória. Ele não tem o propósito de substituir a remuneração do segurado, mas sim de complementar seus rendimentos devido a um infortúnio que reduziu sua capacidade de trabalho.

Por seu caráter apenas indenizatório, o valor concedido pelo auxílio-acidente pode ser inferior ao salário mínimo vigente. O §1º do art. 86 da Lei 8.213/91, atualmente, define que o valor corresponderá a 50% do valor do salário-de-benefício:

“§ 1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinquenta por cento do salário-de-benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado.”

Além disso, seu caráter permite que o benefício não seja cessado mesmo que outro benefício seja concedido ao segurado, exceto quando concedida aposentadoria de qualquer espécie, conforme citado pelo §1º e definido pelo §3º do mesmo artigo:

“§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio- acidente.”

Ademais, por conta de sua natureza, é importante destacar que nem todos os tipos de segurados têm direito à concessão do auxílio-acidente. O § 1º do Art. 18 da Lei 8.213/91 estabelece que “Somente poderão beneficiar-se do auxílio-acidente os segurados incluídos nos incisos I, II, VI e VII do art. 11 desta Lei”. O Art. 11 define os segurados obrigatórios da Previdência Social, e apenas aqueles abrangidos pelos incisos mencionados têm direito efetivo ao auxílio-acidente. São esses segurados:

·       O empregado;
  • O empregado doméstico – aquele que presta serviços de natureza contínua a pessoa ou família, no âmbito residencial, em atividades sem fins lucrativos;
  • O trabalhador avulso – indivíduo que presta serviços, sem vínculo empregatício,a diversas empresas, seja em atividades urbanas ou rurais, conforme definido no Regulamento;
  • O segurado especial – pessoa física residente em imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural adjacente, que exerce atividades agrícolas ou pecuárias, de forma individual ou em regime de economia familiar, com o eventual auxílio de terceiros, conforme especificado pela legislação.

Portanto, conforme estipulado pela legislação, os segurados que não se enquadram nas categorias descritas acima não têm direito à concessão do auxílio-acidente. Essa restrição visa assegurar que o benefício seja direcionado aos trabalhadores que se encontram nas situações de maior risco de incapacidade parcial decorrente de acidente, em consonância com a natureza protetiva do regime previdenciário.

3.     A CONVERÇÃO DO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA EM AUXÍLIO-ACIDENTE E A POSTURA DO INSS

A conversão do Benefício por Incapacidade Temporária em Auxílio-Acidente representa um procedimento específico dentro do sistema previdenciário brasileiro, ocorrido quando um trabalhador, após um período de incapacidade temporária por conta de algum acidente de qualquer natureza, apresenta uma redução permanente em sua capacidade laboral, mas não atinge a condição de total incapacidade. Esse mecanismo visa ajustar o benefício à nova realidade do trabalhador, cuja capacidade de trabalho foi afetada de maneira duradoura, porém sem a perda completa da aptidão para o exercício de atividades remuneradas.

Essa conversão é uma medida essencial para a proteção social do trabalhador, pois, após o período de recuperação, o segurado que ainda apresenta limitações em sua capacidade de trabalho e necessita de suporte financeiro contínuo até que atinja a condição de aposentadoria. O auxílio-acidente, portanto, exerce um papel crucial ao proporcionar uma forma de segurança e estabilidade ao trabalhador que, embora não totalmente incapacitado, se vê restrito em suas funções laborais.

O processo de conversão deve ser realizado de forma rigorosa e criteriosa, com base em uma avaliação médico-administrativa meticulosa, pautada por critérios técnicos e legais claramente definidos. Contudo, diversos desafios operacionais e jurídicos permeiam essa prática. Conforme ressaltado por Lopes e Fleury (2016, p. 77), há registros de situações em que o INSS concede alta médica a segurados que não estão totalmente recuperados de sua incapacidade, sem realizar uma análise aprofundada sobre a possível consolidação das sequelas que possam afetar permanentemente sua capacidade laboral.

Além disso, o INSS tem enfrentado a adoção de teses jurídicas que, embora contestadas, influenciam a concessão do auxílio-acidente. Uma dessas teses foi refutada pelo REsp 1109591/SC, que consolidou o entendimento de que a intensidade do dano não é um critério determinante para a concessão do benefício, como é possível observar em tese firmada:

“Exige-se, para concessão do auxílio-acidente, a existência de lesão, decorrente de acidente do trabalho, que implique redução da capacidade para o labor habitualmente exercido. O nível do dano e, em consequência, o grau do maior esforço, não interferem na concessão do benefício, o qual será devido ainda que mínima a lesão.”

Sendo assim, o que importa é a existência de lesões que impliquem na redução da capacidade de trabalho, independentemente de sua gravidade.

No entanto, é igualmente relevante reconhecer que o INSS enfrenta desafios operacionais significativos, como a alta demanda por benefícios, escassez de recursos humanos e tecnológicos e a complexidade dos processos administrativos, que podem comprometer a agilidade e a precisão na análise dos casos de conversão de benefícios. Tais fatores podem ocasionar atrasos e erros administrativos, impactando diretamente a efetividade do sistema previdenciário.

Por fim, é imprescindível que a postura do INSS na conversão de benefícios seja orientada pelos princípios da justiça, equidade e proteção social. Os segurados que enfrentam incapacidades permanentes ou parciais necessitam de suporte adequado para garantir sua dignidade, qualidade de vida e inclusão socioeconômica. Portanto, torna-se essencial que o INSS adote uma abordagem equilibrada e sensível, assegurando que os segurados que realmente necessitam do auxílio-acidente sejam devidamente amparados, conforme as diretrizes legais e os direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição.

4.     CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo analisou o processo de conversão do benefício por incapacidade temporária em auxílio-acidente no contexto do sistema previdenciário brasileiro, destacando os principais desafios legais, administrativos e sociais enfrentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A pesquisa evidenciou a importância da correta aplicação da legislação vigente, especialmente no que tange aos critérios de concessão e manutenção dos benefícios.

O auxílio-acidente desempenha um papel crucial ao assegurar a compensação financeira para segurados que, mesmo após a recuperação de um acidente, permanecem com sequelas que limitam parcialmente sua capacidade laboral. No entanto, o estudo também revelou que, em muitas ocasiões, a transição entre os benefícios não ocorre de forma eficiente, o que pode acarretar em prejuízos significativos aos segurados, como atrasos na concessão e indeferimentos indevidos.

Dentre os principais obstáculos encontrados, destacam-se a complexidade dos processos administrativos, a alta demanda por benefícios e a limitação de recursos humanos e tecnológicos do INSS. Esses fatores podem comprometer a agilidade e a precisão na análise dos pedidos de conversão, impactando diretamente a qualidade de vida dos beneficiários.

Por fim, ressalta-se a necessidade de que o INSS adote uma postura mais proativa e transparente, visando garantir a efetiva proteção social dos segurados, conforme os princípios constitucionais de dignidade, equidade e justiça. A implementação de medidas que visem a maior eficiência na gestão dos benefícios, bem como o fortalecimento da capacitação dos profissionais envolvidos, é essencial para assegurar que o sistema previdenciário brasileiro continue a cumprir sua função de proteção social de forma adequada e inclusiva.

5.     REFERÊNCIAS

AMADO, Frederico. Curso de direito e processo previdenciário. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm.

MONTEIRO, A. L.; BERTAGNI, R. F. de Souza. Acidentes do Trabalho e Doenças Ocupacionais. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MONTEIRO, A. L.; BERTAGNI, R. Acidentes do Trabalho e Doenças Ocupacionais (8ª ed.). Editora Saraiva, 2016.

SUTHOFF, Guilherme. O auxílio-doença no regime geral de previdência e sua disposição     normativa.      Rio      Grande      do       Sul,      2019.      Disponível em: file:///C:/Users/User/Downloads/marluce,+Gerente+da+revista,+O+aux%C3%ADlio+d oen%C3%A7a+no+regime.pdf.


1Graduando do curso de Direito na Faculdades Integradas Campos Salles

2Graduanda do curso de Direito na Faculdades Integradas Campos Salles

3Advogado. Professor na Faculdades Integradas Campos Salles, na disciplina de Direito Previdenciário.