A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA SAÍDA TEMPORÁRIA E A IM(POSSIBILIDADE) DE RESSOCIALIZAÇÃO DOS APENADOS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7158710


Autores:
Vinícius Ribeiro Fernandes1
Duane Lima Oliveira2
Vitor Ribeiro Fernandes3


RESUMO

Objetiva-se, por intermédio da presente pesquisa científica, tratar acerca da questão da concessão do benefício da saída temporária (prevista na Lei de Execução Penal) e da possibilidade de ressocialização das pessoas que estão cumprindo pena em regime semiaberto. Compreende-se, nesse prumo, que diversos estudiosos e doutrinadores questionam a mencionada benesse, sobretudo pelos altos índices de reincidência no submundo do crime, daqueles que são colocados em liberdade. Questionam-se também a questão do benefício da saída temporária ser visto de modo negativo pela sociedade em geral, em decorrência do medo, da insegurança e da impunidade. Com base em tais premissas, pode-se compreender que a saída temporária contribui de modo positivo para a vida de muitos condenados, contudo, deverá ser analisada pelo magistrado com cautela. Em outras palavras, faz-se necessário que o magistrado não analise apenas os critérios objetivos contidos na LEP, mas, sobretudo, que haja um trabalho em relação àpercepção dos apenados para o benefício da saída temporária, para que não voltem para os mesmos caminhos que os privaram de sua liberdade definitiva. Em relação à metodologia adotada, enfatiza-se a utilização de mecanismos bibliográficos, doutrinários e jurisprudenciais, haja vista que se trata de uma temática puramente teórica.

Palavras-chave: Saída temporária; Apenados; Lei de Execução Penal; Ressocialização; Direito Processual Penal.

1. INTRODUÇÃO

É sabido que a Lei de Execução Penal (LEP) apresenta inúmeros benefícios em prol dos apenados. Dentre tais benesses encontra-se a denominada “saída temporária”. Nesse esteio, tem-se que a saída temporária constitui-se como um benefício que é concedido aos presos que cumprem a pena instituída sob o regime semiaberto. 

Embora se trate de um importante mecanismo em prol das pessoas que se encontram presas, muitos estudiosos vêm questionando tal benefício, principalmente em relação a sua eficácia sob o plano de reabilitação social.

Para tratar sobre tais celeumas, tem-se que a presente pesquisa científica busca abordar sobre a execução da pena privativa de liberdade, englobando-se todos os principais aspectos que permeiam tal fase processual penal. 

Posteriormente, trata-se sobre o instituto da saída temporária, apresentando uma análise conceitual, os elementos precípuos, a diferenciação entre saída temporária, permissão de saída e o denominado indulto.

Através do tópico principal, apresenta-se os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre a efetividade da saída temporária no âmbito de reabilitação social dos apenados. Nesse esteio, tratam-se sobre visões majoritárias e minoritárias em relação ao tema em comento.

Por fim, por intermédio da conclusão, retoma-se os principais elementos apresentados na pesquisa científica, bem como apresenta-se o posicionamento pessoal do discente acerca da temática tratada.

Em relação à metodologia adotada, enfatiza-se a utilização de mecanismos bibliográficos, doutrinários e jurisprudenciais, haja vista que se trata de uma temática puramente teórica.

2. A EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE: PRINCIPAIS PONDERAÇÕES

Compreende-se, inicialmente, que a palavra “pena” é proveniente do latim, derivando-se da palavra “poema” e da expressão grega “poiné”, constituindo-se como um castigo, uma punição, um sofrimento que é imposto a alguém (AURÉLIO, 2022). Nesse esteio, consoante Abbagnano (2007), a pena se trata de “uma privação ou castigo previsto por uma lei positiva para quem se torne culpado de uma infração” (ABBAGNANO, 2007, p. 749).

Nesse contexto, observa-se que as penas, ao longo dos anos, foram se tornando cada vez mais racionais, sendo, hodiernamente, pautadas por critérios, princípios e valores presentes no Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, tem-se que na atual conjuntura, a prisão como pena veio para substituir as penas corporais, ou seja, penas degradantes e cruéis, que atentavam contra a dignidade humana. Portanto, segundo Beccaria (2001), “para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcional ao delito e determinada pela lei” (BECCARIA, 2001, p. 71). 

É importante destacar que uma das principais funções do Estado consiste em punir o agente infrator (por intermédio das penas) e garantir que a segurança social seja estabelecida. Desse modo, uma vez que o indivíduo tenha cometido um crime, será suscetível de uma reprimenda por parte do ente público e, consequentemente, poderá ser privado de sua liberdade (BITENCOURT, 2020).

No sentido proposto, aduz-se que a execução da pena privativa de liberdade ocorre por intermédio de uma sentença condenatória transitada em julgado proferida pelo magistrado. Nesse esteio, tem-se que a execução será cumprida em um estabelecimento próprio e as sanções cominadas possuem um caráter individual, ou seja, só podem ser cumpridas pela pessoa que cometeu o delito (LIMA, 2022).

Com relação aos sujeitos ativos e passivos, tem-se que o Estado atuará como sujeito ativo, ou seja, será o responsável pela integridade e pelo cumprimento da pena de cada pessoa condenada. Por outro lado, tem-se que o sujeito passivo consistirá na figura do condenado, que deverá cumprir com as sanções impostas e estabelecidas (LIMA, 2022).

Da mesma forma que as sanções aplicáveis devem estar em consonância com os princípios e valores contidos na legislação atual, compreende-se também que o cumprimento dessas penalidades deverá ser realizado sob os mesmos parâmetros. 

Dentre os direitos fundamentais atinentes aos condenados, tem-se o conteúdo presente no artigo 5º, inciso III da Magna Carta de 1988, estabelecendo-se que ninguém será submetido à tortura ou tratamento degradante, cruel. Ademais, mostrase importante que o ente público atue de modo repressivo para com o infrator, sem transcender ou exceder os limites impostos pelas Leis vigentes:

Contudo é necessário reconhecer que tal direito obviamente tem que compatibilizar-se como o do Estado, consistente em punir e reprimir a criminalidade. Essa repressão não encontra ainda outras formas senão aquelas consistentes na privação de liberdade, que ainda compõe o núcleo do processo punitivo penal. Mas, ainda aqui, quando se trata de punir e reprimir é necessário que se evitem aquelas modalidades que transcendem o absolutamente indispensável para ingressar no campo da malvadeza, da crueldade e da selvageria (BASTOS, 2001, p. 40).

Portanto, vislumbra-se a necessidade de se concretizar a atividade punitiva do Estado, garantindo-se que as leis sejam aplicadas e que se preserve a dignidade humana. Em outras palavras, tem-se que a execução da pena deverá pautar-se por todos os princípios, valores e direitos fundamentais.

No que se refere à natureza jurídica da execução penal, observa-se que há uma natureza jurisdicional, associada à uma atividade administrativa. Nesse esteio, Nucci (2020) esclarece que se trata de uma “atividade jurisdicional, voltada a tornar efetiva a pretensão punitiva do Estado, em associação à atividade administrativa, fornecedora dos meios materiais para tanto” (NUCCI, 2020, p. 456).

Dentre os princípios suscitados, ressalta-se que não é apenas o princípio da dignidade humana que é levado em consideração no âmbito da execução penal. Nesse contexto, observa-se aqui que devem ser observados, dentre outros “os princípios do contraditório, da ampla defesa, da legalidade e do due process of law” (MARCÃO, 2009, p. 02).

No âmbito legal, cumpre esclarecer que existe uma legislação específica que trata acerca da execução penal. Nesse esteio, tem-se a Lei 7.210 de 11 julho de 1984, constituindo-se de um “diploma de rigor científico e de ideologia avançada e progressista” (BOSCHI, 1989, p. 14). Na visão de Abergaria (1987), “trata-se de moderno instrumento jurídico, cujo objetivo consiste na ressocialização de delinquente, contenção do crime e sua prevenção, bem como na proteção da sociedade” (ALBERGARIA, 1996, p.07).

Em tom supletivo, Nucci (2020) aduz que a LEP foi criada com o objetivo de suprir as lacunas presentes no Código Penal e no Código de Processo Penal, tratando-se de instrumentos que regulam a questão da aplicação das sanções e medidas privativas de liberdade.

3. SAÍDA TEMPORÁRIA: ANÁLISE CONCEITUAL E ELEMENTOS PRECÍPUOS

A partir da promulgação e publicação da Lei 7.210/84, denominada “Lei de Execução Penal”, iniciou-se uma nova fase para fins de execução e cumprimento das penas privativas de liberdade. Nesse esteio, Nucci (2020) esclarece que a mencionada lei trouxe em seu bojo diversas inovações e, dentre elas, a chamada “saída temporária”.

Consoante Carvalho (2003), a saída temporária constitui-se como um dos institutos mais importantes, prevista na legislação específica. Nesse prumo, tem-se que a mesma se encontra prevista no artigo 122 da LEP, que assim dispõe:

Da saída temporária
Art. 122- Os condenados que cumprem pena no regime semiaberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos: I – visita à família; II – frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do segundo grau, ou superior, na comarca do Juízo da Execução e III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social (BRASIL, 1984).

No sentido destacado pela Lei 7.210/84, pode-se vislumbrar que a saída temporária se trata de uma benesse em prol dos condenados, visando, sobretudo, proporcionar aqueles que mantiverem bom comportamento, maior proximidade com a família, com a sociedade, a possibilidade de dar continuidade aos estudos e ao trabalho. Contudo, para fins de concessão do benefício da saída temporária, faz-se necessário que o condenado tenha cumprido ao menos 1/6 da pena (quando o réu for primário) ou ¼ da pena (quando o réu for reincidente). Ademais, faz-se necessário a comprovação do bom comportamento, durante a execução da pena (BRASIL, 1984).

Além dos elementos suscitados, a legislação específica esclarece que são concedidos no máximo 35 dias anuais para fins de saída temporária. Além disso, o magistrado irá analisar as condições em que esses dias serão aplicados, principalmente em decorrência dos critérios de merecimento dos presos (NUCCI, 2020).

É importante destacar que a concessão da saída temporária, teoricamente, estimula o detento a manter um bom comportamento durante o cumprimento da pena em estabelecimento prisional, ou seja, possibilita e incentiva o bom convívio entre os presos, fazendo com que adquiram maiores responsabilidades (MIRABETE, 2021). Além disso, enfatiza-se que a LEP traz em seu bojo que tal benesse visa, posteriormente, uma ressocialização gradativa do preso à sociedade adjacente (MIRABETE, 2021).

No contexto proposto, aduzem Moraes e Smanio (2002) que “o preenchimento dos requisitos legais objetivos e subjetivos previstos em lei para a saída temporária confere ao condenado o direito público subjetivo à obtenção do benefício legal” (MORAES; SMANIO, 2002, p. 192).

Portanto, consoante Mirabete (2021), a saída temporária possui requisitos próprios, contudo faz-se válida por intermédio da confiança e da possibilidade de reintegração gradativa do preso à sociedade.

3.1 Saída temporária e permissão de saída

Conforme exposto, tem-se que a saída temporária constitui-se como uma benesse trazida pela Lei 7.210/84, ou seja, a possibilidade de reintegração gradativa do preso à vida em sociedade que cumpre pena privativa de liberdade no regime semiaberto. Contudo, mister que se façam diferenciações acerca do mencionado instituto e da denominada “permissão de saída”.

Nesse aspecto, tem-se que a saída temporária se configura como gênero, não se confundindo com a permissão de saída. Essa última, por sua vez, encontra-se tipificada no artigo 120 da LEP:

Art. 120. Os condenados que cumprem pena em regime fechado ou semiaberto e os presos provisórios poderão obter permissão para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer um dos seguintes fatos: I – falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão;
II – necessidade de tratamento médico (parágrafo único do artigo 14). Parágrafo único. A permissão de saída será concedida pelo diretor do estabelecimento onde se encontra o preso (BRASIL, 1984).

Portanto, em consonância com o artigo 120 da LEP, observa-se que a permissão de saída é concedida para os condenados que cumprem pena em regime fechado ou semiaberto e também para os presos provisórios, através de escolta e por motivos expressamente previstos na lei. Por outro lado, a saída temporária já se trata de um direito subjetivo do condenado, podendo perdurar por até 35 dias por ano, fora do estabelecimento prisional e sem a necessidade de escolta policial (BRASIL, 1984).

3.2 Saída temporária e indulto

Do mesmo modo que foi abordado acima, tem-se que a saída temporária se difere do indulto. Nesse prumo, o indulto constitui-se como um benefício previsto no artigo 84, XIII da Magna Carta de 1988 e também por intermédio do artigo 107, II do Código Penal Brasileiro. Nesse esteio, há aqui um benefício que é concedido a todos os condenados, ou seja, é de caráter abrangente e independe de qualquer provocação por parte dos interessados. Ademais, enfatiza-se que o mencionado instituto é concedido pelo Presidente da República, por intermédio de um decreto presidencial (sendo considerado um ato administrativo discricionário) (MIRABETE, 2021).

Em outras palavras, tem-se no indulto uma benesse que é concedida a todos que estiverem na mesma situação de cumprimento de pena, podendo ser parcial (possibilita a diminuição ou comutação da pena estabelecida) ou pleno (quando se extingue totalmente a pena estabelecida, passando o condenado a desfrutar totalmente e imediatamente de sua liberdade). Por critério exemplificativo, cita-se o denominado “indulto de natal”, sendo concedido às vésperas do Natal (MIRABETE, 2021).

Outra questão também suscitada pela doutrina centra-se nos elementos relativos ao indulto. Nesse contexto, enfatiza-se que o indulto exige, para fins de concessão, requisitos subjetivos que somente serão analisados pelos órgãos competentes:

O indulto exige, para sua concessão, requisitos subjetivos que somente podem ser apurados e comprovados pelos órgãos administrativos da execução. São os casos, por exemplo, de ter o condenado participado do processo de ressocialização, de ter comportamento satisfatório e bom desempenho no trabalho, de apresentar condições pessoais que façam presumir que não voltará a delinquir (MIRABETE, 2021, p. 806).

Diante disso, pode-se compreender que o indulto se trata de mais um benefício contido na legislação pátria, em prol daqueles que estiverem cumprindo penas em estabelecimentos prisionais. Há de se considerar, sobremodo, que aqueles que são beneficiados pelo mencionado instituto não podem cumprir sanção penal pelos crimes de tortura, terrorismo, tráfico ilícito de drogas (e crimes semelhantes) e crimes hediondos previstos em legislação específica (Lei 8.072/90) (NUCCI, 2020).

De outro modo, aduz-se que a saída temporária não altera o cômputo de pena do condenado, sendo o mesmo obrigado a retornar ao presídio (para que haja o cumprimento do restante da pena). Importante salientar, consoante Nucci (2020), que o indulto se pauta em uma ideia de perdão, de clemência, acarretando, concomitantemente, na extinção da pena. Ademais, caso o apenado não retorne ao estabelecimento prisional, não haverá qualquer dívida para com a justiça.

4. SAÍDA TEMPORÁRIA COMO INSTRUMENTO DE RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO

Conforme visto, o instituto da saída temporária constitui-se como uma importante benesse em prol das pessoas que já estão cumprindo penas em estabelecimentos prisionais no país. Desse modo, trata-se de um benefício que tem como escopo preparar o detento para um regresso à convivência em sociedade e para a retomada do senso de responsabilidade em tal âmbito.  Nesse prumo, disserta Nucci:

Cuida-se de benefício de execução penal destinado aos presos que cumprem pena no regime semiaberto, como forma de viabilizar, cada vez mais, a reeducação, lhes desenvolvendo o senso de responsabilidade, para, no futuro, ingressar no regime aberto, bem como para dar início ao processo de ressocialização (NUCCI, 2020, p. 548).

Embora se trate de um importante benefício em prol do apenado que esteja cumprindo pena em regime semiaberto, muitos doutrinadores e estudiosos vêm questionando acerca da real efetividade de tal garantia, tanto para o apenado quanto para a sociedade como um todo. Em outras palavras, existem indagações se tal prerrogativa é capaz de atuar em prol da ressocialização dos presos e também se não é maléfica aos direitos e prerrogativas dos demais cidadãos (NUCCI, 2020).

Tem-se, nesse prumo, que um dos principais pontos suscitados pela doutrina se centra no índice de apenados que não retornam aos presídios, após a cessação do benefício da saída provisória, bem como em relação aqueles que, assim que são colocados em liberdade, voltam a delinquir:

Os números publicados dão conta que cerca de 10 a 12% dos beneficiados não retornam aos estabelecimentos prisionais e boa parte destes volta a delinquir, por vezes sendo presos no mesmo dia da soltura. O número é expressivo quando pensamos que 12% referem-se a cerca de 1.400 pessoas. Contudo, questiona-se: – e os 90% ou 88% restantes dos detentos que retornam ao estabelecimento mesmo tendo a oportunidade de não o fazer; devem ser esquecidos? Por si tal condição não deve ser considerada? Quem em sã consciência retornaria para o interior dos estabelecimentos prisionais podendo permanecer com sua família senão aqueles que estão realmente imbuídos no sentimento de “pagar a dívida com a sociedade e ver-se livre em definitivo? (MARCOCHI, 2006, p. 01).

De modo semelhante, observa-se expressivos índices também no estado de São Paulo, no ano de 2020:

Dos presos que obtiveram o benefício da saída temporária nos últimos quatro anos no estado de São Paulo, 24.441 não voltaram para trás das grades. O número equivale a quase cinco complexos penitenciários como o de Pinheiros (zona oeste de São Paulo), que abriga hoje 5.031 presos divididos em quatro unidades (HENRIQUE, 2020).

Segundo Meireles (2021), resta evidente que muitos apenados aproveitam-se dessa prerrogativa para continuarem a delinquir, do mesmo modo que ocorreu com um condenado que, no ano de 2016, após ser solto sob o benefício da saída temporária, aproveitou-se de tal momento para cometer um crime de homicídio em detrimento de um delegado federal. Tratam-se, sobretudo, de condutas que aumentam o receio e a insegurança de toda uma sociedade.

Em caráter complementar ao exposto, enfatiza Nucci (2020), que a insegurança da população do país, o medo em geral, aumenta-se gradativamente, todas as vezes em que se aproxima de alguma data comemorativa. Tais receios são ainda mais fomentados pela mídia, que sempre dá cobertura para o direito de “saidinha” de condenados famosos. Há um aumento da criminalidade, do caos, da insegurança e da sensação de impunidade.

Até mesmo aqueles que se posicionam em prol da ressocialização dos condenados veem dificuldades, na atual estrutura punitiva (principalmente em decorrência das condições de cumprimento da pena), para o alcance dessa finalidade. Desse modo, uma busca pelo significado sociológico dessa modalidade de reinserção social se torna cada dia mais difícil (CAPEZ, 2020).

Acerca dessa questão suscitada, aduz Carvalho (2009):

[…] Apesar de a Constituição e a legislação ordinária estabelecerem uma série de garantias aos presidiários, a análise da realidade prisional não demonstra a ampla efetividade desses direitos e aponta para um grave problema a ser resolvido pelos governos e pela sociedade (CARVALHO, 2009, p. 36).

Embora tenham-se posicionamentos contrários à função ressocializadora do instituto da saída temporária, a doutrina majoritária ainda comunga do pensamento de que se trata de um mecanismo promissor, tanto na vida do apenado quanto na vida de todos os cidadãos que pertencem ao núcleo social hodierno. Observa-se, nesse esteio, que não existe um outro caminho capaz de reinserir uma pessoa ao convívio social, mesmo que essa pessoa tenha cometido alguma conduta delituosa no passado:

[…] imperioso indicar que a concessão do referido benefício tem o condão de aos poucos inserir na sociedade aquele que em dado momento praticou uma conduta delituosa. Não há outra forma de (re)socializar alguém senão colocálo gradativamente em contato com o habitat futuro (MARCOCHI, 2006, p. 01).

Mesmo que exista esse pensamento de que a saída temporária se trata de um importante mecanismo em prol da reinserção social de pessoas que já cometeram algum delito, muito também se discute acerca da falibilidade da estrutura do próprio sistema prisional para cumprir com tal objetivo. Em outras palavras, compreende-se que a Lei de Execução Penal trata sobre o referido instituto, sobre a forma como vai ser aplicado na sociedade, mas não é aplicada em plano prático da forma devida (MIRABETE, 2021).

Acerca da ausência de estrutura adequada dos sistemas prisionais, enfatizam Shecaira e Corrêa Júnior (2002):

A começar pelas condições materiais das penitenciárias, os efeitos causados sobre os condenados são desastrosos. […] O efeito psicológico deve também ser considerado negativo e infrutífero à medida que se formam associações criminosas dentro do cárcere e planos são feitos a fim de garantir uma futura ação delitiva quando colocados em liberdade (SCHECAIRA; CORRÊA JÚNIOR, 2002, p. 157).

Por tais questões suscitadas, os autores supramencionados afirmam que a “característica da situação de crise em que se encontra a pena de prisão é o retorno à ação criminosa, ou seja, a reincidência” (SCHECAIRA; CORRÊA JÚNIOR, 2002, p. 158). Ademais, associa-se, nesse prumo, o fracasso do papel socializador a falta de estrutura do Poder Público para sanar tais óbices.

Consoante Mirabete (2021), de um lado tem-se o Poder Público e toda a sua ineficiência e do outro, a sociedade adjacente, que teme pela liberdade desses apenados e assume um posicionamento passivo. 

Em tom supletivo, disserta Marques Júnior (2007):

De um lado vê-se a inércia do Governo (aqui entendido como os entes políticos estatais) e de outro, que o restante da sociedade costuma ficar passivo frente aos problemas, não apresentando reações efetivas. Todos se alarmam com a elevada violência e manifestam reclamações. Porém, ninguém quer fornecer a sua contribuição pessoal para atenuar o problema. Desculpas são frequentes para a falta de ação, sendo que a mais comum consiste na mútua imputação de culpa. O governo responsabiliza a sociedade e vice-versa, de maneira a que ambos permaneçam estáticos, sem que se aborde em definitivo a questão (MARQUES JÚNIOR, 2007, p. 02, grifo nosso).  

Além das questões suscitadas anteriormente, não se pode esquecer que uma das finalidades precípuas da saída temporária é permitir que aquela pessoa condenada possa se reaproximar de seus familiares, ou seja, do arranjo familiar que foi deixado aqui fora. Nesse sentido, há um entendimento de que essa sensação de amparo encontrada no âmbito familiar poderá ser positiva na vida dessa pessoa, podendo até mesmo modificar uma índole delinquente e desregrada (CAPEZ, 2020).

Ademais, considera-se que é precípuo que o preso obtenha esse contato com o mundo fora das prisões, visando os valores e princípios que são mantidos aqui fora. Em outras palavras, não se enxerga uma lógica para que essa pessoa se mantenha em cárcere durante todo o cumprimento da pena e, posteriormente, venha a se falar em uma reintegração social. Trata-se, sobretudo, de um processo gradativo, com a manutenção de um elo entre a prisão e o mundo externo: 

Deixando de lado críticas sobre o próprio conceito de ressocialização não se pode, ao mesmo tempo, segregar pessoas e obter sua reeducação, numa lógica absurda de confinar para reintegrar; é indispensável um processo de comunicação entre prisão e sociedade visando aos valores da sociedade livre e vice-versa. […] deve subsistir a preocupação com condições de manutenção do apenado na sociedade […] (DUTRA, 2010, p. 21).

Em caráter complementar ao exposto, aduz Marques Júnior (2007):

[…] com a imersão do indivíduo no cárcere, verifica-se primeiramente o fenômeno da prisionização, o qual é responsável por desestruturá-lo psicológica e socialmente. Porém, como consequência direta, tem-se que quando a pessoa alcançar novamente a liberdade estará ela completamente excluída do mundo, tendo perdido toda a percepção de sua individualidade e da sua inter-relação com a sociedade (MARQUES JÚNIOR, 2007, p. 43).

Consoante Capez (2020), a própria Lei de Execução Penal traz em seu bojo os benefícios que são vislumbrados a partir da saída temporária do indivíduo. Desse modo, segundo o conteúdo presente no artigo 122, inciso II da LEP, a saída temporária permite a “frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do segundo grau ou superior, na comarca do juízo da Execução” (BRASIL, 1984).

Em caráter complementar ao exposto, enfatiza Carvalho (2009) que essa possibilidade de realização de um curso profissionalizante ou de assistência educacional tratam-se de um importantes medidas na vida do apenado: “como o objetivo da pena é a ressocialização do condenado, a assistência educacional mostrase como um ótimo instrumento de reinserção do preso na sociedade, vez que lhe fornecerá melhor preparo profissional e possibilitará que se aperfeiçoe” (CARVALHO, 2009, p. 44).

No entanto, apesar de tais pontos positivos, mister que o magistrado, ao analisar os requisitos para fins de concessão do benefício da saída temporária, analise todos os pormenores que irão envolver tal prerrogativa. Nesse sentido, tem-se as seguintes ponderações provenientes do Tribunal de Justiça de São Paulo, em sede de análise de um Habeas Corpus:

[…] Anote-se que a saída temporária foi criada dentro do espírito de ressocialização, possibilitando ao presidiário uma readaptação social, sendo também representativa de um prêmio pelo bom comportamento.
Abstraindo-se a questão do lapso temporal, há que se admitir como bastante benéfica para ressocialização a saída temporária, já que é um período que poderá contribuir para a reeducação, reflexão e maior aproximação da família.
É de se reconhecer que a possibilidade da saída temporária deve ser sempre analisada à luz do regime em que se executa a pena, caso contrário se tornaria um benefício inexequível […] (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. HC 22856754920198260000/SP. Relator: desembargador Willian Campos. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 22 fev. 2020, grifo nosso).

Faz-se precípuo, segundo Mirabete (2021), uma análise acerca da dinâmica do sistema prisional em que o apenado está inserido, e, de um modo geral, há necessidade de implementação de novos mecanismos que complementem a legislação específica em vigor. Ademais, é necessário que haja um desenvolvimento da percepção daquela pessoa para as inúmeras possibilidades de mudança de vida que podem ser conquistadas do lado de fora do cárcere. 

O papel ressocializador contido na saída temporária, consoante Capez (2020), centra-se em conceder uma segunda chance de vida digna para aquele que um dia foi vítima do descaso e das desigualdades presentes na sociedade hodierna.

5. CONCLUSÃO

Tendo como subsídio a pesquisa científica realizada, pode-se compreender que a Lei de Execução Penal (LEP) traz em seu bojo uma importante benesse para os apenados que estão cumprindo pena em regime semiaberto, ou seja, a denominada “saída temporária”.

Nesse esteio, compreende-se que a saída temporária se constitui como um benefício muito importante para aqueles que desejam voltar ao convívio social, voltar a ter uma perspectiva de vida diferente.

Contudo, conforme visto, muitos doutrinadores e estudiosos vêm questionando o fator reabilitação social daqueles que usufruem da saída temporária. Em outras palavras, questionam se a saída temporária realmente é capaz de reabilitar os apenados e conceder paz para os cidadãos que vão ter que conviver novamente com esses indivíduos.

De um modo geral, entende-se que a doutrina e a jurisprudência pátria enxergam a saída temporária como um mecanismo muito promissor, haja vista que a manutenção dos indivíduos em cárcere até o final do cumprimento da pena estabelecida poderá acarretar em um caminho diverso, ou seja, na volta dessas pessoas para o submundo do crime.

Além desses pontos, também enxergam que a saída temporária se encontra estabelecida em legislação especial, ou seja, para todos aqueles que cumprirem com os requisitos presentes no mencionado diploma legal, tal benesse deverá ser concedida.

Embora se trate de um importante mecanismo em favor do apenado (que irá voltar ao convívio social, que poderá conviver novamente com sua família, que poderá utilizar desse tempo para fazer um curso profissionalizante ou continuar com os estudos), coaduna-se com o pensamento de que o magistrado deverá observar todos os requisitos relativos a cada condenado. Não se trata apenas de uma medida prevista na literalidade das leis, mas de um benefício que irá conceder a liberdade a alguém que um dia cometeu um crime.

É indubitável que todas as pessoas merecem uma segunda chance, mas não são todas que sabem aproveitá-la da forma correta, em consonância com os valores e princípios presentes na sociedade hodierna. Desse modo, mister que o juiz vá além do conteúdo objetivo presente nos diplomas legais, adentrando-se em critérios muitas vezes subjetivos.

É importante destacar também que a simples falibilidade do Poder Público para sanar todos os óbices presentes nos presídios brasileiros não é um argumento plenamente válido para fins de concessão ou não do benefício da saída temporária.

Do mesmo modo que o fator “desigualdade social” também não representa por si só o único motivo de levar alguém a delinquir. Tem-se, sobretudo, que analisar todos os elementos relativos aquela conduta, todo o histórico familiar, todos os viesses sociais relativos à questão suscitada.

Portanto, é necessária uma análise acerca da dinâmica do sistema prisional em que o apenado está inserido, e, de um modo geral, da inserção de novos mecanismos que venham a complementar o conteúdo presente na legislação pátria. Precisa-se, do mesmo modo, de se trabalhar a percepção dos apenados para o benefício da saída temporária, para que não voltem para os mesmos caminhos que os privaram de sua liberdade definitiva.

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

ALBERGARIA, Jason. Das Penas e da Execução Penal. 3 ed. Belo Horizonte: DelRey, 1996.

AURÉLIO. Pena. 2022. Disponível em: < https://www.dicio.com.br/pena/ > Acesso em: 02 set. 2022.

BASTOS Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2001.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e Das Penas. São Paulo: Edipro, 2001.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2020.

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1Bacharelando no curso de graduação em Direito pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Alto São Francisco- FASF, Campus Luz/MG.
ORCID: 0000-0003-0939-3552
E-mail: viniciusrdores@gmail.com

2Graduando na instituição Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Alto São Francisco.
ORCID: 0000-0001-6488-3795

3Graduando na instituição Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Alto São Francisco.
ORCID: 0000-0001-7148-0863