A COLETA DE MATERIAL BIOLÓGICO NA FASE PRÉ-ANALÍTICA DE EXAMES LABORATORIAIS: UMA REVISÃO DA LITERATURA

THE COLLECTION OF BIOLOGICAL MATERIAL IN THE PRE-ANALYTICAL PHASE OF LABORATORY TESTS: A LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10076131


Marilza Assunção de Oliveira1
Eliana Barros de Souza2


RESUMO 

Os processos de laboratório clínico compreendem 03 fases de trabalho: pré-analítica, analítica e pós-analítica, que influenciam a qualidade dos resultados achados, sendo a fase pré-analítica a que mais apresenta problemas. Diante disso, o objetivo geral do estudo é realizar uma revisão integrativa da literatura sobre os problemas que interferem na coleta de material biológico na fase pré-analítica. Optou-se pela revisão sistemática, e os critérios de inclusão para coleta dos dados foram: estudos publicados em revistas científicas no período de 2016 a 2023, trabalhos com maiores relevâncias e disponíveis de forma gratuita e integral. Assim, foram utilizados 10 estudos que abordavam sobre problemas que interferem na coleta de material biológico na fase pré-analítica. Resultados de pesquisas com base nos estudos publicados na literatura mostram que os erros laboratoriais são comuns e que um número considerável está frequentemente associado a erros humanos, como o não cumprimento adequado de procedimentos operacionais padrão, deficiências no manuseamento das amostras e na sua preparação, no transporte e nas condições de armazenamento das amostras, que muitas vezes são influenciados por falta de treinamento ou a não padronização do processo. 

PALAVRAS-CHAVES: Análises clínicas; Amostras; Exames laboratoriais; Fase pré-analítica.

ABSTRACT

Clinical laboratory processes comprise 03 work phases: pre-analytical, analytical and post-analytical, which influence the quality of the results found, with the pre-analytical phase being the one that presents the most problems. Therefore, the general objective of the study is to carry out an integrative review of the literature on the problems that interfere with the collection of biological material in the pre-analytical phase. We opted for a systematic review, and the inclusion criteria for data collection were: studies published in scientific journals between 2016 and 2023, works with the greatest relevance and available free of charge and in full. Thus, 10 studies were used that addressed problems that interfere with the collection of biological material in the pre-analytical phase. Research results based on studies published in the literature show that laboratory errors are common and that a considerable number are often associated with human errors, such as failure to adequately comply with standard operating procedures, deficiencies in sample handling and preparation, in transport and storage conditions of samples, which are often influenced by lack of training or non-standardization of the process.

KEYWORDS: Clinical analyses; Samples; Laboratory tests; Pre-analytical phase.

1. INTRODUÇÃO 

O laboratório clínico na área da saúde é um serviço transversal cujo processo total gera informações clinicamente úteis por meio da análise da concentração, composição e/ou estrutura de analitos em fluidos biológicos, onde o principal objetivo é gerar resultados, produtos e serviços confiáveis para o cuidado da saúde dos pacientes (SOUSA; JUNIOR, 2021).

O diagnóstico laboratorial é reconhecido por sua contribuição para as tomadas de decisões clínicas para processos, sejam elas, diagnósticas, prognósticas ou terapêuticas de doenças. Este é essencial, pois ajuda a prever a suscetibilidade a doenças, fazer diagnósticos precisos, prognósticos e acompanhamento de doenças e seu papel se tornará ainda mais importante no futuro da difusão de tecnologias disruptivas e na medicina personalizada (NASCIMENTO; CERQUEIRA; SILVA, 2023).

Ao longo de todo o processo, o laboratório tem a responsabilidade de assegurar que os resultados são confiáveis, apoiados no princípio da eficiência diagnóstica, para fornecer informação clinicamente útil, para a sua correta interpretação e utilização no processo de tomada de decisão médica, seja ela diagnóstica, prognóstica ou terapêutica, o que necessariamente implica que o teste seja bem indicado e conduzido ao longo de todo o processo analítico e, finalmente, interpretado de acordo (DE MELO et al., 2020).

Entende por fase pré-analítica a etapa anterior à realização da análise laboratorial, onde os processos se iniciam cronologicamente, a partir da solicitação da análise pelo médico, e terminam quando se inicia o procedimento analítico (COSTA, 2022). Esta fase é considerada a mais vulnerável e os erros mais frequentes são aqueles relacionados a problemas na identificação do paciente e suas amostras e aqueles originados durante os procedimentos de obtenção, manuseio e transporte das amostras para o laboratório e dentro do serviço que podem levar à alteração da amostra, afetando a qualidade dos espécimes biológicos e a precisão dos resultados analíticos (DE ALMEIDA; BRUNE, 2021).

Com base nessas observações, o presente trabalho visa buscar e apontar problemas que interferem na coleta de material biológico na fase pré-analítica, destacando o papel que o laboratório e a qualidade das amostras representam nos tempos atuais com base nas experiências publicadas a esse respeito por pesquisadores da área. Diante disso, o objetivo geral do estudo é realizar uma revisão integrativa da literatura sobre os problemas que interferem na coleta de material biológico na fase pré-analítica. 

2. METODOLOGIA

Optou-se pela revisão sistemática, onde o resultado da pesquisa é quantificado e sintetizado para a análise do tema pesquisado. Nessa pesquisa destacou-se o seguinte tema: a coleta de material biológico na fase pré-analítica de exames laboratoriais: uma revisão da literatura.

Para o levantamento bibliográfico deste estudo, fez-se uma busca online nas seguintes bases de dados: Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SCIELO), Public Medlineor Publisher Medline (PUBMED), Descritores em Ciências da Saúde (DECS) e Science Direct.

O período de realização da pesquisa foi no período de julho a agosto de 2023 e foram escolhidos: artigos, teses, monografias e outras pesquisas publicadas em português e inglês. 

Os critérios de inclusão para coleta dos dados foram: Estudos publicados em revistas científicas no período de 2016 a 2023, trabalhos com maiores relevâncias e disponíveis de forma gratuita e integral, pesquisas com objetivos ligados ao tema principal investigado, sendo selecionados materiais científicos que oferecem informações sobre o tema. 

Os critérios de exclusão foram: exclusão de artigos com duplicidade. Foram descartados estudos que não estavam no período citado, optando sempre pelo mais atual, pesquisas que não estavam disponíveis por completo, pesquisas com menor relevância, e que não se tratavam do tema investigado nesta revisão. 

Após aplicar todos os critérios de inclusão e exclusão foram utilizados 10 artigos para a pesquisa e as palavras-chaves utilizadas foram: Análises clínicas; Amostras; Exames laboratoriais e; Fase pré-analítica.

A avaliação dos estudos incluídos diz respeito a compreender as ideias lidas dos autores, onde é possível concordar, discordar, interrogar ou argumentar com as informações obtidas, levando em conta os temas próximos tratados, realizando uma avaliação crítica das ideias expressas no texto.

A figura 1 evidencia o fluxograma de elaboração da seleção dos estudos usados na pesquisa. 

Figura 1 – Fluxograma de elaboração do estudo

Fonte: Autora (2023) 

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1. O processo analítico e as etapas do processo de análise em laboratórios clínicos

O laboratório clínico acompanha o médico de família no diagnóstico, no estabelecimento de prognósticos, na avaliação do tratamento e na reabilitação. Segundo alguns critérios, a maioria das decisões clínicas é baseada nesta especialidade, portanto, a qualidade deve estar presente em todos os processos realizados nestes serviços tecnológicos, a fim de alcançar resultados confiáveis e clinicamente úteis. De acordo com o exposto, os profissionais de laboratório devem contribuir para posicionar o paciente no centro dos cuidados de saúde, questão essencial (SILVA et al., 2022).

No cumprimento da sua função, o laboratório clínico desenvolve o seu processo de análise total através de três fases estreitamente interligadas, de acordo com Sousa e Júnior (2021):

1. Fase pré-analítica, que inclui a seleção e solicitação de exames, preparação do doente, identificação, colheita e identificação das amostras, transporte das amostras e a sua preparação. É a etapa anterior à realização da análise laboratorial, onde os processos se iniciam cronologicamente, a partir da solicitação da análise pelo médico, e terminam quando se inicia o procedimento analítico (BRANDELERO; TESSARI, 2022; COSTA, 2022). Engloba desde a recepção do cliente na unidade de atendimento até o transporte do material e a área de processamento da amostra (SARAMELA E FERNANDES, 2021).

2. Fase analítica, onde se faz a análise das amostras através da medição. É onde a análise é realizada e sua qualidade é controlada. Partes incluídas neste processo incluem fracionamento de amostra, configuração de equipamento, calibração de ensaio, processamento de amostra e controle de qualidade (DE ALMEIDA; BRUNE, 2021).

3. Fase pós-analítica, onde se validam os dados obtidos, se elabora o relatório e se comunicam os resultados para efeitos da sua interpretação e ação clínica nas mãos do médico (BRANDELERO; TESSARI, 2022). Começa quando os resultados são liberados e relatados nas indicações médicas e termina quando são entregues ao usuário, ou seja, inclui os processos que seguem a análise: revisão e conservação dos resultados, retenção e armazenamento das amostras, eliminação da amostra (e resíduos), elaboração do relatório laboratorial e sua interpretação, autorização para a entrega e transmissão dos resultados (DE LAVOR et al., 2023).

Atualmente, a perspectiva de qualidade e prevenção de erros no laboratório se concentra em uma visão global do processo de análise total, e na consolidação de ferramentas que minimizem o risco desses erros na qualidade do teste e na prática clínica (SOUSA et al., 2021).

3.2. A fase pré-analítica em laboratórios de análises clínicas

A fase pré-analítica consiste na realização de uma análise laboratorial. Abrange o período desde que o profissional de saúde preenche o pedido de análise até a chegada da amostra ao local de trabalho onde será analisada. Inclui a preparação do paciente, a colheita ou recolhimento de amostras, o seu processamento, conservação e mecanismos de controle administrativo (NASCIMENTO; CERQUEIRA; SILVA, 2023).

Segundo De Almeida e Brune (2021), esta fase apresenta maior vulnerabilidade, em função de erros mais frequentes em relação a problemas na identificação do paciente e suas amostras, além do manuseio e transporte, que podem causar alteração da amostra, afetando a qualidade dos espécimes biológicos e a precisão dos resultados analíticos.

Os fatores determinantes para a ocorrência de erros pré-analíticos são geralmente atribuídos principalmente à falta de padronização ou harmonização das atividades manuais que são realizadas na fase pré-analítica, discricionariedade no processo de solicitação de exames, cumprimento inadequado de procedimentos operacionais padrão por parte do pessoal que participa nas extrações, deficiências no manuseamento das amostras e na sua preparação, no transporte e nas condições de armazenamento das amostras, todos fontes de erros pré-analíticos, que numa visão global podem mesmo afetar a eficácia das intervenções que são programados para reduzir erros nesta fase do processo (SOUSA et al., 2021).

A fase pré-analítica que mais frequentemente afeta a precisão dos resultados e, consequentemente, sua utilidade clínica, é a presença de interferências na amostra devido a fatores dependentes do paciente, passíveis ou não de serem controlados. O cuidado que o médico e a assistência do pessoal do laboratório dão a esta fase, determinarão em grande parte a qualidade dos resultados a obter, pois nenhum resultado pode ser melhor do que a amostra da qual foi obtido. Deve-se evitar a indicação de exames desnecessários que possam constituir fator de confusão na avaliação dos resultados, além do inconveniente ao paciente e gastos com reteste (DE LAVOR et al., 2023).

3.3. Controle de qualidade laboratorial 

O controle de qualidade estuda as causas de variação pelas quais o laboratório é responsável e os procedimentos utilizados para identificar e minimizar tais variações, incluindo todos os erros que ocorrem entre o recebimento da amostra e a entrega do resultado. Seus objetivos são garantir que os produtos finais, ou seja, os valores analíticos informados pelo laboratório clínico sejam suficientemente confiáveis e adequados para a finalidade a que se destinam e garantir que todos os laboratórios produzam valores precisos e exatos (SANTOS et al., 2020).

Na ausência de um sistema de controle, correr-se-ia o risco de não detectar o excesso de variabilidade ou passar despercebido, evitando assim a correção de erros com repercussões negativas tanto para o paciente (atraso no diagnóstico e tratamento, confusão de dados reais, entre outros), como assim como para o laboratório (perda de credibilidade e confiança do médico e do paciente, gasto desnecessário de reagentes). Para realizar o controle de qualidade intralaboratorial, existem vários sistemas e todos eles se destinam a controlar a precisão e a exatidão (SILVA et al., 2022).

A importância de se implantar um sistema de controle de qualidade no laboratório de análises clínicas é reconhecer e reduzir os erros analíticos no laboratório, de forma que seja possível avaliar o desempenho do mesmo e consequentemente obter resultados confiáveis e seguros. Para implantação do controle de qualidade laboratorial a gerência deve seguir alguns preceitos essenciais, começando pela aquisição de amostras de controle e conscientização dos funcionários (SANTOS, TREVISAN, 2021).

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O quadro 01 apresenta os 10 artigos selecionados para a revisão bibliográfica sobre a coleta de material biológico na fase pré-analítica, onde são destacados 04 itens: autor, objetivo, métodos e conclusão.

Quadro 01 – Estudos sobre o tema

ITEMAUTOR (ES)/ ANOOBJETIVOMÉTODOSCONCLUSÃO
1Souza; Coan e Anghebem (2020)Identificar as não conformidades pré-analíticas mais frequentes registradas pelo Lacen/PR e as maiores dificuldades encontradas pelas unidades primárias e regionais de saúde no cadastro dos exames no sistema Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL).Análises estatísticas descritivasOs dados indicam a necessidade de fortalecer a capacitação e aprimorar o processo pré-analítico, a fim de garantir a segurança do paciente e dos dados epidemiológicos.
2Pasquini (2018)Implantar as normas da PALC (Programa de Acreditação de Laboratórios Clínicos), assim conseguir a acreditação.Estudo de casoA implantação do sistema de gestão da qualidade em laboratório clínico requer o comprometimento da direção quanto às mudanças necessárias para tal iniciativa, pois são necessários esforços constantes para incorporar, em toda a equipe e níveis hierárquicos, os conceitos da busca de melhoria contínua.
3Martins; Rateke e Martinello (2018)Avaliar a fase pré-analítica de um laboratório público por meio de indicadores de qualidade (IQ).Questionário de indicador de qualidade Em relação às três etapas da fase pré-analítica avaliadas, o agendamento apresentou o pior desempenho, seguido do atendimento na recepção e na coleta de amostras.
4Miranda; Santos e Brito (2021)Descrever os índices de recoletas no período de um ano em um laboratório privado de análises clínicas, na cidade de Salvador – BA, identificando principais erros na fase pré-analítica e sua frequência.Estudo descritivo exploratório retrospectivoDada a importância da fase pré-analítica para obtenção de resultados e útil à prática médica, todos os segmentos de normas e precauções são essenciais para que erros sejam evitados. Deve haver especial atenção a todos os procedimentos desta fase, para garantir a viabilidade das amostras a serem analisadas.
5Pedrosa et al. (2021)Identificar as condutas pré-analíticas que podem influenciar nos resultados do exame sumário de urina.Estudo exploratório, descritivo, do tipo transversal, de natureza quantitativaObservou-se baixo nível de conhecimento sobre o procedimento, contribuindo para condutas pré-analíticas inadequadas. Destaca-se a importância de ofertar ao cliente orientações sobre a coleta do exame.
6Saramela e Fernandes (2021)O objetivo deste estudo foi identificar os principais erros na fase pré-analítica do exame de urina de rotina de um laboratório privado da cidade de Maringá, Paraná, Brasil, além da frequência de ocorrência, verificando o número de amostras rejeitadas e recolhidas.Descritivo exploratório desenvolvido em um laboratório clínico privadoA fase pré-analítica é a mais crítica, sobretudo devido ao envolvimento de processos que ocorrem fora do laboratório clínico e envolvem tarefas manuais. Por isso, é preciso apontar medidas que diminuam esses erros por meio da implantação de programas de capacitação e treinamento constante da equipe de trabalho.
7Santos et al. (2021)Quantificar o custo que os erros na fase pré-analítica geram para o laboratório usando os indicadores de coleta, custo de material direto e custo operacional.Análises estatísticas descritivasNecessário administrar e gerenciar as recoletas, porque o impacto é muito negativo para a empresa em aspectos econômicos e de satisfação de clientes e médicos.
8Souza (2020)Avaliar os erros pré-analíticos ocorridos no laboratório de bioquímica clínica de um hospital referência em Recife-PE nos anos de 2018 e 2019, através de indicadores de qualidade correlacionando-os com os custos.Estudo de caráter transversal e descritivoEstudo constatou que os erros pré-analíticos são uma realidade nos laboratórios clínicos, onde a qualidade laboratorial é um desafio principalmente no âmbito do sistema público de saúde, onde programas de acreditação laboratorial não são comumente inseridos e os custos causados por esses erros têm uma alta prevalência nos custos totais em saúde.
9Caretta Teixeira, Macedo Chicote e Rodrigo Daneze (2016)Identificar e descrever as não conformidades encontradas nas fases pré-analítica, analítica e pós-analítica de um Laboratório Público de Análises Clínicas.Análises estatísticas descritivasConcluiu-se que as não conformidades mais observadas na fase pré-analítica foram a ocorrência de hemólise e casos de amostras não colhidas ou insuficientes.
10Schäfer et al. (2022)Identificar não conformidades e ações corretivas ocorridas em um laboratório de análises clínicas.Pesquisa transversalO uso de controles de qualidade, monitoramento de equipamentos, padronização de atividades durante a coleta, além de formação e capacitação de funcionários são importantes ações corretivas e preventivas.

Fonte: Autor (2016-2023) 

Na pesquisa de Santos et al. (2021), que quantifica o custo que os erros na fase pré-analítica geram para o laboratório usando os indicadores de coleta, custo de material direto e custo operacional, foi estimado que 46% a 68% do percentual de erros laboratoriais sejam referentes a problemas ocorridos durante a fase pré-analítica devido aos programas de controle de qualidade internos e externos. Além do mais, o estudo constatou o alto custo dos problemas que interferem na coleta de material biológico na fase pré-analítica, pois em 2014 o laboratório desembolsou o valor de R$ 9.805,39 com a realização de recoletas, tais indicadores têm um impacto muito negativo para a empresa em aspectos econômicos e de satisfação de clientes e médicos. 

Tais porcentagens do estudo acima citado foram confirmados nos achados de Pedrosa et al. (2021), onde constatou-se que entre as fases existentes nos exames laboratoriais, é reconhecido que a etapa pré-analítica é responsável por cerca de 46% a 70% dos erros. Portanto, é necessário que o profissional da saúde tenha conhecimento para que o paciente seja bem instruído, com informações claras sobre a coleta do exame do sumário de urina, uma vez que frequentemente ocorre fora do laboratório. 

Outro motivo para explicar o número de descartes de exames/amostras registrados no Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL) em 2017 pode ser o fato de os envolvidos na preparação e no envio de amostras serem, em sua maioria, profissionais sem conhecimento técnico sobre o trabalho do laboratório, como os da área de enfermagem e administração. Além disso, a dificuldade de capacitação dos diversos profissionais envolvidos na execução da fase pré-analítica (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e técnicos administrativos, entre outros), seja pelas diferentes áreas de formação, seja pela dificuldade de implantação de um programa específico de capacitação contribui para o número de descartes (SOUZA; COAN; ANGHEBEM, 2020).

O estudo realizado por Martins; Rateke e Martinello (2018), que buscaram avaliar a fase pré-analítica de um laboratório público por meio de indicadores de qualidade (IQ), permitiu inferir que o processo de preenchimento das requisições apresenta pior desempenho do que o registro das provas. No entanto, os autores chegaram à conclusão que o questionário de avaliação do atendimento e satisfação do cliente não se mostrou uma ferramenta completamente confiável para avaliar a qualidade da fase pré-analítica, pois avaliou na perspectiva do paciente, pois o profissional que realiza a coleta que deve ser avaliado, uma vez que o procedimento realizado é que afeta a qualidade da fase pré-analítica.

Nas pesquisas realizadas por Miranda; Santos e Brito (2021) constatou-se que o motivo de solicitação de recoleta mais frequente foi relacionado a erros no procedimento de coleta da amostra biológica e o menos frequente foi erro relacionado à etiqueta de identificação da amostra, indicando a necessidade de treinamentos e aprimoramentos dos profissionais que orientam ou executam a coleta de amostra biológica, e avaliação da qualidade e adequabilidade dos instrumentos e equipamentos utilizados nesta etapa.

Em outro estudo realizado por Saramela e Fernandes (2021), que evidenciou os principais erros na fase pré-analítica do exame de urina de rotina de um laboratório privado, foi constatado que o principal motivo para recoletas de urina observado neste trabalho foi material insuficiente, ou seja, um volume inferior a 10 ml exigidos pela técnica de automação adotada pelo laboratório. Outro fator importante registrado na base de dados do laboratório, como confirmação do resultado que motivou a solicitação de novas coletas de urina, foi a contaminação da amostra. 

Segundo Pasquini (2018), os erros na fase pré-analítica encontrados na realização do seu estudo de caso foram: coleta de amostra de urina incorreta; contaminação de tubos, frascos, tampas; demora no atendimento; hemólise e lipemias intensas; identificação errada do paciente; paciente não preparado corretamente: falta de jejum, horário da coleta incorreto; troca de amostras; transporte e armazenamento de amostra incorreto; uso de anticoagulante errado; e volume de amostra inadequado para os exames. 

Caretta Teixeira, Macedo Chicote e Rodrigo Daneze (2016) identificaram as não conformidades identificadas na fase pré-analítica. A hemólise foi a que apresentou maior incidência, decorrente de falhas durante a colheita sanguínea, seja por inexperiência ou dificuldade de canulação venosa, o que compromete a realização de exames bioquímicos, hematológicos e imunológicos. Os casos de contaminação nas amostras biológicas são decorrentes da higiene inadequada do paciente e/ou contaminação acidental da amostra durante a colheita ou, ainda, da exposição da amostra à temperatura ambiente por tempo prolongado ou armazenamento inadequado. As colheitas realizadas em coletor inadequado foram associadas ao etiquetamento errado dos tubos para colheita de sangue durante a triagem e o uso de coletor não estéril para colheita de fluidos ou secreções. 

Schäfer et al. (2022) elucidou que a melhoria que interfere na coleta de material biológico na fase pré-analítica perpassa pela contínua formação de colaboradores dos estabelecimentos de saúde, incluindo aqueles que exercem função de recepção, visto que atuam na entrada dos serviços e devem estar capacitados para dialogar corretamente com usuários. Porém, também se deve a contínua manutenção de equipamentos e a utilização de sistemas de informação laboratorial para emissão de laudos, auxiliando na melhoria dos processos. Mas, principalmente, pela padronização de atividades de coleta e monitoramento de controles de qualidade. 

Por fim, Souza (2020) verificou que os custos laboratoriais na fase pré-analítica podem ser reduzidos através de ações planejadas entre o laboratório e a chefia médica. Desta forma, a implantação das normas da qualidade objetiva aumentar a segurança nos processos pré-analíticos e garantir a confiabilidade e excelência dos exames, agregado a isso, surgem as avaliações de erros e custos associados que oneram o sistema público de saúde e trazem prejuízos para a população. 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme evidenciado na pesquisa, atualmente, o laboratório clínico evolui adaptando-se às mudanças científicas, tecnológicas, organizacionais e de gestão, induzidas pelos avanços na área da medicina, novos testes e metodologias analíticas, bem como pela crescente conscientização e expectativa dos usuários por serviços e produtos de maior qualidade.

Resultados de pesquisas com base nos estudos publicados na literatura mostram que os erros laboratoriais são comuns e que um número considerável está frequentemente associado a erros humanos, como o não cumprimento adequado de procedimentos operacionais padrão, deficiências no manuseamento das amostras e na sua preparação, no transporte e nas condições de armazenamento das amostras, que muitas vezes são influenciados por falta de treinamento ou a não padronização do processo. 

Alguns erros podem não afetar clinicamente o paciente, mas podem envolver a repetição da solicitação analítica ou a geração de exames desnecessários, resultando em aumento de custos ou atraso no tratamento. Ou seja, o ciclo pró-análise pode impactar a segurança do paciente e os custos do sistema de saúde.

Com base nisso, é essencial um sistema de gestão de qualidade eficaz, incluindo avaliação interna e programas de avaliação externa da qualidade, que forneçam informações sobre o nível de desempenho do laboratório em comparação com outros, para promover a harmonização de critérios, procedimentos, avaliação de intervenções, além de ser uma estratégia de educação e capacitação de recursos humanos. 

Tais propósitos exigem que os programas de avaliação externa da qualidade incluem todo o processo de análise, não apenas focando a fase pré-analítica, mas também na analítica e na pós-analítica, a fim de obter a melhor evidência que leve à identificação de fontes de variação, erros no processo e nas oportunidades de melhoria da gestão da qualidade destes serviços de saúde no exigente contexto dos tempos que correm.

Por fim, destaca-se que em todo o processo no laboratório são necessários profissionais competentes, metodologias que agreguem valor diagnóstico, tecnologias e equipamentos adequados, tempos de resposta ajustados à demanda, gestão da informação e comunicação, além da implementação e desenvolvimento de estratégias de prevenção e controle de erros associados a todo o processo de análise que impactam a segurança do paciente.

6. REFERÊNCIAS 

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1mari_zoo18@yahoo.com.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6720-4679
2elianabsouza09@gmail.com