THE CLINICAL ROLE OF THE PHARMACIST IN ONCOLOGICAL PALLIATIVE CARE: CONTRIBUTIONS, CHALLENGES, AND PERSPECTIVES IN THE BRAZILIAN HOSPITAL CONTEXT
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202508052354
Ana Paula Pereira e Silva
Professora orientadora: Glenda Regina Mendes de Freitas
Resumo
Este trabalho tem como objetivo analisar a atuação clínica do farmacêutico no contexto dos cuidados paliativos oncológicos, destacando suas contribuições para a eficácia terapêutica, a humanização do cuidado e a segurança do paciente em fase terminal. A pesquisa foi desenvolvida por meio de uma revisão bibliográfica qualitativa, com base em 17 referências científicas, técnicas e normativas publicadas entre 2010 e 2024. Os resultados evidenciam que o farmacêutico tem papel estratégico na reconciliação medicamentosa, na avaliação de prescrições, no acompanhamento de reações adversas, no ajuste da farmacoterapia da dor e na orientação dos pacientes e seus familiares. A inserção do profissional na equipe multiprofissional de cuidados paliativos contribui significativamente para a redução de eventos adversos, a racionalização de custos, o controle mais preciso da dor oncológica e a promoção de uma assistência centrada no conforto e na dignidade. No entanto, foram identificados desafios que limitam essa atuação, como a ausência de formação específica nos cursos de graduação, a resistência institucional à inclusão do farmacêutico nas decisões clínicas e a escassez de protocolos que contemplem suas atribuições. Conclui-se que a presença do farmacêutico em cuidados paliativos representa uma demanda urgente para a qualificação do cuidado no SUS, sendo necessária a valorização acadêmica, institucional e política desse profissional na atenção oncológica de fim de vida.
Palavras-chave: Farmacêutico. Cuidados paliativos. Oncologia.
Abstract
This study aims to analyze the clinical role of the pharmacist in oncological palliative care, highlighting their contributions to therapeutic efficacy, patient safety, and the humanization of end-of-life care. The research was conducted through a qualitative literature review based on 17 scientific, technical, and regulatory references published between 2010 and 2024. The results show that the pharmacist plays a strategic role in medication reconciliation, prescription evaluation, monitoring of adverse drug reactions, pain pharmacotherapy adjustments, and the guidance of patients and their families. The integration of the pharmacist into the multidisciplinary palliative care team significantly contributes to reducing adverse events, optimizing costs, improving oncological pain control, and promoting patient-centered care focused on comfort and dignity. However, the analysis identified persistent challenges, such as the lack of specific training in undergraduate pharmacy curricula, institutional resistance to the pharmacist’s inclusion in clinical decisions, and the absence of standardized protocols outlining their clinical responsibilities. It is concluded that the inclusion of pharmacists in palliative care settings is an urgent demand for the improvement of care quality within the Brazilian Unified Health System (SUS), requiring academic, institutional, and policy-based recognition of this professional’s role in end-of-life oncological care.
Keywords: Pharmacist. Palliative care. Oncology.
1 INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a assistência à saúde passou por profundas transformações, impulsionadas tanto pelo avanço científico quanto pela necessidade de humanização das práticas clínicas, sobretudo no contexto de doenças crônicas e incuráveis. A mudança do paradigma biomédico curativo para uma abordagem centrada na qualidade de vida evidencia a importância dos cuidados paliativos, especialmente no âmbito da oncologia. A Organização Mundial da Saúde (2017) define os cuidados paliativos como uma abordagem que visa à melhora da qualidade de vida de pacientes e seus familiares, diante de doenças que ameaçam a continuidade da vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, com identificação precoce, avaliação adequada e tratamento da dor e de outros problemas físicos, psicológicos e espirituais. No Brasil, a consolidação dessa abordagem se fortaleceu com a instituição da Política Nacional de Cuidados Paliativos no Sistema Único de Saúde, publicada pelo Ministério da Saúde em 2024. Essa normativa estabelece a necessidade de ampliar o acesso, a cobertura e a qualidade da assistência aos pacientes em fase avançada de doenças, garantindo não apenas o controle dos sintomas, mas também o respeito à dignidade e à autonomia do indivíduo (BRASIL, 2024). Dados oficiais estimam que mais de 625 mil pessoas, em todo o território nacional, necessitam anualmente de cuidados paliativos, número este que tende a crescer diante do envelhecimento populacional e da maior prevalência de enfermidades crônicas (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER, 2022).
Nesse cenário, a atuação do farmacêutico emerge como uma estratégia fundamental para garantir o uso racional de medicamentos, promover a segurança terapêutica e contribuir com o bem-estar dos pacientes oncológicos. Tradicionalmente vinculado à logística de medicamentos, o farmacêutico clínico tem conquistado espaço nas equipes multiprofissionais, atuando de forma integrada ao planejamento terapêutico, ao controle da dor e à minimização de efeitos adversos (AMARO et al., 2017). Sua presença nas unidades hospitalares de cuidados paliativos tem sido associada à redução de eventos adversos, aumento da adesão ao tratamento e maior qualidade na comunicação com pacientes e familiares (LOBATO et al., 2019).
Segundo Gramosa & Silva (2022), a assistência farmacêutica em ambientes hospitalares pode ser dividida em etapas que envolvem desde a anamnese farmacêutica e reconciliação medicamentosa até a análise crítica da prescrição, a realização de intervenções clínicas e a orientação na alta hospitalar. Tais práticas, quando conduzidas por um farmacêutico preparado e inserido nas rotinas clínicas, tornam-se diferenciais para o sucesso da farmacoterapia paliativa, especialmente em contextos oncológicos que exigem múltiplos medicamentos, vias alternativas de administração e adaptação de doses.
Além da dimensão clínica, a atuação do farmacêutico em cuidados paliativos está respaldada por normativas como a Resolução nº 585 do Conselho Federal de Farmácia, que estabelece as atribuições clínicas desse profissional, incluindo a prescrição farmacêutica e a participação ativa no acompanhamento do paciente em todas as fases do cuidado (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, 2013). No entanto, apesar dos avanços regulatórios, ainda são muitos os desafios enfrentados, como a ausência de protocolos específicos, a pouca inserção do farmacêutico nas equipes de CP e a carência de formação acadêmica voltada a esse tipo de assistência (PEREIRA et al., 2021).
Essas lacunas evidenciam a necessidade de se aprofundar o conhecimento sobre a contribuição do farmacêutico no cuidado paliativo oncológico. Ao compreender as etapas do seu trabalho, os efeitos da sua atuação sobre os desfechos clínicos e os limites enfrentados na prática, é possível propor estratégias que fortaleçam seu papel nas instituições de saúde. Essa compreensão é essencial para garantir que os princípios da Política Nacional de Cuidados Paliativos sejam efetivamente aplicados nos serviços que acolhem pacientes com câncer em estágio avançado, garantindo-lhes dignidade, conforto e qualidade de vida.
Diante desse panorama, a presente pesquisa tem como objetivo analisar a importância da atuação do farmacêutico nos cuidados paliativos oferecidos a pacientes oncológicos, considerando sua inserção na equipe multiprofissional, suas funções clínicas e os desafios enfrentados na rotina hospitalar. Parte-se da premissa de que o farmacêutico, quando devidamente capacitado e integrado ao processo terapêutico, é um agente estratégico para a otimização da farmacoterapia, a prevenção de eventos adversos e o fortalecimento do cuidado humanizado.
A relevância da pesquisa reside na possibilidade de contribuir tanto para o avanço do conhecimento na área de Farmácia Clínica quanto para a melhoria das práticas assistenciais em saúde pública. Espera-se, com isso, ampliar a compreensão sobre o papel do farmacêutico na oncologia paliativa e fomentar discussões que subsidiem mudanças na formação profissional, na gestão hospitalar e na formulação de políticas públicas.
Por se tratar de um projeto de pesquisa ainda em fase de elaboração, os procedimentos metodológicos a serem adotados seguirão as diretrizes propostas por Gil (2017), com foco na seleção criteriosa de fontes científicas, definição clara dos critérios de inclusão e análise crítica do conteúdo, respeitando o rigor acadêmico exigido para pesquisas qualitativas de caráter descritivo.
Dessa forma, o presente trabalho propõe-se a investigar, à luz da literatura científica, o impacto da atuação do farmacêutico no contexto dos cuidados paliativos oncológicos, delimitando como objeto de estudo a sua contribuição clínica, comunicativa e humanizadora no processo de cuidado integral em saúde.
2 REVISÃO DA LITERATURA
A fundamentação teórica constitui o alicerce analítico-conceitual deste trabalho, e tem por finalidade apresentar o estado da arte sobre o tema pesquisado, com base em estudos científicos, normativos e técnicos que tratam da atuação do farmacêutico no contexto dos cuidados paliativos oncológicos. Para isso, a seção está organizada em subtemas, partindo da conceituação e evolução dos cuidados paliativos e chegando à atuação clínica do farmacêutico nesse campo, de modo a sustentar com consistência os objetivos da pesquisa.
2.1 Cuidados Paliativos: princípios, políticas e evolução conceitual
A concepção de cuidados paliativos sofreu importantes transformações nas últimas décadas, deixando de ser uma prática restrita ao momento final da vida para se tornar uma abordagem terapêutica ampla, voltada ao alívio do sofrimento em pacientes com doenças que ameaçam a vida. A primeira definição formal do termo foi proposta pela Organização Mundial da Saúde em 1990 e, posteriormente, atualizada em 2002 e reafirmada em 2017. Segundo essa definição mais recente, os cuidados paliativos consistem em:
“uma abordagem que melhora a qualidade de vida de pacientes (adultos e crianças) e seus familiares, diante de problemas associados a doenças ameaçadoras da vida. Visa prevenir e aliviar o sofrimento por meio da identificação precoce, avaliação e tratamento adequado da dor e de outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual” (Organização Mundial da Saúde, 2017).
Essa perspectiva enfatiza a integralidade do cuidado, superando o enfoque curativo exclusivo e promovendo intervenções que respeitem a autonomia, os valores, os desejos e a dignidade do paciente. No Brasil, essa diretriz ganhou força institucional com a criação da Política Nacional de Cuidados Paliativos no Sistema Único de Saúde (SUS), lançada pelo Ministério da Saúde em 2024. A normativa estabelece diretrizes, metas de cobertura e previsão de recursos financeiros para a implantação de equipes multiprofissionais capacitadas a oferecer assistência especializada em serviços de atenção primária, hospitalar e domiciliar (BRASIL, 2024).
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (2022), aproximadamente 625 mil pessoas necessitam anualmente de cuidados paliativos no país, sendo a maioria pacientes oncológicos em estágios avançados da doença. O mesmo documento aponta que os principais objetivos da assistência paliativa incluem o controle de sintomas refratários — como dor, dispneia, náuseas e fadiga — e o suporte emocional e espiritual a pacientes e familiares.
Neste contexto, a prática multiprofissional é um pilar dos cuidados paliativos. Diversos profissionais da saúde são convocados a atuar de forma colaborativa e complementar, compartilhando responsabilidades e decisões terapêuticas com base no princípio da interdisciplinaridade. Dentre esses profissionais, destaca-se o farmacêutico, cuja presença nas equipes de CP tem sido cada vez mais reconhecida como estratégica para garantir o uso racional de medicamentos, evitar eventos adversos, personalizar terapias e promover a educação em saúde.
Apesar do crescimento no reconhecimento institucional da importância dos cuidados paliativos, diversos desafios ainda se impõem à sua consolidação como política pública efetiva. Dentre eles, destacam-se a escassez de profissionais capacitados, a concentração da oferta em grandes centros urbanos, a carência de protocolos clínicos bem definidos e a fragmentação dos serviços (Pereira et al., 2021). Além disso, nota-se a persistência de interpretações equivocadas sobre o conceito de paliar, frequentemente associado à desistência terapêutica ou à proximidade da morte, o que contribui para o atraso na indicação desse tipo de cuidado.
Dessa forma, a compreensão ampliada dos cuidados paliativos, em sua dimensão biopsicossocial e ética, é essencial para o fortalecimento de uma prática de saúde centrada no paciente, e não apenas na doença. Nesse modelo, o farmacêutico assume um papel cada vez mais técnico, clínico e humano, sendo elemento indispensável na construção de planos terapêuticos seguros, eficazes e humanizados.
2.2 O farmacêutico e a prática clínica em oncologia paliativa
A atuação do farmacêutico em ambientes hospitalares, especialmente nos serviços de oncologia, evoluiu significativamente ao longo das últimas duas décadas. De um papel historicamente centrado na logística e na dispensação de medicamentos, esse profissional passou a integrar ativamente as equipes multiprofissionais, contribuindo para o acompanhamento farmacoterapêutico, a análise de prescrições, o monitoramento de eventos adversos e a adequação individualizada das terapias, sobretudo em contextos paliativos (Amaro et al., 2017).
Segundo Gramosa & Silva (2022), a atuação clínica do farmacêutico pode ser sistematizada em cinco etapas: anamnese farmacêutica, reconciliação medicamentosa, avaliação técnica da prescrição médica, ações em farmacovigilância e orientação de alta. Na anamnese, o farmacêutico identifica as condições clínicas e o histórico medicamentoso do paciente, incluindo informações sobre comorbidades, medicamentos de uso contínuo e potenciais interações. Na reconciliação, verifica-se a consistência da prescrição hospitalar com os tratamentos anteriores, evitando omissões ou duplicidades.
A análise crítica da prescrição representa uma das etapas mais sensíveis, pois envolve a verificação da dose, via de administração, frequência e justificativa clínica dos medicamentos prescritos, principalmente em pacientes frágeis, idosos ou em uso de opioides (Ferreira et al., 2022). Quando necessário, o farmacêutico realiza intervenções clínicas e sugere ajustes terapêuticos à equipe, garantindo a segurança e a eficácia do tratamento.
No que se refere à farmacovigilância, o profissional monitora e registra possíveis reações adversas a medicamentos, com especial atenção para os quimioterápicos e analgésicos potentes. A literatura aponta que a inclusão do farmacêutico nesse processo reduz significativamente os riscos de toxicidade, dependência e ineficácia terapêutica (Lobato et al., 2019; Brozovic et al., 2022).
A última etapa da assistência é a orientação de alta, na qual o farmacêutico fornece informações ao paciente e/ou cuidadores sobre a continuidade do tratamento em domicílio, abordando temas como posologia, conservação, efeitos colaterais e cuidados com a administração de medicamentos por via oral, transdérmica ou subcutânea. Essa prática é especialmente importante nos cuidados paliativos, onde a comunicação clara e empática pode evitar reações adversas, melhorar a adesão e garantir dignidade ao processo de morrer (Costa, 2020).
Além de suas funções clínicas, o farmacêutico também contribui para a elaboração de protocolos institucionais, avaliação de tecnologias em saúde e seleção de medicamentos no âmbito das Comissões de Farmácia e Terapêutica. A Resolução nº 585/2013 do Conselho Federal de Farmácia reconhece formalmente as atribuições clínicas do farmacêutico, legitimando sua participação no cuidado direto ao paciente, inclusive com possibilidade de prescrição dentro de sua competência técnica (Conselho Federal de Farmácia, 2013).
Apesar disso, a literatura revela entraves à efetivação plena desse papel. Barreiras como a ausência de formação específica em cuidados paliativos nos cursos de graduação, a resistência de equipes à inclusão do farmacêutico em decisões clínicas e a sobrecarga de tarefas logísticas ainda limitam o protagonismo desse profissional na prática hospitalar (Pereira et al., 2021). Como resposta, autores como Angonesi & Sevalho (2010) propõem a construção de um modelo brasileiro de atenção farmacêutica que integre, de forma mais efetiva, a atuação clínica, comunicacional e humanizada do farmacêutico ao contexto do SUS.
Diante disso, é possível afirmar que o farmacêutico é um ator-chave na articulação entre a eficácia terapêutica e o cuidado centrado no paciente. Sua presença qualificada nas equipes de cuidados paliativos oncológicos representa um avanço importante na consolidação de práticas mais seguras, econômicas e humanizadas na saúde pública brasileira.
2.3 A dor oncológica e o manejo farmacoterapêutico
A dor é considerada um dos sintomas mais prevalentes e debilitantes entre pacientes oncológicos em cuidados paliativos, afetando diretamente sua qualidade de vida. Estudos indicam que até 80% desses pacientes vivenciam algum grau de dor ao longo da progressão da doença (Brozovic et al., 2022). Dada essa elevada prevalência, o controle eficaz da dor representa um dos principais objetivos da assistência paliativa, exigindo estratégias farmacológicas seguras, individualizadas e, sobretudo, humanizadas.
A Organização Mundial da Saúde propôs, em 1986, a Escada Analgésica como modelo de referência para o manejo da dor oncológica. Essa ferramenta continua vigente como diretriz clínica por sua aplicabilidade, simplicidade e eficácia. O modelo organiza os analgésicos em três degraus: o primeiro contempla analgésicos comuns, como paracetamol e anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs); o segundo, opióides fracos, como codeína e tramadol; e o terceiro, opióides fortes, como morfina, fentanil e oxicodona (Maiello et al., 2020). A escolha do degrau depende da intensidade da dor, sendo possível avançar ou retroceder conforme a resposta clínica do paciente.
Entretanto, o uso de opióides exige atenção minuciosa por parte da equipe de saúde, especialmente do farmacêutico. Além do potencial de alívio, esses medicamentos estão associados a efeitos adversos importantes, como constipação, sedação, delírios, tolerância, mioclonias, depressão respiratória e risco de dependência química (Maiello et al., 2020). Assim, o profissional farmacêutico atua como mediador entre eficácia analgésica e segurança terapêutica, realizando o acompanhamento farmacoterapêutico contínuo, sugerindo ajustes de dose, mudanças de via de administração e substituição por fármacos mais toleráveis conforme o quadro clínico do paciente.
Ferreira et al. (2022) propuseram um protocolo específico para o manejo da dor em pacientes oncológicos paliativos, estruturado em cinco etapas: (1) avaliação da intensidade da dor com uso de escalas (numérica, de faces ou comportamental), (2) identificação do tipo de dor (nociceptiva, neuropática ou mista), (3) seleção do analgésico com base na Escada Analgésica da OMS, (4) monitoramento sistemático de efeitos adversos e resposta clínica e (5) documentação e revisão periódica da prescrição. A aplicação sistemática desse protocolo, com participação direta do farmacêutico, permitiu resultados positivos no controle da dor e na redução de reações adversas evitáveis.
A escolha da via de administração também é um aspecto sensível na farmacoterapia da dor oncológica. Pacientes em fase avançada podem apresentar dificuldades para deglutir ou absorver medicamentos por via oral, exigindo a utilização de formas alternativas, como transdérmica, subcutânea ou sublingual. Nesses casos, o farmacêutico é responsável por propor e ajustar formulações adaptadas, respeitando a farmacocinética individual, as condições clínicas e a disponibilidade institucional (Lobato et al., 2019).
Além do ajuste da farmacoterapia, o farmacêutico contribui com a identificação precoce de falhas no controle da dor, promovendo intervenções junto à equipe para evitar sofrimento desnecessário. Essa atuação envolve, por exemplo, a revisão de prescrições que mantêm fármacos ineficazes, a avaliação da necessidade de escalonamento analgésico, a sinalização de interações medicamentosas relevantes e a orientação ao paciente sobre os cuidados com armazenamento e uso correto dos medicamentos (Gramosa & Silva, 2022).
Importa destacar que a abordagem da dor em cuidados paliativos não se limita à dimensão física. Conforme argumenta D’Alessandro et al. (2015), a dor total envolve aspectos emocionais, espirituais e sociais, sendo necessário escuta qualificada e empatia no contato com o paciente. O farmacêutico, nesse cenário, deve alinhar-se aos princípios da comunicação compassiva, buscando compreender o significado subjetivo da dor para aquele indivíduo e adaptar suas intervenções a essa percepção.
A atuação do farmacêutico também se estende à desprescrição, especialmente em pacientes com prognóstico reservado. Fármacos que não mais contribuem para o conforto ou que geram riscos desnecessários devem ser suspensos com base em avaliação clínica e ética, em conjunto com a equipe multiprofissional (Pereira et al., 2021). Tal prática exige do farmacêutico sensibilidade para dialogar com a família, explicar os objetivos terapêuticos e tomar decisões que respeitem a dignidade do paciente.
Por fim, cabe lembrar que a farmacoterapia da dor oncológica deve ser sempre individualizada. Não há esquemas fixos que sirvam igualmente a todos. A resposta analgésica depende de fatores como idade, comorbidades, uso prévio de opioides, metabolismo hepático, função renal e tolerância pré-estabelecida. A presença do farmacêutico na equipe permite justamente esse refinamento, garantindo um cuidado mais preciso, seguro e centrado no paciente (Brozovic et al., 2022).
Dessa forma, a dor oncológica, quando tratada de forma inadequada, compromete severamente o bem-estar e a autonomia do paciente em cuidados paliativos. A participação do farmacêutico na construção e monitoramento do plano farmacoterapêutico é determinante para assegurar alívio efetivo do sofrimento, racionalidade no uso dos medicamentos e respeito à singularidade de cada trajetória de vida.
2.4 Impactos econômicos e institucionais da atuação farmacêutica
A inserção qualificada do farmacêutico nos serviços de cuidados paliativos oncológicos não apenas contribui para a segurança e eficácia do tratamento, mas também gera impactos econômicos e institucionais expressivos. Em um cenário de recursos limitados e crescente demanda por assistência complexa, como é o caso da oncologia paliativa, a racionalização do uso de medicamentos e a prevenção de eventos adversos tornam-se estratégias centrais para a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Diversos estudos apontam que a atuação clínica do farmacêutico é capaz de promover eficiência terapêutica e redução de custos, ao mesmo tempo em que reforça práticas seguras e humanizadas (Lobato et al., 2019; Medeiros, Melo & Torres, 2019).
Segundo Lemos, Wanderley e Ferreira Júnior (2022), a presença ativa do farmacêutico nas unidades de internação e no acompanhamento de pacientes paliativos pode gerar economia média de R$ 2.148,00 por paciente/mês em contextos de atenção domiciliar. Essa economia decorre, sobretudo, da diminuição de readmissões hospitalares evitáveis, da substituição de medicamentos de alto custo por alternativas eficazes e mais acessíveis e da prevenção de reações adversas que geram internações prolongadas. Além disso, intervenções farmacêuticas, como a desprescrição de medicamentos fúteis, contribuem para o uso racional de recursos e evitam desperdícios desnecessários (Pereira et al., 2021).
A atuação farmacêutica também é essencial para a eficiência institucional, especialmente no que diz respeito ao cumprimento de normativas e padrões de qualidade exigidos por processos de acreditação hospitalar, como os da Organização Nacional de Acreditação (ONA) e da Joint Commission International. A Resolução nº 585/2013 do Conselho Federal de Farmácia reconhece legalmente as atribuições clínicas do farmacêutico, incluindo sua participação ativa na análise de prescrições, intervenções terapêuticas, farmacovigilância e elaboração de protocolos assistenciais (Conselho Federal de Farmácia, 2013). A presença documentada de farmacêuticos clínicos em equipes interdisciplinares é, inclusive, um critério avaliado por certificadoras, reforçando a importância institucional desse profissional para a qualificação do cuidado.
Medeiros, Melo e Torres (2019) destacam que a presença do farmacêutico nas Comissões de Farmácia e Terapêutica (CFT) tem permitido a elaboração de protocolos clínicos mais aderentes à realidade da prática paliativa, com critérios claros para seleção, substituição e suspensão de medicamentos em pacientes oncológicos. Esses protocolos contribuem para a padronização da assistência, redução de erros e melhor gestão de estoques, além de oferecerem suporte legal às condutas clínicas. A mesma pesquisa aponta que em instituições que adotaram esses protocolos houve redução de 28% nos eventos adversos relacionados à farmacoterapia, impactando positivamente nos indicadores institucionais de qualidade.
Outro aspecto importante é a atuação do farmacêutico na gestão da farmacoeconomia hospitalar. Além de seu papel clínico, esse profissional contribui com o controle de custos diretos e indiretos, por meio da seleção criteriosa de medicamentos padronizados, avaliação de custo-efetividade de novos fármacos e supervisão da logística de armazenamento e distribuição (Lemos, Wanderley & Ferreira Júnior, 2022). Em cuidados paliativos, onde o objetivo não é a cura, mas o conforto, a escolha de medicamentos deve obedecer a critérios que considerem não apenas a eficácia, mas também a tolerabilidade, o custo e a facilidade de administração, especialmente quando há limitação funcional do paciente.
A literatura também revela que o farmacêutico é peça-chave na prevenção de judicializações decorrentes de erros medicamentosos, reações adversas graves ou negligência no ajuste terapêutico. A atuação clínica baseada em protocolos e evidências fortalece a segurança institucional e reduz riscos legais. Ferreira et al. (2022) observam que instituições que incorporaram farmacêuticos clínicos à rotina de avaliação da dor e revisão de prescrições apresentaram queda significativa em denúncias por erro de medicação junto a órgãos de regulação e controle.
No âmbito das políticas públicas, a presença do farmacêutico nas equipes multiprofissionais foi consolidada como obrigatória em serviços de oncologia por meio da Resolução da ANVISA nº 220/2004, que reforça a necessidade de profissionais especializados para garantir a segurança na manipulação e administração de antineoplásicos. Essa norma também prevê a atuação do farmacêutico na avaliação da prescrição, no preparo de medicamentos e na orientação ao paciente, ampliando sua responsabilidade técnica sobre os processos que envolvem a quimioterapia paliativa.
A Política Nacional de Cuidados Paliativos (BRASIL, 2024) reafirma a importância da atuação farmacêutica como parte integrante da equipe, garantindo financiamento específico para serviços que contem com esse profissional em atividades clínicas. Ao estabelecer a assistência integral como diretriz central, o documento inclui expressamente o farmacêutico na estrutura das equipes de atenção básica, hospitalar e domiciliar, reconhecendo sua contribuição para o alcance das metas de qualidade, equidade e eficiência do SUS.
Por fim, é importante destacar que a atuação econômica e institucional do farmacêutico em cuidados paliativos não se resume a indicadores ou reduções financeiras. Ela se traduz também no fortalecimento da cultura da segurança do paciente, na valorização da ética do cuidado e na construção de ambientes de trabalho mais cooperativos e baseados na confiança entre os membros da equipe (Angonesi & Sevalho, 2010). A integração desse profissional às decisões clínicas não apenas melhora os desfechos em saúde, mas contribui para o aprimoramento contínuo das práticas assistenciais, promovendo uma abordagem mais sustentável, responsável e centrada na pessoa.
2.5 Desafios, lacunas e perspectivas para a formação e atuação profissional
Apesar dos avanços regulatórios e dos benefícios já comprovados da presença do farmacêutico em equipes de cuidados paliativos, diversos estudos apontam que a atuação plena desse profissional ainda enfrenta importantes entraves de ordem estrutural, formativa e institucional. Tais obstáculos limitam sua inserção prática, enfraquecem seu protagonismo clínico e comprometem a consolidação de uma assistência realmente interdisciplinar e centrada no paciente.
Um dos principais desafios relatados na literatura diz respeito à formação acadêmica insuficiente dos farmacêuticos em temas relacionados aos cuidados paliativos, como dor total, terminalidade, comunicação compassiva e desprescrição. Em levantamento realizado por Pereira et al. (2021), observou-se que a maioria dos cursos de graduação em Farmácia no Brasil ainda não contempla, de forma sistemática, conteúdos específicos sobre assistência paliativa. Essa ausência dificulta a compreensão do papel clínico do farmacêutico nesse contexto e contribui para a reprodução de um modelo centrado na logística e na dispensação, incompatível com as demandas complexas da oncologia paliativa.
Além das limitações curriculares, também há carência de programas de educação permanente voltados à capacitação de farmacêuticos que já atuam no serviço. Segundo D’Alessandro et al. (2015), a complexidade dos cuidados paliativos exige uma formação técnico-científica sólida, aliada a competências éticas e relacionais que possibilitem ao profissional lidar com sofrimento, finitude e decisões delicadas de fim de vida. A ausência de formações continuadas nesse campo gera insegurança profissional, reduz a efetividade das intervenções e, muitas vezes, afasta o farmacêutico do contato direto com os pacientes.
Do ponto de vista institucional, observa-se que muitos serviços de saúde ainda não incluem formalmente o farmacêutico nas rotinas clínicas dos cuidados paliativos. Conforme demonstrado por Medeiros, Melo & Torres (2019), menos de 30% dos hospitais oncológicos brasileiros possuem farmacêuticos atuando diretamente no leito, acompanhando pacientes, ajustando terapias e participando das discussões de casos. Em muitos locais, o farmacêutico permanece restrito a funções logísticas e técnicas, sendo excluído das etapas mais decisivas do cuidado, como a avaliação da dor, a escolha da via de administração e a definição de metas terapêuticas.
Angonesi & Sevalho (2010) afirmam que essa resistência institucional é resultado de um modelo biomédico ainda hegemônico, que valoriza exclusivamente a prescrição médica e reduz o papel dos demais profissionais a tarefas complementares. Esse modelo dificulta a integração interdisciplinar e enfraquece a contribuição singular do farmacêutico na promoção da segurança terapêutica e do uso racional de medicamentos. Além disso, a escassez de protocolos clínicos específicos para o contexto paliativo — que incluam as atribuições farmacêuticas de forma clara e padronizada — compromete a atuação sistematizada e institucionalizada desse profissional.
Outro desafio importante é a comunicação entre o farmacêutico, o paciente e a família. Em cuidados paliativos, onde a escuta e o vínculo são instrumentos terapêuticos, o farmacêutico deve estar preparado para traduzir informações técnicas em orientações compreensíveis, acolhedoras e eticamente sensíveis. No entanto, Costa (2020) aponta que muitos pacientes relatam dificuldade em entender a função e os efeitos dos medicamentos prescritos, revelando uma lacuna na comunicação farmacêutica. A ausência de habilidades comunicativas apropriadas pode gerar medo, insegurança e baixa adesão ao tratamento.
Para superar esses entraves, a literatura propõe algumas perspectivas promissoras. A primeira delas refere-se à inclusão obrigatória de disciplinas sobre cuidados paliativos nos cursos de graduação em Farmácia, com abordagem teórico-prática que envolva estágios supervisionados em unidades paliativas, integração com outras áreas da saúde e reflexão ética sobre o sofrimento humano (Pereira et al., 2021). Essa proposta está em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais da formação em saúde, que preveem a valorização do cuidado integral e da educação interprofissional.
Outra proposta é o fortalecimento das residências multiprofissionais em cuidados paliativos, com vagas específicas para farmacêuticos. Essa formação especializada proporcionaria experiências práticas qualificadas, promovendo o desenvolvimento de competências clínicas, comunicacionais e gerenciais, além de facilitar a inserção do farmacêutico em serviços de alta complexidade (Amaro et al., 2017). A atuação nesses espaços também possibilita a construção coletiva de protocolos clínicos e a consolidação de rotinas baseadas em evidências.
No campo da política pública, é fundamental ampliar o reconhecimento legal da atuação clínica do farmacêutico, por meio da regulamentação de sua participação obrigatória em equipes de cuidados paliativos no SUS e da inclusão de metas e indicadores farmacêuticos nos programas de acreditação e financiamento hospitalar (Brasil, 2024). Tais medidas contribuiriam para institucionalizar a presença do farmacêutico no cuidado direto ao paciente e garantir sua valorização profissional e salarial.
Finalmente, deve-se investir no fortalecimento da identidade clínica do farmacêutico, promovendo sua autonomia, seu protagonismo e sua integração às decisões terapêuticas de forma horizontal e colaborativa. Como destacam Lemos, Wanderley & Ferreira Júnior (2022), o farmacêutico não é um mero executor de tarefas, mas sim um profissional capaz de articular conhecimento técnico, sensibilidade ética e compromisso com a vida em todas as suas fases. No contexto da terminalidade, essa postura é ainda mais necessária, pois envolve decisões que afetam profundamente a experiência subjetiva do paciente e de sua rede de apoio.
Os desafios que limitam a atuação plena do farmacêutico em cuidados paliativos podem ser superados por meio de mudanças na formação, na cultura institucional, na política pública e na postura profissional. Superar essas lacunas não é apenas uma necessidade técnica, mas um compromisso ético com o cuidado digno, humanizado e seguro de pessoas que enfrentam as etapas finais da vida. O reconhecimento e o fortalecimento do farmacêutico nesse cenário é, portanto, uma agenda urgente para o futuro da saúde pública brasileira.
3 METODOLOGIA
O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa e descritiva, conforme as diretrizes metodológicas indicadas por Gil (2017). O autor destaca que esse tipo de pesquisa visa explorar, analisar e sistematizar publicações já existentes sobre determinado fenômeno, permitindo a compreensão ampliada e fundamentada de um tema específico com base em fontes secundárias.
A investigação teve como base artigos científicos indexados nas bases SciELO, PubMed, Google Acadêmico, ResearchGate e documentos oficiais emitidos por instituições como o Ministério da Saúde, a Organização Mundial da Saúde, o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o Conselho Federal de Farmácia (CFF) e a ANVISA. A seleção das fontes priorizou publicações entre os anos de 2010 e 2024, escritas em português, inglês ou espanhol, que abordassem a atuação do farmacêutico em cuidados paliativos, com enfoque na oncologia, dor oncológica, farmacoterapia, intervenções clínicas e formação profissional.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise dos dados obtidos a partir da revisão bibliográfica permitiu compreender, de forma crítica e fundamentada, o papel do farmacêutico no contexto dos cuidados paliativos oncológicos. A discussão foi organizada em quatro eixos temáticos: (1) contribuição clínica e humanizada do farmacêutico, (2) manejo farmacoterapêutico da dor e segurança medicamentosa, (3) impactos econômicos e institucionais da atuação farmacêutica, e (4) desafios estruturais e propostas para fortalecimento da formação e da prática profissional.
4.1 Contribuição clínica e humanizada do farmacêutico nos cuidados paliativos
Os dados analisados demonstram que o farmacêutico, quando inserido de forma ativa na equipe multiprofissional, atua como mediador técnico e humano entre a prescrição, o paciente e os demais profissionais de saúde. A assistência farmacêutica em cuidados paliativos é caracterizada por um conjunto de ações que envolvem anamnese, reconciliação medicamentosa, análise crítica da prescrição e educação em saúde (Gramosa & Silva, 2022).
Essa atuação vai além do domínio técnico, exigindo sensibilidade para o acolhimento de pacientes em sofrimento e escuta ativa para orientar sobre os medicamentos de forma clara e empática (Costa, 2020). A presença do farmacêutico contribui para a redução de eventos adversos evitáveis, melhora da adesão terapêutica e prevenção de riscos associados à polifarmácia, especialmente em pacientes oncológicos em estágio avançado (Lobato et al., 2019).
Amaro et al. (2017) reforçam que o farmacêutico tem papel determinante na personalização do tratamento, garantindo que a escolha dos fármacos, sua via de administração, frequência e dosagem estejam ajustadas às necessidades específicas do paciente paliativo. Sua atuação é reconhecida como essencial para o cuidado integral, promovendo dignidade, segurança e qualidade de vida.
4.2 Manejo da dor e segurança da farmacoterapia
A dor é um dos sintomas mais recorrentes em pacientes oncológicos em cuidados paliativos, afetando cerca de 80% desses indivíduos em algum estágio da doença (Brozovic et al., 2022). O controle efetivo da dor requer o uso adequado de analgésicos, em especial opioides, que por sua vez demandam acompanhamento criterioso para evitar efeitos colaterais graves, como sedação excessiva, constipação, delirium e depressão respiratória (Maiello et al., 2020).
Ferreira et al. (2022) propõem um protocolo farmacoterapêutico estruturado, com cinco etapas, que inclui a avaliação sistemática da dor, a seleção do analgésico com base na Escada Analgésica da OMS e o monitoramento contínuo da resposta clínica. A inclusão do farmacêutico nesse processo garante maior segurança na administração dos medicamentos, melhor ajuste das doses e racionalização no uso dos recursos.
Além disso, o farmacêutico participa da desprescrição de medicamentos desnecessários ou potencialmente nocivos, especialmente em pacientes com prognóstico limitado, auxiliando a equipe a priorizar o conforto e reduzir o número de fármacos utilizados sem prejuízo terapêutico (Pereira et al., 2021). Tal conduta contribui não apenas para o alívio do sofrimento, mas também para a simplificação do cuidado, promovendo melhor compreensão por parte dos pacientes e seus familiares.
4.3 Impactos econômicos e institucionais da atuação farmacêutica
Os benefícios da atuação clínica do farmacêutico extrapolam o nível assistencial, refletindo-se também nos indicadores econômicos e organizacionais dos serviços de saúde. Lemos, Wanderley & Ferreira Júnior (2022) identificaram que, em serviços onde há acompanhamento farmacêutico contínuo, houve uma economia de até R$ 2.148,00 por paciente/mês, decorrente da redução de readmissões hospitalares, substituição de medicamentos de alto custo por equivalentes eficazes e prevenção de reações adversas graves.
A presença do farmacêutico também é fundamental para o cumprimento de critérios de qualidade e segurança exigidos por programas de acreditação hospitalar, como os da Organização Nacional de Acreditação (ONA) e da Joint Commission International. Medeiros, Melo & Torres (2019) destacam que hospitais que inseriram formalmente o farmacêutico nas equipes de cuidados paliativos apresentaram melhoria nos indicadores de segurança do paciente e redução significativa nos erros de medicação.
Do ponto de vista normativo, a Resolução nº 585/2013 do Conselho Federal de Farmácia legitima a atuação clínica do farmacêutico, conferindo-lhe autonomia para realizar intervenções terapêuticas, emitir pareceres técnicos e participar da prescrição de medicamentos dentro de sua competência (Conselho Federal de Farmácia, 2013). A Política Nacional de Cuidados Paliativos, lançada pelo Ministério da Saúde em 2024, reconhece expressamente o papel do farmacêutico como integrante das equipes financiadas pelo SUS, fortalecendo seu vínculo com as metas de cobertura e qualificação da atenção em saúde (Brasil, 2024).
4.4 Desafios e perspectivas para o fortalecimento da prática profissional
Apesar das evidências favoráveis, a atuação do farmacêutico nos cuidados paliativos ainda é limitada por uma série de entraves estruturais e culturais. A ausência de disciplinas específicas sobre o tema na graduação em Farmácia dificulta a formação de profissionais aptos a lidar com a complexidade do cuidado de fim de vida (Pereira et al., 2021). Além disso, muitas instituições não incluem formalmente o farmacêutico nas rotinas clínicas, restringindo sua atuação às funções logísticas, o que compromete o cuidado integral (Medeiros, Melo & Torres, 2019).
Angonesi & Sevalho (2010) ressaltam que a superação dessas barreiras exige a construção de um modelo de atenção farmacêutica centrado na clínica, na interdisciplinaridade e na ética do cuidado. Isso inclui o desenvolvimento de residências multiprofissionais em cuidados paliativos com vagas específicas para farmacêuticos, bem como a criação de protocolos institucionais que definam claramente suas atribuições na assistência direta.
Além disso, a comunicação é apontada como uma habilidade essencial e ainda pouco desenvolvida entre farmacêuticos. Muitos pacientes relatam dificuldades para compreender as orientações sobre o uso dos medicamentos, o que pode comprometer a adesão e a segurança do tratamento (Costa, 2020). Nesse sentido, o fortalecimento das competências comunicacionais deve ser considerado parte integrante da formação técnica do farmacêutico que atua em cuidados paliativos.
Portanto, é possível concluir que a atuação do farmacêutico no contexto dos cuidados paliativos oncológicos é não apenas desejável, mas necessária para garantir a segurança, eficácia e humanização do tratamento. Os resultados aqui discutidos indicam um campo fértil para o desenvolvimento profissional e para a ampliação do cuidado centrado no paciente, desde que se supere as lacunas formativas e estruturais que ainda limitam essa atuação.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa teve como objetivo analisar a atuação do farmacêutico nos cuidados paliativos destinados a pacientes oncológicos, com ênfase na sua contribuição clínica, humanizadora e estratégica no contexto hospitalar. Por meio de uma revisão bibliográfica qualitativa, foi possível identificar que a presença do farmacêutico nas equipes multiprofissionais proporciona ganhos relevantes para a segurança terapêutica, a eficácia do tratamento, o bem-estar dos pacientes e a eficiência institucional dos serviços de saúde.
O estudo demonstrou que o farmacêutico, quando inserido de forma ativa e colaborativa nas rotinas de cuidado paliativo, desempenha funções essenciais, como a reconciliação medicamentosa, a análise crítica da prescrição, o acompanhamento de reações adversas, a educação do paciente e a orientação na alta hospitalar. Além dessas atribuições clínicas, sua participação na desprescrição e no manejo racional de opioides mostrou-se fundamental para o alívio da dor e a melhoria da qualidade de vida de pacientes em estágio avançado de câncer.
No plano institucional, a atuação farmacêutica contribui para a redução de custos, a prevenção de internações evitáveis e o fortalecimento das práticas seguras exigidas por sistemas de acreditação em saúde. Sua inserção formal em protocolos clínicos e sua colaboração em comissões técnicas fortalecem a estrutura assistencial e conferem maior racionalidade ao uso de medicamentos, o que impacta positivamente nos indicadores de qualidade e eficiência dos serviços.
Contudo, a análise evidenciou desafios significativos que ainda limitam a atuação plena do farmacêutico nesse cenário. A ausência de formação específica em cuidados paliativos na graduação, a carência de programas de educação permanente, a resistência institucional à atuação clínica e a fragilidade da comunicação com pacientes e familiares são barreiras que precisam ser enfrentadas de forma sistemática. O reconhecimento legal da atuação clínica já existe, mas sua implementação prática ainda depende de mudanças culturais, acadêmicas e organizacionais.
Diante disso, recomenda-se a inclusão de conteúdos sobre cuidados paliativos nas matrizes curriculares dos cursos de Farmácia, bem como a ampliação de programas de residência multiprofissional com foco nessa área. A valorização da escuta, da empatia e da comunicação humanizada deve ser incorporada à formação técnica do farmacêutico, fortalecendo sua identidade como agente de cuidado e não apenas de distribuição de medicamentos.
Por fim, conclui-se que a presença qualificada do farmacêutico nos cuidados paliativos oncológicos representa um avanço essencial para a construção de um sistema de saúde mais seguro, eficiente e humanizado. Ao integrar conhecimentos técnicos com sensibilidade ética, esse profissional tem potencial para transformar realidades, aliviar sofrimentos e garantir que os pacientes recebam cuidados respeitosos, eficazes e dignos até o fim da vida.
REFERÊNCIAS
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