REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202506221105
Jéssica Luana de Araújo Tourão1
Maria da Luz Lima Sales2
RESUMO
Clarice Lispector consagrou-se como uma das maiores escritoras da língua portuguesa, em virtude da sua escrita inovadora e singular que faz uso de recursos estilísticos como a fragmentação narrativa e metáforas inusitadas, a qual também pode ser encontrada em sua literatura destinada ao público mirim, infelizmente pouco divulgada. Diante disso, este artigo objetiva aprofundar os estudos de suas cinco obras infantis, dentre as quais : O mistério do coelho pensante, Quase de verdade, A vida íntima de Laura e Como nasceram as estrelas, com intuito de realizar um paralelo entre os narradores de seus livros e de uma minuciosa investigação bibliográfica baseada na leitura de livros, artigos e estudos sobre a Literatura Infantil e a atitude do narrador, a fim de comparar e identificar a maneira como o narrador estimula as reflexões do pequeno leitor. Para aprofundar este estudo, foram utilizados os argumentos teóricos de Nelly Novaes Coelho, Maria José Palo, Eni P. Orlandi e de Nádia Battella Gotlib, sendo esta última essencial para esclarecer questões relacionadas ao narrador clariciano, por ser uma das principais especialistas na obra da escritora ucraniana, naturalizada brasileira. Após esta pesquisa, pretendemos chegar a algumas conclusões sobre qual tipo de narrador se manifesta com mais frequência em sua Literatura Infantil ou Infantojuvenil, bem como sobre questões importantes do cotidiano, levantadas em suas obras.
Palavras-chave: Literatura Infantil, atitude narrativa, leitor.
ABSTRACT
Clarice Lispector has established herself as one of the greatest writers in the Portuguese language, due to her innovative and unique writing that uses stylistic resources such as narrative fragmentation and unusual metaphors, which can also be found in her literature aimed at children, unfortunately little known. In view of this, this article aims to deepen the study of her five children’s works, among which are: The Mystery of the Thinking Rabbit, Almost True, The Intimate Life of Laura and How the Stars Were Born, with the aim of drawing a parallel between the narrators of her books and of conducting a detailed bibliographical investigation based on the reading of books, articles and studies on Children’s Literature and the narrator’s attitude, in order to compare and identify the way in which the narrator stimulates the reflections of the young reader. To deepen this study, we used the theoretical arguments of Nelly Novaes Coelho, Maria José Palo, Eni P. Orlandi and Nádia Battella Gotlib, the latter being essential to clarify issues related to the Claricean narrator, as she is one of the main experts on the work of the Ukrainian writer, naturalized Brazilian. After this research, we intend to reach some conclusions about which type of narrator manifests itself most frequently in her Children’s or Young Adult Literature, as well as about important everyday issues raised in her works.
Keywords: Children’s Literature, narrative attitude, reader.
Introdução
Clarice Lispector revolucionou a escrita da literatura voltada ao público infantil, por meio da maneira diferenciada com que conduz sua narração. Em seus contos, o narrador não se restringe apenas em contar uma história, sempre havendo a presença do diálogo que leva à criação de uma relação mais subjetiva com quem a lê. Seus contos para crianças e jovens apresentam uma tentativa de comunicação com o leitor, fazendo-lhe perguntas – de modo a aproximá-lo deste relator – sobre algum acontecimento envolvendo os personagens ou as situações que ocorrem ao longo de todo o relato e que o fazem filosofar.
A presença do narrador nas obras infantis da autora tem relevância para um leitor pensante e questionador e nosso objetivo aqui é verificar sua caracterização geral nesses textos e realizar um paralelo entre as suas cinco obras voltadas para o público mirim. Também esta investigação deseja tornar a escrita infantil mais divulgada e lida não somente pelas crianças e jovens – já que a autora é mais conhecida em um meio adulto –, por se tratar de uma linguagem simples e ao mesmo tempo profunda, que nos direciona a uma reflexão sobre diversas questões existenciais.
Este estudo foi realizado por meio de uma pesquisa bibliográfica baseada na leitura de livros, artigos e estudos sobre a Literatura Infantil. Para fundamentá-la foram utilizados os argumentos teóricos de Nelly Novaes Coelho, Maria José Palo, Eni P. Orlandi e de Nádia Battella Gotlib, esta última foi fundamental para esclarecer muitas questões relacionadas ao narrador clariciano, por ser a principal especialista na obra de Clarice é uma das maiores biógrafas da escritora.
O desenvolvimento desta pesquisa está organizado mais ou menos por todos os títulos dos contos infantis de Clarice Lispector em ordem de publicação até 1977, ano de sua morte, com o intuito de expor as características do narrador em cada uma dessas obras. Após esse estudo, pretendemos chegar a algumas conclusões sobre qual tipo de narrador se manifesta com mais frequência na literatura infantil ou infantojuvenil clariciana, bem como sobre questões importantes levantadas em seus livros.
1. Qual seria o mistério do coelho pensante?
O primeiro conto de Clarice Lispector é O mistério do coelho pensante, publicado em 1967, mas escrito em 1950 a pedido-ordem do seu filho caçula Paulo. A autora expõe o fato em uma entrevista à TV Cultura em 19773, onde abordou brevemente como se deu o início da escrita de seus contos infantis, afirmando também que quando os compôs, não via tais histórias como literatura e os esqueceu em uma gaveta, apenas resgatando-os quando a editora lhe pediu a criação de uma narrativa infantil. Antes de iniciar a história, deixa claro aos pais, por meio de uma pequena nota, que ela foi escrita para uso exclusivamente doméstico e que deixou todas as possíveis dúvidas para explicações orais; desta maneira, deve ser lida por um adulto às crianças.
O texto explora a relação entre a vida da autora e a ficção da obra, revelando como suas histórias se conectam e como a narradora se confunde com a da própria autora. Ao focarmos através da perspectiva de quem a conta, perceberemos o quanto seu modo de repassar a narrativa é diferenciado. Gotlib comenta sobre este fato, de narradora e autora confundir-se por causa do interlocutor ser Paulinho e da pequena nota destinada aos pais ser assinada como “C.L”, mãe de Paulo. Nas palavras de Gotlib:
Paulo é o interlocutor a quem se dirige a figura de um narrador, que – presume-se – é C.L., a mãe de Paulo, a que apareceu no prefácio e que tem o nome na capa.
Mas, enquanto narradora, já é outra, é a que se caracteriza pelo seu modo específico de contar e, por outro lado, revela também muitas faces da autora aí implícita, que é a escritora deste e de outros textos, chamada Clarice Lispector (Gotlib, 2013, p. 353).
A narradora desta história conversa com o menino que se trata de Paulo, filho da escritora. Dentro deste mecanismo metalinguístico, Clarice aproxima narrador de leitor, proporcionando uma ligação maior com quem lê. Nesse conto, a autora estimula a imaginação dos pequenos através das imagens introduzidas ao longo do enredo, contribuindo para a produção de uma nova narrativa, mas agora por meio do pequeno leitor (Alexandre, 2009, p. 130, 131).
Durante a história, há o direcionamento dos acontecimentos para Paulo, como uma maneira de incluí-lo na narrativa. O enredo tem como foco o personagem Joãozinho, um coelho que farejava muitas ideias que o ajudaram a escapar de sua gaiola, inicialmente no momento de maior precisão: quando não o alimentava por puro esquecimento. As pessoas daquela casa, percebendo tal fato, não cometem mais o deslize de deixar o animalzinho passar fome, entretanto e apesar disso, as fugas ainda persistem e, ao longo da leitura, cria-se um mistério em torno da maneira como o animal conseguiu fugir. Este fragmento a seguir bem o ilustra:
Mas o problema era o seguinte: como é que iria poder sair lá de dentro?
Durante dois dias Joãozinho franziu e desfranziu o nariz milhares de vezes para ver se cheirava a solução. E a ideia finalmente veio. A ideia foi a seguinte: ele descobriu como sair da casinhola. E, se bem pensou, melhor fez (Lispector, 2021, p. 72, 73) .
A narradora faz pausas propositais no momento em que conta, com o intuito de explicar à criança alguma expressão que ela não saiba, ou quando deduz a necessidade de justificar uma determinada escolha sua para o texto, como a definição da ideia que Joãozinho teve. Descrever de maneira detalhada como se davam esses pensamentos é outra estratégia utilizada, que diferencia o narrador clariciano dos outros, pois há uma urgência em informar o leitor acerca dos acontecimentos, antes mesmo de revelar – ou não – o que tanto este quer saber.
Este recurso é empregado em outras narrativas de sua autoria, como no conto “A mulher que matou os peixes”, na qual a locutora expõe uma série de fatos até chegar ao motivo mais esperado pelos leitores: a revelação da maneira como os peixinhos morreram. Aqui neste conto, a expectativa é sobre uma possível descoberta do mistério que ronda o coelho pensante. Na escrita do texto há o emprego de metáforas sinestésicas, que envolvem o leitor em um clima emocional, como em: “A ideia que tinha cheirado era tão boa quanto o cheiro de cenoura fresca” (Lispector, 2021, p. 70).
A tática escolhida pela autora com o intuito de estimular a criatividade da criança acaba com a expectativa de saber como o coelho fugiu de sua gaiola. Somente nos é exposto o porquê de suas fugas, deixando por conta do leitor o papel de investigar e descobrir: como um animal gordinho conseguiu fugir de uma gaiola com grades estreitas? O motivo da saída era que Joãozinho havia arranjado uma namorada e precisava sair para cuidar de seus filhotes ou, às vezes, apenas para ficar vendo as coisas, já que ninguém o levava para passear. Nesse momento de liberdade, aproveitava para pensar com o nariz, virando mesmo um coelho pensante, e experimentar o mundo:
Você na certa está esperando que eu diga qual foi o jeito que ele arranjou para sair de lá. Mas aí é que está o mistério: não sei!
E as crianças também não sabiam. Porque, como lhe disse, o tampo era de ferro pesado. Pelas grades? Nunca! Lembre-se de que Joãozinho era um gordo e as grades eram apertadas (Lispector, 2021, p. 73).
O leitor prende-se a um enredo bem costurado pelo narrador, que entrega falsas pistas no decorrer da trama, para que inocentemente o leitor se perca nos acontecimentos (Araujo, 2014, p. 88). O narrador não sabe como solucionar esse mistério e, a partir desse ponto, os enigmas devem ser investigados pelos dois: o narrador-adulto e o interlocutor-criança. Despertando várias reflexões em torno de assuntos importantes como a liberdade, nesse conto a narradora esclarece que, mesmo alimentado, o coelho sentia vontade de fugir, e que as crianças não o compreendiam pelo simples fato de não viverem presas entre grades. Esta narrativa direciona os pequenos a aceitarem a natureza de cada ser, sem a concepção de que esta é melhor que aquela, mas que cada uma possui uma vantagem ímpar, conforme se lê em: “Vou te dizer como é que o mundo é feito. É assim: quando se tem natureza de coelho, a melhor coisa do mundo é ser coelho, mas quando se tem natureza de gente não se quer outra vida” (Lispector, 2021, p. 75 [grifo nosso]).
Lispector faz, nessa passagem, uso de um narrador em primeira pessoa, que chama o pequeno leitor a participar da investigação sobre o mistério de um coelho cheio de pensamentos. A linguagem empregada pela autora é simples, direta e informal, o que permite a sensação de um constante diálogo entre narrador e leitor. O pronome destacado “te”, utilizado aí nesse fragmento, aproxima quem lê a história, criando uma conexão quase íntima. Já em outras passagens, o mesmo ocorre, agora com o pronome “você”, que igualmente aproxima o leitor do livro, a exemplo de: “Mas, Paulo, acontece que Joãozinho, tendo fugido algumas vezes, tomou gosto. Comida, até sobrava. Mas ele sentia uma saudade muito grande de fugir. Você compreende, criança não precisa fugir porque não vive entre grades” (Lispector, 2021, p. 74).
O trecho citado, além de tornar a criança próxima da narrativa, também a faz refletir acerca da liberdade, afinal, será mesmo que todas as pessoas de pouca idade não se sentem como se estivessem presas atrás de grades? Ler Clarice tem um grande diferencial. Seus livros para adultos estão repletos de instigações filosóficas, e os infantis seguem a mesma linha de procurar mais fundo na alma. Os exemplos vêm desde Maria Albernaz (2010, p. 14): a narrativa clariciana “sustentada por um único acontecimento tem muito de filosofia porque distingue o mistério do fundo opaco da realidade, tornando o leitor responsável pela decisão do que possa ser verdadeiro neste acontecimento”. Isso alia filosofia e poesia e encontra nessa narrativa em especial a chave da filosofia no mistério que faz o ser humano parar e pensar nos segredos da vida.
Outros mais recentes encontramos em Lúcia de Sá (2021, p. 66): os contos de animais de Clarice, endereçados ao “público mirim em cujos espaços narrativos, aparentemente infantil surgem questões de densidade filosófica, já notadas em escrituras para leitores adultos, como a solidão, a morte, a procura, o medo, o perdão e o sentido da existência”. Se a criança é um futuro adulto, ela irá se questionar com tais temas citados acima, pois experimenta desde cedo a angústia e a opressão de ser um ente frágil e ainda impotente.
2. A mulher que matou os peixes por ter-se esquecido de alimentá-los
O conto “A Mulher que Matou os Peixes”, de Clarice Lispector, traz um motivo similar ao anterior estudado, pois se trata de uma pessoa que também se esquece de alimentar dois peixinhos e, desta vez, eles acabam morrendo. Trata-se de uma obra singular, pois apresenta uma narrativa simples (uma vez que é para crianças) com questionamentos que transcendem a mera categoria de literatura infantil. Publicado originalmente em 1968, mas uma leitura atual, o livro nos convida a uma viagem introspectiva, na qual a morte de seres tão frágeis se transforma em um ponto de partida para reflexões filosóficas sobre a vida, a morte, a culpa, o perdão e a conexão com a natureza.
A narradora nesse conto – Clarice – é apresentada logo no início da história, revelando um “crime”: ter provocado a morte dos peixes vermelhos. Em consequência de tal fato, a contista passa boa parte desta, tentando convencer o leitor de que tal acontecimento foi sem querer, e que por esse motivo merece perdão – de um leitor virtual – e essa confissão torna este mais próximo, como se quem conta fosse seu confidente. Para alcançar esse efeito, destaca-se o excerto: “Essa mulher que matou os peixes infelizmente sou eu. Mas juro a vocês que foi sem querer. Logo eu! que não tenho coragem de matar uma coisa viva! Até deixo de matar uma barata ou outra” (Lispector, 2021, p. 21).
A narradora expõe ao leitor a história de todos os animais de estimação que passaram por sua vida e até pela de seus amigos. Os animais são diversos e dividem-se entre cachorros, coelhos, patos e até uma macaquinha batizada como Lisete. Nessa narrativa, há uma divisão dos bichos entre convidados e não convidados, e estes seriam os que “invadem” as nossas casas tais como: baratas, ratos e lagartixas; enquanto os primeiros são os que adotamos porque os amamos. Detalha-se a chegada em casa e a convivência com eles e isso se constitui como uma estratégia de convencer o leitor de que ela sempre amou os animais e jamais os machucaria de propósito.
A narradora deste conto pode ser definida como narradora-personagem, pois ao longo dele, expõe tudo com uma preciosidade de detalhes e no meio das situações descritas há a sua participação, já que foram acontecimentos nos quais esteve presente; uma clara maneira de tornar os fatos autênticos. Observa-se um desses fatos no trecho a seguir, quando o filho da relatora lhe faz uma pergunta que mais parece uma exclamação: “– Você sabe, mamãe, que você se parece muito com Lisete?” (Lispector, 2021, p. 37). Nessa fala da criança, percebe-se como esta não tem maldade e o fato de considerar a mãe parecida com uma macaquinha traz um toque de comicidade à história.
A narrativa de Clarice tem como foco crime e perdão, culpa e inocência, vida e morte, temas adultos, porém tornados leves e suportáveis em narrativas para crianças, mas nem por isso menos difíceis de serem enfrentados. Olga Borelli, biógrafa e secretária da escritora, conta – em livro acerca desses assuntos espinhosos acima citados, mas enfrentados com coragem – as palavras da autora, sempre misteriosas e cheias de filosofia:
Não mato porque não quero perder minha vida. Mas também porque quero me banhar na retida vontade de matar. Retida, sim, e por isso mesmo mais violenta – sou obrigada a ter como só meu o gosto supremo de querer matar e o gosto de viver sob a extrema tensão de arco-e-flecha retesados. E que não disparam.
Mas disparam para dentro. E então – êxtase. […]
Passei a minha vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar. Ao tentar corrigir um erro, eu cometia outro. Sou uma culpada inocente (Borelli, 1981, p. 21, 23).
A declaração pode chocar o leitor criança ou adulto, mas mostra a sinceridade clariciana, uma vez que no fundo todos os mortais sentem vontade de acabar com a vida de um possível inimigo (embora logo depois se sinta arrependido desse desejo), mas não tem coragem de confessar. Em um conto para o público adulto, “Mineirinho”, revela empatia em demasia e confessa, na figura do narrador (por sinal é também uma narradora), que “ter matado será a escuridão para mim” (Lispector, 2016, p. 386).
Na citação recolhida do livro de Borelli, a escritora se diz culpada e inocente ao mesmo tempo, como se fosse possível ter culpa (cometer um crime) e ser inocente (não cometer um crime algum). E retomando o conto em estudo, também há o mesmo sentimento, em um espaço que nega e consente o fato: se os peixes morreram de fome, alguém não pôs comida a fim de alimentá-los e com isso acabou matando-os ou causando sua morte, o que resulta em igual situação ou verdade; e se amo os animais, não poderei acabar com a vida deles, ainda que sejam simples peixinhos “que não fazem mal a ninguém e que não são ambiciosos” (Lispector, 2011, p. 21).
A narradora não confessa seu crime e justifica: “Se eu tivesse culpa, eu confesso a vocês, porque não minto para menino e menina” (Lispector, 2011, p. 22), ela somente para pessoas adultas porque não existe outra saída. Esse aspecto de criticar o adultocentrismo ou certa rejeição à maneira de ser adulto de vez ou outra se expressa em suas obras infantis, uma vez que é a criança quem observa o adulto e seu mundo estranho. Tal característica é percebida no trecho: “Tem gente grande que é tão chata! Vocês não acham? Elas nem compreendem a alma de uma criança. A criança nunca é chata” (Lispector, 2011, p. 22).
Outro detalhe a considerar é a capacidade de sentir compaixão pelo outro. Essa forma de narrar chama a atenção do leitor, faz com ele pense nas ações humanas enquanto lhe provoca empatia, uma palavra cada vez mais esquecida em tempos pós-modernos, na era da informação e das redes sociais. Quando a narradora se refere aos bichos que aparecem em casa e trata das baratas: “Barata é outro bicho que me causa pena. Ninguém gosta dela, e todos querem matá-la. […] Tenho pena das baratas porque ninguém tem vontade de ser bom com elas. Elas só são amadas por outras baratas” (Lispector, 2011, p. 25,26), ela, com isso, deixa a criança pensativa.
Ninguém lê sobre compaixão sem refletir sobre o tema, sem sentir ou imaginar um mínimo que seja o que os outros sentem. A criança não é um ser que não tenha maldade por si só e deliberada, esta é ensinada pela cultura a sua volta. Ela aprende com os outros, quando esses outros agem de forma insensível e injusta para com ela ou até para com outrem. Adorno (2000, p.134 ) crê que as crianças “quanto melhor são tratadas” mais têm chance de desenvolver o aprendizado do amor e da empatia. Há necessidade de que o adulto as escute e tire um pouco de seu tempo para acompanhá-las e as auxiliar para que elas se cheguem mais (mesmo que tenham tido más experiências anteriores), é preciso mais atenção e afeto para com elas.
Ao dizer que não mata lagartixas, mas acha engraçado quando “cada pedaço solto de lagartixa começa a se mexer sozinho” e que “É um mistério moverem-se os pedaços antes de morrer” (Lispector, 2011, p. 27), o leitor mais sensível ou adulto pode se chocar com a narradora, vendo-a como alguém frio diante da morte. Porém, as crianças não têm uma noção exata do caráter tragicômico, tampouco da ideia de morte quanto a tem um adulto, que a vê como um tabu, pois a maioria delas nunca a vivenciou. De acordo com Marita Penariol (2021, p. 35), a qual propõe uma educação para esse tema na infância em tempos de pandemia, “elas também vivenciam o luto, embora possuam uma compreensão diferente do conceito de morte”. Por outro lado, para os menores, ou se é trágico ou cômico, e o fato de ver um inseto se mexer como se dançasse (elas o enxergam assim), ao mesmo tempo em que partes de seu corpo lhes estão separadas soa-lhes como uma simples brincadeira.
3. Pensamentozinhos d’A vida íntima de Laura
Nesse conto inusitado de Clarice Lispector, conhecemos a história de Laura, uma galinha de pescoço feio e nada inteligente, que, às vezes, tem os seus momentos de sabedoria. Na narrativa descrevem-se os medos, defeitos e qualidades da personagem principal e as outras limitam-se ao galo Luís, marido de Laura; Luíza, dona de Laura; Lucinha e Carlinhos, filhos de dona Luíza, a cozinheira, que não tem o nome citado; e o extraterrestre Xext, filho de Xexta.
A narrativa traz várias situações envolvendo Laura, descreve-a como um animal que comia compulsivamente, mesmo já tendo sido alimentada pela dona, o nascimento de seu filho, quando ela quase virou galinha ao molho pardo e a proteção de Xext, o qual não permite que a amiga se transforme em comida. O narrador está em primeira pessoa e se manifesta no início da narrativa:
Pois vou contar a vida íntima de Laura.
Agora adivinhe quem é Laura.
Dou-lhe um beijo se você adivinha. E duvido que você acerte ! Dê três palpites (Lispector, 2021, p. 7).
Na citação acima, a narradora tenta inserir a criança na história, encorajando-a no levantamento de suposições acerca de quem era Laura: um ser humano ou um ser animal? Essa é apenas uma das situações em que a autora fará os pequenos refletirem e, nos próximos parágrafos, ela revela que a protagonista é “uma galinha muito simples” e inicia a descrição da personalidade da ave (Lispector, 2021, p. 7). Em “A vida íntima de Laura” são abordados temas sensíveis para o pequeno leitor, como a maternidade e a situação feminina, é claro que por se tratar de literatura para crianças, apresenta-se de maneira mais implícita. No início do enredo, a narradora faz uma pequena amostra do que mais tarde se tornará o conflito ao afirmar que Laura sente medo das pessoas, pois presume que lhes farão mal, acrescentando: “Mas ninguém tem intenção de matá-la porque ela é a galinha que bota mais ovos em todo galinheiro e mesmo nos das vizinhanças” (Lispector, 2021, p. 9).
O clímax da história acontece a partir do momento em que Laura “ouve’ o diálogo da cozinheira com dona Luísa, em que ela alega que a galinha estava ficando velha e com pouca produção de ovos e a melhor decisão seria fazê-la ao molho pardo antes que ela morresse de alguma enfermidade. Mesmo com a dona afirmando que nunca a mataria, a protagonista manifesta desespero diante da possível morte. Os seus pensamentozinhos entram em ação e, com o objetivo de se salvar da panela, ela, normalmente limpa, suja-se para não ser reconhecida no momento em que fossem procurá-la para a cozinhar:
Além disso, Laura estaria sentindo, se sentisse, que Dona Luísa nunca ia comê-la. Gostava muito de viver. Então ela meteu o bico na lama, se lambuzou toda e se despenteou. Veja que ela não é tão burra assim:ela sabia que os outros só a reconheciam mesmo porque ela era a mais limpa e a mais penteada do galinheiro (Lispector, 2021, p. 16).
Há algumas semelhanças com o conto “Uma galinha”, também da autora, contido no livro Laços de Família (2020, p. 28), ambas as personagens tentam mudar o seu destino e lutam pelo direito de viver: “Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça”. Elas somente se tornam importantes para aquela família quando são “mães” (colocam ovos) “– Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o nosso bem!” neste momento a perseguição é interrompida e passam a tratar bem a ave, porque ela ainda continua sendo útil aos criadores, porém esta personagem não possui a mesma sorte de Laura: a de encontrar um habitante de outro planeta para protegê-la da morte, “Até que um dia mataram-na, comeram-na” (Lispector, 2020, p. 29, 31). A narradora do conto “A vida íntima de Laura” ameniza o final da protagonista, pois sabemos que o destino de todas as galinhas que envelhecem e deixam de produzir ovos é o de servir como alimento aos seus criadores.
4. Foi tudo Quase de verdade
Em “Quase de Verdade” nos é apresentada por Ulisses – um cachorro, cuja dona também se chama Clarice – a história que se passa no quintal de dona Onira, e tem como protagonistas uma figueira, galos e galinhas. Duas aves destacam-se por sua inteligência e bondade e também por defender os amigos: Ovidio e Odisseia, o “Rei” e a “Rainha” do galinheiro, respectivamente. E a letra “O” de cada nome faz referência à palavra ovo, tema caro à escritora. Nessa mesma linha seguem os nomes dos donos do galinheiro, Onira e Onofre e a “brincadeira” com a letra O e os nomes transformam a narrativa mais engraçada e interessante de se ler.
Antes de iniciar a história observada no quintal da vizinha, Ulisses apresenta-se como um cão sabido e bonito, com pêlo castanho tom de guaraná, olhos dourados (diziam que seu olhar era como de uma pessoa) e dono de uma personalidade bastante forte, pois fazia apenas o que queria e era um tanto malcriado. No conto, há a presença de onomatopeias e, no decorrer do enredo, o narrador canino interrompe a história com as palavras “pirilim-pim-pim, pirilim -pim-pim, pirilim-pim-pim” para avisar ao interlocutor que os passarinhos estão cantando neste exato momento e descrever o barulho das aves comendo jabuticabas – “plique-ti, plique-ti, plique-ti – ou a zoada que faziam as jabuticabas ao caírem no chão: “plóqui-ti-ti, plóqui-ti-ti, plóqui-ti-ti (Lispector, 2021, p. 52, 53).
Durante a trama, Ulisses faz uso de uma estratégia muito comum nos contos infantis claricianos, que consiste em deixar o leitor curioso para descobrir algo, mas que ele apenas saberá se ler a história até o final: “[..] ela quis fazer favor a figueira porque queria que essa, no fim, levasse a pior. Desculpe, mas ainda não conto agora qual foi o fim. Aguarde” (Lispector, 2021, p. 57). De maneira bem detalhada, o narrador conta a história da figueira que passou a ter inveja da vida das aves que cantavam e colocavam ovos, enquanto ela era estéril, nunca deu figos e o motivo ninguém sabia. A árvore resolve, então, enriquecer à custa dos outros e pede à bruxa Oxelia para que, de alguma maneira, aqueles ovos que pertenciam à galinha fossem dele; iria vendê-los e ganhar muito dinheiro. E consegue o que pediu, pois todas as noites suas folhas ficavam acesas como se o sol batesse nelas e as galinhas pensavam que fosse dia e colocavam ovos sem parar nem para dormir. É o que ocorre neste episódio:
E as galinhas, pensando que era de dia, punham ovos.
A figueira também tinha pedido a Oxelia para que as galinhas botassem ovos no chão, junto das raízes.
O que aconteceu? Aconteceu que as galinhas ficaram assustadas porque nunca dormiam e botaram ovo sem parar, o tempo todo (Lispector, 2021, p. 57.)
O conto trata de assuntos como a escravidão, opressão, luta pelos direitos, os defeitos e qualidades que todos nós apresentamos, medos, erros e perdão, tudo contado pelo cão Ulisses, que se denomina como narrador observador, pois ele não participa da história como um dos personagens, mas sabe de todos os fatos com uma riqueza de detalhes.
Eu fico latindo para Clarice e ela – que entende o significado dos meus latidos – escreve o que eu lhe conto. Por exemplo, eu fiz uma visita para o quintal de outra casa e contei a Clarice uma história bem latida: daqui a pouco você vai saber dela: é o resultado de uma observação minha sobre essa casa (Lispector, 2021, p. 51).
Embora haja a presença de animais em suas histórias para crianças, seja como protagonistas e como referência a algum animal doméstico da escritora, é somente no conto “Quase de verdade” que um não humano se encarrega da narração. Clarice se apresenta como alguém que auxilia esse narrador que não consegue escrever, apenas latir, e escreve a partir da compreensão dos latidos de Ulisses (Comin; Pacífico, 2023, p 8).
5. Como nasceram as estrelas?
Diferentemente das outras quatro obras já comentadas anteriormente, Como nasceram as estrelas (Lispector, 2023) integra narrativas obtidas da tradição oral e popular, reestruturadas pela autora. Os textos deste livro foram encomendados pela fábrica de brinquedos Estrela para integrar seu calendário em 1977; desse modo, cada um deles é alusivo a um mês do ano, tendo o primeiro mês como título da obra, lenda e mito de origem indígena.
A linguagem atribuída à narrativa dessas histórias é bem simples e de fácil entendimento, além de curtas, pois a distância entre o início, a complicação e a resolução do problema exposto não levam mais do que quatro páginas. As lendas reescritas por Clarice mantêm o recurso criativo em relação à concepção dos personagens, porém os finais não causam um grande impacto como as narrativas claricianas que estamos acostumados a ler.
Mas as histórias não apresentam grande interesse estético, embora haja um bom repertório de motivos, personagens e situações. A surpresa final, comum a todas as histórias, não chega a ter função importante, de modo a causar o espanto típico das boas histórias contadas por Clarice. Nem a moral final, quando há, causa impacto digno de maior admiração (Gotlib, 2013, p. 556).
A obra contém as seguintes narrativas: janeiro – Como nasceram as estrelas, fevereiro – Alvoroço de festa no céu, março – O pássaro da sorte, abril – As aventuras de Malazarte, maio – A perigosa Yara, junho – Uma festança na floresta, julho – Curupira, o danadinho, agosto – O negrinho do pastoreio, setembro – Do que eu tenho medo, outubro – A fruta sem nome, novembro – Como apareceram os bichos, e dezembro – Uma lenda verdadeira. Todas contam com uma narradora em primeira pessoa.
No enredo destinado ao mês de janeiro a narradora irá abordar “Como nasceram as estrelas”, iniciando com a frase “Era uma vez”, estratégia usada para chamar a atenção do leitor. A história contada é a de mulheres indígenas que estavam à procura de milho para somar na alimentação de seu povo, mas não conseguindo encontrar, retornaram à tribo e trouxeram as crianças: “– Vamos voltar e trazer conosco os curumins. (Assim chamavam os índios as crianças) Curumim dá sorte” (Lispector, 2023, p. 10).
A sorte realmente estava com os pequenos, pois acharam um milharal muito viçoso, ajudaram as mães a colherem, mas também fugiram dali, levando uma quantidade significativa para casa e logo pediram à avó que lhes fizesse um bolo de milho e ela assim o fez. Os curumins comeram tanto que o doce acabou. Preocupados com a possível reação das mães, pediram aos colibris que amarrassem cipós no topo do céu, para que conseguissem esconder-se delas.
No último mês do ano (dezembro) a narradora antecipa que esta história é “uma lenda verdadeira”, há uma espécie de reflexão em relação ao destino a ser cumprido por cada um dos personagens do enredo, tanto para os seres humanos quanto para os animais. Descreve a tarefa de Maria que “seria a de cumprir o seu destino”, a de José “o de entender”, a da criança “o de nascer” e a dos animais “o de amar e sem saber que amavam” (Lispector, 2023, p. 76). Temas como humildade, fraternidade e o renascer do menino Jesus a cada dezembro são abordados pela narradora, porém de maneira mais poética em relação àquelas já contadas anteriormente.
O silêncio do Deus grande falava. Era de um agudo suave, constante, sem arestas, todo atravessado por sons horizontais e oblíquos. Milhares de ressonâncias tinham a mesma altura e a mesma intensidade, a mesma ausência de pressa, noite feliz, noite sagrada (Lispector, 2023, p. 76 ).
Nesta coletânea predominam histórias da tradição oral, que foram reproduzidas por Lispector, perpassando pelo mundo da mitologia indígena com o curupira até chegar ao último mês, recontando o nascimento de Jesus. O desfecho para cada temática abordada é bastante incomum, se levarmos em consideração o fato de serem destinados ao público infantil e isto se deve à própria autora que não acreditava na divisão de públicos leitores, entre adultos e crianças (Wanderley, 2021, p. 235, 236). De maneira geral, a narradora destes contos populares dirige-se ao leitor sem tanto diálogo como nos seus escritos de autoria própria. O locutor está naquele lugar somente para repassar as informações, mas sem se envolver com os personagens e com o interlocutor, uma espécie de narrador observador.
Referencial Teórico
Através da forma narrativa é criado um processo mínimo de comunicação com alguém que narra (o Narrador) algo (a Intriga) para alguém (Leitor). A forma como se organiza essa relação significativa (Narrador – Mensagem – Destinatário) é o que determinará o eixo significativo da narrativa. Isso se deve ao foco narrativo ou à visão que o narrador escolhe em relação ao objeto narrado (Paio, 2006, p. 44).
Dessa maneira, a escolha de um ponto de vista relativamente próximo do objeto narrado, estabelecerá, de maneira indispensável, distintos modos de enxergá-lo, codificá-lo, designá-lo. Significado esse que, não está presente no acontecimento em si, mas na maneira como é completado, articulado e transmitido ao receptor. Em relação à literatura infantil, o foco narrativo assume dois traços (verbal e visual), ambos buscando uma conversação mais próxima e direta possível com a criança, restabelecendo a tradição de oralidade do “Era uma vez” dos contos de fada, momento ímpar de transmissão da vivência do narrador para com aqueles que o escutam.
Lispector produz obras fundamentadas na oralidade em que o narrador o tempo todo conversa com o leitor, provocando-o e instigando-o a pensar. Os escritos da literatura infantil orientam-se pela recuperação da oralidade, partindo da matriz do ato de narrar. A atitude de falar algo é inerente ao ser humano, o discurso falado gera diversas cenas (verbal e não verbal), ou seja, o que menos conta é o que se diz, pois tudo está no modo como se diz. Estes se referem ao dito e o não dito, às diferentes maneiras de não-dizer (subentendido) e os de dizer algo; aquilo que a fala relata e os gestos contradizem (Orlandi, 2013, p. 82).
Segundo Nelly Novaes Coelho (1982, p.3) é através da Literatura Infantil que há a formação de uma nova mentalidade, especialmente nos períodos de crise cultural. A leitura de livros além de divertir e emocionar cumpre o seu papel primordial: auxiliar no desenvolvimento das crianças. Ao apresentarem histórias lúdicas, elas refletem sobre si mesmas e o mundo que as cerca, tornando-se, no futuro, um sujeito mais participativo na sociedade.
Para caracterizar o narrador clariciano, tomo como base a atitude narrativa mencionada por Nelly Coelho, na qual descreve as várias posturas que são assumidas pelo autor, no que se refere à realidade que ele objetiva demonstrar e em relação ao provável leitor a quem tal realidade será mostrada. Nesse sentido, a atitude narrativa vem a ser a dupla posição declarada pelo autor, em relação ao leitor (seu destinatário) e à realidade que ele pretende repassar ao leitor (objeto narrado). A atitude narrativa presente nos contos infantis de Lispector define-se como a de narrador conciso, no qual apresenta uma concepção da realidade bastante objetiva e desprendida de detalhes inúteis, atributo esse que contribui com a agilidade do ritmo narrativo. Esta atitude está a meio caminho do narrador participante (que realiza uma ligação das narrativas com comentários pessoais) e o narrador indiferente (narrador contido em um plano imaterial e indefinido) (Coelho, 1982, p. 50 e 52) .
Considerações finais
O narrador das produções claricianas revela-se um verdadeiro instrumento, capaz de instigar o pequeno leitor a ir atrás de respostas, nem sempre evidentes durante a leitura do enredo. Para esse propósito, é necessário compartilhar tais reflexões com seus amigos e familiares, com a finalidade de chegar a uma conclusão ou, apenas, construir mais interrogações. Diante disso, confirma-se que suas narrativas ultrapassam comuns enredos de animaizinhos com o desígnio de entreter a criança de forma momentânea, ao contrário, ela eleva o seu poder de raciocínio, encorajando-os a descobrir uma gama de novos conhecimentos.
É preciso salientar que as histórias infantis claricianas fazem uso de um narrador adulto para essa constante troca de diálogo com os pequenos, realizando reflexões acerca de assuntos considerados complexos para crianças, como a morte, a liberdade, a culpa, o perdão, a alienação e o tempo. Isto tudo sem abandonar a posição do ser adulto, características essas que se consagram como um novo modo de narrar a literatura infantil brasileira, a qual, está repleta de discussões e questionamentos. Desta forma, auxiliam na construção da relação adulto-criança, mãe-filho (Araújo, 2014, p. 87).
Após a realização desta minuciosa pesquisa chegamos a conclusão que, seus escritos destinados ao público infantil fazem uso predominante da oralidade, ferramenta esta que através da narração constrói uma relação mais profunda com os seus leitores. O público alvo sente-se mais próximo do narrador clariciano, por conta do constante diálogo desencadeado em seus enredos, destinados às crianças.
O narrador presente nos enredos infantis de Lispector não se resume a um único tipo, dividindo-se em narrador-personagem e narrador-observador. No entanto, a presença deste último é mais recorrente, manifestando-se nos contos “Quase de verdade”, “A vida íntima de Laura” e na coletânea “Como nasceram as estrelas”. O processo de investigação apresentou algumas dificuldades, em relação aos materiais (livros e artigos) que abordassem de maneira específica o narrador na literatura infantil, pois a grande maioria dos estudos encontrados, abordavam apenas o narrador na literatura geral. A produção de Clarice Lispector voltada para os pequenos leitores é pouquíssima investigada no meio dos Estudos Literários, assim como a divulgação e conhecimento delas, por grande parte do público em geral. Desta maneira, os resultados almejados foram alcançados neste estudo detalhado, acerca do narrador presente nas obras infantis de Clarice Lispector, bem como a identificação das formas de reflexão encontradas nos seus escritos, que contribuirão de maneira significativa para os estudos na área de Literatura Infantil e da obra dessa autora tão importante para a história da Literatura Brasileira.
3Lispector, Clarice. Entrevista a Júlio Lerner. TV Cultura, São Paulo, fevereiro de 1977. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ohHP112EVnU. Acesso em: 03/01/2025.
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1Graduanda do Curso de Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa, pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará – Campus Belém.
2Doutora em Ciências da Educação pela Universidade de Évora (Portugal) e Mestra em Ciências da Educação pela mesma Instituição. Graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, com especialização em Literatura Infantil e Juvenil pela mesma instituição.