REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202506301403
Sandra De Lourdes Andrade Jovial Macarini
RESUMO:
O presente artigo está norteado pela seguinte tese: a acuidade conceitual do processo de metodologia de Alfabetização de Jovens e Adultos de um dos maiores pedagogos, Paulo Freire. A referida metodologia de estudo é abordada pela importância de seus atributos comprovados através de pesquisas bibliográfica. O estudo bibliográfico revela que o autor traz uma proposta de ensino-aprendizagem além alfabetizadora, não bastando ler e escrever, mas despertando no educando do Eja a chamada conscientização e leitura de mundo, fazendo com que eles reflitam as suas práticas, adotem estratégias e transformem o mundo em que vivem.
PALAVRAS CHAVE: Alfabetização. Método Paulo Freire. Paulo Freire.
ABSTRACT:
This article is guided by the following thesis: the conceptual acuity of the Youth and Adult Literacy methodology process of one of the greatest pedagogues, Paulo Freire. This study methodology is approached by the importance of its attributes proven through bibliographic research. The bibliographic study reveals that the author brings a teaching-learning proposal beyond literacy, not only reading and writing, but awakening in the Eja student the so-called awareness and reading of the world, making them reflect on their practices, adopt strategies and transform the world in which they live.
KEYWORDS: Literacy. Paulo Freire Method. Paulo Freire.
1. INTRODUÇÃO
Uma das modalidades da educação básica, A Educação de Jovens e Adultos (EJA), é um direito daquela pessoa que não teve acesso ao ensino básico e médio ou abandonou os estudos quando na idade certa àquele curso de educação, em escolas públicas. Segundo o Art. 37 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9.394/96, promover aos que não “tiveram acesso ou oportunidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”, o direito a escolarização. Deste modo, constitui-se uma política pública de Educação quanto ao acolhimento de estudantes jovens e adultos no processo de escolarização, a partir dos quinze anos de idade. Desde a criação do EJA, houve avanços e retrocessos na tentativa de elevar o número de alfabetos e reduzir o analfabetismo no Brasil, através das políticas públicas de educação. Sobre o analfabetismo no Brasil, os autores Joia, Pierro e Ribeiro (2001) abordam em seus estudos medidas restritivas adotadas nos programas e inseridos na resolução de questões de analfabetismo. Segundo esses autores, a Educação de Jovens e Adultos foi introduzida em uma concepção secundária, compreendida, então, de menor importância no olhar ponderado e político pedagógico.
Por falta de melhores políticas públicas no atendimento às necessidades de classes sociais menos desfavorecidas economicamente, a EJA é desvalorizada e adicionada às desigualdades da sociedade aumentando ainda mais o número de analfabetos. Tal exclusão é devida ao sistema neoliberal, buscando transpor o encargo do Estado para a sociedade civilizada, tendo como resultado um alto nível de analfabetismo no Brasil (SILVA, 2019).
Diante desse cenário, a EJA torna-se necessária por se tratar de uma educação inclusiva e de política reparadora àqueles que não tiveram a oportunidade à educação em suas idades adequadas no processo de escolarização. Pensando no resgate ao direito à educação e à cidadania que emergi a necessidade de pesquisar sobre a temática.
O método de Paulo Freire aborda um método de ensino-aprendizagem de como tornar críticos jovens e adultos que vivem à margem da sociedade, institui um avanço no conhecimento dos sujeitos. Conhecimento esse, revolucionário e desafiador, já que o contexto histórico do país, de cada época vivida, flui com propostas de atender as necessidades de trabalho da sociedade. Freire traria uma proposta pedagógica diferente, uma proposta além de se profissionalizar, preocupando-se com o despertar – o desenvolver da criticidade dos educandos da EJA no meio em que está inserido. A pedagogia de Freiriana apresenta-se como libertadora e formadora de sujeitos conscientes que acontecem através do diálogo e sobre questões sociais norteadoras e problematizadoras. De acordo com Freire (1987), o homem dialógico e crítico sabe o poder de fazer, de criar e de transformar – um poder dos homens. Mas, também, sabe que em situação concreta e alienado pode ter este poder prejudicado.
Neste percurso e sob a ótica deste olhar, o presente estudo é de suma importância para aproximar o método de alfabetização Freiriana elaborado na década de 1960, século XX, e o processo de ensino-aprendizagem de alfabetização desenvolvido pelos professores nas turmas de EJA, buscando formar sujeitos políticos e críticos de direito.
Qual a relação entre o método Paulo Freire e a metodologia usada pelos docentes nas turmas da EJA? Para conceitualizar esta relação, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa, descrevendo o método e a importância dos processos de alfabetização de Paulo Freire.
A pesquisa qualitativa, de acordo com Minayo (2009), é um campo de grande expansão para entender os fenômenos sociais estudados.
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja, ela com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes [….] (MINAYO, 2009, p. 21).
Minayo descreve o quanto é abrangente a área do qualitativo. Dentre um mesmo aspecto de uma dada realidade social, pode-se compreender, refletir, valorizar e agir.
Para falar sobre o processo da metodologia, lança-se mão da Pesquisa bibliográfica de Lima e Mioto (2007, p. 37). Conforme os autores, a Pesquisa bibliográfica se apresenta “como um procedimento metodológico que se oferece ao pesquisador como uma possibilidade na busca de soluções para seu problema de pesquisa”. Assim, segundo eles, ao trabalhar com a pesquisa bibliográfica realiza-se “um movimento incansável de apreensão dos objetivos, de observância das etapas, de leitura, de questionamentos e de interlocução crítica com o material bibliográfico, e que isso exige vigilância epistemológica”.
Segundo Gil (2002), ao elaborar uma pesquisa deve-se seguir um roteiro.
Como toda atividade racional e sistemática, a pesquisa exige que as ações desenvolvidas ao longo de seu processo sejam efetivamente planejadas. De modo geral, concebe-se o planejamento como a primeira fase da pesquisa, que envolve a formulação do problema, a especificação de seus objetivos, construção de hipóteses, a operacionalização dos conceitos etc. [….] GIL, 2002, p. 19).
Posteriormente, investigou-se escrituras de Paulo Freire sobre estudos de seu método, assim como de outros autores que analisam e discutem o mesmo conceito do autor. Selecionou-se alguns livros e artigos consideráveis para o presente estudo: Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire (1979) e Pedagogia do Oprimido (1987); “O que é o Método Paulo Freire” (1986) de Carlos Rodrigues Brandão; ‘Visões da Educação de Jovens e Adultos no Brasil’, de Joia, Pierro e Ribeiro (2001) – no qual discutem sobre o lugar secundário que a EJA ocupa quando se trata das Políticas de Educação; Dermeval Saviane ‘Paulo Freire, centésimo ano: mais que um método, uma concepção crítica de educação (2021) – publicado na Revista Educação e Sociedade, na Seção Comemorativa -Paulo Freire 100 anos – fala sobre a ‘relevância da concepção crítica de educação para o método de alfabetização e critica a opressão vivida pela maioria da população na sociedade atual” (SAVIANE, 2021, p. 01); Ramon Rodrigues Ramalho (2022) ‘Modelo analítico da pedagogia do oprimido: sistematização do método Paulo Freire’ – descreve os elementos característicos da pedagogia do oprimido, enfatizando as mediações pedagógicas principais enredadas no método de Freire. Tais estudos acatam os objetivos pertinentes ao presente objeto de estudo: O método de Freire na Educação de Jovens e Adultos, na perspectiva de uma educação de conscientização da realidade e de formação de sujeitos críticos nas aprendizagens dos discentes da EJA.
1.1 A importância da educação de jovens e adultos na perspectiva de Paulo Freire
A Educação brasileira foi desde sempre raciocinada a atender as instâncias da elite de nosso país através de um método de estudos tecnicista, preparando jovens e adultos para serem inseridos em um mercado de trabalho, sem considerar as demais necessidades, como o abrir os olhos sobre os problemas sociais e tornar-se sujeitos críticos e emancipados, capazes de transformar a realidade vivida.
A partir dos anos 60, inicia-se um novo despertar envolvendo uma nova forma de alfabetizar os Jovens e Adultos. Freire destaca-se, surgindo com novo método de alfabetização no município de Recife, estado de Pernambuco. Esse método, logo se espalhou pelo Brasil e outros países, tinha como intuito o despertamento da consciência dos sujeitos (FREIRE, 1979). Para Freire, quanto mais se conscientiza o sujeito, mais capacitado se torna, pois reconhecer a si e a realidade que o circunda é o principal ponto de partida para a sua tomada de consciência. Segundo Saviani, Paulo Freire percebe a pessoa humana sendo uma pessoa de relações, afirmando-se como sujeito de sua própria existência. Existência essa, construída durante a sua história da época vivida juntamente com os outros homens, determinando-o como um ser que dialoga e crítica, possibilitando-o a se conhecer, saber quem é e em qual realidade se situa e como os outros o observa. Esse seria o processo de humanização, de quem se reconhece adicionado à sociedade.
Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem a si mesmos como problema. Descobrem que pouco sabem de si, de seu “posto no cosmos”, e se inquietam por saber mais. Estará, aliás, no reconhecimento do seu pouco saber de si uma das razões desta procura. Ao se instalarem na quase, senão trágica descoberta do seu pouco saber de si, se fazem problema a eles mesmos. Indagam. Respondem, e suas respostas os levam a novas perguntas (FREIRE, 1987, p. 29).
Para compreender um pouco mais o pensamento de Freire e o contexto de sua realidade, é de suma importância conhecer um pouco de sua vida. Nascido em 19 de setembro de 1921 no munícipio de Recife, cujo pai chamava-se Joaquim Temístocles Freire e natural do Rio Grande do Norte, trabalhou como oficial da Polícia Militar de Pernambuco e seguia a religião espírita. Já, a mãe, Edeltrudes Neves Freire, nascida em Pernambuco seguia a religião do catolicismo, assim como Freire.
Em 1929, Freire estava com oito (08) anos de idade. Na época, por causa da crise econômica, sua família muda-se para Jaboatão dos Guararapes em busca de condições de vida melhor. Quando tinha dez anos, seu pai falece e sua família passa por muitas necessidades para sobreviver. Tal realidade, fez o pequeno garoto perceber as desigualdades econômicas-sociais que viviam e já se perguntava como poderia ajudar o seu próximo.
Em Jaboatão, perdi meu pai. Em Jaboatão experimentei o que é a fome e compreendi a fome dos demais. Em Jaboatão, criança ainda, converti-me em homem graças à dor e ao sofrimento que não me submergiam nas sombras da desesperação. Em Jaboatão joguei bola com os meninos do povo. Nadei no rio e tive “minha primeira iluminação”: um dia contemplei uma moça despida. Ela me olhou e se pôs a rir… Em Jaboatão, quando tinha dez anos, comecei a pensar que no mundo muitas coisas não andavam bem. Embora fosse criança comecei a perguntar-me o que poderia fazer para ajudar aos homens (FREIRE,1979, p.9).
Órfão de pai, sua vida foi marcada por superações de desafios vividos, quando assumiu responsabilidades de uma pessoa adulta. Diante dos obstáculos, não desistiu de lutar por uma sociedade que fosse mais justa. Aos quinze (15) anos de idade, ingressou ao Ginásio e dificuldades gramaticais. Já aos vinte (20) anos lia livros de alguns gramáticos brasileiros e portugueses – livros esses de estudos de Filosofia e de Psicologia da linguagem. Logo, torna-se professor do curso e sua remuneração, no momento, passa a ajudar nos gastos da família. Em 1944, aos vinte e três anos (23), casa-se com Elza Maria da Costa, uma pernambucana. Tiveram cinco filhos, dos quais três meninas e dois meninos. E, logo após o casamento, teve apoio de sua esposa, pois professora, também vivenciava os problemas educacionais da época e o apoiava em suas lutas.
A Elza, professora primária e, depois, diretora de escola, devo muito. Sua coragem, sua compreensão, sua capacidade de amar, seu interesse por tudo que faço, sua ajuda nunca negada, e sequer solicitada (pressente a necessidade da ajuda), me têm sempre sustentado nas mais problemáticas situações. Foi a partir do casamento que comecei a me preocupar sistematicamente com problemas educacionais. Estudava mais Educação, Filosofia e Sociologia da Educação que Direito, curso de que fui um aluno médio (FREIRE, 1979, p. 9,10).
Atuou em Direito Penal pela atual Universidade Federal de Pernambuco, trabalhou na superintendência do Departamento de Educação e Cultura do Serviço Social da Indústria (SESI), em Pernambuco de1946 a 1954, experiências que o acarretaram ao método que iniciou em 1961. De acordo com Saviani (2021, p.5), nos anos de 1969, sob a ótica dos estudos de Freire – descreve, “passava por um processo de trânsito de uma sociedade fechada para uma aberta. No interior desse processo, o autor situava o dilema da educação: estar a serviço da alienação e da domesticação ou da conscientização e da libertação”. Nesse cenário histórico surge o neologismo (uma conscientização de Freire).
Com o Golpe de Estado em 19694, o método de alfabetização de Freire passou a ser uma ameaça pela elite da época, já que falava da exploração do trabalho dentre outros questionamentos. Ele ficou detento setenta (70) dias, dentre os quais quatro (4) dias interrogado e considerado traidor da sociedade brasileira.
O golpe de Estado (1964) não só deteve todo este esforço que fizemos no campo da educação de adultos e da cultura popular, mas também levou-me à prisão por cerca de cerca de 70 dias (com muitos outros, comprometidos no mesmo esforço). Fui submetido durante quatro dias a interrogatórios, que continuaram depois no IPM do Rio. Livrei-me, refugiando-me na Embaixada da Bolívia em setembro de 1964. Na maior parte dos interrogatórios a que fui submetido, o que se queria provar, além de minha “ignorância absoluta” (como se houvesse uma ignorância ou sabedoria absolutas; esta não existe senão em Deus), o que se queria provar, repito, era o perigo que eu representava (FREIRE, 1979, p.10).
Concomitante à repressão militar, no exterior, Freire continuou a desenvolver a inovadora proposta de alfabetização para os Jovens e para os Adultos, sendo colocada em prática em espaços educativos não formais por outros professores, colocando em prática o despertar da consciência para os problemas sociais dentro de seu contexto. Freire repudiava o método de ensino da época , a educação bancária – a transmissão de conhecimentos prontos.
Para que a alfabetização não seja puramente mecânica e assunto só de memória, é preciso conduzir os adultos a conscientizar-se primeiro, para que logo se alfabetizem a si mesmos. Consequentemente, este método – na medida em que ajuda o homem a aprofundar a consciência de sua problemática e de sua condição de pessoa e, portanto, de sujeito – converte-se para ele em caminho de opção. Neste momento, o homem se politizará a si mesmo (FREIRE,1979. p.26).
Logo, a experiência vivida através de seu método, passa a ter um olhar crítico para a educação, em que os professores abram espaços para os diálogos para os educandos e aconteça um processo de conscientização durante a alfabetização e, consequentemente, maior compreensão de mundo. O método de alfabetização freiriano leva em conta os conhecimentos prévios dos estudantes, de suas histórias de vida e de suas experiências profissionais. A metodologia iniciava-se, primeiramente, com um indagações sobre as vidas dos sujeitos. Melhor explicando, os profissionais da equipe de alfabetização inseriam-se na comunidade para conhecer a realidade vivida pelos discentes através do diálogo. E, a partir do conhecimento da realidade deles surgiam as palavras geradoras que seriam de norte para os debates e ao mesmo tempo passavam pelo processo de alfabetização, provocando o acordar da consciência dos discentes.
Um dos pressupostos do método é a ideia de que ninguém educa ninguém e ninguém se educa sozinho. A educação, que deve ser um ato coletivo, solidário — um ato de amor, dá pra pensar sem susto —, não pode ser imposta. Porque educar é uma tarefa de trocas entre pessoas e, se não pode ser nunca feita por um sujeito isolado (até a auto-educação é um diálogo à distância), não pode ser também o resultado do despejo de quem supõe que possuí todo o saber, sobre aquele que, do outro lado, foi obrigado a pensar que não possui nenhum. “Não há educadores puros”, pensou Paulo Freire. “Nem educandos.” De um lado e do outro do trabalho em que se ensina-e-aprende, há sempre educadores-educandos e educandos-educadores. De lado a lado se ensina. De lado a lado se aprende (BRANDÃO,1986, p.9,10).
De acordo com Brandão (1986), os pensamentos de Freire sobre o processo de alfabetização deveria existir a solidariedade entre o educador e educandos, já que o processo educacional é uma permuta entre as partes, pois ninguém educa-se só – processo de ensino- aprendizagem, acontece através da comunicação com e entre os sujeitos, um modo de cada um conhecer-se e conhecer o outro
2. POR QUE E PARA QUE FAZER UTILIZAR O MÉTODO DE PAULO FREIRE?
Paulo Freire (1987), diz que a educação tem a necessidade de ser dialogada entre educador e os educandos para que esses se libertem, sendo de suma importância existir mudança na prática docente onde alfabetizadores, durante o processo de ensino-aprendizagem, devem iniciar dos conhecimentos prévios dos estudantes.
Para Freire, a educação é um ato político. Através do diálogo, em aula, o educando passa a enxergar os papéis de opressor e oprimido e começa a intervir na condição de sujeito.
Feitosa (1999) fala sobre o método de alfabetização de Paulo Freire, diz consistir em dois princípios fundamentais: o primeiro aborda apolítica do ato educativo, onde para Freire a educação não é neutra, é transformadora, é ação reflexiva, permiti aos oprimidos despertar a consciência sobre as questões sociais e formas de opressão.
Um dos axiomas do Método em questão é que não existe educação neutra. A educação vista como construção e reconstrução contínua de significados de uma dada realidade prevê a ação do homem sobre essa realidade. Essa ação pode ser determinada pela crença fatalista da causalidade e, portanto, isenta de análise uma vez que ela se lhe apresenta estática, imutável, determinada, ou pode ser movida pela crença de que a causalidade está submetida a sua análise, portanto sua ação e reflexão podem alterá-la, relativizá-la, transformála (FEITOSA, 1999, p.46).
De acordo com Feitosa (1999), os sujeitos através de uma educação reflexiva mudam sua realidade. Freire diz que toda cultura é produzida por homens e mulheres, que podem transformar qualquer realidade, bastando a apropriação de determinado conhecimento. Desse modo, há necessidade de fazer uso de um processo formativo que permita aos sujeitos apropriarem-se daquilo que tem direito.
O segundo princípio de Feitosa (1999) é o do diálogo no ato educacional. Freire diz que é de suma importância que o processo de alfabetização de jovens e adultos seja inserido dialógicante, um ato de amor à vida, entre educador e educandos, para que ambas as partes troquem saberes de experiências vividas e posicionem-se diante dos desafios que são impostos a todos, para então transformar a própria vida e o mundo.
Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo. Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade. A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante. O diálogo, como encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir, se rompe, se seus pólos (ou um deles) perdem a humildade (FREIRE, 1987, p.51).
Freire, enfatiza que o diálogo será possível se houver amor por si e pelo próximo e é através dele que consegue-se conhecer a pessoa na sua totalidade. Isso é um ato de humildade, em que sujeitos dividem suas experiências e alcançam objetivos em comuns, é através do cuidado com o próximo que se pode compreender as suas necessidades. Freire destaca duas palavras importas nesse processo – politicidade e diálogo: princípios essenciais da prática conscientizadora e emancipadora.
Feitosa (1999) aborda que essas duas palavras são conexas, já que o diálogo entre educador e educandos tem o intuito de transpor a situação de sujeitos ingênuos a sujeitos despertos, dotados de si e de consciência de mundo. Desse modo, o método freiriano contribui até os dias de hoje na libertação dos oprimidos de seus opressores e na reflexão dos direitos fundamentais dos cidadãos através de uma educação ofertada que tem como objetivo, além de ler e escrever, ler e entender as entrelinhas de um contexto socio-político.
O que existe de mais atual e inovador no Método Paulo Freire é a indissociação da construção dos processos de aprendizagem da leitura e da escrita do processo de politização. O alfabetizando é desafiado a refletir sobre seu papel na sociedade enquanto aprende a escrever a palavra sociedade; é desafiado a repensar a sua história enquanto aprende a decodificar o valor sonoro de cada sílaba que compõe a palavra história. Essa reflexão tem por objetivo promove a superação da consciência ingênua – também conhecida como consciência mágica – para a consciência crítica (FEITOSA, 1999, p.4647).
Para Feitosa, o método de alfabetização de Freire é inovador, desafia os que estão se alfabetizando a ler e escrever as palavras geradoras e refletirem seus papéis na sociedade. Esse pensamento adere aos pensamentos de Paulo Freire, pois não basta decodificar letras para o sujeito ter consciência dele próprio e de mundo, é necessário a reflexão problematizadora.
Isto porque a leitura da palavra é sempre precedida da leitura do mundo. E aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade. Adernais, a aprendizagem da leitura e a alfabetização são atos de educação e educação é um ato fundamentalmente político. Paulo Freire reafirma a necessidade de que educadores e educandos se posicionem criticamente ao vivenciarem a educação, superando as posturas ingênuas ou “astutas”, negando de vez a pretensa neutralidade da educação (FREIRE, 1989, p. 7).
Dessa forma, Freire é contra a educação bancária, transmissão de conteúdos prontos, ofertada pelo sistema de educação, já que não possibilita aprendizagem significativa e não torna os sujeitos conscientes de sua situação em prol da libertação.
Uma educação que procura desenvolver a tomada de consciência e a atitude crítica, graças à qual o homem escolhe e decide, liberta-o em lugar de submetêlo, de domesticá-lo, de adaptá-lo, como faz com muita frequência a educação em vigor num grande número de países do mundo, educação que tende a ajustar o indivíduo à sociedade, em lugar de promove-lo em sua própria linha (FREIRE,1979, p.19).
Tem-se a consciência de que a educação deve proporcionar situações aos educandos a fim de torná-los críticos, capazes de agir e de transformar a si mesmos e tentar transformar o mundo, deixando de ser ingênuos e que a sociedade impõe o que é bom para a sociedade dominante (opressores).
Conforme Ramalho (2002, p.10)
uma vez que a visão de mundo do oprimido está estruturada por toda uma série de padrões estranhos à sua realidade, sua autonomia (liberdade) só é factível se ele aceitar o desafio de reconstruir a sua ordem cognitiva do mundo e assumir a responsabilidade de fazer emergir uma estrutura nova, preenchida por um conteúdo próprio. […]. (RAMALHO (2022, p.10)
A metodologia de alfabetização de Freire, diálogo/reflexão/problemas sociais/despertar da consciência, proporciona a visão de mundo que os educandos precisam ter para abolir a circunstância de opressão e afastar-se da circunstância de subalternos.
3. MÉTODO PAULO FREIRE E SUAS FASES
Segundo Feitosa (1999), Freire não faz uso do termo método, literalmente, como conhecemos para determinado fim ou para atingir a um objetivo. Ela descreve que o método para Freire tem outro significado.
[…] era a curiosidade de um lado e o compromisso político do outro, em face dos renegados, dos negados, dos proibidos de ler a palavra, relendo o mundo. O que eu tentei fazer e continuo hoje, foi ter uma compreensão que eu chamaria de crítica ou de dialética da prática educativa, dentro da qual, necessariamente, há uma certa metodologia, um certo método, que eu prefiro dizer que é método de conhecer e não um método de ensinar (PELANDRÉ, 1998, p.298, apud FEITOSA, 1999, p. 51).
Segundo Feitosa (1999, p. 52), a metodologia concebida por Freire leva o nome de Método ou Sistema por haver uma estrutura lógica entre o ensinar e o aprender..
De acordo com Paulo Freire (1979), há cinco fases do Método ensino e aprendizagem:
1ª Fase – Levantamento do universo vocabular: acontece quando o educador se aproxima dos alunos de modo informal com intuito de compreender o tipo de linguagem compreensível a eles, permitindo, também, que o educador entenda o vocabulário comum da comunidade e suas experiências de vida e, também, experiência profissional; garantindo, desse modo, que o ensino seja importante e significativo para quem aprende.
Conforme Brandão (1986, p.11)
Não há questionários nem roteiros predeterminados para a pesquisa. Se houvesse, eles seriam como uma cartilha. Trariam pronto o ponto de vista dos pesquisadores. Há perguntas sobre a vida, sobre casos acontecidos, sobre o trabalho, sobre modos de ver e compreender o mundo. Perguntas que emergem de uma vivência que começa a acontecer ali.
A autora explica que a pesquisa era realizada com as pessoas da comunidade e que não existia itinerários acabado para os questionamentos, mas acontecia de forma espontânea.
2ª Fase: escolha das palavras selecionadas do universo vocabular pesquisado, seguindo alguns critériosfase em que é adotado três critérios para a eleição das palavras do universo vocabular dos participadores: 1) a riqueza fonêmica, 2) dificuldades fonéticas, 3) comprometimento pragmático da palavra.
A partir do levantamento das “palavras” a pesquisa descobre as pistas de um mundo imediato, configurado pelo repertório dos símbolos através dos quais os educandos passam para as etapas seguintes do aprendizado coletivo e solidário de uma dupla leitura: a da realidade social que se vive e a da palavra escrita que a retraduz (BRANDÃO, 1986, p.13).
Brandão fala que é a partir da classificação das palavras com símbolos que permite aos alunos progredirem no aprender de modo coletivo e solidário da realidade em que vivem e da e da palavra escrita.
3ª Fase: Criação de situações existenciais:fase em que são alocadas situações, pelo educador, consideradas parte do convívio da realidade pelo grupo e consideradas desafiadoras para eles, através da codificação para que os alfabetizandos pudessem descodificá-las.
Fase essa, que tinha por intuito aflorar os problemas vividos pelo grupo de estudantes, como situações de opressão, problemas reais do país e do mundo, provocando debate a fim de que conscientizassem para alfabetizarem-se.
Paulo Freire (1979, p.24) “Estas situações desempenham o papel de “desafios” apresentados aos grupos. Trata-se de situações problemáticas, codificadas, que levam em si elementos para que sejam descodificados pelos grupos com a colaboração do coordenador”.
4ª Fase: Elaboração de fichas roteiro:essas funcionam como um roteiro a seguir , sem uma prescrição rígida, serviriam como auxílio, permitindo flexibilidade e adaptação durante o ensiaprendizagem.
Freire (1979), o roteiro é para auxiliar os coordenadores, ele permite progressos e não admite ser controlado pelo alfabetizador.
5ª Fase: Elaboração de fichas com a decomposição das famílias fonêmicas:aqui o método adota um método de ensino diferente do tradicional, consistindo na preparação de fichas. Nessas as famílias fonéticas são contextualizadas com as palavras geradoras (FREIRE, 1979, p. 51). Freire (2006) descreve que é nessa fase que se começa o fazer de alfabetizar – ‘ato concreto da alfabetização. Tal processo prossegue aos passos seguintes:
- Lança-se a primeira palavra geradora graficamente, juntamente, com a expressão oral, iniciando o debate;
- Descodificação da palavra, propondo a visualização da mesma, constituindo ligação entre ela e o objeto a que se refere, representado na situação;
- Em seguida, apresenta a palavra separada em sílabas para que se reconheça suas partes, e posteriormente as famílias silábicas que compõem a palavra estudada.
Paulo Freire (1979, p. 52) “Estas palavras, estudadas, primeiro de forma isolada, são examinadas depois em um conjunto”. Nesse processo se passa da leitura à escrita. Da leitura de mundo, à escrita da palavra, porque nesse processo é necessário “conduzir os alunos a conscientizar-se primeiro, para que logo se alfabetizem a si mesmos” (FREIRE, 1979, p. 54).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A alfabetização de Jovens e Adultos (EJA) é caracterizada por uma metodologia de ensino tradicional, bastando apenas juntar as sílabas e formar as palavras até conseguir um texto todo; sem ensinar ler as entrelinhas do texto e relacioná-las como inferências para compreender a sociedade em que vive e o mundo ao seu redor.
Através do método de alfabetização de Paulo Freire , na década de 60, começava-se a pensar em educação humanizadora, dialogada, conhecedora da realidade dos educandos para interferir e mudar as condições impostas aos sujeitos, até então, considerados ingênuos.
Dessa forma que, esta análise de atitude bibliográfica torna-se de suma importância nos tempos atuais onde muitos educadores, ainda, ensinam tradicionalmente. O método de alfabetização de Paulo Freire nos proporciona uma literatura que nos ensina formar sujeitos empoderados, plenos de si e reconhecidos perante a sociedade. E, Paulo freira, em sua literatura pedagógica, ensina os caminhos a serem percorridos a fim de entender a si mesmo, a sua realidade e o seu mundo e, o mais importante, não ser mais passivo, mas sujeito ativo e crítico capaz de transformar a realidade que vive.
Concluindo, a metodologia freiriana renovou a educação no Brasil e em outros países, contribuindo para a transformação na vida dos educandos, possibilitando reconhecer o seu lugar na sociedade e compreenderem que são cidadãos de direitos e, consequentemente, a diminuição das desigualdades sociais existentes. A alfabetização de Freire é um processo de despertamento do saber, do viver, de experienciar, de desejar, de sonhar e de esperançar.
REFERENCIAS
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é o método Paulo Freire? 1986.
FEITOSA, Sonia Couto Souza. Método Paulo Freire: princípios e práticas de uma concepção popular de educação. 1999.
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FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire/Paulo Freire; [tradução de Kátia de Melo e Silva; revisão técnica de Benedito Eliseu Leite Cintra]. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979.
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