RELATO DE CASO: TRAUMA HEPÁTICO COMPLEXO E SUAS COMPLICAÇÕES APÓS CIRURGIA DE CONTROLE DE DANOS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10023137


Andressa Cortez Bellotti Rodante1
Pedro Reis Gutler2


INTRODUÇÃO

Na distribuição trimodal de mortalidade de acordo com o ATLS (Advanced Trauma Life Support), o segundo pico pode decorrer de lesões de órgãos sólidos como o fígado, cuja sobrevida dependerá diretamente da qualidade da assistência prestada nos atendimentos pré-hospitalar e hospitalar. O trauma hepático é uma das lesões abdominais mais comuns no trauma, sendo o segundo órgão mais atingido em vítimas de trauma contuso (35-45%) e frequentemente associado a lesão de outros órgãos intra-abdominais. O tratamento pode variar de não operatório até cirurgia de controle de danos, utilizando como parametros a estabilidade hemodinâmica, grau da lesão (AAST), irritação peritoneal e lesão de outros órgãos.

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

Um paciente vítima de queda de moto, foi admitido com estabilidade hemodinâmica, porém evoluiu com peritonite sendo indicada laparotomia exploradora que evidenciou arco costal direito penetrando a cavidade abdominal, avulsão  completa dos segmentos hepáticos IVb e V e lesão de via biliar (ducto cístico). Submetido a drenagem torácica fechada a direita com frenorrafia ipsilateral. Realizada manobra de Pringle por 25 minutos, hepatectomia, colecistectomia e ligadura do ducto cístico, não evitando contudo, hipotensão e sangramento difuso do leito hepático após liberação da manobra de Pringle. Optou-se por empacotamento hepático com 16 compressas, com meta de damage control. Foi encaminhado para  estabilização em leito de terapia intensiva com posterior reabordagem em 48 horas, com boa hemostasia. Durante a internação, o paciente evoluiu com injúria renal aguda e subsequente necessidade de terapia dialítica, acrescida de pneumonia nosocomial, bilioma e abscesso hepático, afecções relacionadas ao terceiro pico de mortalidade do trauma. O bilioma e abscesso hepático foram drenados cirurgicamente, em ocasiões distintas da internação, com posicionamento de dreno túbulo laminar. Apesar das complicações relacionadas ao trauma grave, o cuidado pós-operatório clínico-cirúrgico permitiu que recebesse alta médica após 66 dias de internação.

DISCUSSÃO

Laparotomias definitivas por traumas penetrantes com lesões de órgãos sólidos, vasculares e de vias biliares configuram difíceis desafios cirúrgicos. Muitas vezes, a tríade letal do trauma (coagulopatia, acidose e hipotermia) se instala antes mesmo do término da cirurgia. O damage control, inicialmente proposto para controle da hemorragia e da contaminação, com empacotamento intraperitoneal e fechamento rápido, permite a ressuscitação em UTI para posterior tratamento definitivo.

No caso clínico relatado, inicialmente tentou-se tratamento definitivo, dada estabilidade hemodinâmica, porém sem sucesso mesmo com manobras realizadas e cirurgiões experientes. A cirurgia de controle de danos, bem como sua reabordagem (second look) foram primordiais para sobrevida do paciente, no entanto, devido a gravidade da lesão, também existem complicações. Lesões da árvore biliar com a formação de bilioma e abscessos são complicações frequentes, que podem ser drenadas via percutânea ou cirúrgica.

COMENTÁRIOS FINAIS

Traumas hepáticos são frequentes e não raros, projetam quadro de gravidade às suas vítimas, tornando sua abordagem desafiadora complexa. Independente do tipo de tratamento  adotado, cirúrgico ou não operatório, cerca de 12-14% dos casos podem evoluir com complicações4. Dentre elas, abscessos intrahepáticos, hemorragia tardia, pseudoaneurisma de artéria hepática e biliomas. Diversas abordagens são possíveis e irão depender do grau de infraestrutura e complexidade do centro de trauma. O diagnóstico assertivo e precoce permite maior sobrevida e celeridade na reinserção do paciente em suas funções sociais e laborais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.’Damage control’: an approach for improved survival in exsanguinating penetrating abdominal injury.Rotondo MF, Schwab CW, McGonigal MD, Phillips GR 3rd, Fruchterman TM, Kauder DR, Latenser BA, Angood PA. J Trauma. 1993;35(3):375.

2.American Association for the Surgery of Trauma Organ Injury Scale I: spleen, liver, and kidney, validation based on the National Trauma Data Bank.Tinkoff G, Esposito TJ, Reed J, Kilgo P, Fildes J, Pasquale M, Meredith JWJ Am Coll Surg. 2008;207(5):646.

3.Diagnosis and management of bile leaks after blunt liver injury.Wahl WL, Brandt MM, Hemmila MR, Arbabi S Surgery. 2005 Oct;138(4):742-7; discussion 747-8.

4.Liver trauma: WSES 2020 guidelines.


1, 2Hospital de Urgências de Goiás (HUGO)