PREDITORES DO PSEUDODIAGNÓSTICO DA DEPRESSÃO UNIPOLAR NO TRANSTORNO BIPOLAR TIPO 2: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA

PREDICTORS OF THE PSEUDODIAGNOSIS OF UNIPOLAR DEPRESSION IN BIPOLAR TYPE 2 DISORDER: A SYSTEMATIC REVIEW OF THE LITERATURE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10037838


Andressa Sipriano1
Evandro Calegari2
Talize Foppa3


Resumo 

O diagnóstico de transtorno bipolar tipo 2 e transtorno depressivo maior é frequentemente desafiador, uma vez que ambos podem apresentar sintomas semelhantes. Além disso, os pacientes com transtorno bipolar tipo 2 podem apresentar episódios depressivos prolongados e graves, que podem ser erroneamente diagnosticados como transtorno depressivo maior. Esses erros de diagnóstico podem levar a tratamentos inadequados e a resultados insatisfatórios para o paciente. Desta forma o trabalho teve como objetivo avaliar os preditores do subdiagnóstico do transtorno bipolar tipo 2 em pacientes com transtorno depressivo maior, através de uma revisão sistemática da literatura mediante busca nas bases de dados Cochrane Library, scienciDirect e PudMed. Utilizou-se a ferramenta Cochrane PICOT para organização dos dados. Foram encontrados 38969 artigos, sendo que 3406 foram pré-selecionados, 3390 foram descartados por não cumprirem os critérios de inclusão, 3 foram descartados por duplicatas e 16 foram selecionados para leitura na íntegra. Claramente, existem evidências substanciais que apontam para a subnotificação frequente do transtorno bipolar, em particular o subtipo bipolar II. Distinguir com precisão entre o transtorno bipolar e o transtorno depressivo unipolar pode ser uma tarefa desafiadora. No entanto, há notáveis ​​discrepâncias de relevância clínica nas características dos pacientes, na trajetória clínica, nos critérios diagnósticos, bem como nas respostas aos antidepressivos, entre essas duas categorias de transtornos do humor. Estar ciente dessas diferenças, juntamente com a manutenção de um nível baixo de suspeita de transtorno bipolar em pacientes com sintomas depressivos, pode contribuir significativamente para o reconhecimento e o tratamento adequado dessa doença ambientalmente debilitante.

Palavras-chave: Transtorno bipolar tipo 2, Transtorno depressivo maior, Diagnóstico tardio, Transtorno do humor, Diagnóstico incorreto.

Abstract 

The diagnosis of bipolar disorder type 2 and major depressive disorder is often challenging, as both can present similar symptoms. Additionally, patients with bipolar disorder type 2 may experience prolonged and severe depressive episodes, which can be mistakenly diagnosed as major depressive disorder. These diagnostic errors can lead to inadequate treatments and unsatisfactory outcomes for the patient. Thus, the study aimed to assess predictors of underdiagnosis of bipolar disorder type 2 in patients with major depressive disorder through a systematic literature review by searching the Cochrane Library, ScienceDirect, and PubMed databases. The Cochrane PICOT tool was used for data organization. A total of 38,969 articles were found, of which 3,406 were pre-selected, 3,390 were discarded for not meeting the inclusion criteria, 3 were discarded as duplicates, and 16 were selected for full-text reading. Clearly, there is substantial evidence pointing to the frequent underreporting of bipolar disorder, particularly the bipolar II subtype. Accurately distinguishing between bipolar disorder and unipolar depressive disorder can be a challenging task. However, there are notable clinical relevance discrepancies in patient characteristics, clinical course, diagnostic criteria, as well as responses to antidepressants between these two mood disorder categories. Being aware of these differences, along with maintaining a low level of suspicion of bipolar disorder in patients with depressive symptoms, can significantly contribute to the recognition and appropriate treatment of this debilitating condition.

Keywords: Bipolar disorder type 2, Major depressive disorder, Late diagnosis, Mood disorder, Incorrect diagnosis.

INTRODUÇÃO

Transtornos do humor, também conhecidos como transtornos afetivos, são uma categoria importante de doenças psiquiátricas, que incluem transtorno depressivo, transtorno bipolar e outros transtornos. Existem muitos adjetivos descritivos usados para descrever o humor, como deprimido, triste, vazio, melancólico, angustiado, irritável, desconsolado, excitado, eufórico, maníaco, jubiloso e outros. Alguns desses adjetivos podem ser observados pelo médico, como um rosto infeliz, enquanto outros só podem ser sentidos pelo paciente, como a desesperança. (DSM-V, 2014). 

O transtorno bipolar (TB) é uma enfermidade incapacitante que tem um efeito significativo na qualidade de vida dos pacientes, prejudicando seu funcionamento social, aumentando a probabilidade de morte por suicídio (PATELLA, et al, 2018). A doença se manifesta por meio de sintomas depressivos e episódios maníacos ou hipomaníacos, sendo que os episódios depressivos são os mais comuns ao longo da doença (CLEMENTE, ADAUTO SILVA et al, 2015). 

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Transtorno Depressivo Maior é a principal causa de incapacidade no mundo e afeta cerca de 300 milhões de pessoas globalmente. Um Transtorno Depressivo Maior se apresenta sem qualquer história de episódios maníacos, mistos ou hipomaníacos. De acordo com o diagnóstico, o episódio depressivo deve ter uma duração mínima de duas semanas, além disso, o indivíduo diagnosticado também pode apresentar pelo menos quatro sintomas de uma lista que inclui mudanças no apetite e peso, alterações no sono e atividade, falta de energia, sentimento de culpa, dificuldades para tomar decisões e pensamentos recorrentes sobre morte ou suicídio.

O diagnóstico de transtorno bipolar tipo 2 e transtorno depressivo maior é frequentemente desafiador, uma vez que ambos podem apresentar sintomas semelhantes, como tristeza, desesperança e perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas. Além disso, os pacientes com transtorno bipolar tipo 2 podem apresentar episódios depressivos prolongados e graves, que podem ser erroneamente diagnosticados como transtorno depressivo maior. Esses erros de diagnóstico podem levar a tratamentos inadequados e a resultados insatisfatórios para o paciente (SAUER, H. et al, 1997).

Vários estudos recentes têm examinado as taxas de erro de diagnóstico entre transtorno bipolar tipo 2 e transtorno depressivo maior. Um estudo realizado por Wardhani et al. (2019) examinou as práticas diagnósticas em pacientes com transtorno depressivo maior e transtorno bipolar tipo 2 em uma clínica psiquiátrica de referência e descobriu que 27% dos pacientes diagnosticados com transtorno depressivo maior foram posteriormente diagnosticados com transtorno bipolar tipo 2.

Outro estudo realizado por Menezes et al. (2018) avaliou as taxas de erro de diagnóstico em pacientes que foram inicialmente diagnosticados com transtorno depressivo maior, mas posteriormente receberam o diagnóstico de transtorno bipolar tipo 2. O estudo constatou que os pacientes com transtorno bipolar tipo 2 foram frequentemente mal diagnosticados como tendo transtorno depressivo maior (até 50% dos casos) e que a presença de hipomania e histórico familiar de transtorno bipolar foram os preditores mais fortes de um diagnóstico correto.

Na prática clínica, o diagnóstico correto do TB é desafiador, especialmente durante os episódios depressivos. Aproximadamente 69% dos pacientes com TB são inicialmente diagnosticados de maneira equivocada com depressão unipolar (DU) e precisam consultar, em média, quatro médicos antes de serem diagnosticados corretamente com TB (HIRSCHFELD et al., 2014). 

O presente estudo teve como objetivo uma revisão sistemática da literatura que busca investigar os preditores do pseudodiagnóstico de depressão unipolar em pacientes com transtorno afetivo bipolar tipo 2, fornecendo, desta forma subsídios para o aprimoramento do diagnóstico e tratamento de pacientes que apresentam sintomas semelhantes, a fim de promover a melhoria da qualidade de vida desses indivíduos.

DELIMITAÇÕES METODOLÓGICAS 

Desenho e local

Revisão sistemática conduzida de acordo com o Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions, Higgins 2019. 

A revisão será relatada seguindo as recomendações do PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses), Moher 2009.

Critérios para inclusão de estudos 

Tipos de Participante

Pacientes com transtorno bipolar tipo 2 pseudo-diagnosticados com transtorno depressivo maior. 

Tipos de estudos

Primários identificados: ensaios clínicos randomizados, ensaios clínicos quasi-randomizados, ensaios clínicos não randomizados, estudos de coorte e estudos caso-controle. Na ausência destes desenhos, seriam considerados também estudos clínicos de fase 2 (coorte único experimental – sem grupo controle) ou séries de casos.

Desfechos

Foram considerados nesta revisão sistemática quaisquer desfechos clínicos, laboratoriais e de imagem. 

Busca por estudos

Busca Eletrônica

Foi realizada busca eletrônica nas seguintes bases de dados gerais:

  • Cochrane Library (via Wiley);
  • Embase (via Elsevier);
  • Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE, via PubMed).

Seleção dos estudos

O processo de seleção dos estudos foi realizado por dois revisores independentes, e todas as divergências resolvidas por um terceiro revisor.

A seleção dos estudos foi realizada em duas etapas. Na primeira etapa foram avaliados os títulos e resumos das referências identificadas por meio da estratégia de busca, sendo os estudos potencialmente elegíveis pré-selecionados conforme a ferramenta Cochrane PICOT. Na segunda etapa, foi realizada a avaliação do texto na íntegra dos estudos pré-selecionados para confirmação da elegibilidade.

O processo de seleção dos artigos elegíveis foi realizado por meio da seleção manual. 

Avaliação crítica dos estudos escolhidos

A avaliação da qualidade metodológica e/ou do risco de viés dos estudos incluídos foi realizada e revisada por dois revisores independentes. Foram utilizadas ferramentas apropriadas para cada desenho de estudo, como seguem:

  • Ensaio clínico randomizado: Tabela de Risco de Viés da Cochrane, Higgins 2019.
  • Ensaio clínico não randomizado ou quase-randomizado: ROBINS-I, Stern 2016.
  • Estudos longitudinais observacionais comparativos (caso-controle e coorte): ROBINS-I, Stern 2016.
  • Para os estudos clínicos fase 1 ou fase 2 sem grupo comparador direto seria utilizada a ferramenta de série de casos do Instituto Joanna Briggs, JBI 2017.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Com base nos critérios definidos para a revisão bibliográfica, através da pesquisa realizada nas bases de dados Cochrane Library, scienciDirect e PubMed. Um total de 38.969 artigos foram identificados, dos quais 3.406 foram selecionados preliminarmente. Entre estes, 3.390 foram excluídos devido à falta de conformidade com os critérios de inclusão, enquanto 3 foram eliminados devido à duplicação e finalmente, 16 artigos foram selecionados (figura 1). Os estudos potencialmente elegíveis foram analisados conforme a ferramenta Cochrane PICOT para a estruturação dos dados.

FIGURA 1. Fluxograma de seleção de estudos sobre os preditores do pseudodiagnóstico da depressão unipolar no transtorno bipolar tipo 2 para inclusão na revisão bibliográfica, 1991 a 2023. 

Dos 16 trabalhos que analisaram os preditores do diagnóstico incorreto do transtorno depressivo maior (TDM) em pacientes com transtorno bipolar tipo 2 (TB 2), 14 foram estudos do tipo ensaios clínicos não- randomizados e 2 foram do tipo caso-controle (tabela 1). 

Em relação à distinção anatômica para o diagnóstico diferencial de transtornos do humor, os estudos com delineamento caso- controle (realizados na China e EUA) apontam diferenças significativas na área superficial e nos volumes subcorticais cerebrais, no que tange a atividade cerebral estudos indicam que padrões com estímulos emocionais intensamente positivo ou negativos ajudam diferenciar TB e TDM (5,6).

TABELA 1. estudos sobre preditores do pseudodiagnóstico da depressão unipolar no transtorno bipolar tipo 2.

ReferênciaPaísAno
Tipo de estudoAmostraVariável dependenteIndicadores associados
Da Silva et al.(1)Brasil2019Ensaio clínico237 casosEfetividade de ferramenta diagnósticaFaixa etária: média de 40 anos
Daly et al.(2)EUA2001Ensaio clínico228 casosTratamentoN/D
H. Sauer et al.(3)Alemanha1997Ensaio clínico257 casosImpacto dos sintomas90 pacientes TDM; 167 pacientes TB
Weinstock et al.(4)EUA2006Ensaio clínico213 casosDiagnóstico121 pacientes com TDM; 92 pacientes com TB
Fung et al.(5)China2015Ensaio clínico35 casos e 29 controlesDiagnóstico diferencial19 pacientes com TDM; 16 pacientes com TB; 29 controles
Diler et et.(6)EUA2013Ensaio clínico20 casos e 10 controlesDiagnóstico diferencial10 pacientes com TDM; 10 pacientes com TB; 10 controles; faixa etária: média de 15 anos
Akechi et al.(7)Japão2018Ensaio clínico2011 casosDiagnóstico incorretoN/D
Zimmerman et al.(8)N/D1999Ensaio clínico500 casosDiagnósticoN/D
Bouhuys et al.(9)Holanda1991Ensaio clínico61 casosAnálise clínica comportamentalIdade entre 22 a 72 anos. Sendo que 41 eram mulheres e 20 homens.
Miklowitz et al.(10)EUA2022Ensaio clínico127 casosAnálise clínicaJovens (com idades entre 9 e 17 anos).
Weintraub et al.(11)EUA2023Ensaio clínico253 casosAnálise clínicaforam 53 adolescentes; (idades de 13 a 19 anos).
Smilowitz, et al.(12)EUA2019Ensaio clínico184 casosAdesão ao tratamentoIdade limite de 55 anos.
Weintraub, et al.(13)EUA2020Ensaio clínico144 casosAvaliação de sintomasO estudo incluiu adolescentes com idades entre 12 anos e 18 anos e 1 mês.
Joyce et al.(14)Austrália2004Ensaio clínico330 casosTraços de personalidade195 pacientes com depressão (sendo 10% com TB2) e 135 pacientes com bulimia (sendo 16% com TB2).
Fernando et al.(15)Nova Zelândia2011Ensaio clínico372 casosCaracterísticas diagnósticasIdade (médias: 31,6 e 35,2) havia mais participantes do sexo feminino.
Benvenuti et al.(16)EUA2008Ensaio clínico344 casosConversão diagnóstica Pacientes com depressão unipolar; Idade entre 18 e 66 anos.

TDM= transtorno depressivo maior; TB= transtorno bipolar; N/D= não disponível.

Entre os estudos de ensaios clínicos não randomizados, no que compete a variável tratamento, a terapia eletroconvulsiva em pacientes bipolares apresenta melhora clínica mais rápida e necessitam menos tratamento em relação a depressão unipolar, além do mais paciente bipolares mais jovens têm mais dificuldades na adesão ao tratamento quando comparados a bipolares mais velhos (2,12).

Quando a variável dependente foi diagnóstico incorreto, estudos relacionam que a idade de início do primeiro episódio e a resposta precoce ao tratamento são preditores de virada maníaca/hipomaníaca, sendo que esta resposta é menos frequente do que a sugerida por achados anteriores (3,0%). Além disso, pacientes com depressão de início na infância ou adolescência apresentam maior risco de desenvolver transtorno de personalidade associado (7,16,15).

Os estudos que buscaram analisar as características clínicas de jovens com transtorno bipolar especificado (em comparação com o transtorno depressivo maior), idade mais jovem, início dos sintomas precoce, sintomas de humor mais graves, funcionamento psicossocial mais baixo e conflitos familiares recorrentes possuem níveis mais elevados de instabilidade de humor. Por outro lado, terapia digital de fala espontânea possui resultados limitados devido a variáveis paralinguísticas ou contextuais (10,11).

No que compete a sintomatologia, cerca de 25-30% dos pacientes jovens, com bipolaridade 1 ou 2, mantêm longos estados eutímicos, o que pode auxiliar em tratamentos psicoterápicos e farmacológicos durante um episódio da doença (13).

O Transtorno Bipolar (TB) e o Transtorno Depressivo Maior (TDM) são duas condições psiquiátricas distintas, mas relacionadas, que afetam o humor e o funcionamento emocional de indivíduos. No TB tipo 2, os indivíduos experimentam episódios recorrentes de depressão maior, intercalados com episódios de hipomania. Um aspecto importante do TB tipo 2 é que os episódios depressivos muitas vezes predominam, o que pode levar a um subdiagnóstico de TDM. (JOYCE, Peter R. et al, 2004) (14).

O Transtorno Depressivo Maior, também chamado de depressão unipolar, é uma condição caracterizada por episódios recorrentes de depressão. Ao contrário do TB tipo 2, o TDM não apresenta episódios de hipomania. A distinção crucial entre o TB tipo 2 e o TDM é a presença de pelo menos um episódio de hipomania. Os pacientes com TB2 podem ter episódios hipomaníacos que não são reconhecidos ou diagnosticados devido à sua natureza menos intensa e não tão evidente quanto os episódios maníacos do Transtorno Bipolar I. Isso pode levar a um foco maior nos sintomas depressivos e a um diagnóstico incorreto de depressão unipolar. (JOYCE, Peter R. et al, 2004) (14).

A abordagem clínica atual, que depende exclusivamente dos sintomas para realizar diagnósticos, demonstra uma sensibilidade relativamente baixa (45% para Transtorno Bipolar e 40% para Depressão Maior) e especificidade (81% para Transtorno Bipolar e 87% para Depressão Maior). Por outro lado, estudos de neuroimagem sobre as características anatômicas do cérebro apresentaram uma acurácia geral na distinção entre pacientes com Transtorno Bipolar (TB) e Depressivo Maior (TDM) que atingiu 74,3%, com uma sensibilidade de 62,5% e uma especificidade de 84,2%. Portanto, a implementação de métodos de classificação assistida por imagens pode ser uma ferramenta valiosa para aprimorar a precisão dos diagnósticos e orientar tratamentos específicos. (Fung et al. BMC Psiquiatria 2015) (5).

De acordo com Fung et al; 2015, o estudo sobre as diferenças neuroanatômicas entre o Transtorno Bipolar (TB) e o Transtorno Depressivo Maior (TDM) tem se revelado uma área de pesquisa fundamental para compreender as bases biológicas dessas condições psiquiátricas complexas. Uma das descobertas notáveis nesse campo é a presença de diferenças estruturais no cérebro de pacientes com TB em comparação com aqueles com TDM (5).

Também do mesmo autor, relata que pacientes com TB exibem frequentemente áreas superficiais maiores, como o córtex cerebral e o aumento do volume das regiões subcorticais, em comparação com pacientes com TDM, o que pode estar relacionado a disfunções na regulação do humor e do comportamento. Essas variações na morfologia cerebral podem estar relacionadas à natureza episódica do TB, com seus estados maníacos/hipomaníacos e depressivos contrastantes, enquanto o TDM geralmente se caracteriza por episódios prolongados de depressão. Em conjunto, essas descobertas neuroanatômicas fornecem insights valiosos sobre as bases biológicas desses transtornos e podem ajudar a orientar futuras pesquisas e abordagens terapêuticas (5).

De acordo com Joyce et al; 2004, que compara os traços de personalidade e os diagnósticos de transtornos de personalidade entre pacientes com bipolar II e depressão maior. A pesquisa indica que os pacientes com bipolar II tendem a apresentar mais sintomas e diagnósticos de transtornos de personalidade, especialmente os traços borderline, histriônicos e esquizotípicos, além disso os pacientes com TB2 tendem a ter um início mais jovem dos sintomas depressivos em comparação com aqueles com depressão unipolar. Esse início precoce pode levar a diagnósticos incorretos de depressão unipolar, especialmente se os clínicos não considerarem a possibilidade de transtorno bipolar (14).

Outro estudo realizado por Sauer, H. et al; 1997, examina como diferentes escalas de avaliação de personalidade são afetadas pela presença de psicopatologia, especificamente em pacientes com transtorno depressivo unipolar e transtorno bipolar. Embora o estudo não inclua um grupo de controle saudável, os resultados sugerem que pacientes com transtorno bipolar tendem a apresentar maiores pontuações em extroversão, neuroticismo, esquizóide, rigidez, tendência à isolamento e tendências esotéricas, enquanto pacientes com depressão unipolar têm pontuações mais altas em neuroticismo e rigidez, mas não diferem significativamente em extroversão e orientação para normas sociais quando comparados com a população em geral (3).

É importante notar que o diagnóstico preciso de transtornos do humor, como TB2, pode ser desafiador devido à sobreposição de sintomas com outros transtornos. Portanto, é fundamental que os profissionais de saúde mental considerem cuidadosamente os critérios diagnósticos e conduzam avaliações abrangentes para evitar pseudodiagnósticos e garantir que os pacientes recebam o tratamento adequado (JOYCE, Peter R. et al, 2004) (14).

Conforme Da Silva, et al; 2019, a relação entre os fatores comportamentais e a gravidade da depressão dos pacientes, medida pela Escala de Avaliação de Hamilton para Depressão (HRSD); descobriu-se que comportamentos como retardo, alta ativação e desativação geral estavam significativamente correlacionados com a gravidade da depressão. No entanto, outros conceitos de ativação, como agitação e ativação geral, não estavam correlacionados com a gravidade da depressão. O HAM-D6 apresenta coeficiente de homogeneidade forte para pacientes com TDM e moderado para pacientes com depressão bipolar, o que concorda com a revisão sistemática de Bouhuys et al (9).

É importante notar que existem poucas escalas psicométricas que fornecem medir de maneira adequada a sintomatologia mista (Da Silva et al; 2019). De acordo com a revisão recente de Zimmerman, apenas o Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia (Spitzer et al., 1978) e a Bipolar Inventory of Sintomas Scale (Bowden et al., 2007) avaliam sintomas depressivos e mistos de acordo com os critérios do DSM-5. Outras medidas se concentram apenas em aspectos de depressão, mania/hipomania ou em alguns de seus sintomas (Zimmerman et al; 1999) (1,8).

Vale ressaltar que a validade do conteúdo do HAM-D6 está relacionada principalmente ao domínio depressivo da depressão bipolar com características erradas. Weinstock et al. descobriu que sintomas semelhantes à mania em pacientes com sintomatologia mista são mais bem avaliados pela Young Mania Rating Scale do que pela Bech-Rafaelsen Mania Scale ou pela Clinician-Administered Rating Scale for Mania quando usados ​​em conjunto com a HAM-D21 (Weinstock et al., 2006). Esses achados destacam a complexidade da avaliação da sintomatologia mista e a necessidade de instrumentos mais específicos nesse contexto (4).

Conforme Fung et al; 2015, existem diferenças significativas nas características neuroanatômicas, incluindo área cortical superficial e volumes subcorticais, entre pacientes com Transtorno Bipolar (TB) e Transtorno Depressivo Maior (TDM). A capacidade de utilização dessas características biológicas específicas para uma classificação precisa entre essas duas condições têm implicações clínicas substanciais, especialmente no contexto de facilitar tratamentos mais específicos e direcionados (5).

A aplicação do algoritmo de classificação discriminativa entre pacientes com TB e TDM, utilizou a máquina de vetores de suporte (MVS), essas características morfológicas da região do córtex orbitofrontal permite uma distinção eficaz entre esses transtornos, alcançando taxas de classificação correta de até 74,3% (Fung et al; 2015) (5).

Por fim, é importante destacar que a prática clínica atual, que se baseia principalmente na avaliação da sintomatologia, demonstra sensibilidade limitada (TB: 45%; TDM: 40%) e especificidade (TB: 81%; TDM: 87%) no diagnóstico diferencial entre TB e TDM. Portanto, a identificação dessas diferenças espaciais na espessura cortical e área superficial em pacientes com TB e TDM sugere a presença de processos neuropatológicos diferentes subjacentes a esses dois transtornos, indicando possíveis variações etiológicas entre eles. Esses achados têm implicações significativas na busca por abordagens mais precisas e específicas no tratamento desses distúrbios (Fung et al; 2015) (5).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inquestionavelmente, evidências sólidas indicam que o transtorno bipolar, notadamente o subtipo bipolar II, é comumente subestimado em termos de diagnóstico. O atraso na aplicação de tratamentos específicos para o transtorno bipolar pode resultar em desdobramentos clínicos indesejados, tais como a melhora dos ciclos após a administração de antidepressivos sem a estabilização da vida do estado de ânimo. A distinção entre o transtorno bipolar e o transtorno depressivo unipolar pode, de fato, representar um desafio substancial. Entretanto, é fundamental ressaltar que existem discrepâncias clinicamente relevantes nas características dos pacientes, no curso clínico, nos critérios diagnósticos e nas respostas aos antidepressivos entre ambas as categorias de transtornos do humor.

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1Graduanda em Medicina. Instituição: Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (UNIARP). Endereço: Rua Victor Baptista Adami, 800, Centro, Caçador – SC, CEP: 89500-199. E-mail: andressasipriano@gmail.com
2Graduando em Medicina. Instituição: Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (UNIARP). Endereço: Rua Victor Baptista Adami, 800, Centro, Caçador – SC, CEP: 89500-199. E-mail: evandro-calegari@hotmail.com
3Mestra em Farmácia. Instituição: Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (UNIARP). Endereço: Rua Victor Baptista Adami, 800, Centro, Caçador – SC, CEP: 89500-199. E-mail: talize@uniarp.edu.br